ANO DE 2063

O Início do fim do mundo

Steve colocou o capacete em cima da mesa. Sentia falta de ar e uma dormência nas mãos. Precisava se livrar do traje espacial que apertava seu peito como uma serpente de fogo, fazendo com que seu coração trabalhasse nas batidas de um barulhento rock’n’roll. A pane elétrica da XP324 o obrigou a refazer sua estratégia de voo. Precisou controlar a nave manualmente antes de lançar ao espaço a Oficial Margareth Fassbender e os outros tripulantes. Era melhor tentar a sorte do lado de fora, do que num planeta em colapso.

A despeito do que mostrara seu BOT, não fora difícil de abortar a missão.

_ A desaceleração vai levá-lo direto para o solo, Capitão. Não terá tempo de reiniciar o programa de voo _ o robô mantinha o controle motor de Steve.

_ Eu sei, Owen. Mas preciso aterrissar antes que o tanque de combustível exploda.

_ O melhor para o senhor neste momento é tentar uma das cápsulas de sobrevivência.

_ Negativo, parceiro. Não vou perder os insumos da XP324.

_ Margareth não vai gostar de saber que o senhor ficou para trás.

_ Tarde demais para pensar nisso, amigo. Lancei-a ao espaço faz vinte minutos. Não terá como me rastrear em hipersono.

_ O senhor emitiu o sinal de alerta para a Júpiter III? Para que possam tentar resgatá-los?

_ Não, não, deixo isso por sua conta e risco.

_ O senhor deseja que envie um sinal da XP324 para Júpiter III quando aterrissarmos?

_ Negativo. Caso me aconteça alguma coisa não quero Margareth procurando por mim na Terra. Se aterrissarmos com vida dou o meu jeito. Caíremos perto de Houston.

_ Como queira, Capitão Stephen.  – Owen mantinha o tom calmo na voz.

Mesmo sabendo que se espatifaria no Texas, Steve guiou a nave através da única entrada possível. O barulho que fez na reentrada desconfigurou Owen e deixou inoperante os instrumentos de localização da missão. O astronauta manteve o prumo da aterrissagem até o limiar da batida, antes que o fogo queimasse os instrumentos de controle. Mesmo com o empuxo da gravidade, teve tempo de acionar o assento de sobrevivência (que o mantinha dentro de uma cápsula de titânio).

A batida em uma das antenas da base aérea de Houston fez com que a cápsula rolasse da XP324 antes que batesse no solo. Steve teve tempo de se lançar para fora antes que a XP324 explodisse. Bastou apertar um dos botões de ignição no painel lateral do assento. Talvez tenha tido sorte, pensou.

Apesar de desativada há muito tempo, a torre de comunicação em Houston seria capaz de mandar um sinal de socorro para a Júpiter III com sua localização.  A despeito da queda, o Capitão Carl Stephen sentia apenas um desconforto nas pernas. Nada capaz de impedi-lo de chegar ao sistema de controle de Lançamento da antiga NASA.  Fazia tempo que ninguém descia ao Terceiro Planeta. Havia os boatos sobre a praga e a disseminação do vírus. Para o astronauta da velha guarda, um simples contratempo.

 

***

O menino colocou a cabeça para fora do buraco. Havia outros com ele, sussurrando seus muxoxos de dúvidas. Queriam comida e suprimentos; água e agasalhos para abrandar o frio.

No ínicio do fim do mundo, as naves carregadas de insumos apareciam ao entardecer: todas as semanas, dia após dia. Com o avanço da praga tornaram-se rarefeitas, lançando apenas seus robôs para a coleta de dado. Muitos se rebelaram, saqueando as naves e destruindo aquilo que chamavam de viúva negra.

Como o passar do tempo, e a soltura dos gases sobre o planeta, o clima ficou frio e soturno. Isso os impediam de descer. As viúvas negras não resistiam a umidade, deixando um rastro de óleo pelas serranias.  O mundo padecia sob um céu bruxuleante. Os sobreviventes da doença forjavam suas armas com o que sobrara do velho mundo. Lutavam contra o clima, a fome e as criaturas da noite. Monstros que um dia foram humanos, mas que agora viviam da caça.

O menino acompanhou com os olhos cerrados a nave que despencou do céu. O estrondo fez com que o chão balançasse e às copas das árvores perdessem seus galhos. Algo caíra do céu como uma bola em chamas. O menino ficou curioso, mas não se atreveu a ir até lá. Com certeza, a nave se espatifara no chão de Houston. Haveria sobreviventes? Provavelmente era mais uma espaçonave cheia de robôs. O menino deu de ombros para o clarão mais à frente. O fogo poderia abrandar o frio de todos na oca. No entanto, as criaturas procurariam por ele também. O melhor era deitar no seu canto para dormir. Haveria buscas por insumos no outro dia, mas o nome dele não estava na lista. O achavam pequeno demais para caçar. Uma ova que era! Só precisava de uma oportunidade para mostrar o seu valor.  

Mesmo contrariado, o menino quis descansar. O dia de amanhã prometia ser longo e cansativo. Em breve receberiam um monte de robôs para desmontar. Um trabalho feito pelas crianças e suas mãos pequenas.

 

***

Steve sentia frio. Caminhara muito até chegar ao topo da torre de comunicação da NASA. Tinha algo preso na sua garganta, um suor gosmento no pescoço e um zumbido no ouvido. Com o cair da noite, sua respiração ficou acelerada. O vento que entrava nos pulmões cortava como gelo. Havia um tom bruxuleante no deserto, acompanhado de um silêncio soturno e sombrio. Apenas uma luz mortiça iluminava seu caminho de mato rasteiro. A Terra não era mais a mesma, perdera o viço e se tornara tenebrosa.

Quando fora de XP324 pressentiu que algo o perseguia no deserto, não sabia exatamente o que era. Alguém se arrastava na sua direção, com passos trôpegos de um bêbado. Talvez fosse um delírio ou coisa parecida. Talvez estivesse com febre ou fosse a falta de água dilacerando seus pensamentos. Steve não sabia dizer se era realidade ou um sonho. Estava cada vez mais difícil discernir sobre as coisas que via. Ele nãos se importava com isso. Se conseguisse chegar a torre de comunicação uma missão de socorro o resgataria daquele pesadelo. Deixaria a Terra para nunca mais voltar.

Os primeiros raios de amanhecer iluminaram seu rosto. A dor que sentia pelo corpo o fizera gritar. Era algo visceral e demoníaco. Mesmo consciente da proximidade da sala de comunicação, não conseguia ficar de pé. Estava doente. Era algo parecido com o Capitão Viajante – livro sobre um vírus mortal que lera quando criança; ou algo parecido. Não lhe interessava o que era, precisava ficar de pé para entrar em contato com Júpiter III.

Sabendo que se não fizesse alguma coisa a febre dilaceraria suas vísceras, procurou se livrar do traje. Ele se despiu com dificuldade, com laboriosa lassidão. Havia manchas cobrindo seus braços e pernas, tão roxas como as de um beliscão. Numa janela estreita ao lado de uma escrivaninha de aço viu seu rosto no reflexo. As manchas subiam pelo seu pescoço para assumir um tom rosado nas bochechas.

_ Meu Deus! _ Disse analisando o dorso das mãos.

Mesmo com facas lhe cortando as juntas dos joelhos, se arrastou pelas escadas até o topo da torre. Precisava avisar Júpiter III sobre o que estava acontecendo na Terra. Por mais que lhe doesse admitir, Margareth tinha razão quanto aos seus estudos sobre o planeta. A vida na estação espacial corria riscos caso tentassem aterrissar.

Perto de alcançar o sistema de comunicação, um zumbido no ouvido fez com que derrubasse o pouco de água que armazenara da chuva. A dor que sentiu não tinha origem na febre. Seu BOT tentava uma nova conexão através da sala de comunicação.

_ É você, Owen? _ Steve conseguia sentir as tensões de suas sinapses. _ É você, rapaz?

_ Afirmativo – A mesma voz branda de outrora. _ Reconectados.

_ Graças a Deus! Preparando conexão com Júpiter III em dois minutos.

_ Isso não será possível, Senhor. _ Owen mantinha a voz firme e tranquilizadora. _ O senhor não tem permissão para voltar a Estação Espacial.

_ Faça a conexão, Owen. É uma ordem _ O ar ficava cada vez mais rarefeito nos pulmões de Steve.

O zumbido o fez rolar pelo chão do Centro de Comunicação da antiga NASA.

_ É uma ordem, Owen. Faça a conexão! – gritou.

Alguém subia as escadas em direção ao astronauta. O grito do Capitão Stephen ecoou pela corredores da base espacial. Seu BOT continuava conectado com a torre de Houston. Era da natureza dos ROBOTS manterem o controle da missão.

 

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