obra escrita por
YAGO TADEU
A
PORTA-FERIDAS
Maldita morte. Vai pro norte?
Ou qualquer outra direção
Tanto ao sul quanto ao norte
Faz-se minha insatisfação.
A
Dérick sentiu sua cabeça pesar junto da densidade do mundo à sua volta. Os olhares o acusavam. Aquela mulher novamente tentava o derrubar. Todos questionavam, vozes e perguntas o deixavam ainda mais confuso. Olhou para a faca na própria mão e já não escutava mais nada, soltou a faca e sua cabeça pareceu girar como um peão. Desorientado ele caiu, desabou como um peso no chão.
— Pai!- ouviu a voz do filho se distorcendo aos poucos enquanto ele buscava o acordar.
Priscila tomou seu rosto com as duas mãos, ele pôde notar seu olhar aflito e rápido apagou.
…
— Ele está voltando aos poucos.- disse o enfermeiro medindo sua pressão – Ele apenas entrou em estado de choque emocional e por isso desmaiou.
— Ele voltará ao normal ainda hoje?- questionou Priscila próxima do marido estirado na cama.
— Voltará, mas seria bom que o fizesse dormir direto.
— Então, acho que é só.- Lisbela abriu a porta do quarto para o enfermeiro.
— Obrigada.- Priscila sorriu e o senhor de bigode saiu do quarto.
— Vou levá-lo até a porta.- Lisbela acompanhou o enfermeiro.
— Você sabe que meu pai não fez nada com ele.- Ítalo referiu-se a Andy.
— Eu sei Ítalo, disso eu não tenho dúvida. Andy está mentindo.
— Meu filho não mente.- Lisbela surgiu por trás empurrando a porta.
— Eu não quis dizer isso.- rebateu Priscila.
— Você quis dizer isso.- Lisbela afirmou desagradada – Eu não posso permitir que seu marido continue sobre o mesmo teto que eu e que meus filhos.
— Tudo vai se resolver quando ele acordar. – prometeu Priscila.
Priscila desejou em seguida uma boa noite para a patroa e o silêncio se instalou na casa.
…
Foi-se a lua e se apresentou o sol crescendo no horizonte. Dérick havia despertado de madrugada, mas logo dormiu após a esposa o tranquilizar.
— Então, eu desmaiei? – Dérick sentia como se alguém tivesse lhe dado uma pancada na cabeça.
— Sim, pela terceira vez Dérick, você desmaiou sim.
— Feliz aniversário. – lembrou sutilmente a olhando com amor.
— Obrigado Dérick. – respondeu no mesmo tom.
— Que você seja muito feliz.- desejou com franqueza – Comigo ou com outra pessoa. – Priscila deu um fraco sorriso e balançou a cabeça evitando olhar pra ele.
— Dérick como disse, você já deve imaginar que Lisbela esteja com raiva de você. Ele deve estar furiosa pelo que o filho dela disse ontem. Eu não sei porque você apareceu com aquela faca na mão ontem, por mais que já tenha me explicado eu não consigo compreender. Acho que você acabou surtando ontem.
Dérick abaixou a cabeça e apenas a ouviu sem justificativas plausíveis.
— Eu vou á vila comprar verduras e legumes como Lisbela me pediu. Tome café e quando Ítalo acordar dê café a ele. Tchau. – Priscila se despediu.
— Tome muito cuidado Priscila. – ela abriu a porta – Tchau.
Dérick se levantou e abriu a mala colocando um casaco de frio quente e felpudo.
— Posso falar com você?- Lisbela o surpreendeu abrindo a porta.
— Eu não tenho nada pra falar com você.- Dérick foi direto enquanto organizava as roupas na mala.
— Por favor.- pediu Lisbela com serenidade – Eu preciso que você me aconselhe a dar um presente para Priscila, eu não sei o que dar a ela.
— Fique sabendo que hoje mesmo nós vamos embora da sua casa.- Dérick dispensou sua reaproximação.
— Você e Priscila?- indagou com cinismo.
— Eu, Priscila e meu filho. – disse se alterando – Eu garanto que nós três saíremos hoje dessa casa.
— Eu garanto que você e seu filho serão escorraçados daqui.- a serenidade acabava de sumir – Guarde bem essas palavras.- Lisbela bateu a porta e Ítalo começava a acordar.
— Pai.- o garoto afastou o cobertor e sentou na cama – Você está bem?
— Estou filho.- Dérick o olhou temendo que algo acontecesse com seu filho.
— Eu sei que você não fez nada com Andy pai.
— Eu também sei que você acredita em mim.- Dérick segurou a mão do filho – Esse lugar não é normal e isso é fato. Outro fato é que esse lugar anda mexendo com as minhas emoções, não sei se são paranormais ou apenas palhaços. Não sei se isso é apenas um circo e não sei se ela…- referiu-se a Lisbela –… É louca. Mas tenta me enlouquecer á cada segundo e sinto que ela tem esse poder. Eu poderia ir embora agora mesmo e levá-lo comigo, mas não posso deixar sua mãe com ela, sua mãe não sabe quem é ela, e nem eu.
— O que vai fazer pai?- perguntou Ítalo irrequieto.
— O único modo de levar Priscila conosco é desmascarar Lisbela e fazer com elas discutam pelo pior motivo possível.
— Qual o pior motivo possível?- questionou o garoto tentando descobri-lo.
— Vou precisar de você Ítalo.- o pai apoiou sua mão sobre a dele – Há alguns instantes atrás Lisbela pedia conselhos para presentear sua mãe, eu recusei dar conselhos a ela. Meu presente será esse debaixo da cama na caixa branca com laço rosa, são flores rosas que o barqueiro me ajudou a colher no morro. No entanto eu vou sair da casa e você vai atrás de mim carregando esses porta-retratos.- Dérick foi até a caixa de Priscila e colocou os quatro porta-retratos pretos na cama – Eu sei que é angustiante olhar pras fotos do seu irmão, mas será preciso agora.
— O que devo fazer?- perguntou o filho ansioso.
— Como disse, assim que sair você vai atrás de mim…- Dérick continuou a explicar e Ítalo topou o rápido e simples plano.
Apenas Andy estava na cozinha sentado á mesa e bebendo café.
— Você viu meu pai?- Ítalo chegou apreensivo á cozinha.
— Não. – respondeu Andy fitando a sacola em suas mãos – O que é isso?
— O presente de aniversário minha mãe, são porta-retratos com as fotos do meu irmão, ela vai adorar vê-los. – Ítalo a colocou em cima da mesa – Vou deixar aqui, depois eu entrego junto com meu pai.- Andy deu um olhar pretensioso pra sacola – Eu vou procurar meu pai.- Ítalo saiu e Andy apenas concordou com a cabeça.
Ítalo fingiu sair e se esgueirou na janela esperando a reação de Andy diante do presente. Ítalo sorriu quando Andy pegou a sacola e correu para o corredor.
— Ítalo. – o pai tentou chamar baixo sentando no banco.
Ítalo olhou para trás e foi para o encontro do pai.
— Eu o deixei em cima da mesa e ele pegou.- disse Ítalo. O pai sorriu.
— Agora é esperar a outra roubar meu presente e decepcionar Priscila.- o pai o levou até uma árvore – Esse é o único modo de sairmos rápido daqui.
…
Andy entrou no quarto e Lisbela desligou sua máquina de costura.
— Esse é o presente que ele ia dar á Priscila.- Andy entregou a sacola com as caixas.
Lisbela pegou a sacola de sua mão. Tirou a caixa e a abriu. Olhou um a um os porta-retratos e deu um sorriso.
— Obrigado filho.- agradeceu Lisbela e Andy lhe deu um abraço.
Ligeiros minutos se passaram. Priscila abriu a porta e chegou com os alfaces,cenouras e tomates em uma cesta.
— Lisbela.- chamou com a voz seca e engasgada. Priscila parecia ter chorado.
Lisbela foi até a sala e encontrou Priscila sentada no sofá com as mãos no rosto.
— O que aconteceu?- Priscila olhou para a patroa com os olhos avermelhados.
— Acho que já está na hora.- Priscila disse com o olhar firme – Eu vou embora.
A expressão de Lisbela se tornou chocada. Aproximou-se e sentou ao lado da patroa.
— Você não pode ir embora.- disse com os olhos arrasados.
— Eu vou embora sim Lisbela.- afirmou a empregada – Dérick tem toda razão, nós devemos ir embora. Muito coisa aconteceu e o clima em sua casa se tornou conturbado, nos conturbamos sua vida e temos que ir.
— Priscila, eu não tenho ninguém.- justificou a patroa segurando sua mão – Meu Marido não liga pra mim e pra os filhos dele.- seus olhos rígidos agora tremiam – Eu preciso que fique.
— De qualquer jeito eu vou ter que embora logo Lisbela.- Priscila se levantou – Eu lamento muito ter que te deixar.- Priscila parecia sinceramente triste.
Lisbela praticamente se ajoelhou nos pés da empregada implorando.
— Por favor fique.- Priscila sentiu-se constrangida – Eu vou provar pra você que seu marido não te merece e tenta á todo custo destruir nossa amizade.
— Eu que peço por favor Lisbela.- Priscila se afastou dela – Por favor, você me deixa mais triste,não insista.- Lisbela se levantou e sentou no sofá abismada.
Priscila foi até a cozinha e pegou um copo no armário sentindo um aperto no peito.
— Meu Deus.- ela segurou a porta da geladeira com uma estranha vontade de chorar. Com o copo na mão abriu a porta e teve uma grande surpresa. Seus olhos brilharam ao ver o tentador bolo redondo coberto com chantily rosa. Nele haviam letras brancas formadas com biscoito waffle, escritas com muito capricho: Parabéns Priscila!!!
Priscila retirou o bolo estufado com cuidado o colocando em cima da mesa. Foi lentamente até a sala observando as lágrimas que escorriam pelo rosto de Lisbela.
— Lisbela, não chore. – Priscila sentou ao seu lado e a patroa recusava olhar em seus olhos – Lisbela, não chore por favor.- Priscila buscou seu olhar até que ela olhou novamente nos olhos da empregada – Vamos comer o bolo, eu não vou mais embora.- disse para a felicidade de Lisbela – Vou ficar até o prazo do contrato findar.
Lisbela deu um abraço repentino na empregada. Priscila estranhava a tamanha questão que Lisbela fazia pela sua presença mas gostava muito de Lisbela e sentia pena da solidão que assolava a patroa mal vendo e convivendo com o próprio marido.
— Onde seus filhos estão?- Priscila perguntou.
— Estão brincando no quarto.- respondeu Lisbela bem próxima da empregada.
— Eu vou chamá-los para cortar o bolo.- Priscila se levantou e foi para o corredor.
…
Ele sentia-se sufocado. Chamava o nome da mãe, mas sua voz não saía. Não conseguia se mexer. A mãe passava ao seu lado mas ele não conseguia chamá-la. Ele tentou se debater em busca de chamar sua atenção, mas estava imóvel dentro daquela escuridão e nada que ele fizesse causava ruídos.
— Ítalo! Ítalo!- ouviu a voz o chamar quando ele acordou como quem volta á superfície.
— Tudo bem?- questionou o pai encostado na árvore ao seu lado.
— Tudo. Apenas um pesadelo.- o garoto respirou fundo e o pai passou a mão em seus cabelos.
— Sua mãe nos chamou na janela.- Dérick preparava-se para levantar – Em poucos minutos nós vamos embora daqui com ela.- Dérick o colocou de pé – Tudo vai ficar bem Ítalo.
Ítalo balançou a cabeça e concordou mesmo apreensivo e tenso.
…
O bolo estava sobre a mesa. Copos, talheres e pratos também. Trinta e seis mini velas rosas sobre o bolo.
— Andy, não toque no bolo.- repreendeu Lisbela buscando o suco na geladeira – Nem você Anne.
Dérick chegou á cozinha com Ítalo,logo se surpreendendo ao ver o bolo na mesa.
— Nós já vamos cortar.- Priscila avisou á Dérick.
— Não sem antes cantar parabéns.- sugeriu Lisbela.
Priscila sorriu e os filhos de Lisbela insistiram pra que houvesse parabéns.
— Podem cantar.- Priscila estava atrás do bolo. Lisbela acendeu as velas.
Dérick não cantou. Apenas Ítalo, a patroa e as outras crianças.
— Agora assopre as velas e faça o seu pedido.- mandou Lisbela.
Priscila sorriu e fechou os olhos assoprando a vela.
— Pronto.- sorriu ela sem graça.
— Agora o primeiro pedaço.- incentivou Andy. Anne fitava Ítalo logo atrás.
— Isso mesmo.- Lisbela concordou com o filho – Agora o primeiro pedaço.
— Tudo bem. – Priscila cortou com a espátula um pedaço do bolo com um cremoso recheio de morango – Esse aqui, claro que vai pro Ítalo.- Priscila colocou no prato e entregou pro filho.
— Espere Ítalo, filme. – Lisbela pediu com uma estranha filmadora em mãos tirada da janelada estante e entregando á Ítalo. Ítalo entregou para o pai que filmou o momento.
— Obrigado, mãe. – Ítalo deu um fraco sorriso recebendo o pedaço de bolo.
— Eu que agradeço filho.- Priscila voltou a cortar mais um pedaço – Eu não vou entregar segundo ou terceiro lugar, mas somente o primeiro á Ítalo.
Lisbela balançou a cabeça concordando e Dérick permaneceu inexpressivo.
— Filme Ítalo.- Priscila pediu, e Lisbela mandou Andy pegar uma filmadora antiga que Dérick estranhou fazendo uma careta. A filmadora preta, piscava uma luz vermelha, e não havia tela pra quem filmava visualizar. Ítalo filmou o que pôde.
— Esse é pro Dérick.- Priscila entregou o prato pro marido – Esse é pro Andy, esse é pra Anne. Agradeço o meu marido, ao meu filho e ás crianças de minha patroa.- Priscila cortou mais um pedaço enquanto Lisbela aguardava – E esse é pra cozinheira que fez esse bolo maravilhoso, pra minha doce patroa Lisbela.
— Eu só tenho a agradecer a você por tantos momentos bons.- Lisbela disse pegando o prato de sua mão – Parabéns á sétima e melhor empregada que já tive.
Priscila apenas sorriu e eles foram em seguida para a sala.
— Andy, vá buscar o presente perto da máquina de costura.- mandou a mãe.
— E ainda tem presente?- Priscila questionou sentada ao sofá.
— Claro, que tem.- Lisbela sentou quase ao seu lado.
— Ítalo, vá buscar o presente da sua mãe debaixo da cama no quarto. – Dérick mandou e Ítalo logo foi.
— Ela pode abrir primeiro o meu?- Lisbela perguntou á Dérick – É que estou muito ansiosa pra saber se ela vai gostar.
Ela ainda consegue ser irônica. Pensou Dérick.
— Como você quiser.- Dérick a encarava firme. Priscila abaixou a cabeça por um momento.
— Aqui está mãe.- Andy deu á Lisbela o presente e ela o entregou á Priscila.
Ítalo deu o presente á mãe e quis dizer algo para o pai.
— O que foi Ítalo?- perguntou a mãe.
— Nada.- respondeu o garoto desconfiado.
Agora você vai ser desmascarada sua víbora. Nós vamos embora desse inferno.
Dérick sorriu internamente quando Priscila abria o presente de Lisbela. Seu sorriso teve fim num instante.
— É lindo.- maravilhou-se ao ver o vestido de noiva – É simplesmente lindo. Priscila se viu dentro dele, em um novo casamento, com uma nova pessoa.
— É antigo, mas está em perfeitas condições.- Lisbela estava satisfeita – Não vai abrir o presente do seu marido agora?- indagou Lisbela.
Ítalo olhou para o pai sem entender nada e ele parecia em choque. O que está acontecendo? O que essa mulher fez?
— Vamos ver. – Priscila abriu a sacola e balançou a caixa sorrindo. Desfez o laço e mais um sorriso se desmanchou. Seus olhos lacrimejaram ao tocar nos porta-retratos. Seu filho estava lá, aquelas eram fotos proibidas que a machucavam profundamente. Porque? Porque aquelas fotos novamente naquela luta pela superação?
Dérick estava com uma fúria descontrolada visível dentro de seus olhos.
— Porque?- Priscila olhou para o marido abismada com os dedos tremendo – Porque você fez isso Dérick?
Dérick a encarou desesperado sem respostas e sem justificativas nenhuma.
— É Dérick, porque você fez isso?- Lisbela indagou com um sarcástico olhar.
— Desgraçada. Você é uma desgraçada!- Dérick rangeu os dentes de ódio – Maldita!- ele gritou partindo para cima de Lisbela.
— Dérick!- Priscila se desesperou levantando do sofá. Ítalo começou a chorar e os filhos de Lisbela pediam socorro.
Dérick a empurrou para o chão e colocou as duas mãos no pescoço dela.
Lisbela arregalou os olhos parecendo estar sendo sufocada por Dérick.
— Louca! Louca!- Dérick a encarava com horror – Sua maldita! – gritou quando Priscila puxou seu braço o tirando de cima de Lisbela. Lisbela respirava com dificuldade tentando se recuperar.
— Fora dessa casa! Lisbela não precisa te mandar embora, eu mando. Você ultrapassou todos os limites, fora! – Priscila apontou para a porta decidida a mandá-lo embora – Nem que eu tenha que chamar a polícia pra você, mas você vai imediatamente pra fora dessa casa!- Priscila estava descontrolada – Fora dessa casa! Fora Dérick!
Tudo que Dérick planejou deu errado. Seu casamento estava acabado. Olhou pra Priscila e quase chorou ao decepcioná-la novamente quando seu rosto se envidraçou.