Nossa jornada se iniciou antes mesmo do raiar do sol, Pan arrumou os suprimentos para todo o dia e apagou os resquícios da fogueira, além de abastecer seus odres com água.
Apenas com o raiar do dia eu pude ter consciência do meu real estado, as marcas da batalha do dia anterior ainda estavam em meu corpo, hematomas de tons e tamanhos distintos cobriam meus braços, barriga e o peito meu rosto ainda estava inchado das pancadas que levei.
A maior de todas elas, a cicatriz em meu peito ainda ardia e o tom avermelhado e viscoso, me dizia que estava em carne viva.
A ferida dilacerada no formato das garras da fera que enfrentei no dia anterior. A dor ainda me incomodava, dificultando minha respiração, mas nada que pudesse me impedir de segui a aventura que, eu confesso: ainda não entendia nada.
— Isso vai ajudá-lo a se apoiar. — Ela disse me entregando uma bengala improvisada para mim. — Temos um longo caminho pela frente.
Pan mantinha a cara fechada.
Não a culpo por isso. Eu fui um completo idiota com ela noite passada e ela tinha toda a razão em ficar com raiva de mim, mas mesmo assim ela cuidou de mim toda a noite, trocou meus curativos sem dizer uma única palavra até agora.
— Para onde vamos? — Perguntei sorrindo e tentando me apoiar no cajado improvisado.
— Vamos para o castelo da luz. — Disse ela olhando no mapa que trazia com sigo.
Pelos seus cálculos, A viagem duraria cerca de um dia e meio mais ou menos, isso em condições normais, no meu estado em condições favoráveis à travessia duraria mais ou menos uns dois dias, devido às inúmeras paradas pelo caminho.
— Nós não temos tempo a perder. — Ela disse na porta de entrada da caverna. — Se começarmos agora, cruzaremos o pântano do desespero em meio dia
Pan pareceu se despedir daquele lugar, ela tinha na face o olhar melancólico das lembranças, se são boas ou ruins eu não me atrevi a perguntar, eu apenas a deixei ali por um instante com seus pensamentos.
— Me mostre o caminho! — Eu pedi por fim acordando-a do transe.
― Tenha cuidado, o pântano é um lugar perigoso. Um passo em falso e teremos uma morte certa.
Pan conhecia aquele lugar como a palma da própria mão, cada passo dado por ela era cuidadoso, eu simplesmente a imitava torcendo para não fazer nenhuma besteira.
— O que era aquela coisa de ontem? — Perguntei tentando acompanhar seu passo.
— O que? … Delfian!
— Sim.
— Ele é um dos lacaios de Darkus, e assim como nós ele busca as chaves do desejo para lutar no torneio da gloria eterna.
— E…
— Sim, seu pai foi um campão que lutou ao lado da minha mãe 15 anos atrás. – Ela me interrompeu.
Na medida em que avançávamos o lugar parecia se fechar para nós em uma armadilha mortal, vez ou outra eu lutava contra raízes, galhos ou algum bicho venenoso para me manter de pé, e apesar de ser um lugar horrível de se ver, aquele pântano era cheio de vida, volta e meia Pandora me fazia parar para dar passagem a algum animal pequeno que passava por ali, além de colher plantas especificas quando via.
— Por que você colhe todas essas plantas? — Questionei.
— Cada uma delas tem uma função especifica, na dose certa elas podem curar ou matar. Eu fui ensinada desde muito cedo a reconhecê-las e usa-las para o bem independente do que aconteça.
Inconscientemente levei a mão ao peito.
— Por que você fez isso?
— Eu não tenho escolha. — Disse ela com o olhar melancólico. — As mulheres da minha família são criadas para isso. É o meu destino.
— Mas…
O som de um galho se partindo ao longe cortou meu raciocínio, Pan pareceu vacilar por uns instantes antes de voltar sua atenção para mim.
— Tenha cuidado, nós estamos sendo seguidos.
Extasiado pelo mundo ao meu redor, eu não havia percebido nada até então.
— Mantenha-se calmo e faça o que eu disser. ― Pan ordenou-me baixinho.
Assenti com a cabeça, tentando prestar atenção ao meu redor, nada parecia fora do comum, fechei os olhos e tentei apurar os ouvidos.
Não fui capaz de enxergar ou escutar nada além dos sons da mata fechada.
Outro estalo abafado, gritos desesperados ecoando por toda a mata.
― Socorro! ― Ouvimos alguém gritar.
Por um instante eu cogitei seguir o pedido de ajuda.
― Não se mova! ― Pan pareceu ler meus pensamentos.
― Nós temos que ajudar! ― Retruquei.
― Não, nós não temos. Então NÃO SE MOVA! ― Disse ela enfatizando em cada silaba.
Em questão de segundos um vulto esverdeado passou por nos dois, o baque surdo de uma explosão trouxe à tona um gás toxico que invadiu minhas narinas como ácido dificultando ainda mais minha respiração.
Pan procurou em sua bolsa algumas das ervas que ela coletou em nossa viagem, amassou um punhado com a palma das mãos levou a boca, repetiu o processo uma segunda vez e o entregou a mim.
Eu mastiguei o preparado com dificuldade, o liquido esverdeado escorreu por minha garganta abrindo as vias e facilitando o fluxo de ar.
Pela segunda vez Pandora acabara de salvar minha vida.
― Tudo bem com você? ― Ela perguntou.
Acenei novamente com a cabeça para tranquiliza-la.
― O que foi isso? ― Perguntei me preparando para um ataque a qualquer momento.
― Gás venenoso. ― Ela disse pondo-se pronta para combate.
A resposta foi simples, mas eficaz, pondo-me em alerta máximo.
Pan tirou de sua bolsa uma pequena faca de prata, pondo em frente ao corpo, e me pondo as suas costas.
Com certa dificuldade levei minha bengala à frente do corpo. Naquele estado eu não seria de grande ajuda, mas não me entregaria sem lutar.
― Cuidado! ― Gritei.
Nenhum de nós teve tempo para nada. De repente um ser encapuzado apareceu diante dela, tomando-lhe a faca a fez de refém em poucos segundos.
Eu a vi ser levada no ar pelo seu algoz. Uma risada diabólica tomou conta de meus ouvidos.
Um soco na boca do estomago me fez largar a bengala e cair no chão.
“Lute!”
Alho dentro de mim me chamava para a batalha, o rosto dela pareceu se materializar em minha mente.
― Jonas me ajude!
O ardor em meu peito tornou-se cada vez pior, por uma fração de segundos o ódio tomou conta de todo o meu ser.
Como eu pude ser tão fraco? Eu deveria protegê-la e não entregá-la assim de bandeja para quem quer que fosse.
Afinal de contas eu… Jonas era seu campeão, seu protetor.
E não deveria me entregar tão facilmente. Não naquele momento.
― Eu não sou capaz de protegê-la. ― Disse para mim mesmo.
Em transe fui tomado por uma energia estranha que me fez pensar em todas as coisas ruins que me aconteceram durante todos esses anos.
A morte de meu pai, a mudança repentina de escola, a falta de amigos. Flashes tomaram conta da minha mente eu revivia cada momento com o dobro de intensidade de antes.
“Lute!”
A voz de meu pai me fez despertar.
O grito preso em minha garganta ecoou em meio aquele pântano tenebroso, e junto com ele a força que eu necessitava para lutar.
Ao olhar em volta percebi a presença de três pessoas próximas a mim, duas a cima, na copa das arvores mais altas e uma atrás de mim, estudando meus movimentos.
Esperando pacientemente que algo acontecesse.
E realmente aconteceu.
Quebrando parte da minha bengala, saltei contra ele pronto para mata-lo.
A partir daquele momento eu morreria por ela.
Meu pai sempre me contava histórias.
Histórias fantásticas de um mundo onde luz e sombra viviam em harmonia governados pelo castelo da luz e das sombras. Um reino onde a cada 15 anos um torneio era realizado entre os sete melhores guerreiros de cada reino lutariam entre si para provar seu valor diante de todo o reino como campeões de toda a Pandora. O time vencedor tem em suas mãos o poder de realizar qualquer desejo, desde que este venha do fundo de seu coração.
Não sei o porquê de me lembrar disso agora.
Talvez por que a lembrança dele me de forças para continuar, ou pelo simples fato de agora saber que tudo o que ele me contava é realmente verdade.
E agora estou pronto para morrer por ela.
A luta se intensifica.
O ódio transborda em meu peito e com ele desfiro contra meu oponente golpes em todas as direções possíveis, porém sem sucesso.
Certamente ele ou ela, — não sei dizer ao certo pois meu oponente se mantém escondido por um capuz preto cobrindo-lhe a face. — Foi treinado na arte da luta corpo a corpo, pois não importava por onde eu o atacasse ele simplesmente desviava com uma facilidade tremenda.
Eu era um simples brinquedo em suas mãos.
Não importando o que fizesse, eu não conseguia acertar nenhum golpe, sua velocidade era surpreendente, braços e pernas trabalhavam em perfeita sincronia.
— És valente garoto, mais inexperiente na arte da luta. — Ele disse com um tom grave e preocupado na voz. — Isso pode lhe custar à vida em uma batalha.
Ele me estudava a cada movimento meu, e depois de alguns minutos, simplesmente para e espera pela minha reação.
O cansaço toma conta do meu corpo e não deixa eu me mover livremente, além disso as feridas da batalha do dia anterior cobram seu preço.
Um assovio longo rompe o silencio e os outros dois que o acompanhavam aparecem ao lado dele com Pandora em seu poder. Ela não me parecia estar machucada, seus pertences estavam em posse de seus sequestradores, a faca e a bolsa com ervas.
Pan tentava sem sucesso se libertar, mas eles eram mais fortes e mais ágeis do que nos dois juntos.
— O que vocês querem com a gente. — Rebati, respirando com dificuldade.
— Nos, nada. — Respondeu um deles com o mesmo tom de voz de meu oponente. — Foram vocês que invadiram nossos domínios sem serem convidados.
— Quem são vocês? — Pan retrucou atrás deles.
— Vocês não entenderam a matemática da coisa, não é? — Disse o outro, — Nós é que fazemos as perguntas.
O homem que parecia ser o chefe do bando fez um sinal para que seus homens libertassem Pandora, então se aproximou vagarosamente de mim, e tirando o capuz revelou-me seu rosto.
Seus olhos pareciam penetrar minha alma, fiquei maravilhado com o amarelo âmbar de seu olhar, a sensação de paz invadiu meu espírito e por um momento eu não pensei em mais nada.
— Levem-nos a presença de Alfea e digam que Pandora trouxe-nos o sétimo guardião da Luz.
Depois que ele deu a ordem, seus dois capangas despiram-se das mantas como ele havia feito, e só então pudemos contemplar a face de nossos oponentes.
— Como…
Os três homens eram idênticos em traços físicos, à mesma estatura, a mesma cor de cabelo, os mesmos olhos e até a mesma cicatriz na face. Nem mesmo gêmeos poderiam ser tão idênticos assim.
— Isso é apenas uma ilusão. — O homem respondeu cortando meu raciocínio. — Eles são clones perfeitos de mim mesmo.
Com um simples toque da chave um dos clones desapareceu em meio ao pântano e o outro simplesmente se desfez em um amontoado de lama e folhas secas.
— Como você faz isso? — Perguntei maravilhado.
— Através disto. — Pandora nos interrompeu tirando do interior de seu vestido uma chave dourada.
O homem à minha frente fez o mesmo.
— Onde está sua chave? — Ele perguntou.
— Está sob a proteção de Delfian. — Respondeu Pandora antes que eu dissesse qualquer coisa.
— Entendo. — Disse o homem sem tirar os olhos de mim. ― Não temos muito tempo, em poucas semanas teremos de nos apresentar em Hipnus para as preliminares do torneio, e aqueles idiotas já tem uma vantagem…
— Uma das chaves da luz.
— Alfea saberá o que fazer.