obra escrita por
YAGO TADEU
“MINHA DOCE PATROA”
a
Março-1985
O táxi chegou ao sítio situado em meio à floresta. O taxista olhou pela janela de um modo estranho, parecia que havia algo de errado. A moça morena dos cabelos negros desceu do veículo com uma boina azul escura inclinada para o leste e uma mala preta que guardava seus pertences.
Uma mulher se levantou da cadeira de balanço com uma manta nas costas e sorriu com os dentes amarelados. Parecia contente com a chegada da nova empregada.
Helenita sorriu para a nova patroa. Ela abriu os braços e deu um abraço sendo recebida literalmente de braços abertos.
— Seja bem vinda, mocinha — falou Lisbela com um grande sorriso no rosto. Helenita elogiou a aparência de Lisbela.
— Quê isso? Sou só uma camponesa— disse ela, sendo humilde e gentil — Vamos entrando.
Lisbela encaminhou a empregada até o seu quarto nos fundos da casa. Ela observou como a casa era linda, mas como estava tão empoeirada, deveria ser mesmo por falta de empregadas, pensou.
— Aqui é o seu canto, mocinha. — falou Lisbela — Mas que descuido meu, não disse meu nome.
— A senhora já disse por telefone. É Lisbela, não?
— Sim. E o seu, mocinha? Desculpe, eu me esqueci .
— Helenita. Meu nome é Helenita —respondeu ela — Mas este quartinho é muito para mim, tem até uma vista — disse ela se aproximando da janela.
— É um quarto simples — falou Lisbela também perto da janela.
— Aquela é uma fábrica abandonada? — perguntou, referindo-se aos portões trancados atrás da casa.
— Sim, e abandonada há muito tempo — respondeu Lisbela, sem mais detalhes — Bem… Vou fazer a comida para as crianças.
— Não. Eu já sou contratada, não sou? Pode deixar comigo.
— Mas a viagem não a cansou? — indagou Lisbela, surpresa.
— Não, senhora — respondeu Helenita.
— Então tudo bem, como a mocinha quiser.
Helenita começou a organizar as panelas; decidiu fazer um macarrão com creme de milho para o jantar, como sempre adorava quando sua mãe o fazia.
— Anne, devolva minha bola! — pediu o garoto Andy.
Helenita olhou para trás se encantando com as crianças.
— Anne, dê a bola ao seu irmão — pediu Lisbela, entrando na cozinha — Bem, estes são os meus filhos .
Helenita deu uma empolgada risada iniciando o preparo do macarrão.
Anne ligou o seu rádio, que chiava bastante. Logo a música suave entrou e Lisbela tirou os óculos, fechou os olhos e começou a dançar como se não houvesse ninguém ali.
— Mamãe, já começou — disse Andy sorrindo.
Helenita se virou para trás enquanto escorria o macarrão e deu um sorriso suave, lembrando-se de sua mãe.
— Helenita conhece? — perguntou dançando como uma bailarina — Edith Piaf Hymne l`a amour, uma rainha.
— Minha mãe era apaixonada por essa música.
Lisbela não se importava com a presença dela, dançava como se não houvesse ninguém ali; recordava sua época de bailarina como se fosse ontem, sem colocar barreiras e limites na força de suas lembranças.
— Eu adorei seu macarrão — elogiou Anne falando à mesa pela primeira vez — Está muito bom.
— Sua filha é tão quietinha. Muito obrigada, Anne.
— Aqui sempre foi uma diferença muito grande. Anne é tão calada e Andy uma inquietude só.- Helenita sorriu contagiada.
Helenita sorriu percebendo logo de cara as diferenças.
Lisbela estendeu o braço e entregou-lhe algo.
— Para mim?- Helenita admirou a bela pulseira de brilhantes.
— Sim, eu tenho tantas, não custa dar uma á você.
— Obrigado.- agradeceu com um sorriso tão brilhante quanto – Vou colocá-la imediatamente. Foi um dia muito agradável.
Com o sol que raiou ela despertou no seu quartinho dos fundos da casa. Levantou-se da cama, que rangeu com o seu movimento; foi até o espelho e notou nas costas da mão uma estranha mancha. Não era uma mancha qualquer… Ela fixou os olhos e percebeu que sua pele parecia estar mofando com indícios de putrificação.
Helenita se assustou com aquilo e decidiu que no próximo dia iria em uma consulta no hospital mais próximo.
Após os afazeres matinais, ela levou as crianças para passear em um parque próximo dali. Seguiram em uma trilha de folhas de outono que os guiavam a um parque.
— Posso te chamar de Lena? — perguntou Andy, enquanto a irmã Anne permanecia calada seguindo ao lado deles.
— Sim — respondeu Helenita, admirando sua simpatia.
— Lena, sabe que vai acontecer um jantar hoje à noite? Minha mãe vai convidar toda a vizinhança.
— Toda a vizinhança ? — impressionou-se, Helenita — Mas eu não vi uma só casa do caminho para cá — desconfiou Helenita ao lado dele.
— Mas temos muitos vizinhos e todos vão vir te conhecer. Você está preparada? — perguntou ele, a intimidando.
— Acho que sim — respondeu sorrindo.
— Acho não é certeza — disse o garoto com um ar pretensioso.
Helenita não comentou nada com a patroa. Após levá-los ao parque, ela continuou a realizar os afazeres domésticos e no entardecer iniciou os preparativos para o jantar, fingindo não saber que os convidados viriam ao anoitecer.
Ela entrou no banheiro e ligou o chuveiro. Ao se banhar sentiu uma estranha fraqueza nos ossos e isso lhe era muito estranho, pois nunca sentira algo parecido. Seria uma séria doença? Perguntou-se muito preocupada.
Penteou os cabelos molhados e vestiu um suéter vermelho que ganhara de sua mãe. Finalizou com uma saia semelhante à escocesa e botas pretas de inverno. Ao chegar à sala de estar, surpreendeu-se com a quantidade de pessoa presentes: senhoras e senhores muito bem vestidos engravatados da cabeça aos pés, crianças correndo pela casa. Realmente haviam muitos vizinhos nas redondezas.
— Venha aqui — chamou Lisbela sorrindo — Esta é a minha nova empregada, ou melhor dizendo, uma companheira.
Helenita sorriu para os convidados um pouco sem jeito.
— É uma mulher refinada — disse o senhor alto, com as pernas compridas — Logo se vê isso.
— Realmente é muito bonita — disse o velho, pegando a mão dela e dando um beijo — Meu nome é Alencar.
— Prazer, eu sou Helenita — respondeu sem graça.
— E você é de onde? Se permite contar, claro — perguntou a senhora ruiva e sardenta, olhando fixamente nos olhos dela.
— Eu sou do sul — respondeu sem mais palavras.
Após o jantar, alguns permaneceram conversando na varanda enquanto outros permaneciam na sala sentados ao sofá; as crianças brincavam ao redor da casa, apesar da escura noite que fazia.
— Helenita, eu fiquei tão encantado com você que decidi lhe presentear — ele buscou nos bolsos do paletó — Este anel que era do meu querido pai — disse o velho, estendendo o anel de brilhantes para ela.
— Eu não posso aceitar — disse completamente surpresa.
— Não é uma oferta. Eu estou te dando — insistiu o velho.
— Eu fico lisonjeada, agradeço muito.— falou sem saber como recusá-lo. Ele colocou o anel no dedo indicador dela.
— Mamãe, posso tirar uma foto? — perguntou o agitado Andy.
— Claro, Andy — respondeu Lisbela, sentada ao sofá.
Andy pegou uma antiga máquina fotográfica e decidiu juntar todos os convidados para uma foto coletiva. Era estranho para Helenita como eles usavam roupas antigas… Com certeza porque a floresta era isolada e provavelmente tinham pouco conhecimento. O flash disparou quatro vezes, todos sorriam. Lisbela colocou o braço no ombro da empregada, que olhou para ela alegre.
Ela se levantou da cama com o terceiro chamado de seu despertador. Arrumou os lençóis e foi até o espelho próximo de sua janela. Olhou para a fábrica abandonada e voltou a se olhar no espelho. Seu rosto estava completamente pálido. Ela acariciou o cabelo e levou um susto. Vários fios e punhados de cabelo se soltavam em suas mãos. Era algo completamente fora do normal, pois eles se esfarelavam em suas mãos como se estivessem enfarinhados.
Todos saíram de casa ao meio dia, decidiram fazer um piquenique em um lago próximo dali. Romperam os arbustos selvagens e seguiram pela trilha; ouvia-se barulho de animais típicos desse lugar, que eram cercados por caçadores.
Lisbela sentou na areia e eles estenderam uma manta vermelha, colocando a cesta de palha sobre ela; tirou os óculos e deitou sobre a manta liberando as crianças para nadar.
— Como é bom este lugar! — disse Helenita, deitando também.
— Acredite se quiser, eu nasci aqui — contou a patroa.
— Realmente é um lugar maravilhoso. Ah… Minha querida mamãe que botou ordem nesse lugar. — Lisbela lamentou, recordando-se.
No mesmo momento, Helenita sentiu falta da mãe que estava no sul.
As crianças se divertiam na água, mergulhavam no lago como dois peixes sem muitas dificuldades para nadar. Davam salto do galho de uma árvore de forte tronco para o lago, espalhando água para todos os lados.
— Quanto você quer receber por mês? — perguntou Lisbela.
— Não sei dona Lisbela, quanto a senhora achar. — disse.
— Fico muito feliz de ter uma empregada tão humilde, pois eu tenho filhos que dão muito trabalho a qualquer pessoa.
— Eu gosto muito deles. Vocês são uns doces de pessoas. Sabe que eu nunca tive uma patroa tão gentil, desde que eu trabalho nesta área sempre fui explorada.
— Mocinha, prometa uma coisa para mim — falou Lisbela, gerando ansiedade — Prometa que ficará sempre cuidando da minha família.
Helenita deu um sorriso pela primeira vez, sentindo-se honrada de trabalhar como empregada em casa de família.
— Para sempre é muito tempo — disse Helenita, ainda sorrindo.
Lisbela não disse mais nem uma palavra, apenas esboçou um leve sorriso de canto. Sua mão se aproximou da mão da empregada e tocou levemente a mão dela, acariciando suavemente com amor.
Ouviu-se um tiro na floresta. As crianças saíram correndo do lago com o chamado da mãe e logo presenciaram um pequeno esquilo se aproximar deles, completamente ferido. As crianças olharam com dó para o animal que se aproximava.
— Eu vou fazer um curativo nele — disse Helenita, preocupada.
O caçador rompeu os arbustos e olhou assustado para Helenita. Parecia muito espantado quando ele a fitou, procurando entender o que acontecia.
— Vamos embora! — disse Lisbela em voz alta — Os caçadores não gostam de ser incomodados. Vamos, crianças.
Helenita deixou a floresta com a cara de espanto do caçador gravada em sua mente.
A patroa veio ao seu quarto e apagou a vela em cima do criado mudo.
— Boa noite Helenita. Durma com os anjos — disse assoprando a vela.
— Boa noite, dona Lisbela — falou, quase adormecendo.
Lisbela encostou a porta que rangeu, devagarzinho até se fechar.
Após uma noite inteira se revirando, Helenita sentou na cama e não conseguia parar de pensar nela. Mas o que era aquilo que parecia impregnado em sua mente? Um segundo sem pensar nela era muito naquela madrugada. Estaria se apaixonando? Mas isso não era possível. Não, não ela! Levantou-se colocando a boina sobre o cabelo que se esfarelava com frequência. Notou que o anel de brilhantes não estava mais em seu dedo e assim que chegasse o procuraria. Decidiu ir ao hospital e levou a máquina fotográfica para revelar as fotos da festa. Sua patroa ficaria muito feliz quando colocasse as fotos no mural do corredor.
Chegou ao hospital no centro da cidade. Após duas horas aguardando, o doutor lhe atendeu com o resultado dos exames, já em mãos. Ele conferiu o exame de sangue e alguns outros solicitados.
— E então doutor, alguma suspeita? — perguntou ansiosa.
— Você vai precisar fazer mais exames. Todos, se possível.
— Por quê? — indagou preocupada.
—Tem algo muito errado com seu corpo.
— Sim, meus cabelos estão esfarelando. Há manchas de mofo nas minhas costas e todos meus dentes estão começando a ficar pretos, por alguma razão.
— Eu vejo claramente o que está acontecendo — assustou-se o doutor.
— Diga-me doutor, por favor. — pressionou, extremamente ansiosa.
— Seu corpo está entrando em decomposição.
— O quê? — os olhos negros se envidraçam atônitos — Como isso é possível? — perguntou-se, sem conseguir acreditar.
Passou no centro e pegou o pacote de fotos reveladas, colocando em sua bolsa creme.Tomou o caminho de volta, extremamente preocupada com sua saúde. Chegou ao sítio, isolado na floresta, e decidiu dar uma volta para procurar o anel perdido. Notou que eles ainda dormiam e passou por trás da casa, observando cada canto que ele estaria. Chegou ao grande portão e seus olhos brilharam ao ver o anel na grama em frente do portão. Ela o pegou e o colocou no dedo, satisfeita. Foi quando sua curiosidade se tornou imensa e ela decidiu entrar no grande portão para saber o que escondia aquela fábrica. Abriu as correntes e entrou… Logo à frente havia um grande muro. Deu uma volta por ele, saindo em um grande campo que definitivamente não era uma fábrica.
— Meu Deus… Um cemitério! — disse, completamente assustada.
Ela seguiu olhando as sepulturas ao ar livre até inesperadamente encontrar um jazigo nomeado de família Reis. Ela olhou o nome e as fotos dos falecidos. Quase deu um grito e colocou as mãos obre a boca ao ler os nomes.
— Meu Deus! — exclamou muito abalada com o que via. O jazigo mostrava os nomes: Lisbela Reis, Andy e Anne Reis e suas respectivas fotos.
— Como isto é possível? Todos estavam mortos. Helenita retirou o pacote da bolsa, abriu e observou as imagens. Estava sozinha em todas as fotos da festa. Não havia vizinhança! Não havia ninguém naquele lugar! Ela entrou em desespero; decidiu pegar suas malas e sair de lá o mais rápido possível. Entrou na casa e foi até o quartinho; abriu a porta que rangeu e quase deu um grito ao se deparar com a patroa.
— Bom dia mocinha. Posso saber onde esteve? — questionou Lisbela . A empregada olhou assombrada com a presença da patroa. Seu rosto empalideceu. Sentiu um grande arrepio, quando sua expressão congelou.
— Eu fui ao médico, dona Lisbela — respondeu engasgada.
— Tudo bem — falou com um grande sorriso — Você pode dar banho no Andy? Anne está cuidando do esquilo.Você está bem? — perguntou a patroa. notando algo de errado.
— Sim — respondeu, engolindo seco.
Ela queria muito fugir imediatamente daquele lugar, mas resolveu aguardar a madrugada para isso. O menino já estava no banheiro. Helenita ligou a torneira e a banheira começava a encher. O menino apressado entrou na banheira tirando a camiseta e o shorts. Deitou naturalmente .Ela pegou o xampu e estendeu a mão para o menino usá-lo.
— Suas mãos estão tremendo — disse Andy, quase sorrindo.
—Não, não estão — respondeu, um pouco amedrontada.
A banheira encheu e ela permaneceu lá, perdida nos pensamentos que a cercava. O garoto fechou os olhos e deixou que a água o cobrisse por completo. Ao perceber isso ela se levantou sem saber o que fazer.
— Andy! Andy! — ela chamou, espantada. Ele continuava com os olhos fechados e permaneceu assim por dez minutos, até que levantou a cabeça, dando uma gargalhada.
— Lena,você contou quanto tempo eu fiquei?
—Não, não. — respondeu com os olhos arregalados.
O dia se foi e à noite chegou escurecendo cada canto da floresta. Ela arrumou as malas, decidida a deixar a casa. Foi até a cozinha lavar as louças, maquinando sua fuga, quando um sutil toque de dedos veio em suas costas.
— Você pode colocar o lixo lá fora? — indagou Lisbela
— Sim — respondeu ela, tirando o lixo da cozinha.
Helenita o levou até a cesta, até que Anne apareceu.
— Você pode jogar ele para mim? — questionou a garota, friamente.
Anne entregava o esquilo morto para que ela o jogasse no lixo.
— Ele foi fraco, e os fracos não merecem viver.
Helenita abaixou a cabeça. Sentiu suas mãos suarem frio e obedeceu fechando os olhos ao jogar o esquilo na cesta de lixo. Entrou de volta na casa. Cada minuto daquela noite surreal e aterrorizante parecia se arrastar.
Buscou uma panela para colocar no fogo.
— Você pode fazer aquele macarrão para mim? Eu gosto tanto. — pediu Anne, sorrindo para ela.
— Acho que hoje não, Anne — disse com os olhos lacrimejando.
— Faz o macarrão para mim, faz o macarrão para mim! — repetiu com a cara fechada.
Helenita engoliu seco com os olhos frenéticos a piscar.
—Tudo bem, eu faço — respondeu sem mais palavras.
Assim que Helenita preparou o jantar, Lisbela veio chamá-la com um largo sorriso no rosto.
— Venha aqui no quarto um minuto — chamou Lisbela.
O coração dela acelerou e ela seguiu a patroa.
— Este é o vestido do meu casamento, você vai usá-lo na noite de hoje — disse Lisbela mostrando o vestido antigo — Arrume-se como se fosse o último dia de sua vida. Helenita fixou os olhos no vestido e respirou fundo ao escutar aquilo.
A mesa estava posta e as crianças sentaram em seus devidos lugares. Helenita veio vagarosamente aparecendo com brincos brilhantes e o vestido branco e antigo.
— Como está bonita, Lena — elogiou Andy.
— Você está linda — afirmou a patroa.
— Obrigada — agradeceu, cabisbaixa.
Todos apreciaram a comida feita por ela. Saborearam até o último minuto do jantar.
— Vamos jogar um jogo? — perguntou Andy.
— Qual jogo? — questionou Lisbela ao filho.
Helenita sentia uma pressão enorme na cabeça e os batimentos cardíacos completamente acelerados.
— O que você acha, Lena? Quer jogar algum jogo?
— Não, não quero — respondeu ela, secamente.
Lisbela a encarou estranhando sua atitude.
— Você não quer jogar? — perguntou a patroa em enorme ironia.
— Já disse que não quero! — disse Helenita em voz alta. Ela se levantou e correu para seu quarto.Trancou a porta e se ajoelhou à beira da cama. Um silêncio se instalou e seus lábios tremiam.
— Não foi nada bonito o modo como você saiu da mesa. — repreendeu a voz suave do outro lado da porta:
— Quer abrir a porta mocinha, eu não vou repetir.
A maçaneta girou lentamente tentando abrir. Suas pálpebras tremiam sentindo um terror interno.
Um forte estrondo se fez como se esmurrassem a porta.Helenita deu um grito e com uma pancada ensurdecedora a porta começou a rachar.
— Helenita! Helenita! – gritou ela engrossando a voz —Helenita! Abra agora, Helenita! — ela chorou compulsivamente.
Uma terceira batida veio quase destruíndo a porta.
— Meu Deus… — clamou a empregada desesperada.
— Helenita! — gritou pela última vez distorcendo a voz.
Ela ficou na beira da cama temendo que a porta fosse arrombada. A música iniciou. Helenita lembrou novamente de sua mãe e lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ela se levantou e foi até a porta, girou a chave devagar. A música começou a acelerar.Ela olhou pela fresta da porta com as mãos tremendo,não havia ninguém.Abriu a porta por completo e saiu de lá na ponta dos pés, observou a cadeira de balanço se mexendo e um antigo rádio reproduzindo a música.Os timbres penetraram em seus ouvidos se infiltrando em suas emoções.
Ela se virou e levou um susto ao dar de cara com a patroa.
Helenita correu pelo corredor e esbarrou nos copos de vidro que se espatifaram pelo chão. Derrubou os castiçais de vela no chão e as chamas se iniciaram, os móveis começaram a pegar fogo rapidamente. Helenita saiu da casa e correu pela floresta.Passou pelos arbustos desesperada buscando fugir.Chegou ao lago e não existia outro modo mais rápido de passar além desse. Entrou no lago gelado, tentou nadar até o outro lado, uma mão lhe puxou o pé e ela deu um grito. Começava a engolir água se debatendo completamente desesperada. Tentava gritar, mas a força que a puxava era mais forte. Ela se virou e sem mais escapatória estava face a face com Lisbela.
— Me deixa em paz! Por favor. — implorou Helenita.
Lisbela encostou sua testa na dela e sussurrou:
— Fica comigo? Diz que sim… Para sempre.
Helenita começou a chorar completamente anestesiada com tudo,apenas sentia ela á sua frente.O que acontecia ali? Porque? E agora só ouvia a música clássica soar em seus ouvidos.
— Fica comigo para sempre?- pediu Lisbela em um sussurro estarrecedor.
Os caçadores chegaram após o incêndio da casa, Helenita se virou para eles pedindo socorro.
— É ela. – disse um dos caçadores — Ela voltou.
O segundo caçador notou o vestido de noiva e deu dois tiros de espingarda. Helenita caiu no lago ensanguentada e morta, acabada e consumida. Naquele momento, seus poucos segundos de vida a fizeram ser a lenda.