Nós seguimos o caminho por onde o aquele homem nos havia indicado. A vegetação foi mudando pouco a pouco, até que por fim chegamos a uma floresta de mata fechada.
Aromas silvestres se intensificaram a medida que seguíamos pelo caminho, folhas, flores, frutos, a terra molhada, toda a composição e decomposição da matéria trabalhando junta em favor da vida.
Ele nos pediu para ter cuidado, pois como no pântano do desespero (belo nome por sinal), aquele era um lugar de incontáveis perigos.
O verde tomou conta do lugar, pássaros cantarolavam e o barulho da água invadia nossos ouvidos, o que presumi estarmos segundo o curso do rio. De tempos em tempos parávamos para descansar, o que eu dava graças a todos os deuses do lugar, sejam lá eles quem forem. Eram paradas curtas mais eficazes.
Graças aos preparados de Pandora eu me sentia cada vez mais disposto, meus ferimentos cicatrizavam de forma acelerada e suas bebidas de gosto e formulas duvidosas me davam mais força de vontade para seguir o caminho.
O sol já estava a pino quando finalmente chegamos ao nosso destino.
Uma cidadezinha construída no meio da floresta fechada, para onde quer que eu olhasse algum tipo de engenhoca se apresentava. Ela era cercada por um muro feito com toras grosas de madeira cuja ponta fora trabalhada para servir como estaca a alguém que quisesse invadir o lugar sem permissão.
Junto ao portão de entrada, dois homens armados com lanças faziam guarda enquanto a cima dele, alguém nos observava de longe, na torre de vigilância.
— Seja bem-vindo Yon! — Saudou o homem gordo mais próximo de nos.
— Olá meus queridos amigos… — Ele os saudou num sorriso.
— Alfea os espera no salão central. — Disse o outro acionando uma alavanca próxima a torre.
Em poucos segundos o barulho de engenhocas metálicas fez o portão a nossa frente se abrir, revelando em seu interior uma pequena aldeia, cujas casas improvisadas eram feitas de madeira coletada da própria selva.
Passeamos pelo meio do povoado, até chegar a maior construção do lugar, uma cabana feita de barro, pedra e madeira. La dentro um grupo de pessoas já reunidas nos esperavam para uma reunião.
— Bem-vindo meu amigo. — Saudou uma garota a nossa frente. — Vejo que trouxe visitantes consigo.
— A imperatriz do reino da luz e o nosso último campão. – Ele respondeu num sorriso.
— Sejam bem vindos meus amigos. — ela nos saudou sorrindo.
Pan e eu sorrimos para ele de volta
— E quanto a sua missão? – Ela continuou.
— Pelo que eles nos disseram as coisas não são boas, minha senhora. Delfian já começou a nos caçar e já possui uma das nossas chaves.
— Sei que o torneio se aproxima, mas tentar tomar nossas chaves não faz nenhum sentido.
O salão foi tomado por sussurros e conversas paralelas, todos estavam realmente muito preocupados com o que estava acontecendo.
— Silencio! — A garota levantou-se para acalmar a todos. — Deixem que ele continue.
— Obrigado, minha senhora!
— Diga-me Yon, qual das nossas chaves está em posse de Delfian.
— A chave que pertenceu Érico Martins.
Todos os murmúrios aumentaram novamente, as pessoas ali presentes procuravam por meu pai, falavam o nome dele, talvez lembrando os momentos que estavam com ele.
— Onde ele está? — Ela perguntou novamente.
Yon e Pan trocaram olhares e os direcionaram para mim.
— Ele morreu. – Respondi baixando a cabeça.
Todos trocaram olhares tristonhos entre eles, pude perceber que meu pai era muito querido naquele lugar. E de alguma forma eles esperavam por ele.
— Quem é você garoto? — Alguém no meio da multidão perguntou quebrando o silencio.
— Eu sou Jonas Martins, filho de Érico Martins.
— O responsável por perder a chave dos sonhos para Delfian. — Pan continuou.
Eu senti como se todos ali presentes me fuzilassem com os olhos. Todos cochichavam entre si e eu tinha toda a certeza de que estavam falando pelas minhas costas.
— Você sabe da gravidade do que essa ação representa garoto? — Alfea perguntou para que todos ouvissem.
— Não! — Respondi com sinceridade.
— Você pôs em risco tudo pelo que lutamos. Tudo pelo que seu pai lutou. — Ela veio em minha direção. — O torneio da gloria eterna se aproxima. Temos que reunir nossos campeões e formar uma nova estratégia de batalha antes que seja tarde demais.
— O que essas chaves têm de tão importante? — Questionei.
— São quatorze chaves ao todo. Sete para cada reino, elas mantém o equilíbrio entre luz e sombra dentro do reino de Pandora. E para manter o equilíbrio entre os reinos um torneio foi criado para que ambos pudessem provar seu valor. — Pan iniciou.
— O reino da luz vem ganhando o torneio e mantendo Darkhus a senhora da sombra presa até então, mas com Delfian tentando roubar nossas chaves, não sabemos o que pode acontecer.
— Temos que encontrar os outros, antes que outras chaves sejam roubadas.
— E quanto a chave que pertence a Jonas?
— Nós temos de recupera-la a qualquer custo, mas antes eu preciso testa-lo.— Disse Alfea por fim nos levando para fora daquele concilio.
Nós somos mais uma vez guiados por Yon para um tipo campo de treinamento bem no meio da pequena cidade. Lá homens e mulheres de todas as idades, tipos físicos e tamanhos praticavam os mais diversos tipos de luta, ou simplesmente treinavam com alguma arma fabricada ali mesmo com os recursos que tinham.
Os mais velhos davam instruções aos mais jovens sobre como segurar uma arma, defender-se com ela ou atacar. As mulheres treinavam arco e flecha, ou a arte da defesa pessoal usando apenas o próprio corpo como arma em outro ponto distinto.
Ali, pelo que pude notar não havia essa história de sexo frágil, todos treinavam como iguais, respeitando as limitações de cada um, bem como suas escolhas.
Yon parou diante de dois garotos magricelas que treinavam com estadas e escudos de madeira, os dois faziam movimentos de ataque e defesa simulando uma batalha real. Ao perceber nossa aproximação, ambos os garotos pararam e aguardaram a nossa chegada.
— Bom trabalho garotos! — Yon parabenizou a ambos — será que um de vocês pode emprestar sua espada a este jovem.
Ele apontou para mim.
Os dois garotos olharam para mim de cima a baixo como se não esperassem grandes coisas de mim, trocaram olhares e simplesmente sorriram.
O jovem de cabelos loiros entregou sua espada a Yon e se dirigiu a arquibancada, sentando-se para observar a luta que se iniciaria em breve.
— Lute com ele! — Ordenou-me Alfea.
— Ele tem o que…, oito anos?
— Dez, mas não se deixe enganar. Todos eles treinam desde muito cedo, pois nenhum de nós sabe quando nossas habilidades serão postas a prova.
Meio sem jeito, peguei a espada e o escudo com ambas as mãos os estudando com cuidado. As marcas e fissuras em ambos os objetos, mostravam o quanto aquele material fora usado para treinamento, com toda a certeza ele passara por maus bocados.
Fiquei em posição, trocando olhares entre meu oponente e Yon, que esperava pela minha iniciativa.
— Não se segure. — Disse-me ele. — Ele não vai!
— Prontos?
Alfea se pôs entre nós dois, o garoto a minha frente fez um sinal positivo e voltando-se para mim em seguida e eu confirmei com a cabeça.
— LUTEM!
O peso das armas em minhas mãos, impedia meus braços de se moverem. Como alguém conseguia se mexer com um peso daqueles em ambas as mãos, sinceramente eu não conseguia entender.
Antes que eu pudesse me acostumar com tudo aquilo, eu vi meu oponente se mover em minha direção com fúria.
Com dificuldade levantei o escudo a altura do rosto e consegui defender-me de seus ataques, cada vez mais fortes e rápidos. A cada pancada que eu recebia meu braço sofria ainda mais com as dores. Eu estava ficando sem espaço, pois a cada novo golpe eu dava um novo passo para traz.
Yon, Alfea e Pan não tiravam os olhos de mim.
Eu tinha que mostrar que era capaz de ganhar daquele garoto, levantei a espada com dificuldade, golpeando sem sucesso meu oponente, ele trocava da espada para o escudo, atacando e defendendo como fizera com o garoto anterior.
Olhei de relance para todos que me observavam, esse foi o meu erro. Meu oponente se aproveitou dessa distração e me deu uma rasteira que me fez cair da arena.
Todos aplaudiram ao fim da luta enquanto o garoto estendia a mão para me ajudar a levanta.
— Como eu disse antes você tem coragem, mas muito que aprender. Parabéns, pois eu irei ensina-lo. A noite finalmente havia chegado.
Todo o vilarejo estava reunido em frente a grande arena para uma comemoração em honra a nossa presença. A fogueira acesa amenizava o frio noturno, além de assar um grande animal ao qual eu não conhecia, homens e mulheres dançavam alegres embalados pelo som de flautas, violões e tambores, crianças corriam de um lado para outro gritando e sorrindo.
Estávamos claramente indo para uma guerra, mas naquele momento nada daquilo importava. Todos estavam felizes pela nossa presença ali.
Os heróis de Pajeia.
Eu nunca imaginaria em toda a minha triste e monótona vida que seria escolhido para nada.
Jonas, um Zé ninguém no colégio, aquele que era o último a ser chamado para tudo, ou as vezes nem era chamado.
O garoto invisível.
Não que eu tenha feito grandes coisas desde que cai de paraquedas nesse mundo misterioso, mas uma coisa certa eu tinha feito.
Libertar Pandora de sua prisão.
Depois disso, tudo virou uma bola de neve, eu lutei com um monstro e sai todo quebrado no final, fui forçado a assumir o legado de mau pai, o qual eu acabei descobrindo ser um grande herói nesse reino, lutei contra um monstro horroroso em condições nada favoráveis, conheci um homem que quis me roubar e acabei vindo parar aqui no meio de uma floresta onde uma mulher me pede para ser um campeão e lutar contra o reino das sombras que quer roubar o domínio de ambos os universos.
Legal não é!
Depois de tudo isso, festejar não me pareceria assim tão ruim, mas algo em tudo aquilo me incomodava, como eu poderia ser um campeão se até agora eu não tinha feito nada certo.
Definitivamente sou um peso morto!
— No que você está pensando? — Pandora perguntou-me sentando ao meu lado.
— Nada. — Respondi secamente.
— As coisas aqui são bem diferentes do lugar de onde você vem, todo mundo aqui aprende a lutar muito cedo por que nós precisamos nos defender das criaturas da noite.
— Bem simples não é!
— Nos dois vivemos realidades diferentes, eu sei. Mas nós precisamos da sua ajuda. Sozinha eu não fui capaz de detê-lo.
— Como assim?
— É responsabilidade da minha família manter as sombras presas, mas infelizmente Delfian chegou primeiro e me aprisionou na caverna abrindo a porta dos sonhos para o seu mundo. Sua chave, era a única capaz de transitar entre os reinos, com ela em mãos Delfian tem livre acesso a qualquer lugar no multiverso.
— O que quer dizer?
— O único jeito de acessarmos o multiverso é através dos sonhos, só assim nós podemos nos comunicar com outros reinos, era dessa forma que minha mãe falava com o seu pai e foi assim que eu falei com você. Só com a sua chave o portal dos sonhos se abre para qualquer realidade.
— O único jeito de acabar com isso é….
—… Recuperando a chave e trancando Dharkus novamente.
— Só assim eu volto para casa.
— Isso mesmo!
— Desculpe! — Disse tentando controlar o mar de lagrimas que se formava em meus olhos.
— Pelo que? — Ela me olhava novamente com ternura.
— Pelas coisas que eu te disse, e por não ser um campeão como meu pai.
— Não precisa se desculpar, afinal de contas eu também não sou tão perfeita quanto minha mãe. Eu também errei.
Tendo aquela conversa, eu tive certeza de que nenhum de nós dois pediu por aquilo, assim como eu Pandora caíra de paraquedas naquela aventura, e estava tão ou mais perdida do que eu.
— O que fazemos agora?
— Temos que encontrar os outros e chegar ao Castelo da Luz antes do eclipse.
— E onde estão os outros?
— Nenhum de nós sabe a localização uns dos outros. Esperamos nos encontrar no castelo da Luz.
— Como o Yon sabia sobre Alfea?
— Pelo simples fato de eles serem casados.
Então o grande lobo tinha uma família.
A casa de Yon e Alfea era simples, mas bem dividida. O vão de entrada dava acesso tanto a sala quanto a cozinha tendo pouquíssimos moveis, alguns bancos entalhados em madeira, uma mesa e cadeiras e o forno a lenha, mais a frente um corredor dava acesso aos quartos, a direita ficava o quarto do casal e a esquerda o nosso.
Duas camas e uma escrivaninha era tudo que o quarto dispunha, os moveis eram rústicos, feitos a mão, assim como toda aquela casa.
Eu estava maravilhado com tudo aquilo.
— Descanse bastante Jonas, amanhã vamos começar seu treinamento. ― Disse-me Yon assim que adentramos o quarto. — Partiremos para o castelo da Luz assim que definirmos um curso seguro para nosso trajeto.
Eu apenas assenti com a cabeça.
— Obrigada por sua hospitalidade! — Pan agradeceu.
— Não precisa agradecer princesa, nós estaremos sempre a sua disposição caso precise. Agora descansem pois teremos muito trabalho pela manhã. Caso precisem estamos no quarto em frente.
Pela primeira vez em dias eu pude aproveitar o conforto de uma cama macia e lençóis quentes, aquela noite percorreu tranquila, dormi feito uma pedra de tão cansado.