Você está lendo:

Capítulo 03

CENA 01. MANSÃO IVAN. SALA. INT. NOITE.

Continuação imediata da última cena do capítulo anterior. Ivan ao telefone, sem reação.

POLICIAL 1 (voz, telefone)
Senhor Ivan? Alô? Alô, está me escutando?

Ivan retorna a si e responde, parecendo não acreditar no que ouviu.

IVAN
Sim, estou.

POLICIAL 1 (voz, telefone)
Viemos aqui procurar seu filho Mário, acusado de furto e desvio de dinheiro. Chegamos e logo encontramos seu filho sem vida, com um corte no pescoço. Suicídio. Sentimos muito, seu Ivan. Retornaremos o contato mais tarde, para tomar seu depoimento. Até breve.

IVAN
Farei isso pessoalmente, seu policial. Estou indo agora pra São Paulo. (pausa, respira) Boa noite.

Ivan desliga o telefone. Vira-se para Alberto.

ALBERTO
Policial? Eles prenderam o Mário, doutor?

IVAN
Ele está morto. Meu filho. Morto.

ALBERTO (chora)
Meu Deus, que coisa horrível!

IVAN
Arruma suas coisas, que você vai comigo. Temos muito o que resolver. Liberar o corpo, tratar do enterro… (chora) Por que meu filho foi fazer isso? Eu ia…

Sonoplastia (até a cena 02): dramático. Ivan sai pelo corredor, a ponto de desabar.

CENA 02. MANSÃO IVAN. SALÃO DE JOGOS. INT. NOITE.

Ivan entra e senta-se à mesa de xadrez, onde se debruça. Chora desesperadamente o luto do filho. Alberto entra e tenta consolar Ivan.

CENA 03. MANSÃO HELENA. BIBLIOTECA. INT. NOITE.

Helena e Letícia estão de pé, perto de uma poltrona encostada à janela, ansiosas por notícias. O telefone da segunda recebe uma chamada de vídeo. É Nelson, que está na rua. Letícia atende, com Helena ao lado.

LETÍCIA
Pai, você já chegou? E então? Pela sua cara, a notícia não parece boa.

NELSON (vídeo)
E não é mesmo, filha. Mário se suicidou. A polícia entrou no apartamento e encontrou o corpo na sala. Marcos também está lá, mas não pôde fazer nada. O pior já havia acontecido. Tentei entrar pra falar com Marcos, mas não consegui. A polícia está lá em cima com ele.

LETÍCIA
(faz sinal da cruz) Que coisa horrível! Muito triste isso.

HELENA
Mário não suportou o peso na consciência. Como se diz, o suicídio é a arma dos covardes. Fazem mal, mas não pensam nas consequências. E quando elas aparecem…

LETÍCIA
Ele era tão próximo de todos nós, ainda não consigo acreditar nessa história.

NELSON (vídeo)
Nem eu, minha filha. Mas as provas existem e temos que confiar nelas.

LETÍCIA
Temos que avisar à Solange. Vai ficar arrasada, coitada. Sabe se Mário tinha mais algum parente?

HELENA
O pai dele. Só que ele mora longe daqui. Acho que no interior do Rio. Temos que avisá-lo.

NELSON (vídeo)
Ele já sabe. Pelos comentários aqui de baixo, ele ligou para uma vizinha e a polícia já o avisou da morte. Ficou arrasado, óbvio. Helena, você acha que devo acompanhar os procedimentos com o corpo, até o pai chegar?

HELENA
Claro que sim, Nelson, por favor. Devemos mostrar solidariedade nessas horas, por mais que nos doa essa situação toda. Fica de frente, Nelson. E me atualiza de tudo que acontecer.

CENA 04. APARTAMENTO SOLANGE. SALA. INT. NOITE.

Solange entra radiante pelo corredor, aos pulos. Encontra Pedro entre sério e furioso.

SOLANGE
(vibra sozinha) Hoje é meu dia de sorte!!! (para Pedro) Nossa, que cara!? Vamos comemorar.

Pedro se levanta do sofá e a esbofeteia, jogando-a no chão.

PEDRO
Sua vaca! Você não vale nada mesmo!

SOLANGE (se levanta)
É assim que você me agradece? Fiz tudo por você e…

PEDRO (corta, grita)
O seu noivinho se matou, sabia?

Solange fica chocada. Em seguida, passa a gargalhar.

SOLANGE
Morto? Mas isso é uma maravilha!

PEDRO
Acorda, vadia! A polícia vai bater nessa porta atrás de você. E aí a gente tá enrascado. Será que você vai conseguir esconder o plano por muito tempo?

SOLANGE (ameaça)
Se você não colocar tudo a perder…

Eles se encaram.

CENA 05. MANSÃO HELENA. SALA. INT. NOITE.

Virgínia e Letícia estão juntas e de pé, consternadas. Marcos entra, também cabisbaixo. Letícia vai até o noivo e o abraça.

LETÍCIA
Que bom que você voltou, Marcos. Fiquei nervosa com o jeito que você saiu. Você só iria se complicar fazendo justiça com as próprias mãos.

MARCOS
Aquele cara merecia. Ou você preferiria ele ser preso por um tempo e cumprir a pena em liberdade, como se nada tivesse acontecido?

Helena entra com Nelson e abraça o filho. Depois, ela o censura.

HELENA
Marcos, nunca mais faça isso com sua mãe! Nunca mais!

MARCOS
Me perdoa, mãe. É que fiquei com ódio do que o Mário fez.

HELENA
Eu também fiquei. Mas a polícia podia te pegar em flagrante, já pensou nisso? (pausa) Agora me conta, como é que foi lá.

Marcos conta detalhes. FADE TO BLACK.

CENA 06. ARARAS. EXT. DIA.

FADE IN. Sonoplastia: Marcha Fúnebre – Chopin. Amanhece. Imagens do bairro petropolitano, mostrando a vasta vegetação e fachadas de casas. Tempo muito nublado.

CENA 07. MANSÃO IVAN. SALA. INT. DIA.

Ivan de óculos escuros e terno preto. Muito abalado. Alberto parece um pouco melhor. Estão preparados para viajar.

ALBERTO
Conseguiu dormir bem, doutor?

IVAN
Não, Alberto. Pensando na tragédia com meu menino. A vida toda passando como um filme na cabeça. Desde que descobri que Vera estava grávida dele. Foi o melhor dia da minha vida. Depois ele nasceu, se tornou um grande homem… Como a gente era apegado um no outro. Ainda mais depois que Vera partiu. E agora Mário também se foi, dessa forma. (pausa) Estou só, Alberto. E agora, como é que vai ser?

Ivan está a ponto de chorar, mas segura.

ALBERTO
O senhor não está sozinho. Tem a mim.

IVAN
Sim, eu sei. Você tem sido um grande amigo. Agora temos que ir. Já preparou o carro? Você dirige. Não estou em condições.

ALBERTO
Com prazer, doutor.

IVAN
E lá no Rio pegamos um avião. Não quero demorar muito…

Eles saem da sala com as malas.

CENA 08. BELLATEX. SALA HELENA. INT. DIA.

Helena despacha com a secretária, sentadas à mesa.

HELENA
Magda, quero uma reunião geral às quatro, com todos os funcionários e diretores, referente à triste morte de Mário, no auditório 1. E às cinco, uma coletiva de imprensa só com a diretoria no auditório 2.

MAGDA
Sim, senhora.

HELENA
Outra coisa: o pai de Mário está de chegada. Vamos ajudá-lo no que for preciso. Estadia, alimentação, outras despesas…

Raul entra sem bater e ouve a parte final do que Helena fala. Não gosta do que ouve. Senta em outra cadeira, ao lado de Magda.

RAUL
De jeito nenhum, Helena! O cara te rouba milhões, e você ainda ajuda a família dele?

HELENA
Bom dia, Raul. Que eu saiba, não autorizei sua entrada. E já que entrou, eu lhe informo que estou fazendo o que qualquer empresária responsável e ética faria.

RAUL
E quem te garante que esse cara não é cúmplice do filho?

HELENA
Não acredito. Até onde sei, o pobre homem não sabia de nada. Nem mesmo a noiva. Mário agiu sozinho. (para Magda) Vamos ajudar a moça também.

RAUL
Toda essa boa vontade por um funcionariozinho que meteu a mão nos seus bens. Depois não vá quebrar sua cara no poste.

HELENA
Quebrei minha cara quando me casei com você. Agora me deixa trabalhar, que meu dia está lotado de responsabilidades. Coisa que você nunca teve.

RAUL
Só saio se você me der os quinze mil que te pedi.

HELENA
(pega um talão na gaveta) Tá bom, aqui o seu querido cheque. (preenche e entrega) Agora, xô!

RAUL
Sabia que podia contar com você, meu amor.

Raul se levanta e tenta beijá-la, na frente de Magda.

HELENA
Me solta! Vai agarrar lá suas garotinhas da Moóca.

Raul sai feliz da vida. Helena continua despachando com Magda.

HELENA
(resmunga) Sujeitinho! (para Magda) Vamos continuar de onde paramos.

CENA 09. MANSÃO HELENA. SALA. INT. DIA.

Nelson fala num canto ao celular. Letícia lê uma revista no sofá. Marcos e o advogado Valdir entram. Ela se levanta e chega perto deles.

LETÍCIA
Como foi lá na polícia?

MARCOS
Tudo bem. Respondi às perguntas do delegado contando tudo que vi, que aconteceu. Agora temos que esperar o pai chegar, o corpo ser liberado pelo IML e seguirmos para o velório.

VALDIR
Não há a menor dúvida de que Mário Rangel cometeu o crime e depois se matou. O laudo da perícia deve confirmar isso. Só falta descobrir o paradeiro desses milhões da Bellatex.

LETÍCIA
Devem estar na conta dele, não?

MARCOS
Não, foi tudo sacado no dia seguinte do roubo, pelo próprio Mário. Nem a Solange sabia desse dinheiro. Ela e a vizinha do prédio também depuseram. Solange está muito abalada, não parava de chorar.

LETÍCIA
Não queria estar na pele dela.

Nelson desliga o celular e se aproxima dos demais.

NELSON
O pai dele já chegou. Está no IML agora.

NÁGILA (entra)
Com licença, doutor Marcos. O almoço já está na mesa.

MARCOS (a Valdir)
Almoça com a gente, doutor.

CENA 10. IML. CORREDOR. INT. DIA.

Ivan e Alberto estão sentados num banco.

ALBERTO
Quer que eu vá, doutor Ivan? O senhor pode se…

IVAN
Não. Quero vê-lo pela última vez. Não quero fazer isso no velório, por isso vou pedir pra fecharem o caixão.

Sem ânimo, Ivan se levanta e anda alguns passos. Entra pela porta. Alberto continua sentado no banco, rezando.

CENA 11. SÃO PAULO. EXT. NOITE.

Letreiro: “No dia seguinte…”.

Sonoplastia: dramática (até cena 13). Imagens do trânsito em algumas ruas de São Paulo.

CENA 12. CAPELA. VELÓRIO MÁRIO. INT. NOITE.

O caixão está no meio da sala. Muitas pessoas em volta prestam homenagens. Helena, Marcos, Letícia, Virgínia, Nelson, Valdir e Nágila estão em volta do morto. Jornalistas entrevistam Helena e Letícia. Fotógrafos fazem flashes delas e do caixão.

CENA 13. PRAÇA. EXT. NOITE.

Ivan e Alberto estão sentados em um banco da praça. O pai de Mário parece sem forças para entrar no velório, sofrendo muito sua perda. Está de óculos escuros.

ALBERTO
Tem certeza de que não quer descansar mesmo, doutor? Está acordado desde ontem.

IVAN
Não. Não consigo descansar enquanto não enterrar meu filho.

ALBERTO
E ainda o viu naquele estado…

IVAN
Uma cena horrível. Nunca vou esquecer. (pausa) Se quiser ir pro hotel, vá você. Agora eu preciso ficar com ele. Queria acreditar que é só um pesadelo.

Ivan chora. Alberto o puxa para seu ombro.

CENA 14. CAPELA. VELÓRIO MÁRIO. INT. NOITE.

Continuação da cena 11. Nágila comenta com Virgínia.

NÁGILA
Muito triste alguém partir assim.

Solange e Pedro entram. Ela está de vestido preto, não muito discreto. Aproxima-se do caixão. Abraça-o. Finge um choro quase escandaloso e convence todos disso. Helena fica abalada com o que vê.

SOLANGE (chora, berra)
Por que você me abandonou? A gente ia se casar. Eu te amava, desgraçado!

Helena se aproxima da moça. Puxa deliciadamente para si. Consola.

HELENA
Sinto muito por tudo isso, querida. Olha pra mim. Estou aqui pro que você precisar. Conte sempre comigo. Você foi tão vítima quanto todos nós.

VIRGÍNIA (censura)
Que isso, mãe?

HELENA
Tem razão, filha. Aqui não é lugar pra isso.

Marcos e Letícia se abraçam.

CENA 15. APARTAMENTO RAUL. SALA. INT. NOITE.

Apartamento de luxo. Raul de terno. Tira o paletó e a gravata, abre dois botões da camisa. Fala sozinho.

RAUL
Lá sou homem de ir a enterro de bandido? Vou ficar aqui curtindo meu whisky.

Prepara um copo de whisky e bebe. A campainha toca. Ele abre. Sonoplastia: sensual. É a prostituta Anita. Fecha a porta e começa a beijar a moça com desejo. Ela se solta.

ANITA (sorri)
Nossa, que apressado! Vamos beber primeiro.

RAUL
Não vejo a hora da diversão, meu amor. Bebe whisky?

ANITA
Só se for agora.

Raul prepara mais um copo de bebida. Ela se deita lânguida no sofá, fazendo poses para ele. Raul se empolga. Leva a bebida para ela. Sentam-se no sofá. Bebem lentamente. Depois, se beijam. Ele tira a camisa e se deita por cima dela. Os beijos continuam.

CENA 16. CAPELA. VELÓRIO MÁRIO. INT. NOITE.

Helena ainda está abraçada a Solange. Ivan aparece na porta. Tira os óculos escuros e olha fixamente o caixão de seu filho. Helena percebe que ele é o pai, pela semelhança física. Solange finge chorar ainda mais. Ivan dá uns passos em direção ao caixão, do outro lado de onde Solange está. Tenta segurar o choro. Olha para ela. Ela se vira para o homem e continua a encenação.

SOLANGE
Eu o amava muito!

IVAN
Eu acredito, minha filha. (pausa) Eu acredito.

Ivan se debruça no caixão e chora silenciosamente.

HELENA
Pobre homem! Perder o filho assim.

Todos observam o sofrimento dele.

CENA 17. CAPELA. CORREDOR. INT. NOITE.

Ivan está sentado num banco. Helena senta ao lado dele, tenta consolá-lo.

HELENA
Fomos muito amigos do seu filho. Apesar de tudo que aconteceu, queremos ajudá-lo no que for preciso.

IVAN
Agradeço, mas não é necessário. Estou num bom hotel aqui perto. Graças a Deus, posso arcar com tudo. Agora ele vai morar com a mãe, onde quer que estejam.

HELENA
Desculpa eu me intrometer, mas… o senhor é viúvo?

IVAN
Sim. Há muitos anos. Mário era a única pessoa que eu tinha. Era um filho de ouro. E agora, isso.

Solange passa pelo corredor com Pedro. Helena a chama.

HELENA
Solange, querida. Estava aqui conversando com o Ivan, oferecendo ajuda. Quero fazer alguma coisa por você também. Sei que você é sozinha, só tem o seu amigo. Por que você não passa uns dias na minha casa? Assim, você vai ter com quem desabafar.

SOLANGE
Muito agradecida, Helena. Vou pensar.

HELENA
Pensa com carinho. Estou de portas abertas pra você. (a Ivan) E pra você também.

IVAN
Muito agradecido.

FADE TO BLACK.

CENA 18. CEMITÉRIO. EXT. DIA.

FADE IN. Sonoplastia: Marcha Fúnebre – Chopin. Amanhece. Imagens panorâmicas do cemitério. Em seguida, mostra Mário sendo enterrado. Solange abraça Pedro. Ivan, com Alberto, tenta se mostrar forte. A família de Helena está junto.

PADRE
Que Mário agora possa descansar em paz. Amém.

O caixão é colocado dentro do túmulo. Todos jogam flores. Fecha-se o túmulo. Aos poucos, as pessoas vão embora. Ivan fica sozinho. Sai por último, a passos lentos.

CENA 19. MANSÃO HELENA. INT. DIA.

Helena entra com Solange, abraçadas. As duas sentam no sofá. A moça continua fingindo choro.

SOLANGE
Nem sei como te agradecer. Acho que não mereço tanto. (finge soluçar) Queria ir ao banheiro.

HELENA
Claro, querida. Lá em cima, segunda porta à direita.

SOLANGE
Obrigada.

Solange sobe as escadas. Helena fica pensativa.

CENA 20. MANSÃO HELENA. BANHEIRO. INT. DIA.

Solange entra no banheiro. Acende a luz e fecha a porta. Desfaz o fingimento. Pega seu celular e manda um mensagem para Pedro: “E todo mundo caiu direitinho no meu golpe. Até o embuste da Helena. Acesso livre à mansão da ricaça. Parte um finalizada com sucesso.”. A vilã dá um sorriso de orelha a orelha, de frente ao espelho.

EFEITO DE FIM DE CAPÍTULO: imagem congela. Sonoplastia: rugido de leão.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo