“Um poeta é um rouxinol que se senta na escuridão,
e canta para se confortar da própria
solidão com seus próprios sons.
Seus ouvintes são homens arrebatados
pela melodia de uma música invisível,
que se sentem comovidos e em paz,
ainda que não saibam
como nem porquê.”- Percy Bysshe Shelley

 

 

“Os sussurros que surgem na escuridão nos remetem a vários significados, talvez um desses sussurros seja um aviso, um alerta, ou até mesmo um pedido de ajuda.

Ou também um desabafo, uma raiva acumulada tentando se expressar como pode. Para os irmãos Miyazaki, talvez todos esses sussurros tenham algum significado, ao menos… É o que parece.”


Saori pega o celular e usa a lanterna do mesmo para iluminar o chão e tenta ir descendo se escorando nas paredes.

No corredor, Takeru aparece e busca pelas garotas.

— SAORI-CHAN!

— TAKERU-KUN! AQUI! A KATO TÁ EM PERIGO!

Takeru começa a correr como nunca na direção daquele porão.

Saori tenta descer mais um degrau, mira a lanterna do celular para atrás, na direção da porta, e vê a imagem de um homem com a cabeça sangrando e vestindo um terno marrom.

TENHA UMA BOA AULA!

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH!!

Saori derruba o celular, se desequilibra e cai rolando as escadas daquele horripilante porão.

No corredor, o desespero invade os sentidos de Takeru.

— SAORI-CHAN!!!!!!

Takeru corre. Chega finalmente à porta do porão, mas a mesma fecha bruscamente e o empurra para trás.

— Ahhhhhhh!

No chão, Takeru tenta se levantar e se depara com algo demoníaco. A entidade de uma mulher de vestido branco e cabelos longos em sua frente.

FOI VOCÊ, TAKERU?

Direto dos pulmões de Takeru, o grito mais certeiro que já dera em sua vida.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH!!

 

A casa sussurra o medo, a casa sussurra o desespero, a casa sussurra a escuridão.


 

OPENING:

 


 

            EPISÓDIO 3:

“SUSSURROS NA ESCURIDÃO”


 

PORÃO DA MANSÃO DOS MIYAZAKI

 

Saori está caída ao pé da escada, a jovem Kato continua a escapar da entidade do garoto e acaba tropeçando em sua irmã.

— MANA! Mana, você tá bem?

Saori começa a acordar atordoada.

— Kato-chan. O… O que aconteceu?

No corredor, Takeru está tampando os olhos com as mãos ainda caído no chão. Ele abre os olhos lentamente e vê que aquela entidade já não se encontra mais ali.

Ele se levanta e fica atordoado tentando entender o que acabara de acontecer.

No porão, Kato ajuda a sua irmã a se levantar.

— Mana, vamos sair daqui, por favor!

— Claro, maninha. Me ajuda a procurar meu celular, deve ter caído em algum lugar perto da escada.

A porta do porão se abre assustando Saori e Kato, mas trata-se de Takeru.

— TAKERU-KUN?

— Saori-chan, Kato-chan, vocês estão bem?

Ele desce as escadas para ir acudi-las.

— Takeru, me ajude a procurar meu celular e vamos sair desse porão horroroso.

— Tá bom, ah ele tá ali, vou pegar pra você. (Vai na direção do celular atrás da escada que ficou com a lanterna ligada)

— Mana, ele tá aqui. Eu o vi de novo.

— Quem tá aqui, Kato?

— Aquele menino da outra noite, ele estava segurando o Sr. Coelho.

Saori olha para Takeru e não sabem se acreditam ou não. Takeru entrega o celular para Saori e decide pegar Kato no colo.

— Vem, vamos sair daqui. Você consegue levantar, Saori?

— Acho que sim.

Os três sobem na escada e quando finalmente chegam no final, a porta se fecha bruscamente. Takeru tenta abrir e dessa vez não consegue.

— Não tá abrindo. Por que não tá abrindo?

— E agora? O que a gente vai fazer?

— Precisamos achar outra saída, venham comigo!

— Mano, cuidado, ele pode aparecer.

Os três descem novamente a escada. Eles ouvem um barulho. Saori e Kato ficam cada vez mais assustadas.

Takeru coloca Kato no chão, pede pra ela abraçar as pernas de sua irmã. Então ele pega uma espécie de taco de hóquei que encontra ali no meio daquelas velharias.

Ele acena para as duas irmãs ficarem atrás dele enquanto Saori ilumina o caminho com a lanterna do celular. Takeru fica com o taco nas mãos sempre em alerta.

Kato não consegue disfarçar o medo que está sentindo e abraça forte a sua irmã.

— Mana, eu estou com muito medo.

— Nós vamos sair daqui, Kato. Não se preocupe.

Outro barulho é ouvido. As irmãs ficam em alerta. Takeru procura pelos 4 cantos daquele porão sem sair de perto delas.

— Escuta aqui! Se tiver alguém aí, é bom que apareça agora ou eu juro que enfio esse taco na sua guela!

Os três ficam a tecer do medo. Caminham a passos lentos e cautelosos, os seus corações estão aflitos e sentem que a saída está cada vez mais distante de ser alcançada.

Um barulho de ferragens é ouvido. Takeru imediatamente associa esse barulho ao…

— O elevador!

Os três correm na direção do elevador e percebem que ele está começando a subir sozinho.

— Depressa! Entrem!

Ele pega Kato no colo e a coloca dentro do elevador, em seguida, chama Saori pra subir.

— Rápido, antes que ele suba de vez.

— O elevador não vai caber nós três.

— Vai ter que caber.

Saori sobe. O elevador está subindo lentamente. Takeru se prepara para subir, quando tenta colocar um dos pés em cima, escorrega e fica pendurado. O elevador começa a subir mais rápido e ele fica preso tentando ir pra dentro da plataforma do elevador.

— TAKERU!

— MANO!

— SEGURA MINHA MÃO!

— MANA, NÃO DEIXA ELE CAIR, POR FAVOR!

— SAORI, NÃO PRECISA SE PREOCUPAR COMIGO. FIQUE DE OLHO NA KATO!

— NÃO! SEGURA O MEU BRAÇO!

Saori enfrenta a dificuldade de puxar o seu irmão para dentro daquele pequeno elevador. Após muito esforço, ela consegue trazer o tronco dele para a plataforma e, em seguida, ele se arrasta para caber ali dentro.

Os três ficam bem encolhidos e desconfortáveis. O elevador vai subindo até finalmente chegar na entrada da sala.

A grade já estava aberta. Takeru coloca Kato para descer primeiro, em seguida desce e ajuda Saori a descer.

— Vocês duas estão bem?

Kato, chorando, diz:

— Ele estava lá. Eu juro, ele estava lá!

 

SALA DE ESTAR, NOITE.

 

Os três irmãos estão sentados juntos no sofá e Kaiba está dando um sermão neles, completamente revoltado com o que aconteceu.

— Será possível? Será possível isso? Eu dou a vocês dois apenas uma missão. UMA MISSÃO! Tomar conta da irmã mais nova de vocês. E como vocês me retribuem? Pregando peças e fazendo brincadeiras de mal gosto com ela. Vocês já são quase maiores de idade e se comportam como adolescentes mimados!

Kato tenta contornar a situação.

— Mas papai, tinha alguém lá embaixo e ele estava segurando o senhor coelho.

— Sério isso? Então por que o senhor coelho está bem ali na poltrona?

Kato olha pra poltrona ao lado e se assusta ao ver o seu coelho de pelúcia ali.

— Mas…

— Por favor, Kato. Pare de defender os seus irmãos. Tomei uma decisão, iremos contratar uma babá para a Kato essa semana, já que vocês dois não conseguem tomar conta de uma criança de 7 anos.

— Mas pai, não tem necessidade de…

— Já basta, Takeru! Já tomei a minha decisão. Mei, leve a Kato para o quarto.

— Vamos, docinho! Hora de ir pra cama.

— Mas mamãe, eu…

— … Você ouviu o seu pai, vamos!

Mei leva Kato no colo dali da sala. Kaiba continua enfurecido com os gêmeos.

— E enquanto a vocês dois… Ficarão de castigo o fim de semana. Sem celular para a Saori e sem o carro para Takeru.

— Mas pai…

— … Não ouse me questionar, mocinha. Vamos! Celular e chaves do carro nas minhas mãos agora.

Os dois entregam os seus pertences nas mãos de Kaiba completamente envergonhados.

— Vão para os quartos de vocês. Espero que reflitam durante esse fim de semana o que fizeram.

Os dois se levantam do sofá e vão em direção à escada, cabisbaixos e com o semblante de vergonha e impotência.

 

COLÉGIO YAMATO, 3 DIAS DEPOIS.

 

Passou-se o fim de semana do castigo de Takeru e Saori. Os dois estão em sala de aula há metros de distância um do outro. Uma professora nova (na verdade a mesma que escutava a conversa dos dois com a coordenadora naquele dia no corredor) entra em sala de aula se apresentando.

— Muito bom dia, alunos! Sentem-se pra quem estiver fora de suas carteiras (Pegando o pincel e se dirigindo ao quadro). O meu nome é Haruka Mori e… (Virando-se para eles novamente) Serei a nova professora de história de vocês.

Haruka tem 40 anos, cabelos castanhos claros e ondulados até as costas. Usa franja, uma maquiagem forte com um brilhoso batom vermelho e roupas sociais (saia e blaser).

Cerca de 1 hora se passa e os alunos estão indo para o recreio após tocar o sinal e a aula de Haruka ter terminado.

Antes de Saori e Takeru saírem da sala, ela os chama.

— Com licença, senhores!

Os dois estranham aquela professora desconhecida terem chamado a atenção.

— Escutem, não posso conversar sobre isso agora e muito menos aqui no colégio, mas tudo o que eu digo a vocês por enquanto é… Cuidado com aquela casa.

Saori olha para Takeru, ele não entende o que ela quis dizer. Haruka sorri, pega a sua bolsa e sai da sala deixando os irmãos completamente intrigados.

 

MANSÃO MIYAZAKI, HORAS DEPOIS.

 

Os irmãos chegam da escola. Kato imediatamente chama sua irmã para brincar.

— Mana, brinca comigo no balanço que o papai colocou lá fora.

— Por que não pede para o seu irmão fazer isso? Eu vou trocar de roupa. Tchau!

— Mano, você brinca comigo?

— Claro, meu anjo. Vamos primeiro deixar as coisas dentro de casa, trocar essa roupa da escola e depois a gente brinca, pode ser?

— Tá bom!

 

Alguns minutos mais tarde, Saori está na cozinha colocando chá em uma caneca. Ela observa pela janela, Takeru empurrando Kato no balanço.

Saori toma um gole do chá e continua a observar. Lá fora, Kato está se divertindo.

— Yupiii! Mais rápido, mano! Mais rápido!

— Não, não pode ser muito rápido porque é perigoso você cair. Nesse ritmo tá bom.

— Tá bom, então me balança só mais uma vez.

— Ok, vamos lá… Pronta?

— Pronta!

Takeru puxa o balanço um pouco para trás e solta deixando Kato balançando sozinha.

Ele sai um pouco pro lado do balanço e pega seu celular pra conferir as redes sociais.

— Mano, tá muito bom!

— Beleza, Kato. Calma que eu já estou indo aí.

Takeru fica distraído olhando as notícias no celular, Kato está se divertindo, o balanço está quase parando, mas vemos duas mãos femininas brancas e azuladas segurando aquele balanço e empurrando ainda mais ele.

Kato a princípio se diverte, pois acha que é o seu irmão que está fazendo isso, mas em seguida, ela vê que o balanço está indo cada vez mais forte e cada vez mais alto. E por algum motivo, Kato não consegue parar.

— MANO? MANO!!! EU NÃO CONSIGO PARAR!

— Mas o que tá…?

Ele se vira, guarda o celular no bolso e vê Kato balançando em uma altura e velocidade descomunal.

— KATO!

Takeru não consegue entender como aquele balanço alcançou aquela velocidade, Kato está desesperada.

— Mano, eu quero descer!

Takeru tenta pegar na corrente do balanço, mas não consegue. A entidade continua a balançar sem que Takeru ou Kato pudessem ver.

Na cozinha, Saori escuta os gritos do lado de fora, ela olha pela janela e vê Kato balançando naquela altura perigosa e seu irmão ali do lado tentando parar.

— KATO-CHAN!

Ela larga a caneca de chá em cima da mesa e corre para o lado de fora.

O desespero toma conta dos irmãos Miyazaki.

— SOCORRO! ME AJUDA!

— KATO, SE SEGURA!

— MANO!!

Saori vai para fora, e corre na direção do balanço.

— KATO-CHAN! KATO-CHAN, CUIDADO!

Sem nenhuma previsão daquele balanço finalmente parar. Kato não aguenta se segurar por muito tempo e na última volta para frente, ela escorrega uma de suas mãos e o balanço a arremessa para frente. Takeru entra em desespero.

— KATO-CHAN! NÃAAO!

— AAAAAAAAAHHH!!

Saori corre e usa suas últimas forças para tentar alcançar a irmã.

— KATO-CHAN!!!

Kato cai em cima do colo de Saori. Ela se levanta rapidamente pegando no rosto dela.

— Você tá bem? Tá machucada?

Takeru chega em seguida.

— KATO-CHAN!

Saori se levanta rapidamente colocando Kato em seu colo.

— FICA LONGE!

— Mas Saori, eu…

— O que foi que deu em você, seu maluco?

— Espera, acha que fui eu que fiz isso?

— Eu já tolerei muita coisa de você, Takeru. Mas isso foi o cúmulo! Vamos, Kato!

Ela leva Kato para dentro. Takeru fica confuso. Ele olha para trás e vê que o balanço está totalmente imóvel como se nunca tivesse sido usado.

Na casa, Saori entra, coloca Kato no chão e diz:

— Vai pra cima, meu amor. Eu vou levar chá pra você.

Kato vai subindo as escadas. Takeru entra em seguida.

— Escuta, Saori. Eu não tive culpa, eu…

— NÃO! Pra mim já deu! Eu aceito o meu pai te bajulando, a minha mãe te bajulando, mas eu não aceito você machucar a minha irmã.

— Mas é isso que eu estou tentando te falar, eu não fiz aquilo, eu…

— … Você sempre arruma um jeito de se safar de tudo não é, Takeru? Foi assim que você conseguiu se safar de continuar no internato?

Takeru suspira e, em seguida, não maneira mais nas palavras.

— Olha, quer saber? Eu quero mais é que você se foda! Quase 2 meses que eu estou aqui e estou tentando ser um cara legal e você vive me tratando com desprezo.

Kato fica na grade das escadas vendo e ouvindo toda a conversa.

— Com desprezo não! Eu só percebi o tipo de pessoa que você é.

— Ah então você é santa? Então vai lá, discípula de Buda, mostra o quão santa você é.

— Eu passei um ano inteiro assumindo uma responsabilidade que não era minha.

— E O QUE EU PASSEI, PORRA? HEIN? (Levantando a voz). Acha que foi fácil ter que viver em outro país em um colégio de meninos onde eles só querem fazer uma lavagem cerebral em você?

— Você foi para o internato porque você foi pego em flagrante!

— NÃO, SAORI! Eu fui pro internato porque você me dedurou pro papai. Foi o seu depoimento que me destruiu!

Enquanto discutem e se exaltam cada vez mais, podemos ver que vozes sussurram pela casa. Kato fica aflita vendo os dois irmãos brigarem daquela forma. Há uma pequena estátua de gesso de buda em um armário que começa a se mover como se houvesse um terremoto na casa.

A medida que a discussão se tornava mais acalorada, os objetos na casa tremiam sem que eles percebessem.

— Deveria me agradecer porque eu só contei pro papai e não pra polícia.

— Então por que não contou? Hein? Tenho certeza que você iria adorar se ver livre de mim né, Saori?

— Foi você que escolheu tudo isso!

— Quer saber? Você é uma egoísta!

— Egoísta?

Ele se aproxima do rosto dela.

— É sim, uma egoísta, escrota do caralho, que vive se vitimizando pra todo mundo achando que é a mocinha da história quando não passa de uma carente de merda clamando por atenção.

— Não se atreva, Takeru!

— É isso que você é, Saori! Por isso que nunca arrumou um namorado, porque ninguém gosta de meninas carentes que nem você. Isso é, acho que na verdade você é daquelas quietinhas safadas. Não tenho dúvida que você vivia abrindo essas pernas pra tudo que é macho que aparecia na rua que nem uma vagabunda!

— CALA A BOCA!

Saori acerta um tapa seco no rosto de Takeru. Os objetos param de tremer e as vozes param de sussurrar.

Kato desce as escadas e com lágrimas nos olhos, clama:

— PAREM! PAREM DE BRIGAR, POR FAVOR! PAREM DE BRIGAR!

Takeru fica impressionado com o tapa que recebera da irmã, porém Saori não sentiu nenhuma satisfação em ter feito isso e claramente ficou tão chocada quanto ele.

— Takeru, eu…

— Vai pro inferno, Saori!

Takeru vai para fora da casa.

— Não, Takeru! Takeru, espera!

Takeru entra no seu carro e sai dali completamente chateado e atordoado.

Alguns minutos depois, vemos Takeru na cidade, entrando em uma mercearia. Ele se aproxima do balcão.

— Uma cerveja, por favor.

— Você já tem 18 anos?

— O que acha, idiota? Me arruma logo!

 

MANSÃO MIYAZAKI- 9 DA NOITE.

 

A porta da frente se abre e os pais se encontram na sala, reunidos. Mei se levanta e diz:

— FILHO?

Kaiba se aproxima de Takeru, vê que ele está com os olhos inchados, cheira a roupa dele e sem dizer uma só palavra, acerta um tapa na cara dele.

Saori testemunha o momento do tapa assim que adentra à sala.

Takeru coloca a mão no rosto, vê seu pai o encarando com total reprovação, olha para a sua mãe que está um pouco mais atrás e, em seguida, sai dali correndo e vai para as escadas, ignorando totalmente Saori que estava ali parada vendo tudo.

Takeru entra no quarto, claramente está embriagado, até chuta algumas coisas que está por perto, mas não quer saber de mais nada. Apenas se deita na cama, pega um travesseiro, empurra contra a boca e solta um grito repleto de ódio e amargura dali de dentro para que ninguém da sua família escutasse.

Um pouco depois, Saori adentra o seu quarto. Ela fica andando a passos lentos com a mente distante sem saber o que fazer.

Ela olha para o espelho, fica alguns segundos olhando para o seu reflexo. Os seus olhos começam a lacrimejar e antes mesmo de derramar a primeira lágrima, ela acerta um tapa em seu rosto.

Não satisfeita com aquilo, ela pega a outra mão e devolve o tapa no outro lado do rosto. Sentindo um nó na garganta e querendo expelir essa dor de todas as formas, ela começou a se golpear sem parar. Os golpes se tornaram choro e o choro deu lugar aos gritos. Gritos de ódio, remorso, raiva, e dos mais terríveis sentimentos que poderiam se passar na mente de uma jovem de 17 anos.

Mei entra no quarto, observa aquela cena pavorosa que parte o coração de toda mãe. Saori continuando a se bater até cair no chão em prantos.

— SAORI, FILHA! SAORI!

— EU SOU UMA PESSOA HORRÍVEL! EU SOU PÉSSIMA! EU MEREÇO A MORTE!

— Não, filha! Não diga isso, por favor!

Saori chora gritando como uma criança nos braços de sua mãe. Mei não sabe o que fazer, não consegue mensurar a dor de sua filha e só decide ficar ali com ela até o momento oportuno. Até o momento das coisas se acalmarem… Se é que vão se acalmar.

 

MANSÃO MIYAZAKI, DIA SEGUINTE, 5 DA TARDE.

 

A noite anterior não foi nada boa para a família Miyazaki. Takeru se encontra sentado no final da escada, pensativo. Saori chega em seguida e desce os degraus vagarosamente. Ela para um degrau acima de onde ele está sentado, hesita em puxar assunto com ele, mas depois passa direto, descendo o restante das escadas. Após chegar ao piso de baixo, Takeru rompe o silêncio.

— SAORI-CHAN!

Saori se detém, fica por alguns segundos de costas para ele. Não quer se virar, mas ao mesmo tempo não quer seguir o seu caminho.

Ela vira lentamente para trás e antes de perguntar qualquer coisa, Takeru acena com a mão para que ela se sentasse do lado dele na escada. Saori a princípio hesita, mas depois decide ir até ele.

Ela se assenta, ajeita a sua saia, olha para Takeru, ele está olhando para frente e ainda não encara Saori.

Saori começa a mexer seus lábios pra perguntar alguma coisa, mas Takeru decide iniciar o diálogo.

— As coisas nem sempre foram do jeito que a gente imagina que sejam. Por isso que eu não te culpo de me odiar tanto. Algumas coisas, alguns sacrifícios a gente precisa fazer pra… Pra conseguir salvar as pessoas que a gente ama.

Saori estranha o assunto um pouco controverso vindo da parte dele.

— Sabe, Saori? Eu… Eu não estava traficando ou usando drogas por diversão ou… Qualquer outra coisa.

Saori permanece em silêncio.

— Uma vez me disseram que… Um homem consegue manter a sua cabeça mais tempo no lugar… Até aparecer uma garota. E foi aí que tudo mudou na minha vida, Saori… Uma garota.

 

KYOTO, JAPÃO, 2 ANOS ANTES.

 

VOZ EM OFF TAKERU:

 

Se me perguntassem qual super poder eu gostaria de ter, com certeza seria de voltar ao passado e mudar algumas coisas. Dentro dessas algumas coisas, seria mudar o destino daquela garota, a garota por qual me apaixonei: Yukina Akane.

 

A Yukina começou a estudar na nossa escola, e eu a conheci casualmente na hora do recreio quando andava pelo corredor e esbarrei com ela sem querer. Foi aquele típico amor clichê adolescente que a gente assiste nos doramas. Poderia até imaginar uma câmera lenta, closes alternados entre o meu olhar e o dela, aquela musiquinha “kwaii” (fofinho em japonês) tocando, e a gente naquela dúvida cruel se conversava um com o outro, ou não.

Eu me desculpei com ela. Ela apenas acenou com a cabeça e foi embora. Pra aquela garota, eu poderia ter sido apenas um moleque tonto de 15 anos e meio que esbarrou na novata. Mas pra mim, ela era aquele arco-íris que sempre aparece no final de uma chuva de verão.

Com o passar dos dias, descobri que Yukina estudava em uma série anterior a nossa, por isso que achava estranho ela parecer ter minha idade, mas não estudava na mesma classe que eu.

Certa vez, eu disse ao professor que precisava ir ao banheiro. Mas na verdade eu só usei aquela desculpa para ir até a sala dos alunos do 8º ano pra tentar ver aquela bela garota.

Foi o meu dia de sorte, quando espreitei a janela daquela sala, a professora chama uma aluna pelo nome:

 

— Yukina Akane, poderia ler esse verso para a turma, por gentileza?

— Claro, professora.

 

A Yukina se levantou e começou a recitar o que estava naquele livro. Ela tinha os cabelos pretos e brilhosos que batia até um pouco abaixo de seus ombros, usava uma franja e tinha lábios carnudos, rosados, e tão atraentes que quando ela mexia aqueles lábios, eu me sentia enfeitiçado.

Eu não fazia ideia do que ela estava lendo, mas ali naquela janela fiquei. Atordoado, inerte, embasbacado, procurando palavras e adjetivos pra descrever aquele anjo que estava na sala de aula.

Yukina terminou de ler, a professora agradeceu e quando ela fechou o livro, me encarou diretamente naquela janela. Eu não sabia o que fazer, não podia mais disfarçar que não estava ali. Comecei a pensar que talvez a Yukina pensasse: “O que esse louco pensa que tá fazendo? Virou meu stalker agora?”.

Mas para a minha surpresa, Yukina sorriu pra mim e acenou com a cabeça.

Passaram-se alguns dias, eu precisava procurar um jeito de falar com a Yukina, mas sem parecer muito invasivo ou desesperado. Também não podia mostrar desinteresse, porque estava na cara que eu estava muito interessado.

Foi aí que um dia, eu a vi saindo da escola. Usando aquele vestido longo até os pés por debaixo do uniforme e com mochila cinza nas costas, lá ia ela.

Eu a segui naquele dia, sim, eu virei um louco obsessivo nesse dia, mas alguma coisa me impulsionava para que eu a seguisse. E ainda bem que eu segui o meu extinto, pois se não fosse por isso, o pior teria acontecido.

Yukina decidiu pegar um atalho para voltar pra casa e passou por um beco estranho e cheio de lixo. Eu a segui em uma distância respeitosa para que ela não notasse a minha presença. Quando Yukina está seguindo os seus passos, 4 caras grandes, tatuados e horrorosos aparecem entre as frestas daquele beco e começam rodear Yukina.

— O que uma princesa como você está fazendo aqui sozinha?

— Não era hora de estar na escola, boneca?

A Yukina sentiu estar encurralada, eu pude ver ela falando pra eles pararem e deixar ela ir embora. Eu fiquei parado, não conseguia me mover, tinha que fazer alguma coisa, mas não conseguia, movimento nenhum saía do meu corpo.

Foi quando algo que um daqueles homens fez que ativou um gatilho dentro de mim. Ele colocou aquelas mãos imundas e fedorentas no rosto dela, ela bateu em sua mão para que ele tirasse e ele insistiu em continuar. Foi aí que meus movimentos das pernas retornaram e eu decidi sair daquela brecha onde eu estava escondido para fazer alguma coisa.

— Aí!! Solta ela, maluco!

— Quem é você, Mauricinho?

— Já falei pra vocês deixarem a garota em paz ou eu juro que chamo a polícia.

O grandalhão não aguentou ser provocado e veio direto na minha direção. Eu inclinei o pescoço para o lado direito e mexi os lábios vagarosamente para que Yukina entendesse que eu queria que ela corresse.

Yukina até pensou em correr, na verdade, ela deu sim os primeiros passos, mas virou pra trás em questão de segundos quando escutou aqueles 4 grandalhões chutando o meu estômago e me deixando ali no chão como uma lata de sardinha espremida.

— NÃO! O QUE VOCÊS FIZERAM?

Os grandalhões saíram dali e me deixaram sem ar nos pulmões por conta dos chutes. Yukina me segurou, apertou a minha boca com a outra mão e soprou fundo na minha boca e aos poucos o meu ar começou a voltar. Eu tossi, parecia que havia me afogado, na minha cabeça, era diferente quando acontecia nos filmes.

Yukina segurou com delicadeza no meu estômago entre o umbigo e a diafragma. “Precisamos tratar disso”, ela disse.

A Yukina me levou pra sua casa, sim, ela era mais forte do que eu imaginei. Fiquei impressionado pensando: De onde vem tanta força daquela garota magrela?

Ela fez chá, ervas, curativos e colocou sob o meu estômago, eu fiquei encantado com todo o cuidado dela comigo, percebi que a casa dela, apesar de aconchegante, estava cheias de plantas, ervas, armários lotados de remédios, aparelhos respiratórios, parecia que eu estava de fato em um hospital, mas continuava sendo a casa dela.

Não me importei com aquilo obviamente, só queria sentir todo o cuidado daquela garota por mim. E passando isso, eu não percebi que acabei adormecendo por horas.

Acordei ressabiado e sem entender direito o que havia acontecido. Ela apareceu do corredor da cozinha pra sala, dizendo:

— Você dormiu por umas 6 horas.

Olhei no relógio, levei um susto, já era quase 7 da noite, meus pais iriam me matar.

— Ai, me desculpa, me desculpa mesmo! Eu…

— Espere, não faça tanto esforço ainda, você ainda está lesionado, o que eu fiz vai aliviar um pouco, mas não vai fazer milagre.

— Tá brincando? Não há milagre maior do que você pegar um cara desconhecido e trazer pra sua casa após apanhar de valentões.

— Você não é nenhum desconhecido, estudamos na mesma escola.

— Sim, mas nunca sequer conversamos e nem nada.

— Talvez porque faltou oportunidades. Mas… Preciso dizer que você foi muito corajoso de ter feito aquilo por mim. Confesso que não sei como você foi parar ali naquele momento, mas ainda bem que você estava… Muito obrigada!

Eu dei um sorriso de satisfação. Yukina disse:

— Vou chamar um Uber pra te levar pra casa.

Eu fui pra minha casa e dei uma desculpa esfarrapada para o papai e para a mamãe, nem lembro o que eu falei, na verdade. Fiquei tão impactado com a beleza da Yukina que nem me dei o trabalho de me estressar com os sermões.

Conforme os dias foram se passando, eu cumprimentava a Yukina e ela me cumprimentava, nada de mais, porém comecei a sentir o nosso sentimento mútuo. Finalmente eu criei coragem para convida-la a sair. Perguntei se ela não queria ir para o parque de diversões comigo qualquer dia, e ela adorou a ideia.

Marcamos de ir para o parque, foi o dia mais lindo e divertido da minha vida. Andamos na roda gigante, montanha russa, carrinho de bate bate, foi uma sensação incrível! Tudo estava tão lindo, tão perfeito, nada poderia estragar o meu dia.

Ao sair do parque, estava nós dois tomando sorvete, um sorria para o outro e eu não disfarçava nem um pouco o meu olhar apaixonado. Yukina me olhou por um breve momento sorrindo pra mim. Até que de uma maneira misteriosa, o seu olhar começa a declinar, as covinhas de sua bochecha quando sorri, começam a sumir e percebi quando a coisa estava séria quando ela derrubou aquele sorvete no chão.

Foi uma fração de segundos depois da queda do sorvete que eu pude ver Yukina caindo ao chão sem prévio aviso. Eu a segurei no colo e fiquei desesperado sem saber o que fazer.

Passou-se horas, eu havia a levado para o hospital, eu queria entender o que estava acontecendo, fiquei esperando para ver se os pais da Yukina apareciam, mas eles não vieram. Foi aí que em um dos meus surtos de curiosidade, eu acabei perguntando para um dos médicos. Ele disse que os pais da Yukina estavam em Londres e raramente vinham pra cá, emanciparam ela logo cedo para que não dependesse de nenhum centavo deles.

Fiquei impressionado com tamanho descaso, mas fiquei mais chocado ainda quando descobri o real motivo da Yukina ter caído no chão daquele jeito e pelo motivo dela estar naquele hospital.

Horas depois eu estava no quarto de hospital dela. Ela acordou, me viu ali parado em pé na frente dela e disse:

— Pelo jeito, avançou bem mais do que eu imaginava.

— Por que não me contou nada? Por quê não me contou?

 

Câncer. Estágio 3. Ela precisava de um tratamento rigoroso, mas o último dinheiro dos gastos médicos que os pais concediam ao hospital, foi gasto.

Yukina estava sozinha e perdida e eu um bobo apaixonado que não sabia o que fazia. Foi então que comecei a pegar algumas coisas minhas que não usava mais e passei a vender. Eu queria conseguir o dinheiro pro tratamento da Yukina e fiz o possível e o impossível pra isso.

Depois de um tempo, não podia vender mais nada, então comecei a ficar desesperado, tentava arrumar algum emprego pra menor aprendiz, mas os meus horários com a escola e com a própria Yukina não batiam.

Foi aí que… Aí que eu vi que o único jeito de conseguir dinheiro seria do jeito sujo. Eu confesso que diversas vezes pensei em entrar em uma casa rica à noite e pegar tudo o que tinha de valor e vender. Mas isso era granfino demais pra um jovem idiota como eu. Então decidi pegar mercadorias, vulgo drogas, pra vender.

Heroína, cocaína, metafetamina e por aí vai. As coisas estavam indo muito bem quando eu era apenas o cara que repassava as mercadorias e recebia o dinheiro. Mas houve uma maldita vez que, de tanto segurar esse tipo de material nas minhas mãos, decidi experimentar.

Foi aí que comecei a usar as drogas que eu mesmo pegava para repassar, e a droga nunca chegava ao usuário, e do mesmo jeito, o dinheiro nunca chegava a mim e muito menos aos chefões.

Eu comecei a dever mais dinheiro do que poderia aguentar e você sabe que não se pode dever para pessoas barra pesada. A Yukina começou a estranhar o motivo de eu sempre estar tão disperso, com os olhos fundos e avermelhados, e sempre conseguia tá pagando algum exame pra ela, mas dessa vez não.

Eu já estava perdidamente apaixonado pela Yukina, eu disse a ela que precisava pegar um dinheiro “gordo” e queria que ela me acompanhasse. Maldita hora que eu tomei aquela decisão idiota, a Yukina nunca precisava saber dos meus esquemas.

Eu a levei para um galpão abandonado onde um cliente disse que iria me dar uma boa quantia em dinheiro pelos meus serviços prestados. A Yukina ficou desconfiada, segurando sempre no meu braço.

— Eu não estou gostando nada disso, Takeru.

Eu deveria ter seguido o extinto dela, sabe? Pois ali era uma armadilha, não era nenhum cliente que iria me dar muito dinheiro, era apenas os chefões do tráfico que me encurralaram pra fazer eu soltar a grana.

— Você dá mais trabalho do que imaginei, Takeru-kun.

— Por favor, eu já disse que vou te pagar, só precisa ter um pouco de paciência.

— Paciência? Você esgotou a minha paciência faz muito tempo, garoto. Talvez eu devesse… Exercitar um pouco a minha paciência com isso (pegando uma arma).

Eu segurei na mão da Yukina e a arrastei pra fora dali.

— PEGUEM ELES!

Aquele galpão era grande, cheio de ferragens, precisávamos encontrar uma saída ou um lugar para se esconder. Yukina desesperada, e ao mesmo tempo decepcionada, ela sabia que foi uma péssima ideia ter ido naquele lugar. Corremos, corremos e corremos naquele galpão daquela noite fria.

Quando finalmente pensamos que despistamos eles, que agora sim a gente poderia respirar em paz, ouvi um tiro. Juro que nunca torci tanto na minha vida que aquele tiro tivesse pegado bem na minha testa pra eu nem sentir o que havia acontecido.

Mas aquela bala perdida, aquela maldita bala perdida acertou no peito da minha Yukina. A minha pobre e doce Yukina estava ali na minha frente com o peito sangrando e eu sem saber o que fazer.

— Não, não, Yukina! Yukina, por favor! Fica comigo.

Os traficantes ao perceberem o que já haviam feito, decidiram cair fora. Eu fiquei ali com a minha Yukina nos braços vendo ela desfalecer.

— Me promete uma coisa… Me prometa que será um homem bom e que… E que vai ajudar as pessoas.

Com meus olhos cheios de lágrimas, eu disse:

— Yukina-chan, por favor, não me deixe.

— Pode me prometer isso?

— Sim, sim, eu prometo. Eu prometo.

A Yukina me beijou. Foi o beijo mais doce, leve e suave que já senti em toda a minha vida, por mais que nós já tenhamos saído outras vezes juntos, sim, nos beijamos outras vezes, nos… Nos entregamos um ao outro alguns dias antes… Eu perdi a virgindade com a mulher mais encantadora e perfeita que já havia conhecido, e ela perdeu sua virgindade com um perrapado como eu.

Aquele beijo que ela me deu foi de fato o beijo da morte. Pois as lembranças de nossos momentos juntos, de nossos beijos e carícias de amor, se passaram pela minha cabeça rapidamente. E tão rapidamente, elas vieram, que tão rapidamente elas se foram.

Ao afastar os meus lábios do dela, Yukina já não estava mais entre nós. E eu tentei, eu tentei reanima-la uma, duas, três, quatrocentas vezes, e nada surtia efeito.

Eu a levei para o hospital e já era tarde, minha pobre Yukina não estava mais viva. Eu pensei: Não tem como isso piorar, não é?.

Tem, pior que tem. Após fazerem todos os procedimentos necessários, descobriram que a Yukina estava grávida de 3 semanas.

Em outras circunstâncias, era impossível isso acontecer por conta do seu estágio avançado do câncer, o tratamento certamente mataria a criança, mas por um milagre, durante o período que a Yukina não estava sendo castigada por aquela quimioterapia maldita, ela engravidou.

Um pequeno pedaço do milagre, um pequeno eu guardado e escondido bem no fundo de um lugar que não posso alcançar, mas que sabia que ele estaria a salvo.

O meu coração ficou destroçado, eu perdi a mulher que eu amo e perdi meu futuro filho. Eu daria tudo, mas tudo pra conseguir ter ele nos meus braços, eu não imaginava ser pai aos 16 anos, mas eu queria, sabe? Eu queria ter aquele neném, aquele pedacinho de gente me chamando de “papai” e… Eu só queria que as coisas não tivessem terminado dessa forma.

Foi por causa disso que comecei a beber, me tornei violento, me tornei insuportável dentro de casa, causava dor em você, na mamãe, no papai, na Kato… Eu comecei a viver como um puto inconsequente.

Quando a gente entra para o mundo do tráfico, coletamos inimigos de todos os lados, finalmente um desses inimigos fez algo muito pior do que me dar um tiro na minha testa. Colocou drogas na minha mochila sem que eu percebesse e… Ligou lá pra casa.

Eu sei, eu sei, isso parece um conto clichê idiota ou mais um romance tórrido de Clarice Lispector, mas… Eu não conseguia nem viver o meu luto direito e quando pensei que eu iria me recuperar, um miserável faz uma denúncia anônima por telefone dizendo que alguém estava com a bolsa cheia de drogas aqui em casa. E o pior de tudo… É que você foi quem atendeu esse telefonema, Saori.

Óbvio que pedi pra meu pai e minha mãe revistarem tudo, não tinha de fato nada a esconder, mas foi quando eles pegaram a minha mochila e tiraram aquele pequeno pacote de cocaína que eu entendi… Que meus inimigos não estavam descansando.

Eu nunca tinha visto a mamãe daquele jeito, acho que foi o maior sentimento de decepção e dor que ela já deve ter sentido na vida. E o restante de tudo isso, você já sabe, nossos pais me enfiaram naquele maldito colégio interno em Hong Kong pra não eu não apodrecer de vez na cadeia.


 

Retornamos ao presente, onde Takeru e Saori estão sentados na escada conversando.

Saori está em lágrimas e totalmente incrédula diante de tudo aquilo que seu irmão lhe contou.

— Meu Deus, Takeru… Por que nunca nos contou nada disso?

— Talvez não era pra contar, talvez… Talvez Deus queria que eu contasse no momento certo.

— Eu sinto muito, sinto muito mesmo.

— Sabe o que é pior, Saori? É que depois de tudo isso, eu comecei a ver ela em todas as partes, comecei a ver ou sentir uma presença estranha e fantasmagórica da Yukina. Meu sentimento de culpa era tão grande, mas tão grande que eu não conseguia me perdoar pelo o que aconteceu. Então eu via a imagem da Yukina várias vezes, principalmente lá no internato que era terra de ninguém. Fiquei tão apavorado, minha irmã. Não podia contar a ninguém que estava vendo fantasmas, senão iriam me internar em uma clínica psiquiátrica e nunca mais viria vocês de novo.

— Eu sou tão tonta, tão burra… Eu poderia ter te escutado, mas… Eu só soube te julgar e te condenar.

— Não se preocupe, maninha. Todos nós cometemos erros. Todos nós.

Saori abraça Takeru. Pela primeira vez em muito tempo, ela conseguiu finalmente entender o irmão. E soube que tudo o que ele passou, talvez outra pessoa não conseguiria suportar.

 

MANSÃO MIYAZAKI, 2 DIAS DEPOIS.

 

É manhã de quinta-feira e Kaiba pediu uma rápida folga do trabalho ao igual que Mei para apresentarem a casa à nova empregada.

Ela chega por ali em um Uber, os Miyazaki estão à sua espera com um sorriso no rosto. Ao descer do carro e andar um pouco mais para próxima da propriedade, a empregada fica com um semblante incrédula olhando para frente enquanto Kaiba e Mei sorriem para eles.

— Senhorita Ruki. Senhorita Ruki, está bem? – Pergunta Mei.

— Deve, deve haver algum engano.

Finalmente temos o ponto de vista de Ruki. Mei e Kaiba estão ali na sua frente, mas atrás deles não existe nenhuma casa, absolutamente nada.

Ela pega o papel novamente para conferir se o endereço estava certo.

— Essa realmente é a casa certa, porque eu não estou vendo…

Kaiba interrompe.

— Senhorita, claro que está na casa certa. Venha, entre! Seja bem vinda em nosso lar.

Quando Ruki olha pra frente de novo, milagrosamente a casa voltou a aparecer. Ela coça a testa, esfrega os olhos e parece não crer no que está acontecendo. Mei se vira novamente para ela e pergunta:

— Você vem?

— Ah, sim, claro.

Ruki tem em média 30 anos, magra, cabelo preto e usa-o sempre amarrado em um coque. Ela está com um vestido azul claro simples e uma pequena maleta na mão.

Após alguns minutos, Kaiba e Mei estão apresentando a nova empregada para os garotos.

— Bem, pessoal. A senhorita Ruki ficará conosco pra nos ajudar com as coisas da casa enquanto sua mãe e eu estivermos fora. Peço que, por favor, recebam a senhorita muito bem e não me aprontem coisas. Principalmente vocês dois Takeru e Saori.

Takeru e Saori se calam, apenas cumprimentam Ruki com a cabeça. Kato, espontânea, dá um passo a frente, e estende a sua mão.

— Olá, meu nome é Kato. Bem vinda à minha casa!

— Que gracinha! É um prazer te conhecer, Kato.

— Bem, crianças, agora eu e o pai de vocês precisamos ir, ao igual que vocês já estão atrasados pra escola. Senhorita Ruki, neste papel está todo o cronograma do dia de hoje e fiz um pequeno mapa da casa pra você não se perder. Vai demorar um pouco de você se acostumar, mas por favor, ligue no meu celular se houver algum problema, tudo bem?

— Claro, senhora Miyazaki. Pode deixar.

— Bom, então vamos! E vocês respeitem a senhorita quando voltarem da escola, hein?

 

COLÉGIO YAMATO, 11H55.

 

Terminou a última aula dos alunos do último ano. Os alunos pegam suas coisas e saem correndo da sala de aula. Saori e Takeru se aproximam da professora Haruka que ainda está sentada em sua mesa.

— Senhora Haruka, podemos fazer uma pergunta? – Questiona Takeru.

— O que desejam?

— Por que nos falou aquilo sobre a nossa casa? O que tem de errado nela?

— Acredite, crianças. Se querem mesmo saber o que há naquela casa, estarão mexendo em um vespeiro. Talvez o melhor é saber menos do que…

— … Não, você não entende!- Interrompe Saori.- Tem coisas estranhas acontecendo com a gente naquela casa.

— Bom… Se querem mesmo saber tudo o que há naquela casa… Precisam me encontrar no meu endereço fora do horário de aula (Entrega um cartão na mão de Saori).

Ela se levanta, coloca a alça de sua bolsa no ombro e diz:

— Por favor, não comentem com mais ninguém. E se forem até minha casa, não deixe que ninguém descubra o real propósito que vocês vieram.

Haruka se retira da sala deixando Saori e Takeru pensativos.

 

MANSÃO MIYAZAKI, 12H15.

 

Tudo parecia estar tranquilo na mansão Miyazaki. Ruki havia acabado de fazer o almoço. Ela experimenta um pouco da própria comida, vê que está tudo em ordem e desliga o fogão.

Em seguida, ela pega um prato e se serve a si mesma, sentando-se na mesa. Ruki já está com um avental e um uniforme da cor rosa.

Enquanto degusta de sua comida, Ruki ouve os passos e uns sorrisos de criança passando pelo corredor.

Ruki se levanta e vai direto para a sala.

— Já voltaram, crianças? O almoço já está pronto!

Quando chega ao corredor, não tem ninguém ali. Ela fica alguns segundos parada em frente às escadas e olhando para frente procurando alguém.

Do lado de cima, vemos uma criança de cabelos compridos correndo de um corredor para o outro e sorrindo.

— Kato? Kato, é você, querida?

Ruki sobe às escadas. Ao chegar lá em cima, começa a buscar por Kato.

— Kato, querida, eu sei que você quer brincar, mas agora está na hora de almoçar. Onde estão seus irmãos?

Ela entra no quarto de Kato e não há nada ali. A cama se encontra exatamente como ela deixou quando saiu pra ir à escola.

Ruki fica intrigada, pensativa, sabe que possivelmente a garota esteja apenas pregando-lhe uma peça.

Ao sair do quarto e fechar a porta, podemos ver a silhueta de uma mulher muito parecida com Mei lá no fundo do corredor passando para o outro lado sem olhar para onde Ruki se encontra.

— Senhora Miyazaki? Senhora Miyazaki, a senhora voltou?

Ruki segue os passos dela, ao virar o corredor, vê de fato uma mulher muito parecida com Mei, de costas.

— Senhora Miyazaki? A senhora está bem?

— Você se parecia muito com ela, sabia?

— Com ela quem? Do que a senhora está falando?

— Imagino que ela teria ficado assim quando completasse a sua idade. Mas… O karma não permitiu.

— Senhora Mei, precisa de um médico? Se quiser eu posso…

O celular de Ruki toca. Na tela, aparece o nome de Mei.

Ruki arregala os olhos. Olha pra frente. Aquela mulher continua ali.

Os olhos de Ruki começam a lacrimejar, suas mãos tremem. Ela atende a ligação quase sem querer encostar o celular no ouvido.

— Alô?

— Ruki, querida. Sou eu, a Mei. Como estão coisas aí em casa? As crianças já chegaram do colégio?

Ruki deixa uma lágrima cair. Suas mãos estão tremendo tanto que ela deixa o celular cair ao chão.

A mulher que está de frente a Ruki começa a virar lentamente o rosto na direção dela. Mas quando ela vira, vemos uma mulher com um rosto completamente manchado de preto, vermelho cor de sangue e sorria como o próprio demônio.

— Acho que você veio para o lugar errado, Ruki.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!

Ouvimos apenas os gritos ecoados de Ruki naquela casa fria.

 

MEIA HORA DEPOIS…

 

Saori, Takeru e Kato finalmente chegam da escola. Takeru abre a porta para as irmãs entrarem na frente. Ao entrarem, elas sentem o cheiro da comida pronta, mas ao mesmo tempo estranham a ausência da empregada.

— Estranho, cadê a senhorita Ruki?- Pergunta Saori.

Takeru também acha estranho.

— Ah deve tá por aí conhecendo a casa. Senhorita Ruki?

Ao chama-la pela última vez, algo cai do teto pendurado na frente deles. Os três se assustam, caem para trás, quando olham novamente para cima, observam Ruki com o pescoço amarrado em um lençol branco e os dois olhos arrancados.

Eles ficam completamente estarrecidos, tentam tapar a visão de Kato, mas era impossível que ela não avistasse aquela cena horripilante na sua frente. Seus olhinhos ficam ainda menores ao ver aquele corpo pendurado diante dela, e tudo o que veio dela, foi o seu grito de pavor.

 

— Aaaaaaaaaaaaaaaaaahhhh!

 

A casa finalmente começou a atacar.


 

 

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