Margareth não sentia seus pés. Tentou abrir os olhos; as pálpebras pesando, o suor escorrendo da testa. Tocou levemente seu corpo, sentindo a textura áspera do traje espacial.

_ Ariel, Ariel? Onde você está? _  seus pensamentos tropeçavam na sensação de dormência.

_ Estou aqui, amada.  Que bom que despertou. Fiquei preocupado.

Tentando desesperadamente se recompor, percebeu que estava na sua antiga nave, a XP536. 

_ Meu Deus! _ Tratou de recompor os sentidos, segurando firme o controle e verificando os instrumentos. _ O que aconteceu? Como vim parar aqui?

_Calma, Maggie _ disse Ariel. _ Estamos no piloto automático. Você não lembra o que aconteceu?

_ Sim, sim, a mensagem de Steve.  

_ Só isso que se lembra? Meu Deus, moça! _ Ariel deixou escapar um risinho baixo. Apesar de não ter um corpo, Margareth imaginava-o parecido com seu pai. _ Okay! Vamos lá. Você despertou horas depois na enfermaria. Vestiu suas roupas e nem sequer agradeceu aos oficiais médicos pela ajuda. Foi até a sala do Prefeito, xingou-o de todos os nomes possíveis e inimagináveis. Depois exigiu uma nave. Ele argumentou que estava louca, que Steve morreu naquele acidente. Mas você o xingou novamente. Então ele liberou sua nave. Mas antes pediu educadamente que fosse para o inferno e que enfiasse seu relatório no cu.

Margareth arregalou os olhos. Tudo isso? Meu Deus!

_ E então?

_ O então é que estamos aqui. Você desmaiou novamente. Tomei a liberdade de colocar a nave no automático. Estamos seguindo a mensagem. Como a senhorita ordenou.

_ Você já encontrou uma entrada?

_ Sim. Daqui 15 minutos.

-Fez bem. Obrigada.

“Que a nave não congele. Aguenta firme, sua puta! ” Pediu Margareth para seus botões.

_ Sei que vai ficar brava comigo, mas sou obrigado a fazer essa observação: Você não odeia palavrões?

A astronauta da “velha guarda” sorriu. Ariel sempre conseguia fazê-la sorrir nos momentos mais difíceis.

Ninguém pousava na terra há muito tempo (não por livre e espontânea vontade). Os oficiais jogavam os mantimentos a quilômetros de distância do solo, sem contato visual. As amostras eram recolhidas por Robôs. Mas isso não importava. Steve estava lá fora. Enfrentaria o universo se fosse preciso para vê-lo novamente.

A XP536 aproximou com um suave levantar das asas. Margareth a conduziu com maestria pelas nuvens carregadas de chuva que embaçavam sua visão dos continentes. Granizos batiam nas asas, sem afetar seu funcionamento. “Minha maltratada Terra. Aqui estou. Quem diria. ” Pensou.

Mesmo num voo rasante não reconheceu Houston.

_ Onde estamos, Ariel?

_ Segundo as coordenadas no Brasil.

_Vamos deixar o turismo para mais tarde. Refazendo a rota para Houston

_ Pois não.

Com uma curva grosseira, o BOT obrigou a nave a seguir pelo Oceano Atlântico.

_ Desculpe Margie, estou fora de forma.

Ela sorriu. “Steve, Steve, Steve! ”

Margareth projetou um voo alto para que ninguém percebesse sua presença no planeta, nem mesmo o noivo. No entanto, queria ver o mar, as árvores, os pássaros. Recordar a terra de sua infância, quando brincava no mato em meio às plantações de girassóis do seu pai. Era certo que estava longe de casa, visto que a Austrália ficava do outro lado do mundo. Mas sonhar não custa caro.

_ Vamos voar mais baixo. Quero sentir o clima. Constatar aquilo que já sei.

_ A senhorita que manda.

A nave planou sobre o mar. Margareth quase podia sentir o sol refletindo nas águas, queimando-a no rosto. Tudo tão lindo! Não pode ser? O sol. Onde errei? Meus estudos foram conclusivos. Aqueles dados dos satélites, as fotos. O que está acontecendo aqui? ”

Próximos a Houston, árvores robustas, plantações esquecidas, carros velhos largados na estrada, casas ainda intactas. Um cenário típico da série “The Walking Dead”, só que mais verde, mais vibrante e sem zumbis.

_ Não estou entendendo, Ariel. Não estou vendo o cenário apocalíptico que imaginei. Onde está o Frio? Esperava algo mais assustador e sombrio. Isso me intriga.

_ Talvez tenha se enganado. Isso acontece. “The Walking dead”?

_ Já disse que não gosto que leia meus pensamentos. _ Ela sorriu levemente _ Varíola, vírus mutante, mutação no cérebro.  Entendeu?

_ Perfeitamente. Desculpe.

O pouso em Houston foi tranquilo. Contato visual com acessibilidade ao solo. O desejo de todo capitão da “velha guarda”.

Margareth vestiu seu traje especial vedado, sem contato com o ambiente externo. Não confiou nas leituras de Ariel, de CO2 não contaminado. Astuta como era, preferiu acreditar no seu instinto.

Assim que a porta da nave se abriu, uma brisa os atingiu em meio ao vento forte do deserto. Margareth gostaria tanto de sentir novamente o calor do sol, o sopro da natureza. E não aquele vento frio do ar condicionado e as tediosas sessões de bronzeamento.

_ Confie em mim pelo menos dessa vez. Tire esse traje. _ Pediu Ariel.

_ Quantas vezes vou ter que pedir para não ler meus pensamentos. Odeio quando faz isso sem minha autorização.

_ Desculpe. Só quis ajudar

“Que fosse para o inferno minha teimosia. Ariel era meu amigo, meu BOT. Seria incapaz de me machucar. ”

Rapidamente se livrou dos trajes. Sentiu a terra nos pés, o sol, o ar, a brisa. Lembranças há muito esquecidas. Procurou um mapa em meio as suas coisas, mas não precisava de um. Conhecia os caminhos até os escritórios da NASA. Conhecia muito bem aquelas construções.

Sempre em frente, se perdeu em meio a um imenso jardim de girassóis. Todo florido, repleto de vida! Lembrou-se da infância, do pai, da mãe, dos irmãos. Acreditou que nunca mais fosse capaz de se emocionar com coisas tão simples. Mas estava enganada. 

Seu coração disparou quando reconheceu Steve em meio aos girassóis. Margareth começou a tremer ao se lembrar do amor. Começou aquele formigamento nas têmporas. Um sufocamento instantâneo e urgente.

_ Fiz tudo isso para você – gritou.– Desculpe ter demorado tanto para buscá-la.

Esqueceu-se de Ariel, da varíola, de tudo que lhe causara dor. Só queria sentir o abraço forte daquele homem novamente. Ouvi-lo falar, beijá-lo, acariciá-lo na nuca. Como o amava! Sua vida nunca fora à mesma sem ele.

O beijo foi demorado, sofrido, angustiante. Olhou para o rosto do amado. Aqueles incríveis olhos azuis! O cheiro amadeirado do perfume dele. Onde estava o cheiro amadeirado? O cheiro dos Girassóis? O cheiro de Steve? Não estou sentindo… não me lembro deles? Ariel? Onde você está? ” 

Margareth sentiu o corpo flutuar por segundos intermináveis. O frio do suor escorria das têmporas, pelo pescoço e descendo pelos braços. Steve foi perdendo o foco, assim como o jardim de girassóis. Tentou perceber as horas pela posição do sol. Cadê o sol? A astronauta da “velha guarda” sentiu faltar o sentido, um nó no peito, o corpo em suspensão. Ela desmaiou no exato momento em que Steve desaparecia junto com os girassóis.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo