obra escrita por
YAGO TADEU
A
DE VOLTA A SWEETVILLAGE
O dia se arrasta
A neblina me consome
Névoa que não passa
E destrói o meu nome.
A
— Porque está falando isso Dérick?- Dionísio se negava a crer naquilo. Balançou o rosto gordo – Não é possível…
— Ele nunca vai acreditar. – Dérick lamentou deitado sobre o leito hospitalar – Conhecendo você como eu conheço sei que nunca vai acreditar nisso.
— Eu vi você dentro de um caixão. – Dionísio balançou as mãos, estava disposto a ouvi-lo – Ao vê-lo vivo agora, eu só posso acreditar no que você tem a dizer.- disse para a surpresa do amigo.
— Desculpe interrompe-los, mas eu vou contar tudo a vocês sobre SweetVillage.- o caçador Hoffman chamou a atenção dos três para ele.
Dérick ameaçou sentar disposto a ouvir atentamente a explicação dele. Ítalo e o pai suspiraram, e voltaram-se para o caçador da voz rouca.
— O homem que Lisbela namorava era muito rígido e bebia.- Hoffmann começou a contar – Antes do casamento ficou grávida de Anne e logo depois Andy. O pai batia em Anne e preferia o irmão por isso ela era tão calada e triste. Lisbela foi forçada por todos á subir no altar e contra sua vontade casar com Valentino. Foi então que em um ato de fúria ela trancou as portas da igreja e derrubou os castiçais incendiando as cortinas e daí a igreja inteira tornou-se labaredas, e todos da vila morreram queimados.- Dionísio estava abismado com aquilo. Dérick lamentava que o filho tivesse que ouvir tudo aquilo.
— Existem mais motivos para Lisbela ter esse ato de fúria?- Dionísio perguntou encarando Hoffmann, com dúvidas.
— Existe um grande motivo.- o caçador preparava-se pra contar.
— Qual grande motivo teria para ser tão cruel?- Dérick estava além de curioso apreensivo como os outros dois para saber a verdade.
— Ela estava revoltada e transtornada, pois Lisbela não gostava de homem e ninguém quis ajudá-la. – revelou o caçador – Nós não nos aproximamos daquela casa, pergunte á qualquer um… Lisbela Reis e todos os outros estão mortos.- agora Dérick podia encaixar em sua mente boa parte dos acontecimentos estranhos de SweetVillage com as peças perdidas – Minha namorada, a única mulher da minha vida, foi a primeira empregada daquela maldita e quando eu soube pra quem ela trabalhava.- o caçador parou sendo alvejado pelas fortes lembranças – Quando eu soube pra quem ela trabalhava, já era tarde demais e ela já estava morta.- O caçador colocou as mãos cansadas no rosto – Ela levou minha amada Marli de mim e tão cedo eu desencantei de amar uma nova pessoa.- Hoffman lamentou olhando pra cima – Maldito seja o espírito de Lisbela Reis.- bateu a sola da bota esquerda com força no chão.
— Inacreditável.- Dionísio disse com a voz cada vez mais firme novamente.
— Inacreditável, aterrorizante e cruel, mas é a realidade.- Hoffman afirmou abrindo os braços – Esses são os segredos de Sweetvillage.
— Quando o vi dentro do caixão eu indaguei á todos no cemitério e todos mal me respondiam, me cercando com seus olhares. – Dionísio contou ao amigo – Eu saí do cemitério atordoado, foi quando Priscila me viu da laje entre os telhados da casa que trabalha, ela percebeu que eu estava desorientado então me chamou para subir no telhado e conversar melhor, eu subi e estava completamente fora de mim, estava perdido.- Ítalo observava já temendo a morte de sua mãe – Priscila disse que pegaria um copo de água pra mim e me mandou se acalmar, eu continuei inquieto andando á beira do telhado quando o garoto me empurrou.
— Andy, um dos filhos de Lisbela?- Ítalo o interrompeu.
— Sim, o filho… O garoto dela.- Dionísio continuou – Eu caí derrubando telhas até o chão, perdi a voz e meu corpo parecia fraturado. Priscila me levou até a casa do enfermeiro e me deixou na cama sob cuidados de algumas pessoas, disse que voltaria para me acompanhar e dormir lá naquela noite, mas ela não voltou, então após perceber atitudes estranhas da moradora que me acolheu, eu saí no meio da madrugada em silêncio até encontrar a loja deste senhor.- Dionísio olhou para Hoffmann.
— Ela não voltou?- Dérick temeu o pior. A enfermeira olhou desconfiada pela porta.
— Não.- reafirmou o amigo – Ela não voltou.
— E se algo tiver acontecido com ela?- Já brilhavam lágrimas nos olhos de Ítalo – E se a minha mãe estiver correndo perigo? Precisamos ir lá.
— Acalme-se Ítalo.- o pai pediu mesmo estando tão nervoso quanto o filho – Assim que tomar essa inalação e o soro eu voltarei lá.
— O que vai fazer Dérick?- Dionísio indagou preocupado.
— Se conseguiram me tirar de lá, posso tirar Priscila de lá também. – Dérick buscou forças. Seu corpo e sua mente estavam muito abalados ainda, mas teria que voltar á Sweetvillage de qualquer maneira.
— Tem certeza que se arriscará tanto senhor Dérick?- Hoffman impressionou-se com sua coragem e ousadia.
— Eu posso ir com você, pai.- Ítalo se ofereceu.
— Não Ítalo, irei sozinho.- Dérick estava determinado – Eu amo Priscila e devo isso a ela.
Dionísio se calou. Hoffman preferiu não dizer mais nada e Ítalo ficou ao lado do pai ansiando pra que se recuperasse, temendo o que poderia vir a seguir, até mesmo das próprias decisões dele.
— Você sabe que eu jamais acreditaria em algo que eu não visse com meus próprios olhos.- Dionísio encostou a cabeça na parede confessando o ceticismo em sua personalidade.
— Nós somos amigos desde a infância Dionísio, eu te conheço muito bem. – Dérick ameaçou dar um leve sorriso.
— Preciso ir.- Hoffmann decidiu voltar á tranquilidade de sua casa em meio á mata – Não vou dizer que podem contar comigo, pois não desejo entrar mais naquele lugar. Espero nunca mais ter que pisar em Sweetvillage.
— Tudo bem, eu agradeço muito o senhor por salvar a minha vida.- Dérick demonstrou grande gratidão. Esse senhor havia o ajudado muito.
— Seu filho foi o grande responsável.- o caçador esboçou um singelo sorriso e saiu.
— Só podemos rezar pela vida de Priscila. – Dionísio disse e Dérick quase chamou sua atenção por falar isso perto de Ítalo.
— Ao menos para a sua religião você não é cético. – Dérick comentou voltando á inalação.
— Isso chega a ser incrível. – confessou o próprio Dionísio olhando para as reluzentes lâmpadas fluorescentes.
— Está com fome Ítalo? – Dérick tirou o aparelho novamente enquanto nenhum enfermeiro aparecia.
— Um pouco. – Ítalo admitiu encostado na parede.
— Vou levá-lo pra comer algo. – Dionísio se ofereceu meio aéreo, estava ainda desorientado por tudo que ouviu. Dérick balançou a cabeça e mandou o filho acompanhá-lo. Assim que Dionísio voltasse pediria que ligasse para sua irmã Rafaela ou sua mãe Maristela e avisasse superficialmente que tudo corria bem. Como você está Priscila? Como você está? Matutava Dérick incansávelmente.
…
A cabeça de Priscila pesava. Levantou-se aos poucos firmando-se no chão da sala. Logo observou em sua volta, os quadros com as fotos de Mateus pela sala. Voltava ao pesadelo. A televisão e os objetos quebrados já não estavam mais lá. Cadê Lisbela? Onde estava a assombração que quase a matara na noite anterior? Priscila foi até o corredor e notou uma trilha de flores rosas típicas dos morros de SweetVillage. Seguiu a trilha sentindo um nervosismo, olhava pra trás mas não havia ninguém. A mesma sensação de medo que nunca sentira antes na vida, começava a se repetir da noite anterior para aquela manhã. Não havia ninguém em seu quarto, as flores iam até o quarto de Lisbela. Abriu a porta quase que de olhos fechados, mas estava vazio. Encostou na janela do quarto onde a trilha de flores rosas tinha fim. Pulou a janela com intuito de saber o que significava aquela trilha. Deu a volta lentamente na casa, lembrando-se da noite anterior e do cemitério que existia atrás da casa no lugar da inexistente “fábrica”. Viu uma cesta cheia das mesmas flores encostada na escada de mão, isso significava que devia subir. Subiu apreensiva carregando a cesta consigo e logo ouviu os aplausos, as batidas cordiais e elegantes.
— Parabéns mocinha.- Lisbela a saudava na laje – Eu admiro tanto sua capacidade de compartilhar bons momentos sem acabar com a brincadeira. – Priscila sentiu um início de tontura ao revê-la. Era tudo mesmo real – Dormiu bem?- Lisbela acariciou suavemente seu rosto, e ela evitava olhar em seus olhos.
— Dormi.- respondeu apenas sem conseguir esboçar o menor dos sorrisos.
— Então vamos tomar café, as crianças já chegaram.- Lisbela disse e Priscila aproximou-se da mesa de ferro coberta por uma toalha quadriculada – Mamãe me deu essa mesa antes de ir.- Lisbela puxou a cadeira para a empregada e sentou ao lado. Andy e Anne fitaram Lisbela comendo cada um seu pão – Desde que meu marido saiu por aí da última vez, eu não tomava café aqui. Mas hoje aproveitei esse sol que tende a brilhar muito ao meio-dia, e decidi colocar essa mesa de ferro antiga que guardava atrás do meu guarda-roupa aqui em cima.- o vento espalhava os cabelos de Priscila – Essa ventania é maravilhosa, você não acha Priscila?
Priscila abaixou a cabeça e ignorou aquela cínica pergunta.
— Nossa, pensei que gostasse. – Lisbela cortou o pão caseiro ao meio – Se bem que não está acostumada com esse tipo de clima, sua cidade é um eterno outono, tem mais neblina do que ar pra respirar em Zellwéger. – Priscila decidiu beber um gole de café. Abriu a garrafa térmica e encheu parte da xícara com as mãos trêmulas.
— Prisci, porque você está tremendo?- Andy indagou com a boca cheia.
— Está com frio Priscila?- Lisbela perguntou tirando seu casaco.
— Não. – respondeu bebendo um pequeno gole do café.
Lisbela colocava seu casaco sobre as costas dela quando Priscila o empurrou com a mão jogando sobre o colo da patroa.
— Não quero. – Priscila recusou levantando-se da cadeira. Ousou andar até a metade da laje.
— Um clima bom, uma manhã agradável, um café delicioso, porque você tem sempre que querer estragar tudo?- Lisbela indagou colocando o casaco novamente – Ás vezes na vida, a gente tem que abaixar a cabeça e aprender com os nossos erros. – Lisbela se levantou da cadeira e Priscila parou de costas para ela – Você erra tanto e não aprende nada. Uma hora todas as empregadas que tive aprenderam a lição, você não será diferente.- Lisbela tirou algo do bolso e Priscila se virou para ela – Pra você aprender além de ser uma boa empregada, ser uma boa companheira, haverá muito trabalho hoje e pode começar indo comprar três quilos de feijão na vila. – Lisbela entregou as estranhas cédulas de dinheiro para a empregada. Eram azuis com desenhos de lugares de SweetVillage.
— Negocie, compre bem e economize, tudo hoje parece estar pela hora da morte.
Priscila pegou as cédulas sentindo o toque de seus gélidos dedos.
— Volte antes do meio-dia, não perca tempo. Tchau querida. – Lisbela voltou para a mesa e Priscila saiu rápido da laje. A ordem foi dada.
Priscila ainda olhou para trás e a patroa acenou apontando para o pulso e simulando um relógio. Priscila estava perdida, parecia confusa dentro de um túnel sem fim. Chegou rapidamente á vila e comprou o feijão ignorando os olhares intimidantes e os cochichos sarcásticos dos estranhos moradores. E se me cercarem? E se decidirem num instante acabar comigo? Ela entrou na igreja, um dos únicos lugares que poderia ficar só. Olhou para o altar como quem implora pra uma intervenção divina. Só Deus pode me salvar agora. Só Deus.
— Priscila. – a conhecida voz feminina chamou logo atrás.
— Por favor, deixe-me em paz. – Priscila respondeu de imediato – Por favor!
— Você tem que me ouvir, você tem que ouvir tudo que eu disser se quiser sobreviver.- Florinda insistia. Porque insistia tanto?
Priscila sentou no banco da igreja, estava com medo, mas ouvi-la poderia ser uma das poucas saídas para sua fuga daquele lugar.
— Você já sabe da verdade?- Florinda indagou. Priscila desconfiava porque ela era a única que queria ajudá-la.
— Sei, ou acho que sei.- Priscila olhava para os lados enquanto falava.
— Então ouça bem. – Florinda tentava dizer com cautela pra que Priscila não se desesperasse como da última vez – Nenhum dos mortos aqui na igreja podem retornar aqui, porque todos os moradores que morreram aqui não conseguem entrar mais aqui. Todos que morreram depois do incêndio da igreja e isso inclui os que tiveram suas vidas arrancadas como eu, todos que morreram depois conseguem entrar na igreja, mas nenhum de nós mortos podemos, na verdade tentamos ultrapassar a barreira que finda o território de SweetVillage na estrada á caminho das cidades.
— Porque?- Priscila indagou a interrompendo pela primeira vez.
— Todos dizem, que os mortos que aqui ficam presos devem aqui permanecer e se esse lugar é amaldiçoado jamais temos chances de embarcar para o céu. – Florinda mostrou-se irrequieta ao falar isso – Por isso ninguém teve coragem de ultrapassar o limite de SweetVillage. Alguns podem nos ver e outros sem explicação não conseguem isso. – a verdade foi dita.
— Como essa igreja foi incendiada?- Priscila se assustaria ainda mais agora.
— Lisbela teve dois filhos com seu namorado Valentino, e há cada dia que passava ela o odiava mais, Priscila não queria nada com homens.- revelou Florinda – Revoltada com o que era imposto pelos moradores da vila, ela jogou fogo na igreja inteira e todos morreram queimados.
— Meu Deus. – Priscila teve uma péssima sensação dentro daquele lugar – E como você morreu?- começava a se convencer da veracidade daquilo.
— Fui a sexta empregada morta de Lisbela, as outras estão por aí, fui a última empregada dela antes de você e ela me matou.- Florinda demonstrava grande tristeza mas seus olhos pareciam secos e não lacrimejavam – Eu nunca mais vi meu filho Elói, e nunca mais vou vê-lo.
Os olhos de Priscila lacrimejaram ao ouvir a palavra filho, seus lábios se contorceram mas tentou-se manter firme. Seria firme ou estaria morta.
— Você precisa sair desse lugar.- Florinda desesperava-se com suas lembranças. A falta de seu filho e sua vida também a atormentava.
— O que eu faço?- indagou a viva.
— Você deve fingir que está de acordo com tudo que ela diz, você deve fingir que está de acordo com tudo que ela quer.
— E se eu fugir daqui agora?- Priscila indagou.
— E se você não conseguir fugir? E se qualquer um deles decidir que você deve morrer pra permanecer pra sempre aqui?
— Acho que você está certa.- Priscila concordou na mesma hora. Ela tinha razão.
— Ouça-me. – Florinda se levantou – Seis empregadas estão mortas, mas acredite você pode escapar e eu sei que pode.
— Onde você vai?- Priscila perguntou.
— Preciso ir, se me verem com você sua vida estará ainda mais ameaçada.- Florinda desejou sorte no olhar e rapidamente saiu da igreja quase que correndo. Agora estava só.
Priscila se levantou do banco e foi até o altar da igreja. Preferiu não imaginar as cenas do incêndio e as cruéis mortes que ali deveriam ter ocorrido. Preferiu tratá-la como uma igreja normal, ainda por ser a única na vila. Será que já não paguei por todos os meus pecados? Será que todo o meu sofrimento não bastou? Eu não quero morrer, não quero morrer.
— O que faço pra ser perdoada?- Priscila perguntou alto.
— Aceite a morte.- o barqueiro já estava ao seu lado. Priscila se afastou.
— O que você quer?- Priscila indagou com medo. O louro sorriu.
— Eu não quero nada.- Senhor Edgar jogou o cachecol acinzentado para trás – Os vivos que querem, os mortos não querem nada, os mortos não tem o que querer, você quer algo, não quer? Ajoelhe-se e peça, você ainda pode pedir.- Priscila encarou seus olhos amarelados pulsando na face pálida – Se quer paz, então aceite a morte. Só os mortos tem paz, por isso eles não tem nada a reclamar.
— Você não morreu no incêndio?- Priscila questionou.
— Bati meu carro perto daqui não faz muitos anos, vim me arrastando pra pedir ajuda e acabei morrendo e ficando preso em SweetVillage.- ele lamentou visivelmente nos olhos amarelos — Estou gelado como uma nevasca.- Senhor Edgar encostou em seu rosto e ela se afastou.
— Não me toque!- Priscila se afastava do altar.
— Sinta, sinta como estou frio.- o barqueiro queria que ela sentisse a morte – Meu corpo cheira mal, sinta como é ser um cadáver e veja se gosta.
— Eu vou embora.- Priscila decidiu sair da igreja. Senhor Edgar se ajoelhou e viu o colar que Priscila soltando e caindo de seu pescoço. Iria avisá-la mas ela já estava na porta. O pegou para que pudesse ter um bom motivo para se aproximar daquela bela mulher novamente.
Passou pelo celeiro com a sacola em mãos, depois pelo parque silencioso e logo lembrou-se de Ítalo. O tempo todo tentaram me avisar, mais uma vez eu ignorei justamente os que estavam ao meu lado. Mais uma vez vou pagar o preço. Priscila e seu erros.
Priscila bateu na porta da casa que estava trancada. A cortina da janela da cozinha abriu.
— Me dê a sacola. – Lisbela pediu na janela. Priscila a entregou no mesmo momento – Agora são uma da tarde, nós vamos almoçar e você como descumpriu o que eu propus ficará fora até terminarmos.- Lisbela abriu a porta e passou por Priscila com um balde cheio de panelas e água até a metade. Deixou o balde onde os raios solares pegavam mais forte.
— Venha até aqui mocinha.- Lisbela chamou e Priscila foi silenciosamente até o balde.
— Você vai ariar essas panelas uma a uma. – Lisbela mostrou as cinco panelas podres de tão enferrujadas – Eu quero que -elas brilhem e você não entra naquela casa enquanto não acabar o serviço.- Lisbela entregou a esponja e jogou uma das panelas próximas á seus pés – Vamos comece, vou voltar pra casa antes que meu almoço esfrie. Viva maldita! – Lisbela a deixou e Priscila abaixou a cabeça começando a fazer o serviço. Seus cabelos loiros na altura do pescoço já estavam desgrenhados e ásperos e suas roupas levemente sujas. O sol forte alvejava sua cabeça com ardentes raios solares. Suportaria até o último segundo pela sua vida e pela vida de Ítalo que sentiria como ninguém sua ausência.
…
Crepúsculo. Chaves na mão. Coragem revigorada. Ele estava pronto para voltar á maldita SweetVillage.
— Você vai como pra casa?- Dérick indagou ao amigo no estacionamento do hospital.
— Meu carro está ali atrás, o peguei agora pouco naquele estacionamento de SweetVillage.
— Você voltou lá?- Dérick perguntou surpreso.
— Voltei… Mas somente ao estacionamento. Desculpe minha covardia não voltarei com você. Eu como seu melhor amigo…
— Não se desculpe Dionísio.- Dérick o interrompeu – Você tem uma mulher para cuidar e eu tenho que buscar a minha.- Dérick colocou os óculos escuros. Dionísio o abraçou de repente.
— Toda sorte do mundo pra você, que Deus lhe ajude.- Dionísio desejou olhando fundo em seus olhos. Ítalo os observava na porta do carro.
— Que Deus e São Judas Tadeu me ajude.- Dérick disse e tocou no colar católico de Dionísio – Adeus.
— Adeus Dérick.- os dois se despediram com um profundo receio de que fosse a última vez que estivessem se vendo.
Entraram em seus veículos. Destinos distintos e um mesmo forte temor pulsando em ambos os corações. Ítalo recusou até o último minuto voltar á Zellwéger com Dionísio. O pai o encarou pelo retrovisor, estava orgulhoso de suas atitudes, Mateus estaria orgulhoso se estivesse ali. Pequeno homenzinho, mini soldado de olhos corajosos. Dérick sorriu sem perceber.
— Porque está sorrindo pai?- indagou o filho ainda sério encostado na janela.
— Porque você parece um homem, um homem que eu estive distante de ser na sua idade.
Ítalo apenas piscou e voltou a encostar a cabeça na janela de vidro. Deus nos proteja. Após dez minutos Dérick entrava em SweetVillage. Chegaram á vila e os moradores já os receberam com um esquisito olhar.
— Não olha pra eles e tudo ficará bem.- Dérick disse baixo e Ítalo tentou o obedecer. Alguns moradores mau encarados pararam em frente ao carro.
— Não vou parar.- Dérick pensou em voz alta. Dérick passou por cima deles. Ítalo olhou para trás e os viu levantar e correr.
— Estão correndo pai, estão correndo!- Ítalo viu vários atrás do veículo.
Dérick acelerou passando em menos de dois minutos pelo parque e pelo celeiro. Freou e abriu a porta do veículo.
— Saia Ítalo.- Dérick mandou e o garoto já estava fora do carro e ao seu lado. Os moradores aproximavam-se com horríveis e terríficas expressões faciais. Olhos sedentos por vida, prazer em aterrorizar usando a morte – Vamos!- Dérick o puxou para a casa.
Escuridão. Luzes apenas lunares, mas não era o suficiente pra clarear bem. Ouvia os passos fora da casa e teria que acelerar também os seus. Parecia que não havia ninguém na casa. Só parecia.
— Fique perto.- Dérick aconselhou Ítalo.
Passos leves ali não era sinônimo de vantagem, quando chegaram á entrada da cozinha o lampião acendeu. Dérick deu um pulo e seu terror tomou forma.
— Á que devo a honra de tê-lo em nosso jantar Sr. Dérick Rafael?- a voz aparentemente adorável indagou. A porta bateu e Ítalo se tremeu.
— Priscila…- Dérick quase sussurrou como a névoa que uiva cortando.
— Dérick… Ítalo…- ela devolveu a lamentação sentada na mesa com lágrimas nos olhos. Seu marido e seu filho estavam vivos. Andy e Anne estavam á frente na mesa.
— Crianças, hora de dormir.- Lisbela mandou e os filhos obedeceram na mesma hora – Eu não vou perguntar se Ítalo quer deitar, porque ele é muito adulto e não deve querer ir deitar agora.- Lisbela dava voltas na mesa com um vestido roxo exuberante e uma maquiagem que branquejava ainda mais sua pele já clara. Ítalo apareceu ao lado de Dérick e os lábios de Priscila se ressecaram junto do brilho nos olhos ao rever o filho.
— Sente-se Dérick e Ítalo.- Lisbela ordenou em bom tom ao lado do armário. Podia-se enxergar apenas os confins da mesa com auxílio de um lampião posicionado no centro dela. Dérick e Ítalo sentaram – Agora sim estamos mais confortáveis.- Lisbela apoiou as duas mãos na cadeira e passou a língua entre os dentes – Eu poderia chamar nossos amigos ali de fora para jantar conosco, mas faço questão de que o jantar seja somente para nós.- Lisbela sorriu e Dérick tremia. Ítalo abaixou a cabeça e suas mechas escorridas quase cobriam os olhos – Vamos aproveitar esse momento pra saborear o jantar, pra desabafar nossas crises.- Lisbela respirou fundo com um ar de sorriso – Para sermos francos uns com os outros, não é mesmo viva maldita?- Priscila a fitou com ira. Funesta assombração. – Vamos começar com você contando pro seu marido que há anos ele se culpou por algo que não provocou, conte á ele que você é a verdadeira culpada pela morte de Mateus. Conte a ele que você mentiu todos esse anos. – Priscila balançou a cabeça negativamente e olhou para Dérick que tinha sua fisionomia chocada.
— Não… Não. – Priscila lamentou fitando os olhos melindrados de Dérick quando seu rosto se envidraçou.