“Os mortos possuem hábitos peculiares”

                        – Autor Desconhecido

 

 

Óbolo de Caronte… Assim era conhecido um estranho ritual de colocar uma moeda na boca ou sob a boca de um defunto em tempos passados. Apesar de que as pessoas conhecem essa suposta lenda por ver os mortos com essas mesmas moedas sob os seus olhos e não dentro de suas bocas… Civilizações celtas e germânicas costumavam enterrar os seus mortos colocando moedas sob eles.

A moeda era uma oferta ao Barqueiro Caronte, uma entidade do submundo que faria uma travessia levando a alma do defunto ao mundo dos mortos.

 

 

 

Com o passar do tempo, os devotos ao Barqueiro foram reduzindo, reduzindo, até não sobrar nada ou alguém que ainda praticasse tais atos.

Entretanto, na era vitoriana na Inglaterra (1837- 1901), parece que os ingleses optaram por um rito bastante similar ao óbolo de Caronte, a fotografia “Post-Mortem”.

Tudo começou quando a Rainha Vitória pediu para que fotografassem seu ente querido que acabara de morrer. Desde então, famílias de classe média alta da era vitoriana começaram a aderir à fotografia post-mortem até boa parte do século XX. Nas imagens abaixo, podemos ver como era realizada as fotografias na época:

 

 

 

 

 

 

A taxa de mortalidade infantil era muito alta na era vitoriana, por isso que a maioria das fotos que vemos são de crianças. Naquela época ninguém podia se dar ao luxo de tirar fotos, porém a fotografia post-mortem era quase que um dever.

 

 

 

 

Desde então, tornou-se cada vez mais evidente a expressão, que acreditamos ter surgido na Roma antiga, que era: “Memento Mori”. Na tradução mais plausível para nós, seria: “Lembre-se que você vai morrer”.

As fotos não eram apenas uma recordação de um ente que partiu, mas um alerta de que um dia será você ali. Imagine se ainda nos tempos de hoje víssemos pessoas com os ritos do óbolo de Caronte ou das fotografias post-mortem? É possível? É impossível? Não sabemos, mas existe um motivo de tudo isso está acontecendo, algo que pode definir a nossa passagem para o mundo dos mortos.

 

 

 

 


OPENING:


 

 


 

 

 


            EPISÓDIO 4:

O TÚMULO DAS BORBOLETAS


 

 

Todos estão sendo desafiados pelo medo veemente que assola na frente deles, a entidade no qual já aparecera para Olívia há alguns anos, está frente a frente com ela e dessa vez, os demais também podem avistar essa criatura sobrenatural assustadora.

— Escuta aqui, sua entidade das trevas! Eu não sou a mesma Olivia que você confrontou quando eu tinha 8 anos (ela arranca o colar de seu pescoço e segura a sua cruz), eu não vou me acovardar dessa vez! VENHA, DEMÔNIO! VENHA!

A entidade parece não se acovardar e continua a flutuar pelo corredor. David, Aurélio e irmã Ruth ficam bem próximos de Olivia, esta última tenta lhe dar apoio.

— Olivia, não vamos te deixar sozinha!

A criatura sussurra.

— Não muda nunca, não é? Igualzinha à tua mãe, mas aqui você não poderá lutar por muito tempo, menina. Eu não sou a única entidade presente neste lugar, no momento mais oportuno, roubaremos a tua alma, mas até lá… Você vai sofrer.

Uma pressão em forma de ventania começa ali no local fazendo com que todos eles se abaixassem imediatamente ao chão. A criatura desaparece após isso. David, atordoado como todos, pergunta à Olívia.

— Olívia, você está bem?

— Eu não sei… Isso não foi um bom sinal.

Aurélio murmura:

— O quê? Isso foi um péssimo sinal, eu nunca vi uma criatura como aquelas em toda a minha vida.

— Gente, precisamos ajudar os padres e a madre superiora que estão presos no porão.

— Verdade, irmã Ruth. Vamos tirá-los de lá.

Dentro do porão, a possessão de Mônica continua a assustar os padres e a madre.

— HAHAHAHAHAHA, POBRES HEREGES INGÊNUOS!

Padre Henry, firme, pergunta:

— O que está fazendo aqui? Por que está neste lugar sagrado?

— Não sabes, padre? Nenhum de vocês sabem? Eu vim reivindicar o que é meu, vim levar uma alma comigo como troca da oferta.

— Que oferta? Do que está falando?

— A oferta de um trato com as trevas que foi realizado.

Enquanto isso, Olivia e os outros tentam abrir a porta do porão.

— Madre superiora! Vocês estão bem?

— Es… Estamos! O que pensa em fazer, padre Albert?

— Talvez a Olivia possa fazer o mesmo que fizera com Judith, não vamos conseguir expulsar o demônio aqui, então é melhor trazer um tranquilizante.

— Certo.

Mary Hellen sobe às escadas e vai até a porta.

— Olivia, está me ouvindo?

— Sim, madre.

— Escute, preciso que nos faça um favor. Pegue um sedativo e traga até nós, precisamos fazer a Mônica adormecer, os padres não vão conseguir expulsar o demônio nessas condições.

— Ai, meu Deus! Então… Tudo bem, eu irei, madre.

— David e Aurélio continuam aí?

Ambos respondem:

— Sim, madre!

— Não saiam daí ainda. Irmã Ruth, preciso que nos interceda com orações, estamos trabalhando com a pior das guerras espirituais.

— Agora mesmo, madre superiora.

Ruth se ajoelha ali mesmo e começa a rezar. Olivia se afasta da porta e dá o aviso a David e Aurélio.

— Escutem, me esperem aqui. Eu vou até a enfermaria e vou trazer o sedativo.

— Tome cuidado, Olivia.

— Vocês também.

Olivia não perde tempo e sai correndo pelos corredores do Sta. Agatha para ir em direção à enfermaria. Cada passo que dava era uma corrida pela sua sobrevivência e a de todos aqueles que estão ali presentes.

No porão, padre Henry continua a questionar o demônio que possuiu Mônica.

— Você está blefando! Está tentando ganhar tempo pra agir no corpo dessa pobre mulher.

— Como você é ingênuo, padre Henry! Vai mesmo ser o substituto do padre Albert? Sequer consegue tomar uma decisão por si próprio.

Albert se enfurece e questiona:

— JÁ CHEGA! POR QUE ESTÁ NESTE LUGAR? VOCÊ É O MESMO DEMÔNIO QUE POSSUIU A JUDITH?

— Talvez sim, talvez não… Hahahahahaha, pobre, pobre Albert, o velho Albert, já não tem tanto vigor como há 20 anos, não é? Por que não deixa eu levar a tua alma? Posso te garantir que vai se divertir com tantas prostitutas que eu tenho pra aumentar esse teu apetite sexual.

— Cale a boca! Como se atreve?

— OW, ow, esqueci! Você não é interessante, padre Albert. Mas o padre Henry sim, 33 anos, vejam só! A idade de Cristo, cheio de vigor, deve está com a libido nas alturas. O que tá esperando, padre? Vem foder com a irmã Mônica! Vem! Eu mostro pra você onde fica o clitóris dela.

Padre Henry segura a sua cruz apontando pra ela.

— Apartai de mim, espírito blasfemador!

— AAAAAAAHHHHHHH, SEU PADREZINHO FILHO DE UMA PUTA!

— VOCÊ NÃO PODE NOS DESISTABILIZAR, DEMÔNIO! PORQUE NENHUM DE NÓS TEMOS ALGO A DEVER!

— MALDITOS! MALDITOS! TODOS VOCÊS SÃO UNS MALDITOS!

 

Na enfermaria, Olivia chega ofegante no local procurando em todas as prateleiras possíveis, o sedativo. Ela encontra o frasco, em seguida abre a gaveta e pega uma seringa e depois sai correndo de lá novamente.

Ao chegar no corredor, antes que ela pudesse dar outro passo a frente, uma moeda de prata cai na sua frente.

Ela para, olha para o chão e fica olhando pra aquela moeda, ela ignora e dá mais alguns passos e outra moeda cai. Olivia começa a sentir um arrepio, ela fica extasiada por alguns segundos até que outra moeda vem rolando pelo corredor. Ela dá alguns passos, olha pra frente e não vê ninguém.

 

Mas enquanto ela está de costas, podemos observar algo logo ali atrás meio desfocado, mas não temos certeza do que pode ser. Olivia vira para trás lentamente e vê a entidade do barqueiro na sua frente. Ele segura uma moeda, mostra pra Olivia e em seguida pega o objeto, coloca-o na boca e engole.

Olivia consegue ouvir o barulho da moeda descendo pela garganta daquela coisa. Ela está aterrorizada e ainda não consegue se mover, até que ele pronuncia:

— Uma moeda em troca de sua alma?

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!

Olivia sai correndo dali no mais ímpeto desespero.

Perto do porão, David e os outros ouvem os gritos dela se aproximando.

— Olivia! Olivia, o que aconteceu?

— Precisamos acabar logo com isso ou não vamos sair vivos desta noite.

— Trouxe o sedativo?

— Sim, trouxe, mas como vamos conseguir entrar?

— Me perdoem, mas vou ter que encher essa porta de bala.

David se aproxima da porta, pede pra Ruth se levantar e sair da frente, Aurélio também fica do lado.

— TOMEM CUIDADO AÍ EMBAIXO!

David dá dois tiros na porta, o suficiente para abrir uma brecha pra que eles pudessem entrar.

A madre preocupada, os questiona:

— Vocês estão bem? Como conseguiram entrar?

Mônica em tom de deboche, ressalta:

— Olha!! Chegou a cavalaria! Agora a festa vai ficar divertida.

— Madre, trouxe o que pedi.

— Ótimo, precisamos segurá-la.

— Não podem fazer nada contra mim, não podem!

Padre Henry olha pra David e diz:

— David, no três!

— Ok, padre.

— Três!

Os dois partem pra cima de Mônica e tentam agarrá-la a qualquer custo, o demônio luta para se desvencilhar deles.

— ME SOLTA, SEUS FILHOS DA PUTA! ME SOLTA!

Eles começam a se atracar em todos os objetos dentro daquele porão até conseguirem por fim, segurar os braços e pernas de Mônica.

— RÁPIDO, OLIVIA! O SEDATIVO!

— OK!

Olivia coloca o líquido do sedativo na seringa e se aproxima deles, ainda ali está Ruth e Aurélio tentando interceder por todos eles. Padre Henry tenta apressá-la.

— Rápido, não vamos conseguir segurá-la por muito tempo.

— Eu… Eu não vou conseguir aplicar nos braços dela.

— Quê?

— Não tenho outra escolha.

Olivia vai para trás de Mônica e aplica o sedativo no pescoço.

— AAAAAAAAHHHHHH! SUA PUTINHA! SUA BEATA PUTINHA! VOCÊ ME PAGA!! SUA… SUA…

Após tanto relutar, Mônica acaba adormecendo.

Todos ficam por alguns segundos ofegantes e notoriamente bastante cansados. Olivia dá um passo atrás e sem querer parece ter tropeçado em algo.

— Aai! Droga!

Henry questiona:

— O que é isso?

— Eu não sei.

O padre Albert se aproxima.

— Ai, meu Deus! Não pode ser possível, é um totem de bruxa.

Todos:

— QUÊ???

— Não vejo um desses desde os anos 70, mas… Como isso veio parar aqui?

A madre superiora o questiona:

— Como assim, padre? O que está tentando dizer?

— O demônio que possuiu a Mônica tinha razão, esse totem não iria aparecer aqui do nada, alguém deu abertura para que o mal fosse propagado.

Olivia complementa:

— Foi o que eu disse! Alguma coisa ou alguém está servindo como um canal para que as entidades venham para este lugar.

Henry ainda extasiado, pergunta:

— Espera, espera um pouco… Padre Albert, está me dizendo que alguém aqui fez um pacto com as trevas para atrair esses demônios pra cá?

— Receio que sim, padre.

Todos ficam uns olhando para os outros completamente assustados. A madre Mary Hellen olha temerosa para o padre Albert e pergunta:

— Então… Quem pode ter sido?

 

No quarto da enfermeira Sarah, esta desperta de sua cama do nada. Ela se espreguiça, se levanta e vai para o banheiro.

Ao olhar-se no espelho, é possível ver a imagem de um idoso com a cabeça sangrando no canto do banheiro. Sarah vira para frente recostando-se na pia e olhando para aquela entidade:

— E aí, vai querer fazer o que hoje, seu velho filho da puta?

 


 

14 horas depois…

Já é manhã no Sta. Agatha, e apesar do ocorrido, a situação com Mônica está provisoriamente resolvida. Eles a amarraram no porão em uma cadeira fazendo um círculo de água benta em volta.

Mesmo assim, o instituto terá que lidar com três mortes na mesma noite. Por mais que todos ali saibam o que realmente está acontecendo, vai ser difícil explicar para a polícia britânica tantas mortes acontecendo sem comprometer a instituição. Talvez poderiam alegar que a queda dos dois idosos fora suicídio, mas também temos a enfermeira que teve a orelha arrancada e o pescoço quebrado, então não há como explicar isso de maneira “racional”.

No século 21, nenhuma autoridade do mundo, nem aqui ou qualquer continente vai acreditar que existiu um homicídio por parte de uma possessão demoníaca. A única coisa que os resta, é receberem o aval direto do Vaticano para que as autoridades locais não tomem medidas drásticas, do contrário, o Sta. Agatha corre o risco de ser fechado para sempre.

No gabinete pastoral, o padre Albert está terminando uma ligação enquanto o padre Henry chega.

— Sim, sim, já estamos cuidando de tudo. Ok, o padre Henry está aqui comigo, vou desligar e depois conversamos. Até logo!

Albert desliga o telefone murmurando um pouco.

— Tá tudo bem, padre? Alguma notícia do Arcebispo?

— Aparentemente parece que nossos superiores não estão totalmente convencidos do que está ocorrendo aqui.

— O quê? Isso já vai além de qualquer ordem eclesiástica, vimos o que aconteceu.

— Sim, mas o arcebispo crê que os velhinhos estão tendo ataques de nervos ou fingindo estarem possuídos.

— Que absurdo! Tanto pregam que devemos ver pela fé, mas agem como São Tomé, mas não se preocupe, padre. Já entrei em contato com o Vaticano e a esta altura do campeonato, nossos registros estão chegando nas mãos de nossa santidade. Tomei a liberdade de retirar algumas fotos do que ocorreu ontem, inclusive da irmã Mônica, para enviar a eles, então não se preocupe que toda essa parte burocrática e tecnológica eu estou cuidando.

— Bendito seja o filho do Altíssimo por ter nos presenteado com tua presença neste lugar, filho! Não saberia o que fazer em outras situações como essa.

— Estou aqui para ajudar, padre. E sabes bem disso.

O telefone toca.

— Alô? Sim, é ele! Certeza?… Perfeito! Quando vai ser?… Ainda hoje?… Não, não, sem problemas, é que… Não esperava que seria tão rápido… Muito obrigado, que a paz esteja convosco.

— O que houve, padre?

— Dois bispos do Vaticano estão vindo pra cá hoje de avião para averiguarem o caso.

— O quê? Por que simplesmente não autorizam para que o senhor realize o exorcismo?

— Sabes bem que fui repreendido severamente na época do Mr. Harris, realizei um exorcismo sem permissão e até hoje a igreja católica tem receios comigo ao me dar permissões para este tipo de coisa. Foi o meu mentor, Arcebispo Maniere, que convenceu à igreja de deixar eu continuar pastoreando esta paróquia.

— Isso é uma injustiça! Quase morremos ontem à noite simplesmente pelo fato de não termos autorização pra realizar o exorcismo.

— Infelizmente no nosso caso e principalmente no teu, jovem padre Henry, o máximo que podemos fazer é uma oração de libertação e só.

— Mas isso não expulsa o demônio e ainda vimos aquele totem de bruxa que o senhor falou. Se com essa visita dos bispos, eles não se convencerem do que está havendo neste lugar, sinceramente eu desisto de insistir. Prefiro confiar no dom que Deus me deu.

— E eu não duvido de sua capacidade para isto, padre. Por tanto precisamos ter fé para que tudo ocorra bem.

No casebre, David está sentado no sofá e Aurélio, vindo do lado de fora, chega até ele.

— Tá tudo bem, David?

— Estou bem sim, Seu Aurélio, eu… Acho que nunca te contei isso, mas creio que deveria agora que estamos vivenciando tudo isso.

— O que houve?

— Sabe, Seu Aurélio, de vez em quando eu vejo a minha filha morta.

— Meu São Francisco! Sério?

— Sim… Às vezes aparece nos meus sonhos, às vezes aparece quando estou acordado, e sempre tentando me amedrontar, sempre tentando mostrar o quanto eu fui culpado pelo dia de seu acidente.

— Meu Deus, filho! Já contou ao padre sobre isso?

— Não, mas… Contei para a Olivia, e acredite, Aurélio, ela não apenas acreditou em mim, como também viu o que eu vi. E isso me gerou mais coragem agora, sabe? Ela me disse que o que aparece pra mim não é minha filha e sim uma entidade querendo se passar por ela pra me acusar.

— Claro, eu nem entendo dessas coisas, mas posso garantir que é isso. Tua filhinha está descansando no céu, jamais ela viria em forma de fantasma te atormentar e dizer que você é o culpado pelo o que ocorreu com ela.

— Tudo isso que tá acontecendo aqui no Sta. Agatha me fez pensar… Será que estamos tão vivos assim? Ou será que a gente já morreu em vida?

— Depende do contexto, filho. Podemos dizer que uma pessoa extremamente amargurada com tudo e sem perspectiva, já está morta e só falta enterrar. Mas também tem aquelas pessoas que morreram, mas permanecem vivas dentro de nós.

— Deve ter sido um desafio e tanto para Cristo ter morrido por pessoas que ele nem conhecia, e principalmente pessoas que não mereciam.

— Se olharmos por esse lado… Nem nós merecíamos, filho. Somos tão pobres e pecadores como qualquer um outro.

— O que me diz sobre a morte, Seu Aurélio? Crer que uma pessoa como eu teria uma passagem tranquila para o outro lado?

— Isso é uma pergunta muito relativa, meu jovem. Eu por vezes pensei na morte, como seria a minha morte e por aí vai… Eu também sonho às vezes com minha mãezinha e meu paizinho que partiram, eu penso que cada visita deles nos meus sonhos é apenas para eu não me esquecer que um dia vou me juntar a eles e que seremos novamente uma família feliz, os três.

— Quando eu morrer e… For para o céu, o que eu acho difícil, quero poder encontrar minha menina e… Mostrar a ela que eu tentei ser um bom pai, talvez eu não tenha sido suficiente para a mãe dela, mas… Eu fui sim um bom pai. Eu estive a ponto de destruir a minha vida colocando aquela “corda” no meu pescoço, se eu tivesse feito aquilo, talvez hoje minha alma estaria por aí vagando em um mundo de tormento e dor. Eu penso: Se a gente já sente tanta dor aqui na Terra, por que não nos esforçamos para sermos pessoas melhores e não irmos para outro lugar de sofrimento? Já ouvi pessoas alegarem que não acreditam no inferno, então se o inferno não existe, qual o fundamento da existência do céu e dos anjos? Sempre há o oposto de tudo nesse mundo, se existe o céu, existe o inferno, se existe Deus, existe o diabo, se existe as trevas, existe a luz, e é assim que segue a vida.

— É muito mais inteligente do que eu mesmo pensei, filho. Agora descanse um pouco, tivemos uma noite terrível ontem e seria bom para todos nós, recuperarmos nossas energias.

— Sim, Aurélio. E mais uma vez… Obrigado!

 

Gabinete da Madre Superiora

A madre Mary Hellen está de pé atrás de sua mesa arrumando alguns papéis, ela notoriamente se encontra um pouco angustiada. Olivia chega ao pé da porta e a chama:

— Madre? Posso entrar?

— Oi, Olivia! A vontade, só estava… Organizando algumas coisas.

— Bem, eu… Vim ver como a senhora está. Sei que é uma pergunta até meio tola da minha parte, mas… Eu confesso que não consegui dormir absolutamente nada depois do ocorrido de ontem.

— Sim, impossível que alguém durma depois de tudo isso. Sorte que hoje pela manhã, já mandaram os marceneiros virem arrumar a porta do porão e a minha. Eu nem estava tão preocupada com a minha porta, mas a do porão sim, sabe lá Deus se a Mônica não consegue escapar.

— A propósito, o que foi resolvido? Não podemos manter a pobre irmã Mônica em cativeiro por tanto tempo.

— Bem, pelo o que eu soube, acho que o Vaticano está investigando o caso, o padre Albert ficou de me informar tudo.

— O padre Albert não tem permissão de realizar o exorcismo?

— Ele até teria, filha. Se não fosse pelo o que ocorreu no passado, sinto pena do padre Albert que já deveria ter subido ao menos uns dois postos no clero, mas por conta dessa injustiça que fizeram a ele, nenhum superior quer consagrá-lo a bispo por tão cedo.

— Isso é muito injusto mesmo! O padre Albert é um homem de Deus! Assim como o padre Henry que sustentou firme tudo o que aconteceu ontem.

— Sim, tivemos sorte desses dois homens de Deus estarem aqui conosco, filha. Do contrário não sei o que teria acontecido conosco.

Olivia começa a rodear a sala olhando para os quadros nas paredes.

— O mais estranho é que às vezes dá impressão que algumas pessoas do Sta. Agatha não conseguem ver ou ouvir praticamente nada, ontem mesmo com tudo o que aconteceu, as outras freiras não saíram, os velhinhos ficaram em seus lugares, é como se alguma coisa ensurdecesse umas pessoas e… Essa foto!

— O que tem?

— Nossa, que pessoas alegres! Foi tirada aqui, né?

— Sim, sim, foi.

— Estranho que o pátio parece estar bem diferente… Ei, a irmã Claudia está nessa foto! Que coincidência!

— Como disse?

— A irmã Claudia, ela é uma das freiras que mais me ajudou desde que eu cheguei aqui, um verdadeiro amor de pessoa.

— Que tipo de brincadeira de mal gosto é essa, menina?

— Mas… Como assim, madre? Eu só estou dizendo que a irmã Claudia da foto é muito amiga minha.

— Está perdendo o juízo, garota? Não pode ter conversado com ela!

— Mas por quê?

— Porque esta mulher… Faleceu há quase 40 anos!

O baque no olhar, o nó na garganta, a vontade sufocante de chorar ou gritar, o olhar de volta ao quadro, o olhar de volta à madre… Olivia não estava ficando louca, de igual modo cremos que a madre superiora também não estaria mentindo sobre isso, então como isso aconteceu?

Não era uma freira parecida, não era uma sósia ou irmã gêmea que está ali na foto. Aquela mulher é ela… Aquela mulher… É a irmã Cláudia.


Olívia sai correndo até o seu quarto, pelo visto ela não teve nem cara pra continuar ali no gabinete da madre superiora. Se encontra atordoada, confusa, poderia tudo ter sido uma mentira? Ela está respirando ofegante até olhar para trás e ver a irmã Cláudia parada na porta.

— Você mentiu pra mim! Como pode se atrever?

— Não quis mentir pra você, menina. Eu iria te contar no momento certo.

— Então… Então é verdade? Você está… Morta? Não, não, não, isso não pode ser possível, eu segurava as tuas mãos, você segurava as minhas, deve estar havendo um engano aqui.

A irmã Cláudia se aproxima, estende uma de suas mãos com a palma pra cima.

— Bem… Pode tentar agora.

Olivia levemente vai pousando a sua mão até a de Cláudia, mas ao chegar, a sua mão atravessa não conseguindo apalpá-la.

— N-não, não pode ser! Não pode ser!

Olivia se afasta e começa a chorar.

— Tudo isso tem uma explicação.

— Não! Você… Você me enganou, eu estive esse tempo todo conversando com uma mulher morta, ou melhor, com um fantasma?

— Não se sinta culpada, menina. Foi por sua causa que eu precisei aparecer.

— O quê? Do que tá falando?

— A sua energia e sua fé foi o que abriu a passagem para que eu pudesse transitar temporariamente entre os vivos aqui no Sta. Agatha. Por isso que eu apareci somente para você.

— Não, não, mas… Naquele dia da Judith, a Sarah estava comigo e ela viu você.

— Sim, eu tenho esse direito de escolher pra quem eu posso aparecer, Olivia. Naquela noite eu não podia aparecer somente pra você porque a Sarah iria pensar que você estava louca, mas podes perceber que ela sentiu estranheza quando me viu, porque obviamente nunca tinha me visto antes aqui.

— Mas… E quando a irmã Ruth veio no meu quarto? Você a cumprimentou também.

— Sim, mas ela só viu você, ela não me viu. Além da pobre Sarah, você é a única nesse lugar que teve contato comigo.

— Mas… Por que eu? Por que não outra pessoa?

— Porque eu precisava que você me ajudasse a descobrir qual era a obra das trevas que está sendo feita neste lugar.

— Então realmente existe algo aqui?

— Sim. Mas tem uma força demoníaca muito forte que está me bloqueando, até mesmo a mim que não estou mais no plano dos vivos.

— Posso lhe fazer uma pergunta?

— Claro!

— Como a senhora… Morreu?

— Bem, para isso terei que contar a história do começo, por favor, tome assento, vou tentar te explicar da forma mais simples possível para não te deixar entediada. Bom, hoje por você sou conhecida apenas como irmã Cláudia, mas não era assim que eu era chamada nos anos 80 quando eu tomava conta deste lugar.

— O quê? Então a senhora era madre superiora daqui?

— Sim, jovem. Há quase 40 anos, eu era a Madre Cláudia.


 

Sta. Agatha, 1987.

 

Uma carroça está passando pela entrada do Sta. Agatha, ao chegar nas portas, o carroceiro ajuda a madre Cláudia a descer.

— Permita-me, madre.

— Não precisa ser tão cavalheiro, jovem Antoniel. Sou uma velha caindo aos pedaços, nem merecia tanta atenção.

— Como não? Se não cuidarmos da senhora, quem vai cuidar de nós?

— Tão teimoso!

O Sta. Agatha antes de se tornar um lar para idosos, também era um convento e sempre novas mulheres iam para o local no intuito de ter uma vida de renúncia ao pecado e total devoção a Deus. Algumas noviças saem de dentro do instituto para irem até Cláudia.

— Madre superiora! Madre superiora!

— Meninas! Quanta empolgação!

Uma dessas noviças era Mary Hellen, na época tinha 20 e poucos anos, a outra é a irmã Irene, também na faixa dos 20 e poucos. Mary Hellen com muita energia e vigor a cumprimenta:

— Estávamos sentindo a tua falta, madre. A irmã Luana estava nos deixando loucas.

Irene responde:

— Ai, Irmã Mary Hellen, não seja exagerada, assim vai assustar a madre superiora, por Deus!

— Irmã Irene, mas é verdade.

— Ok, meninas, eu já entendi. E não estou querendo desanimar vocês, mas terei que viajar pra Londres no fim de semana, pois tenho uma reunião com o Arcebispo.

Mary Hellen um pouco chorosa, diz:

— Ah, mas de novo? O que vai ser da gente sem a senhora aqui?

Irene revira os olhos mostrando ter um pouco de ciúmes.

— Vocês dão conta, lembre-se que temos a irmã Dulce pra auxiliar.

— Tudo bem, então. Vamos voltar, Irene!

É impressionante a diferença gritante que vemos duas mulheres da atualidade (Mary Hellen e Irene) em versões tão mais alegres de si mesmas. O tempo deixou marcas e cicatrizes profundas nelas.

Dentro do gabinete, Madre Cláudia está fazendo algumas verificações, a irmã Dulce, que na época não havia assumido o cargo, chega até a sala para cumprimentá-la.

— Madre superiora?

— Oh, irmã Dulce! Que prazer em revê-la!

— O prazer é todo meu, madre. Como foi de viagem?

— Foi tudo tranquilo, mas terei que viajar novamente no sábado para Londres em uma reunião com o Arcebispo, vai ser coisa rápida. E como estão as coisas por aqui?

— Aparentemente tudo bem, os idosos estão se comportando bem e as noviças estão dando suporte aos enfermeiros enquanto não aparece mais gente.

— Me lembre de conversar com o padre Francesco sobre as verbas que precisaremos daqui por diante pra contratar mais enfermeiros, não quero ser paranoica, mas vai que aparece outro surto de gripe e nossos velhinhos estão desprotegidos.

— De fato, madre. Nem gosto de pensar nessas coisas. Meu pai, que descanse em paz, sobreviveu à gripe espanhola por um milagre.

— Imagino, irmã Dulce, meu pai serviu a segunda guerra mundial, tempos que eu não gostaria que voltassem.

— Sim, claro, e mudando de assunto, a senhora já foi ver a estufa?

— Ainda não. Por quê?

— Ai, madre! Está ficando tudo tão lindo! Eu só lembrei da senhora, eu disse ao Fausto que a senhora iria ficar muito contente ao ver.

— Excelente! Darei uma olhada depois. Obrigada por tudo, irmã Dulce!

— Disponha, madre. Agora vou me recolher aos meus serviços.

— Claro, fique a vontade.

Minutos mais tarde, a madre Cláudia se encontra ali na estufa, admirada. Diferente de todas as madres superioras que já pisaram e hão de pisar ali, a madre Cláudia possuía um amor singular pela natureza: As plantas, as flores e tudo mais.

Naquela época, havia muita lavoura e a própria Cláudia pediu permissão à igreja católica para financiar as hortaliças dentro do instituto e assim fazer uma estufa modesta para as flores e plantas mais raras e/ou frágeis.

Ela entra vendo todo aquele colorido no local como sempre sonhou, ali está o jardineiro Fausto (32 anos, barba por fazer, usa sempre um chapéu marrom).

— Madre superiora! Que felicidade em vê-la!

— Querido Fausto, como fizeram tudo isso tão rápido?

— Lembre-se que começamos um pouco antes da senhora viajar, então enquanto esteve fora, os marceneiros e agricultores aceleraram o processo.

— Que coisa mais linda! Está exatamente como eu sempre imaginei.

— E vejam só o que temos em algumas plantas? Casulos!

— Casulos?

— Sim, creio que daqui há alguns dias teremos lindas borboletas voando neste jardim, madre.

— Que maravilha! Não vejo a hora de ver esse lugar enfeitado de borboletas.

Cláudia dá uns passos a frente e Fausto a detém tentando alertá-la.

— Ei, cuidado, madre!

— O que foi?

— Tem um buraco bem aí onde a senhora ia pisar.

— Um buraco?

— Sim, lembre-se que havia uma cisterna muito antigamente aqui? Então, eles ainda vão entupir, infelizmente calcularam mal o projeto da estufa, pois não contavam com essa cisterna. Por isso colocamos algumas tábuas e folhagens em cima do buraco pra não ficar mostrando.

— Mas isso é muito perigoso, Fausto! Precisamos fechar isso imediatamente, imagine se, Deus nos livre, um dos nossos idosos escapam pra cá e caem nesse buraco? Que Santa Maria mãe de Deus nos abençoe!

— Claro, madre. Em breve cuidaremos disso.

Voz em OFF- Cláudia:

Sempre fui uma mulher muito amorosa, jovem Olivia. Cuidava de tudo e de todos como se fosse a minha vida, as noviças eram como se fossem minhas filhas e eu sempre soube que havia uma certa rivalidade entre a Irene e a Mary Hellen. Mais por conta da irmã Irene pelo passado triste que ela teve.

 

Irene está sentada no batente do pátio do Sta. Agatha tricotando. Algumas das noviças passam por ali e começam a cochichar umas com as outras.

— Então é ela, né? A que veio de Madalena?

— Sim, ela mesma. Dizem que ela não é mais pura. Engravidou de um cara e por isso foi expulsa de casa e mandada a um convento.

— Sério? Que horror! Isso pode manchar até nossa honra.

Claramente irritada com os cochichos, Irene se levanta furiosa e entra pra dentro do instituto, ela encontra no corredor Mary Hellen e vai até ela furiosa.

— Foi você, não foi? Você que contou pra elas?

— Do que está falando, irmã Irene?

— Ah por favor, não seja tão cínica, Mary Hellen. Eu vi as outras comentando sobre mim.

— Você sabe que eu não diria nada e que jamais faria algo que te deixasse angustiada, elas devem ter descoberto de alguma outra forma, é isso.

— Larga de ser mentirosa! Não é a toa que fica puxando o saco de todo mundo aqui pra pagar de boazinha.

A madre Cláudia aparece no corredor neste momento.

— Algum problema, meninas?

Irene sem tirar os olhos de Mary Hellen, diz:

— Pergunta pra ela, madre superiora. Vamos ver se ela tem coragem de dizer.

— Irmã Irene, pode vim até a minha sala um minuto?

Irene não responde, fica encarando Mary Hellen por alguns segundos e depois decide acompanhar a madre.

Minutos depois, no gabinete, a madre Cláudia está tendo uma conversa séria, mas ao mesmo tempo tentando contornar a situação com Irene.

— Irmã Irene, estou ciente do que aconteceu contigo no passado e nem por isso fechamos as portas para você aqui, sei o lugar terrível de onde você veio e sim, imagino que você está cheia de cicatrizes, o que é de se esperar, mas não podes sair julgando a irmã Mary Hellen dessa forma.

— Olha, com todo respeito, madre superiora… Em primeiro lugar, vocês só me aceitaram aqui porque foi constatado pelo Vaticano que havia de fato uma possessão demoníaca no asilo Madalena e que as autoridades britânicas descobriram o assédio moral que aquele lugar praticava, do contrário nenhum convento ou abrigo teria me aceitado. Em segundo lugar, eu detesto quando vejo que essas noviças que sequer passaram por dificuldades na vida, ousam me julgar pelo o meu pecado ou pelo o que eu fiz. Eu não escolhi essa vida, madre! Ser freira era a última coisa que eu imaginei na minha vida, mas eu estou aqui porque estou em busca de um novo começo, e acho injusto quando vejo o excesso de tratamento que a senhora e as outras freiras têm pela Mary Hellen ou por qualquer uma das noviças do que a mim.

— Está equivocada, irmã Irene. Você está a um passo a frente de todas as suas irmãs noviças, porque você conheceu o inferno de perto e terá agora a unção de cura nas tuas mãos para ajudar futuras mulheres que tiveram problemas como o que você teve. O que as outras têm de oferecer além de sua própria fé? Nada! Apenas estão aqui aprendendo. Você apesar de ter a idade delas, tem muito mais bagagem. Não duvido que em 20 anos será a nova madre superiora deste local.

— Eu madre superiora? Nem sonhando.

— Bem… De todo modo, não se desgaste com comentários alheios, muitos são propositais, mas tenho certeza que outros não. Siga com sua fé e sua coragem que você vai conseguir.

Irmã Irene mesmo com o seu instinto “rebelde”, ela tem temor aos seus superiores e sabe se calar quando é necessário. Enquanto isso, a irmã Mary Hellen se encontra em seu quarto chorando muito. A madre Cláudia vai até ela.

— Vai precisar de mais lenços?

— Ai, madre superiora! Eu estava… Eu…

— … Não precisa tentar disfarçar, menina. Eu sei que está triste pelo ocorrido com a irmã Irene, não é?

— Madre superiora, eu nunca entendi porque a irmã Irene me odeia tanto! Eu cheguei aqui antes dela e sempre a recebi com todo o amor e carinho, de igual modo eu fiz com as outras. Mas ela sempre dá um jeito de me ferir.

— Minha doce Mary Hellen, precisa entender que a irmã Irene veio de um lugar onde havia muita maldade, ela sofreu muito e até perdeu um filho por isso. Não é fácil pra nenhuma mulher da idade dela, tão jovem, passar por isso. Ela ainda está confusa e magoada com tudo o que ocorreu, então precisa ter paciência com ela. E sim, às vezes ela fala coisas sem pensar, mas é o jeito dela.

— Eu sei, madre. Por isso mesmo que eu quero ser amiga dela, pra aprender mais.

— E continue com esse pensamento porque irás muito longe.

Voz em OFF- Cláudia.

— A Mary Hellen era uma moça muito fervorosa, ela não apenas ajudava em muita coisa aqui no Sta. Agatha, como também levantava o astral dos pacientes e também das outras freiras. Onde ela passava, deixava um rastro de alegria, uma jovem inspiradora e que tinha um futuro brilhante pela frente. Bom, mas… Talvez você está se perguntando: Onde está a minha morte em tudo isso? Pois bem, vou te contar, Olivia.

Era uma manhã de sábado, no dia 15 de Março, chegou o momento de eu ir para Londres. Avisei a todos que já estava de partida, o nosso carroceiro precisou fazer uma entrega longe, então eu disse que eu chamaria um táxi para me deixar no aeroporto. Todos estavam avisados, a irmã Dulce, o padre Francesco, o Fausto e todos os outros. Foi então que quando eu estava prestes a sair, alguma coisa me tocou de eu dar uma passada na estufa para ver como estava.

Então eu fui até lá, meu amor pelas minhas plantas e pelas minhas flores era muito forte, claro. Eu entrei e fui vendo as flores, me abaixei para sentir o aroma de algumas delas, não havia ninguém na estufa, apenas eu.

Eu sempre fui uma mulher muito distraída, então teve um momento em que eu fiquei parada olhando para as plantas onde havia alguns casulos, atrás tinha uma linda rosa e fui vagarosamente até ela para cheirá-la. Ao cheirar, eu dei alguns passos pra trás, mas não percebi um pedaço de tábua que estava bem atrás de mim, eu bati com o meu calcanhar naquela madeira, me desiquilibrei para trás, me segurei nas galhas para não cair, mas foi inevitável, eu me vi caindo em uma cisterna de talvez uns 7 metros de profundidade e juntamente comigo, pedaços de galhos, plantas e alguns casulos.

Caí ao chão e de repente só me lembro da escuridão que veio.


 

— Meu Deus, irmã Cláudia! Então como a senhora… Como que a senhora…

— Quer saber como eu saí de lá? Esse é o problema, eu não saí… Porque ninguém me encontrou.

— O… O quê?

— Dentro daquele buraco, eu sabia que havia desmaiado e que estava já há um bom tempo ali dentro. Abri os meus olhos lentamente e senti tudo doer, não conseguia me mover, creio eu que minha coluna vertebral foi terrivelmente atingida com a queda, eu também bati com a cabeça e ela estava sangrando. Eu olhei pra cima, vi que tinha um pequeno espaço, uma brecha naquele buraco, então tentei chamar por ajuda, mas a minha voz não saía, por algum motivo, nenhum som saía da minha boca, eu pensei: Logo alguém vai vim aqui e vai me salvar, eles vão me levar para o hospital e tá tudo bem. Eu esperei o dia todo… O dia todo… E ninguém apareceu.

— Meu Deus, irmã Cláudia!

— Quando eu menos esperava, um dia já havia se passado e eu continuava ali… Deitada… Vendo o tempo passar sem poder me mexer, sem poder falar, sem poder gritar, houve um momento num determinado dia que eu pensei em ter ouvido a voz do Fausto e de fato era ele que estava ali na estufa. Mas ele sequer lembrou de olhar aquela pequena brecha no buraco, eu pensei: Talvez ele vai voltar depois e vai conseguir me ver! E não… Ele não me viu.

Neste momento, lágrimas começam a saltar dos olhos de Cláudia, ao igual que Olivia que também está emocionada escutando aquela história e com o coração apertado.

— E… O que aconteceu depois?

— “O que aconteceu depois”? Passou-se mais um dia que eu estava dentro daquele buraco, há dois dias sem comer, sem beber, sem conseguir me mexer. Quando me dei conta, já estava ali há 3 dias e só no terceiro dia que eu percebi que… Ninguém foi me procurar, ninguém sentiu a minha falta. Eu perguntei a mim mesma: Mas eu não sou a madre superiora? As pessoas não me amavam? Então por que me esqueceram? Por que me deixaram? E ali passou o 4º e o 5º dia… Algumas pessoas passavam pela estufa, mas nunca me viam, nunca fizeram questão de olhar pela brecha do buraco, eu pensei: Eles estão tão cegos assim? A ponto de ver que algo não está certo? Em 5 dias ninguém sequer deu falta de mim, a esta altura do campeonato, ao menos o padre Francesco deveria ter recebido uma ligação de Londres informando que eu não cheguei a ir pra lá, que eu deveria ter chegado há 5 dias, mas não! Me deixaram ali pra morrer.

Olivia está chorando sem parar, Claudia prossegue.

— No 6º dia… Eu já não tinha mais nenhuma ponta de esperança que alguém iria me resgatar, mas nos meus últimos momentos antes da morte, eu pude testemunhar o início de uma nova vida… Sabe aqueles casulos que estavam na estufa? Muitos deles caíram juntamente comigo, mas por algum motivo, eles continuaram firmes, sem contar com os que continuaram lá em cima. Então os casulos foram se quebrando e lindas borboletas foram nascendo e dando sentido a aquele buraco escuro e vazio. Nos meus últimos momentos de vida, as borboletas foram a minha companhia, elas voavam e voavam, eu tentei mover as minhas mãos para o alto e uma delas pousou na ponta do meu dedo, naquele instante eu chorei, porque sabia que minha hora havia chegado. Durante esse tempo, algumas pessoas iam lá, conversavam, viam as flores, mas ninguém nunca me via e eu estive o tempo todo aqui, eu estava aqui, bem aqui… Mas ninguém me ouvia, ninguém me via, ninguém se lembrou de mim, e tudo o que me restou foram as borboletas, o voo sublime e puro das borboletas… Me lembro de ter dado um sorriso e enquanto eu via todas aquelas borboletas subindo para sair daquele buraco, meus olhos foram se fechando até nunca mais se abrirem.

— Ai, irmã Cláudia! Meu Deus! Eu… Eu sinto muito.

— Eu pensei em gritar pras borboletas: Me levem com vocês! Deixa eu ir com vocês! Não me deixem aqui sozinha. Eu fui deixada pra morrer sozinha, mas Deus me deu a oportunidade de ver o nascimento dessas lindas criaturas antes da minha morte. Durante 6 dias, ninguém se lembrou da madre superiora, ninguém se lembrou da Cláudia, e assim eu morri completamente esquecida.

— Eu… Eu… Eu sinto muito, muito mesmo.

— Não imaginava que relembrar tudo isso iria me causar essa sensação… Agora ficarás intrigada se eu disser quem me salvou.

— Quem?

— No mesmo dia, enquanto as borboletas tomavam conta da estufa, a irmã Mary Hellen apareceu, ela ficou encantada com as borboletas e percebeu que muitas delas estavam saindo de dentro do buraco; então ela, curiosa, foi olhar. E ali ela me viu lá no fundo, deu pra sentir a dor dela, não demorou nem 10 segundos pra seus olhos derramarem muitas lágrimas e ela saiu de lá e pediu ajuda. Claro que só soube disso depois da minha passagem para o outro lado… Desde então, não consegui mais ter acesso à irmã Mary Hellen como eu queria, mas sempre a estive acompanhando de perto, vendo a mulher que ela se tornou.

— Eu… Eu fico imaginando… Como deve ter sido? Como foi passar pro outro lado dessa forma e… De repente… Estar aqui de novo? Minha mãe era uma mulher cheia de vida, sabe? As pessoas sempre diziam que a fé dela era inabalável. Meu pai nos abandonou quando eu tinha 5 anos, eu nem lembro mais direito dele, então minha mãe me criou durante todo esse tempo e… Ela sempre dizia que mesmo que o inimigo se levantasse para nos atingir, nós nunca deveríamos perder a nossa fé… Por isso que eu falo que… O câncer não levou a minha mãe, mas Deus a recolheu para a sua glória e eu sei que em breve, irei me encontrar com ela. Eu queria… Eu queria ter dado um último abraço nela e tudo o que eu tenho é essa cruz… Essa cruz que… Me guarda, me protege e me faz sentir mais próxima da minha mãe. Eu sinto tanta falta dela, irmã Claudia, tanta… Eu queria tanto que ela tivesse aqui comigo, ela saberia exatamente o que fazer.

— Não, querida. Essa é a tua história. Tua mãe cumpriu o seu dever aqui. Agora é tua chance de mostrar que você é uma filha que precisou aprender do pior jeito. Você, mesmo longe da tua mãe, conseguiu se conectar com alguém como eu. Olívia, você é uma dádiva de Deus! Tuas visões, a autoridade que o Senhor derrama em tuas mãos, é… Divina!

— Obrigada, irmã Cláudia e… Me desculpe por… Bom, você sabe.

— Não tem que pedir desculpas para uma morta, querida.

Olivia tenta sorrir e enxugando as lágrimas, ela olha bem nos olhos de Cláudia e diz:

— Acho que… Tem mais uma coisa que a senhora precisa fazer.

— O quê?

Minutos mais tarde, Olivia entra no gabinete da madre Mary Hellen.

— Madre superiora? Desculpe interromper, mas tem uma pessoa aqui que gostaria de te ver.

Neste momento, a irmã Cláudia entra por aquelas portas e pela primeira vez, Mary Hellen pôde vê-la tão clara como a luz do dia.

— Não… Pode ser.

— Vejo o quanto você cresceu, minha doce Mary Hellen!

Pela primeira vez, vimos lágrimas sinceras e doloridas saindo dos olhos da madre, ela se aproxima de Cláudia tentando entender o que estava acontecendo ali.

— Ma… Madre Cláudia? Como? Como isso é possível?

— Ás vezes a fé faz com que fazemos coisas extraordinárias, talvez não seja o momento de questionar como eu posso estar aqui, então viva esse momento com a fé que eu sei que você ainda tem.

Mary Hellen tenta aproximar suas mãos nas de Cláudia, ela consegue tocá-las e nesse momento Mary Hellen desaba em lágrimas e Cláudia a abraça como uma mãe abraçaria uma filha.

— Calma, filha… Está tudo bem… Está tudo bem.

— Eu senti tanto a tua falta… Tanto!

— Eu sei, menina… Mas agora todos nós temos uma missão aqui e você faz parte dessa guerra. Vamos nos unir para derrotar o mal que alojou no Sta. Agatha.

— S-sim, mas deixe eu ficar abraçada à senhora só mais um pouco.

E assim Cláudia concedeu ao seu pedido, Olivia ficou observando aquela cena com muita emoção. Vida e morte frente a frente, mas pela primeira vez a própria morte foi ignorada e apenas o esplendor da vida prevaleceu naquela sala.


 

Horas mais tarde…

Os padres Albert e Henry se encontram no salão nobre conversando, a madre Mary Hellen chega até eles.

— Padres? Os bispos do Vaticano chegaram.

— Já não era sem tempo. Vamos, padre Albert!

Padre Albert ainda está um pouco pensativo.

— Padre Albert? Algum problema?

— Não, é que… Parece que estou vendo a história se repetindo… Aconteceu exatamente assim com o asilo Madalena… Me pergunto se… Conseguiremos expulsar o mal que habita aqui?

— Claro que conseguiremos, padre. A única diferença é que em Madalena, tudo foi forjado no ódio e aqui no Sta. Agatha praticamos o amor e a bondade, então vamos sim derrotar esse mal que assola o instituto.

 

Minutos mais tarde, os bispos Gabriel e Michelangelo cumprimentam os padres e a madre superiora. O primeiro diz:

— Padre Albert, é uma honra conhece-lo pessoalmente, o bispo Michelangelo e eu estamos lisonjeados por estarmos aqui, embora a situação não seja das mais animadoras.

— Obrigado por vir, bispo Gabriel. Esse é o padre Henry e a madre superiora Mary Hellen.

— Muito prazer a todos.

— Padre Albert, o bispo Gabriel e eu ficamos levemente intrigados com as imagens que vocês me mandaram.

— Sim, fui eu que mandei, bispos. Foram momentos traiçoeiros que passamos aqui.

— E onde está a irmã que foi… Bom, que está possuída?

Enquanto isso, irmã Irene está andando no corredor um pouco afobada e esbarra com a irmã Ruth.

— Ah! Irmã Irene, a senhora está bem?

— Tá, tá, tá tudo bem.

— Tem certeza? A senhora parece pálida.

— Eu estou bem, não se preocupe comigo.

Irene deixa Ruth ali no corredor intrigada, mas sabia que a irmã Irene está escondendo alguma coisa.

Minutos mais tarde, ambos estão na porta do porão, a madre Mary Hellen chega na porta e alerta aos bispos:

— Advirto que não vão gostar nada do que os senhores estão prestes a ver aqui.

Mary Hellen abre a porta, os bispos entram e descem às escadas, os demais também entram e lá está a irmã Mônica amarrada na cadeira. Michelangelo se aproxima um pouco mais.

— Irmã? Irmã, a senhora está bem?

Mônica desperta, mas dessa vez algo aconteceu de diferente. Ela não estava mais transtornada e seus olhos pareciam normais, apenas angustiados.

— Padre? Madre superiora? O que estão fazendo? Por que eu estou amarrada?

Os bispos se olham, Gabriel pergunta.

— Você é a irmã Mônica, não é?

— Sim, eu sou a… Não entendo, eu vim aqui embaixo pra pegar umas velas e acordei aqui amarrada, por que vocês me amarraram?

Gabriel olha pra Michelangelo, ele mais uma vez questiona Mônica.

— Irmã, se importa se… Eu fizer algo?

— O quê?

Gabriel pega um pouco de água benta e joga sob ela. Nada acontece.

A madre Mary Hellen diz:

— Não pode ser possível.

Michelangelo ressalta:

— Padre Albert, sinto em dizer, mas… Não estou vendo nenhuma pessoa possuída aqui. O que me intriga é porque bateram e amarraram essa irmã.

— O quê? Não, bispo Michelangelo, está havendo um engano, ele está mentindo. O demônio que possuiu ela está enganando vocês.

Padre Henry complementa:

— É verdade, não teríamos acionado vocês se não tivesse acontecendo isso.

Gabriel responde:

— Olha, estamos no século 21, e hoje em dia qualquer surto, crise de pânico ou coisas parecidas estão sendo tratadas como possessão, sinto dizer, mas essa irmã não está possuída, talvez o que ela teve foi alguma crise psicológica e tudo bem, mas vocês estão brincando com coisa séria.

A madre Mary Hellen, com entonação firme, responde:

— Com todo o respeito, senhores! Vocês estão perante a três líderes que levam a sério o seu trabalho e que não tem tempo para brincar de imitações. Temos muitos idosos aqui no instituto e sabemos muito bem diferenciar uma crise nervosa de uma possessão, e mesmo se for uma crise, a irmã Mônica sempre foi muito bem equilibrada, o que aconteceu aqui na noite passada foi uma manifestação demoníaca e os senhores estão se recusando a acreditar.

Nos corredores, Ruth ainda ficou extremamente intrigada com o comportamento de Irene e decidiu segui-la. Ela vai até os seus aposentos e vê uma pequena brecha na porta, ela consegue observar a irmã Irene mexendo em algumas coisas e percebe algo de muito estranho.

Então Ruth abre a porta e flagra a irmã Irene com um álbum de fotografia post-mortem no qual ela derruba no chão quando vê Ruth entrando. Algumas moedas e um totem de bruxa também estão ali ao lado.

— Irmã Irene!

— Ah!

— Então era a senhora?… A senhora trouxe o mal para o Sta. Agatha.

 

 

 

 

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  • Simplesmente poético demais esse episódio. A cada episódio um plot diferente aqui, e volto a dizer que Rest Home têm futuro daqui a alguns anos. Globo, netflix, amazon, cinema em geral, notem essa mente criativa que é Melqui Rodrigues. Chupa James Wan.

  • Me emocionei bastante nesse episódio!!! Irmã Claudia, como eu imaginei, realmente era um espírito. Amei o flashback explicando como era a vida dela e como foi a sua morte. Achei tão angustiante! Foi linda a cena da Madre Mary Ellen vendo a Madre Claudia novamente Choque que justo quando os Bispos chegaram a irmã Monica não está mais possuída, e que a irmã Irene é bruxa

    • Esse episódio é sem dúvidas o mais angustiante, claro que não tiro o mérito do episódio do David. Mas a história da Cláudia é muito triste, ninguém imaginava que poderia ter sido daquela forma.

      Obrigado pela leitura, amiga.

  • Simplesmente poético demais esse episódio. A cada episódio um plot diferente aqui, e volto a dizer que Rest Home têm futuro daqui a alguns anos. Globo, netflix, amazon, cinema em geral, notem essa mente criativa que é Melqui Rodrigues. Chupa James Wan.

  • Me emocionei bastante nesse episódio!!! Irmã Claudia, como eu imaginei, realmente era um espírito. Amei o flashback explicando como era a vida dela e como foi a sua morte. Achei tão angustiante! Foi linda a cena da Madre Mary Ellen vendo a Madre Claudia novamente Choque que justo quando os Bispos chegaram a irmã Monica não está mais possuída, e que a irmã Irene é bruxa

    • Esse episódio é sem dúvidas o mais angustiante, claro que não tiro o mérito do episódio do David. Mas a história da Cláudia é muito triste, ninguém imaginava que poderia ter sido daquela forma.

      Obrigado pela leitura, amiga.

  • Que final foi esse minha gente, que revelação bombástica?! Mais um episódio verdadeiramente apoteótico. Eu me emocionei, vibrei e me impactei na mesma proporção com tantas revelações. Mais um episódios nota 5/ 5 ⭐

  • Que final foi esse minha gente, que revelação bombástica?! Mais um episódio verdadeiramente apoteótico. Eu me emocionei, vibrei e me impactei na mesma proporção com tantas revelações. Mais um episódios nota 5/ 5 ⭐

  • Muito bom o capítulo! Cada capítulo uma paulada kkkkkk Já imagino que o final dessa história promete. Ansiosa para saber o que preparou para o desfecho!

  • Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

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