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O Dia da Faxina – Capítulo 14 (Último)

O tumulto dissipou e o dia seguinte surgia. Atílio permaneceu sentado nos degraus da escada da delegacia. O local ficou deserto. Atílio levantou-se, olhou em direção ao sol nascente. Suspirou e antes de ir para casa, caminhou à esmo pelo lugar onde Vinícius fora linchado.

Alguns poucos manifestantes ainda circulavam esparsamente por ali. Dois deles ergueram o braço direito e acenaram em sinal de amizade. Os outros lançavam olhares de compreensão, pois, podiam imaginar o que Atílio passou. Um a um se despediam. Atílio se esforçou para conter o choro:

– Não conseguirei suportar a ausência de Gisel. O que me resta fazer agora?

Lá adiante, por entre tiras de roupas rasgadas de um uniforme policial, ele viu um papel. Parecia o mesmo que Vinícius havia tirado do bolso para lê-lo na cadeira. A curiosidade aguçou. Pegou-o nas mãos e abriu. Era um texto impresso que dizia exatamente o que ele havia lido, mas não havia nenhum indício de que tinha sido escrito por Gisel. Contudo, bem atrás da primeira folha, havia outra, mais fina, quase um papel de seda. Esta sim estava escrita à mão e parecia ser a letra de Gisel. Dizia o seguinte:

Não suportaria perdê-lo. Impossível viver duas desilusões. Atílio, meu noivo era um “P” dois. Isso significa que era um policial infiltrado entre os prisioneiros do Carandiru para descobrir esquemas de tráfico de drogas. Foi um período em que sofri muito pelo seguinte motivo: os presos já desconfiavam dele. Certamente, seria executado. Passei a viver com o coração na mão, pois sabia que uma hora ou outra ele poderia ser morto. A corporação decidiu tirá-lo de lá. Ficamos felizes. Iríamos nos ver novamente. Exatamente no dia em que Caio foi liberado, momentos antes de deixar a cadeia, a tragédia aconteceu e ele acabou falecendo. Levei tempo para lidar com o fato trágico. Encarei como uma mera fatalidade. Coisa do destino, carma talvez. Foi, então, que a vida colocou você no meu caminho. Não foi fácil esquecer Caio, mas decidi me dar essa chance. Comecei a te amar realmente, mas ao saber do que havia feito, temi por sua vida. O medo voltou, e também, senti-me culpada por estar em um relacionamento com o assassino do meu noivo. Não conseguiria viver assim dividida. Decidi acabar logo com tudo isso. Mesmo assim te amo.”

Atílio dobrou o papel e guardou-o no bolso da calça. Enfim, as cadeias caíram. Os bandidos agora correm para se salvarem. Pessoas comuns levam a vida que sempre quiseram. Liberdade, novos tempos. Em pensar que esse dia chegaria… mas Atílio continuaria sozinho, a viver apenas de lembranças.

Quanto aos políticos, nunca revelaram ao público o real motivo da implosão do Carandiru. Resolveram culpar os policiais pela morte dos prisioneiros. Em pensar que estes só tentaram alertar sobre as rachaduras na estrutura do complexo penitenciário.

Mas dúvidas permanecem: Até quando as pessoas manteriam a paz? Será que o ser humano conseguiria viver sem conflitos? E quanto ao monstro aprisionado dentro de cada um? Quando ele se soltará novamente?

Só o tempo dirá.

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  • Feliz demais por ter lido do início ao fim essa série maravilhosa! Me apaixonei por cada detalhe. Com certeza uma das melhores do ano.

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