O SANTO SALVADOR
PARTE QUATRO:
XX: CARANDIRU, PAVILHÃO NOVE:
Casa de Detenção de São Paulo, 26/06/1992, 98 dias:
“Imagina quão playboy alguém tem que ser pra abrir mão de trabalho, super salário e apartamento nos Jardins pra ir brincar de Jesus Cristo na Sé, irmão!”, a voz dos detentos ecoavam suas indignações com o imbecil que optou por sair do ventre da mãe e ir sofrer no mundo real de carne, osso e pedra. Para eles, muitos sem oportunidades na vida e tendo a rua como escola, casa e família, não conseguiam acreditar na história de vida de Alan, mimado da decadente High Society paulistana, que foi brincar de ser indigente. “Se pudesse, ele ficaria preto em nome do personagem que ele criou. Idiota. Burguês de merda”, arrematavam, suas dores. Desolado, talvez ainda sem acreditar que fora traído pelo Erivelto, um amigo, sócio e Judas safado, o Alan jamais representou uma falange de Deus ou qualquer outro tipo de criatura de viés religioso. Era apenas, de acordo com a ficha que estava a cair-lhe dolorosamente em sua mente, uma farsa porcamente escrita e terrivelmente mal acabada. Não passava de um Walter Mercado ou Inri Cristo de figuração de Domingo Legal, Antônio Conselheiro de baixa renda e assistencialismo. Era, a sua figura que mesclou-se à sua persona, uma patota, uma mentira, uma pantomima, uma patuscada. Uma tristeza, a desilusão ao mesmo tempo que a realidade dói. No Pavilhão Nove do Carandiru, sem acesso a coisas básicas como luz, água ou ar puro, o Alan ficou amuado do mundo, de cantinho sem falar nada. Quieto, quieto e quieto. Assim como estava alienado do acampamento ou do mundo lá fora. Alienado, alienado e alienado. Teve que encarar sua própria sombra, ele, e conversar com seus demônios. Não queria crer que aquela missão nobre, a de falar, falar e falar, poderia lhe jogar na sarjeta da vida. Foi assim, ruminando a si mesmo e tentando sintetizar-se em algum tipo de proteína útil, que percebeu que era inútil. Não tinha amigos nem relações. Alan imaginava-se Fontana de Trevi, obra de arte cuja dinâmica e água estavam a atrair os olhares de todos. Ledo engano. O desejo da fonte é cuspir água e conceder vontades, ao passo que sua real função é atrair moedas, moedas e moedas.
Foi isso, a quietude e uns meses áridos de osso corroído, até que Alan começou a fazer as pazes consigo mesmo. A água do choro, de tantinho em tantinho, varreu o Alef Brasil, deixando uma água limpa. Infelizmente, essa condição de epifânia de amor próprio não durou muito, pois Rasputin, um detento perigoso de mãos e mortes sangrentas, lhe perturbou a mente com visões do inferno e a verdade, pois lhe contou todos os detalhes do que foi, do que não foi e do que poderia ter sido. O ciúmes de Erivelto. A ganância de Saturnino de Jesus. O relógio em seu “tic tac” miserável. A luxúria do Cônego e Cachaça. A perversidade do Padre Santiago. E a gula de um mundo inteiro numa garganta só, o Alan. Foi analisando sua própria história de vida, coadunando-a aos seus humores, ódios, risos e dores, junto das revelações do mistério de Rasputin e previsões — “O beijo que te prometeu aliança, lhe trai a face em tapa” —, que ele, o Alan, ficou cego com a luz da verdade dolorida, conclusão dos que saem das correias e cavernas: “Pra quê eu fui ser bom? Fui crer em mim mesmo e no homem, enquanto espécie por qual motivo? Não pergunto a finalidade, mas sim os motivos!”. Com qual finalidade somos bons e cremos na bondade do homem? A finalidade é a resposta de Rasputin: “Não me surpreendo com o homem e suas variações entre o bem e o mal. Até porque, defina o bom e o ruim se não um ponto de vista. A verdade é plástica assim como nossas atitudes a depender do observador! O observador, o grande maldito inquisidor e redentor, que deixou o próprio filho morrer aqui na terra pelas mãos de um bando de selvagens. Pra quê? Eu quero saber a finalidade, os motivos e seus fins! Pra quê deixar, Deus, seu filho sofrer em pele e osso?! Pra provar pro inimigo, pro Satan, adversário seja quem for, que é um pai benevolente com os assassinos de seu próprio filho? Se Deus faz coisas boas pra mim, por que não faz pra uma criança da África? Que canalha, não?! Crer no homem é ato falho. Crer em Deus, burrice”, termina em silêncio, o Rasputin. Silêncio é tudo o que temos, pois o resto é isso. Não soube o que responder pois não tinha fósforo suficiente, o Alan. O que ele queria agora, se não por amor, era destacar-se pela dor, pela vingança e ódio. Tentou ser igual ao Pai, mas foi rejeitado e renegado por Ele e destino. O que fazer? Tornar-se o próprio Satanás, brilhar tal qual Lúcifer e cultivar o ódio e a ira igual ao homem, semelhança de Deus. Decidiu, lá na prisão, se vingar de Erivelto, o Alan.
XXI: SACRIFICIUM ET ULTIONEM:
Casa de Detenção de São Paulo, 15/09/1992, 17 dias:
Vingança. Vendeta. Revanche. Foi ele, o Erivelto, doente de ouvidos e alma pelo Saturnino, que ele, o Alan, em risada de Padre Santiago, estava no Carandiru. Pó? O Alan, pessoa convertida, já não cheirava há mais de um ano e alguns meses graças a ele, Zé Fernando, cheirador profissional de nariz e ânus, pó. Foi traído e não queria saber de dar a outra face, o Alan — em ódio ressentido, não era um Jesus Cristo pra perdoar nenhuma alma deste ou de outro mundo. Não! Se não conseguiu destacar-se pelo bem, que tal se destacar em nome do mal e ódio?! Pois então, seguindo os passos dos anjos caídos que também queriam ser igual Deus, Alan passou a cultivar dentro de si o vale da morte. Que tal sacrificar-se o homem e a alma em nome de uma única coisa: vingança? Disse ele, o Rasputin: “Você sabe que é quase impossível fugir daqui, não? Creio que sua vingança deva ser deixada para quando você sair daqui. Ou…”, atiça as atenções e intenções de Alan, o Rasputin: “Ou você pode fazer um pacto de sangue. Que tal? Conheço várias magias, rituais, ordens iniciáticas e muito ocultismo — só com uma gota de sangue sacrificada sua, posso fazer da vida de seus inimigos um inferno!”. Alan respira e desabafa, revelando todo o seu ódio, rancor e mágoa. Não é vingança pela vingança, o seu desejo. É o mal pelo mal. E para este nível de vingança, onde a dor chega aos ossos e o ódio ocupa as artérias, uma vida deveria ser sacrificada. Quem se doaria em nome de uma vingança, destino redentor? “Você, meu caro Alan, para que a magia de vingança funcione e faça seus inimigos sofrerem, deverá cortar o pescoço. Vagarosamente, de um lado ao outro. Tudo o que você sofrer, eles sofrerão em dobro!”, arremata o bruxo Rasputin, que é interrompido pelos olhos vermelhos e decididos de seu consulente em pergunta: “E se mais pessoas morrerem? E se eu oferecer, neste ritual, além de mim, mais vidas? Mais mortes? Mais dores? Um verdadeiro banho de sangue?! Será que a entidade do pacto aceitaria?”. “Uma chacina, Alan? Você quer selar o ritual de vingança com uma chacina?”, ele ri enquanto dá um tapão seco no ar, cujo som não ouvimos, “Alan, seja feita vossa vontade!”.
Casa de Detenção de São Paulo, 02/10/1992:
Tentando conter uma rebelião que ocorria no Pavilhão Nove do presídio do Carandiru, forças policiais invadem o local de forma violenta, chacinando 111 detentos, dentre eles Alan Bittencourt. A ação repercutiu de forma extremamente negativa nacional e internacionalmente. Houve quem chorasse a morte do Alan? Sim! E aí é que está sua vingança…
“INFERNO NO CARANDIRU: massacre policial mata mais de cem detentos! “Vai demorar para limparmos esse banho de sangue!”, comenta especialista”.
Notícias Populistas, 03/10/1992.
XXII: O INÍCIO, O FIM E O MEIO:
A morte foi o fim de Alan mas o início de sua vingança contra Erivelto e Saturnino de Jesus. E o meio? Graças aos encantos de Rasputin misturados aos sangues do massacre , “As Teses do Salvador”, que de início não surtiram tanto efeito assim, encheram aos montes o “Acampamento da Lei, a Sociedade do Amor” de gente. Que tipo de gente? Gente, gente e gente crente e fiel às palavras de Saturnino, o novo mandante do divino esquema de storytelling abençoado do acampamento. Aos seus pés, o Erivelto, desquitado de Suelen em tapas covardes e bem confortável financeiramente como administrador e tesoureiro do dinheiro made by God. Em 2002, dez anos depois da criação do acampamento, Saturnino largou mão da New Light of Hope Church of Jesus e transmutou o “Acampamento da Lei, a Sociedade do Amor” em “A Igreja do Amor de Deus do Apóstolo Saturnino de Jesus”. Sim, Saturnino virou-se igreja, muito diferente de Alan, que sonhava em ser uma garganta comunicadora. Saturnino tornou-se o Jesus Cristo de seu próprio estabelecimento religioso, assim como Sílvio Santos tornou-se o maior garoto-propaganda de seus negócios. Business, darling. Mas e a maldição de Rasputin e Alan? Por qual motivo os negócios de Saturnino (e Erivelto em sua rabeira), estavam a crescer, crescer e crescer a cada ano? Lembre-se, quanto maior a altura, mais ardida será a queda, meu amor! Momento para reflexão. E a Suelen? Ela foi para Osasco criar uma nova história longe do ciúmes doentio de Erivelto, tapas e olho roxo. Num átimo de segundo, ficou grávida com paternidade negada. Negada, negada e negada! Partenogênese? O bebê, uma linda menina, nasceu em seis de junho de 1993: Alma. Apesar da mãe, Alma veio ao mundo albina dos cabelos pálidos e escorridos, de olhos avermelhados por falta de melanina e com uma estranha voz de inocência não convincente e cheia de mistérios. Que tipo de mistérios?
Alma, o meio, foi crescendo muito rapidamente. Aos seis meses, já sabia falar e pontuar frases bem construídas, feitas de vírgulas necessárias. Todos ao seu redor sentiam um absoluto peso energético, estranho e incômodo tal qual um cheiro nauseabundo indetectável. Todos, exceto a Suelen. Desde sempre, uma menina diferente, a Alma. Em igrejas, passava mal e chorava escândalos — tanto, que não passou pelo sacramento do batismo —, ao passo que em cemitérios ou em lugares marcados por acontecimentos terríveis, tipo os arredores do Carandiru, sentia-se em casa. E a Suelen? Hipnotizada pela benção da vida. Benção? “Sim, a Alma é a minha maior graça alcançada! Graças a Ele…”. Ele quem? Coisa estranha. Cães pretos de latidos calados, mas de densa presença, iguais um cérbero ameaçador, rondavam sua casa ou qualquer outro lugar onde estava, Alma, emitindo sons estridentes e absolutamente irritantes, choro de cachorro em tortura. E Suelen achando tudo perfeito, hipnose maternal. Tempo vai e tempo vem, até a campainha da casa dela, da Suelen, tocar: era Dona Cícera, a mãe adotiva do Alan, que veio cuidar dela, da Alma, a mando Dele. “Acabei de voltar de Roma. Não tive coragem de visitar o lugar onde Ele, o meu filho, morreu. Mas agora que a nossa pequena Alma está florescendo, estou aqui para cuidar. Cuidado voluntário e cheio de amor. Serei sua nanny, Alma!”. Os olhos de Cícera buscavam e penetravam Alma do mesmo modo que fiéis seguiam seus senhores de vida e fé fanaticamente, transcendendo o amor e coadunando-se à idolatria sacra e cega. E a Suelen? Hipnotizada, pois a vingança deles, do Alan, Rasputin e d’Ele, seria arrebatadora. Respira! Você, leitor, sabe como amaldiçoar alguém? Você pode rezar para São Cipriano, Lúcifer, conjurar demônios da Goécia ou rezar o “Credo” ou o “Pai Nosso” ao contrário: tudo depende da intenção. Intenção? Sim: Cícera estava a serviço da magia d’Ele e da vingança do Alan. Matou Suelen, o milagre da ciência, um fato da fé, e fez de sua carne uma vitamina e sustância pra ela, Alma, a Cícera super bem intencionada. Os anos correram até 2012, o ano do arrebatamento e do Pinga Fogo. Show time!
XXIII: 2012 — O ARREBATAMENTO, O PINGA FOGO E O RELAXA E GOZA:
Era uma vez Deus, que decidiu criar o tempo, o espaço, o homem e a gente. E eram duas ou três vezes na semana a Alma, que passou a frequentar a igrejinha do Saturnino de Jesus desde dezembro de 2011. Mocinha linda de pele pálida como a neve, Alma era a encarnação cancerosa do mal, a maldita institucionalização do péssimo e a materialização do fétido em lodo e energia. Ela e Cícera, silenciosas tais quais um câncer no pâncreas, foram se manifestando silenciosamente na igrejinha do Saturnino e comunidade, conquistando espaços, confianças, sorrisos, proximidades, púlpito e Bíblia. Seus alvos, tal qual a vingança de sangue e alma deles, Rasputin e Alan, eram o Saturnino e o Erivelto — safados, maus-caracteres e, acima de tudo, homens. Para muitos, o vigésimo primeiro dia do décimo segundo mês do segundo milésimo décimo segundo ano da Era Cristã, lá pelas nove da manhã, estava marcado o fim do mundo. Escatologia Bíblica? A volta de Jesus? O Messias revelado? A visita dos aliens? Para muitos, sim, sim, sim e sim. Para Alma, não! Ela não ia esperar a briga entre Jesus e Satanás lá nas terras do Oriente Médio e guerras. Alma queria ser a própria Besta do Apocalipse e dirigir o Armagedom ao seu gosto tendo o Erivelto e o Saturnino como personagens principais. Como? Foi num culto de um domingo qualquer que Alma foi ler uma passagem bíblica. Seus dedos, ao abrirem as páginas do Livro, começaram a masturbá-lo. Alma gemia e gozava e tremia. O momento, de péssimo tom e energia densa inicialmente, passou a acalmar as ovelhas e seus pastores. Fale a verdade, caros amigos leitores e leituras — quem que não relaxa depois de um handjob bem gostoso, né? Gozo, gozo e gozo! Assim que ela, a Alma, gozou nas palavras, um tapão seco abafou o lugar sem alarmar os ouvidos deles, povo da igrejinha do Saturnino. Um tapão de tempo e espaço que cruza o destino e abençoa os desgraçados, eles, você e eu. Ao fundo da cena, momento hipnótico, um “tic tac”, “tic tac” e um “tic tac”. Todos ali “nA Igreja do Amor de Deus do Apóstolo Saturnino de Jesus”, estavam nas palmas das mãos delas, Alma e Cícera. E agora?
Irmão contra irmão: dividir para conquistar. Conquistar o que? Certa feita, em uma conversa entre eles, o Saturnino, o Erivelto e os tantos outros homens que compunham o corpo funcional da igreja, varões valorosos, surgiu um papo que Alma queria perder sua virgindade com alguém da igrejinha. Cheios de testosterona hipnotizada, eles todos, os varões — principalmente os valorosos, Saturnino e Erivelto —, passaram a flertar e ofertar seus louvores intumescidos a Alma enquanto garota, enquanto virgem e enquanto hímen imaculado, ela. Disputa entre os homens, ciúmes das mulheres e vingança d’Ele. Inferno na terra. E agora? Quanto mais os dedos de Alma tocavam a Bíblia, mais ela masturbava o destino daquela comunidade de desgraçados ao sabor de sua vingança e Alan, misturada à egrégora de fim de mundo, espírito do tempo, no ritmo dos tiros que estraçalharam os corpos do Carandiru em espera e penitência. A cada gota de sangue derramada, corações feridos por balas, batidas descompassadas e coagulação punitivista, detentos e policiais, o crime e o castigo, mais o tempo e o espaço reorganizavam-se de acordo com os dedos dela, da Alma de Alan Bittencourt. Gozo, gozo e gozo. Uns fiéis começaram a odiar Erivelto, ao passo que outros passaram a detestar Saturnino de Jesus no sangue e no ódio da estrela da manhã, Rasputin. Dividiram-se, eles, os desgraçados. E agora? “A batalha contra o inimigo deve começar aqui e agora, dentro da igreja! O inimigo se manifesta nele. E é ele quem deve morrer!”. Ele. Ele? Ele quem? Num clima de merda e muito peso, todos ali estavam hipnotizados e bêbados pela influência de Alma com a ajuda de Cícera. Apesar de rápida, a comunidade do Saturnino afundou-se gradualmente num violento vórtice hipnótico e lábia de raiva e ódio, culminando em dois sacrifícios de amor cristão: o dia do arrebatamento e do Pinga Fogo.
12/12/12, o dia zero:
Enquanto o primeiro sacrifício foi dedicado a Saturnino, que de tanto querer ser maior que Deus e o destino, foi posto na Via Crúcis por seus detratores, igual Ele, o filho de Deus, o Homem. Ele, o Saturnino, em nome do ódio plantado por ela, a vingança de corpo e Alma, foi obrigado a sofrer todas as dores de Cristo — desde a coroa até seu despertar para o mundo espiritual em prego e cruz, castigado pela gravidade em pele rompida e carne de sangue e dor. Chovendo muito naquela manhã, a dor de Saturnino era tão intensa quanto a de Jesus. O veneno do homem, sua ambição e ira, fizeram de sua carne dura como pedra e mais sensível que o normal, demorando muito para perder a consciência daquele massacre que estava a passar, o Saturnino. Enquanto suas costas sangravam, os olhos choravam e os dentes berravam, os homens e mulheres que o fizeram Deus uma vez na vida — na morte —, cantavam, riam e recitavam em oração passagens da Bíblia de trás para frente. Queriam, ele, a dor, o ódio e a discórdia. O vinagre, o sal e as feridas. Moscas varejeiras, corona spinea e paixão de Saturnino. Paixão de Saturnino. Apenas dele, do Saturnino, consciente até seus últimos segundos de vida, sua paixão. Nascemos sem nosso consentimento e morremos na dor dos pecados da carne e nervos, ardor existencial. E ele, o Erivelto? O Erivelto foi de Pinga Fogo: um homem de palha, sacrifício a Ele, Rasputin e seus demônios, feito de sadismo pagão e gratidão, construído para caber um homem adulto e alguns animais, foi queimado em pleno crepúsculo. Saturnino morreu na aurora ao passo que Erivelto, no crepúsculo dos deuses. O mesmo tempo que Saturnino demorou para morrer, foi o tempo que Erivelto sentiu sua carne pegar fogo. Epiderme, derme e hipoderme: o Erivelto gritou-se até os ossos. Vale ressaltar que a hipnose doentia de Alma, que mantinha Saturnino e Erivelto de olhos vendados, deu lugar às visões do inferno da realidade, dor e carne. Mesmo com o dia sendo chuvoso, a merda toda não foi impedida de ocorrer, o fim do mundo, Alma apocalíptica. Silêncios. Assim que os homens iam morrendo, Alma e Cícera entregaram-se aos animais em instintos da igreja — os homens queriam sexo ao passo que as mulheres, destruição. As duas mulheres foram sexualmente assassinadas por todo aquele povo, gente enlouquecida, massa amorfa de Deus.
XXIV: NOTÍCIAS POPULISTAS:
Que situação degradante: testemunhar a morte como ela é ou ver a vida seguindo plácida depois de toda e qualquer tempestade — o que mais te assusta? Que tal um momento prum cafezinho ou pras notícias sensacionalistas da mídia?!
“O fogo e o inferno: nesta madrugada, incêndio acidental consome parte da Catedral da Sé, matando clérigos e revelando crimes, coroinhas e luxúrias. “Vingança de Deus?”, questiona um popular”.
Notícias Populistas, 13/12/12
“Seita do fim do mundo: hoje de manhã, bando de pirados são encontrados mortos num tipo de ritual de sacrifício. “Estávamos cegos de paixão!”, afirmam participantes sobreviventes à polícia”.
Notícias Populistas, 13/12/12
“Haja estômago: canibalismo, $exo e satanismo faziam parte da seita religiosa do polêmico Saturnino de Jesus, afirma diário encontrado na sede do lugar em Embu das Artes. “A autoria do diário pode até ser desconhecida, mas revela um pouco da alma humana”, alega a delegada responsável pelo “Caso do Santo Salvador”, Dra. Andreia Mourão”.
Notícias Populistas, 17/12/12
“Os processos: quem são os sobreviventes do “Caso do Santo Salvador”? O que se sabe após um mês? Quem foram os mandantes? “Muitos detalhes estão correndo em segredo de justiça. Mas os detalhes são escandalosos e reveladores”, comenta Dra. Andreia Mourão, a delegada responsável pelo caso”.
Notícias Populistas, 12/01/2013
“Caso Santo Escândalo: rede de tráfico de crianças e adolescentes é desmantelada graças ao incêndio da Catedral da Sé e seus clérigos. “Deus escreve certo por linhas tortas”, afirma Dr. Jivago Soares, delegado responsável pelo caso”.
Notícias Populistas, 17/03/2013
“Luz, câmera e investigação: cinco anos depois dos ocorridos, o “Caso do Santo Salvador” se tornará documentário pelas mãos de Diana Fernandes, premiada documentarista: “Estamos ansiosos com o projeto”, concluí”.
Notícias Populistas, 15/03/2017
“Onde estão?: desaparecida há mais de um mês, equipe de filmagem da documentarista Diana Fernandes deixa rastro de dúvidas e mistérios. “Eu faço de tudo para encontrar minha filha”, afirma Vânia Fernandes, mãe da documentarista”.
Notícias Populistas, 30/04/2017
E aí, caro leitor, você ainda não me respondeu o que dá mais medo: testemunhar a morte como ela é ou ver a vida seguindo plácida depois de toda e qualquer tempestade?
FIM…
Acabou com O Santo Salvador? Então corra e leia: O Fiel Seguidor.