obra escrita por
YAGO TADEU
A
O PONTO FRACO
O emoldurado de viver
É um gesso que pesa o retrato
O passado é a medalha em cinzas
O futuro: Um sonho dourado.
A
— Não há nada de errado. – Priscila finalmente disse. Maristela estranhou.
— Não vai me apresentar Priscila?- Lisbela a repreendeu.
— Essa é minha sogra Maristela, Maristela essa é minha patroa.- Maristela estendeu a mão dando um artificial sorriso. A patroa estendeu a mão e retribuiu com o mesmo sorriso. Ambas não se encaixaram.
— Lisbela Reis.- ela tocou na mão de Maristela.
— Maristela Gilbert.- respondeu apertando a bolsa de couro presa ao braço.
— Pode descansar e pode levá-la pra conversarem melhor na sala.- Lisbela permitiu e em seguida saiu voltando por trás da casa.
— Você não dá sorte com suas patroas, o que há de errado com essa mulher?- ela buscou dizer baixo. Estava muito desconfiada.
— Nada, ela está apenas cansada.- Priscila tentou contornar o clima ruim.
— Dérick e Ítalo ainda estão dormindo? – Maristela voltou a perguntar.
— Maristela, Dérick e Ítalo já não estão mais aqui.- Priscila disse para sua surpresa – Dérick e Ítalo voltaram á Zellwéger, nós se separamos e ele preferiu ir embora.
— Mas Tedysson e Érika virão, iríamos embora todos juntos, não consegui entrar em contato com Dérick porque não conseguia ligar.- Maristela estava irritada pela viagem perdida – Eu vim de longe,consegui uma coisa rara que é uns dias de folga,daí liguei para Érika e Tedysson que decidiram vir para conhecer o lugar, mas onde vocês decidirão passar suas férias? Que lugar é esse?- ela reclamava se encaminhando para a porta – Essa mulher te coloca tão cedo pra trabalhar, aliás porque cavava um buraco?
— Ela quer… Fazer dali um jardim.- Priscila disse e ela sorriu.
— Um jardim?Pelo tamanho daquele buraco, parecia mais uma cova. – Priscila tocou na maçaneta e Maristela segurou seu braço – Antes de nós entrarmos preciso saber… Tem algo estranho acontecendo aqui? Nós podemos não ser a melhor nora e sogra do mundo, mas tenho uma ótima percepção de mãe e funciona bem com minhas noras e você sabe disso.
— Não tem nada acontecendo Maristela. – a sogra percebeu sua expressão abatida e cansada – Tudo está normal.
— Pode não estar acontecendo algo grave.- a sogra tentou falar baixo com um sorriso confiante – Mas normal não está, percebi quando cheguei á esse lugar.- Priscila a olhava com os olhos brilhando e o coração pulsando pra contar tudo e despejar de uma vez mesmo que ela não acreditasse- Vamos entrar.- Maristela tomou a frente e abriu a porta. Lisbela estava sentada na cadeira de balanço, Maristela sentiu um breve sopro no peito.
— A senhora quer uma água?- Lisbela perguntou séria da cadeira.
— Se tiver um café, aceito um café.- seus olhos observaram canto a canto.
— Sente-se senhora.- Lisbela disse enquanto Priscila entrava devagar.
— Sim, claro.- Maristela sentou no sofá e buscou o celular na bolsa.
— Nem tente ligar pra algum lugar, não há sinal aqui.- Lisbela disse. Priscila em pé concordou com a cabeça e Maristela fechou a bolsa – Priscila vai buscar um café pra sua ex-sogra, vai.
— Sim Lisbela.- Priscila obedeceu indo rapidamente á cozinha. Maristela fitou Lisbela extremamente incomodada e poupando respostas que não engoliria no seu cotidiano. Grosseira, insuportável só podia morar no brejo. Pensou.
Priscila abriu a garrafa térmica e sem perceber encheu a xícara de listras vermelhas. Ouviu o som de mais um automóvel e se aproximou da janela com a xícara na mão. Érika irmão de Dérick chegava ao lado de seu marido e cucunhado de Priscila, Ted. Eles vão morrer, todos nós vamos morrer. Maristela tem que perceber por ela mesma o que está acontecendo, talvez ás ocultas ela pode me ajudar e ajudá-la a se salvar, porque agora que estão aqui todos correm perigo. Priscila teve uma idéia.
— Acho que chegaram. – Maristela referiu-se á Ted e Érika enquanto Priscila vinha com a xícara transbordando em mãos. Priscila lançou um rápido olhar para Maristela num milésimo de segundo pra não ser notada. Ao pisar no tapete se desequilibrou, acabou escorregando com o impulso que a direcionou para a poltrona. Caiu ajoelhada e a xícara voou despejando o líquido fervendo sobre a patroa.
— Priscila, sua desastrada. – Lisbela reclamou tendo sua blusa de lã manchada. O líquido pegou em seu braços e no seu rosto – Olha o que você fez.- Maristela se levantou ajudando Priscila a se erguer quando lançou um olhar de estranhamento para a Lisbela.
— A senhora não se queimou?- Maristela perguntou impressionada – O café parecia quente.- Priscila se erguia com perspectiva de se salvar.
Ainda foi possível ver a fumaça do café quando Priscila se desculpou.
— Não. Estava frio.- Lisbela reagiu normalmente.
— Desculpe mesmo Lisbela.- Priscila fingiu como muitas vezes em sua vida.
— Agora limpe essa sujeira.- Lisbela se levantou da cadeira – Eu vou trocar minha blusa.
— Tudo bem Priscila?- Maristela olhou bem pro seu rosto com um olhar desconfiado.
— Sim.- respondeu quando ambas ouviram as batidas na porta. Priscila foi até a porta preparando-se. Tinha que sorrir de qualquer modo, para o próprio bem deles.
— Olá Priscila. – a mulher jovem e loira deu um belo sorriso.
— Olá Érika. – Priscila deu um abraço indecisa entre demonstrar tranquilidade ou a realidade. A jovem a abraçou e seu marido, anos mais velho que ela deu um acanhado sorriso.
— Olá Priscila, como vai?- o homem alto e de cabelos ondulados e loiros foi mais seco.
— Tudo bem Ted.- Priscila respondeu e os convidou para entrar na casa de sua patroa. O que seria agora?
…
Dérick saiu do banheiro após tomar um bom banho naquela manhã. Tentara ligar pra mãe e pra irmã Érika, mas só caía na caixa postal. Ligou então para Dionísio que vinha depressa no início daquela manhã, para saber afinal o que acontecera com Dérick e sua família. Ítalo dormia após muito esforço de Dérick. Assim que voltou á Zellwéger, comprou tudo que agradava o filho pra que ele pudesse se acalmar. Dérick até pegara um vira-lata que latia ás duas da madrugada em sua rua para acalmar Ítalo que relutava para dormir. Dérick não sabia se ia á igreja mais próxima, ou se iria á alguma espécie de especialistas em espíritos, apesar de não acreditar que eles pudessem realmente ajudá-lo. Agora qualquer ajuda seria bem vinda. Ainda não havia engolido o que Lisbela dissera sobre Priscila e muito menos compreendido, mas aquilo não era o principal.
— Dionísio?- Dérick abriu a porta e o amigo lhe deu um abraço. Ao menos Dérick estava bem.
— Onde está Priscila e Ítalo?- Dionísio o questionou apreensivo.
— Como disse, Ítalo veio comigo. Mas ela não deixou Priscila vir. – Dérick sentou na cadeira da sala.
— Eu tenho uma notícia pra te dar.- Dionísio o segurou pra que permanecesse sentado – Há alguns minutos atrás recebi uma mensagem de sua mãe, ela estava preocupada e tirou uma folga do restaurante, ela disse que estava á caminho de SweetVillage.- os olhos de Dérick ficaram nervosos – E sua irmã vinha com seu cunhado de Montenegro, logo atrás de sua mãe.
— Não! Estão todos em SweetVillage?- se assombrou.
— Até que eu visse a mensagem… provavelmente agora, todos já estão lá. Eu tenho um colega policial que pode ajudar você a ir até lá.- Dionísio sugeriu.
— Do que adianta eu ir acompanhado de algum policial? Eles são mortos Dionísio. – os lábios de Dérick pareciam perder a cor sempre que dizia isso.
— Você sabia que o fato de sua família estar lá pode ter salvado Priscila da morte? A chegada deles pode ter sido uma surpresa para essa Lisbela que pode querer manipulá-los pra levar todos consigo.
— Você acha?- Dérick estava muito preocupado com os riscos que sua família correria.
— Quem sabe se eu disser á meu colega policial que você está desconfiando que há algo de errado e que recebeu uma mensagem pedindo socorro.- Dérick o ouvia atento – Eu acho que quantos mais pessoas, melhor pra contornar a situação e fugir daquele lugar.
— Você vai ficar com Ítalo. Ligue pro seu colega policial.- Dérick decidiu – Eu vou voltar pra SweetVillage agora.- Dérick olhou pra Dionísio. Mal se reencontraram, logo iriam se despedir.
— Eu vou ligar pra ele.- Dionísio tirou o celular do bolso da calça – Não acha melhor conversar com Ítalo e dizer que ele vai ficar? Não Acha que ele pode entrar em desespero?
— É. Você tem razão.- Dérick decidiu acordar o filho.
Ítalo abriu os olhos lentamente acordando de forma vagarosa por ter ficado muito tempo sem dormir.
— Você não pode ir sem mim.- Ítalo não aceitava ficar esperando. O vira-lata magro e marrom subiu em cima da cama e Dérick não o espantou.
— Eu vou com o policial Jonhásson amigo do Dionísio, tudo vai ficar bem.- ele segurou a mão do filho olhando em seus abatidos olhos. Ítalo abaixou a cabeça e fez carinho na cabeça do cachorro – Já escolheu um nome para o cachorro?
— Milan Rafael.- Ítalo disse tristonho. O pai conseguiu abrir um sorriso e disse:
— Esse tem até sobrenome. Ele é um de nós agora.- Dérick acariciou o cão tendo flashes de sua infância. De sua feliz infância.
— Eu tenho medo de ser a última vez que te vejo.- Ítalo ameaçava chorar.
— Ítalo, eu prometo que você vou estar ao seu lado, eu prometo voltar.Te prometo.- Dérick olhou bem nos olhos do filho e enfim o convenceu. O cachorro latiu quando Dionísio entrou no quarto.
— Jonhásson já está á caminho.- ele entrou cautelosamente no quarto. Ítalo desviou seu olhar para Milan e Dérick balançou a cabeça determinado.
…
— Então, você já está quase cumprindo seus dias aqui?- Ted indagou quebrando os segundos de silêncio. Lisbela voltava á sala agora com uma blusa creme e uma calça social preta.
— Bom dia.- Lisbela chegou á sala. Érika sempre simpática se levantou para cumprimentá-la. Ted a acompanhou.
— Lisbela Reis.- Érika iria cumprimentá-la com um beijo e ela apenas estendeu a mão.
— Érika Rafaela, irmão de Dérick.- ela disse sem graça. Ted estendeu a mão.
— Qual é seu nome?- Lisbela perguntou e Ted sorriu.
— Ted.- respondeu fitando o olhar ríspido de Lisbela.
— Eu perguntei seu nome, não seu apelido.- Lisbela falou e tanto Érika como sua mãe Maristela lançaram um olhar de desagrado sobre aquela ríspida mulher. Havia algo entrelinhas nas suas pupilas.
— Tedysson, meu nome é Tedysson.- respondeu voltando á sentar no sofá.
— Então, vocês vão aguardar alguma coisa?- Lisbela questionou retornado á cadeira de balanço. O chão úmido brilhava, limpo há poucos minutos por Priscila.
— Quer dizer Priscila que você não vai conosco?- Maristela não respondeu a pergunta de Lisbela. Érika sorriu tentando ser simpática e disse que logo iriam ir embora. Priscila titubeou em responder. Como queria ir embora daquele lugar, mas sua resposta ali poderia provocar uma revolta naquele espectro chamado Lisbela.
— Faltam três dias para findar nosso contrato.- Priscila disse ignorando a última cláusula do segundo contrato.
— Então, nós já vamos embora e passaremos em Zellwéger para ver Dérick e Ítalo.- Maristela só queria sair dali. Tudo parecia a incomodar.
— Se bem que ainda é tão cedo.- Lisbela finalmente deu um sorriso. Um grande sorriso que tornaram os olhos de Priscila ainda mais tensos – Vocês podiam almoçar aqui, é tão cedo pra partir.
— Não. Precisamos ir.- Maristela foi direta dispensando sua repentina simpatia.
— Mãe.- Érika a repreendeu – Podemos ficar para o almoço.- Ted só observou.
— Não, não podemos.- Maristela insistiu em ir embora. Lisbela olhou pra sua própria aliança de vidro com ternura. Priscila não sabia o que dizer.
— Bom…- ela apoiou o cotovelo no braço da cadeira de balanço – Sintam-se á vontade.
…
A viatura parou á frente do lago de Reis. O policial negro forçou os olhos custando á acreditar.
— É. Você tem razão, há um lago mesmo.- Jonhásson não acreditara no que Dérick disse. Incrívelmente havia um grande lago ali. Parecia profundo.
— Há um estacionamento ali ao lado seguindo a trilha e podemos ir de barco.
— Inacreditável, acho que nunca vim aqui em… SweetVillage.- o policial achava tudo muito estranho, mas era um dia praticamente sem ocorrências – Claro que vou dar a volta.- ele não deixaria a viatura ali. Dérick preparava-se para entrar naquele inferno novamente.
— Espero que minha mulher esteja bem.- Dérick olhou para Jonhásson.
— Pode ser que a mensagem que você recebeu seja um trote, a patroa dela tem filhos?- Jonhásson esboçava um curioso olhar sobre as árvores.
— Sim, um casal.
— Há essa grande possibilidade.- o policial entrou na trilha e seguiu para a mata – Como está quente hoje.- se abanou com alguns documentos perto do pára-brisas do carro. Sentiu um leve calafrio.
Dérick avistou a loja do caçador Hoffman entre as árvores mas não conseguiu vê-lo.
— Casas abandonadas?- Jonhásson questionou enquanto os moradores os olhavam de modo estranho. Casas abandonadas… ele não está os enxergando? Nem todos podem vê-los? Será que minha mãe e minha irmã conseguem vê-los? Será que eles aparecem só pra quem eles querem aparecer?
— Não sei bem se são abandonadas.- Dérick disse. Jonhásson já passava ao lado da igreja encaminhando-se para a trilha de terra. Dérick avistou ao longe na trilha um deles. Avistou o jornaleiro andando em direção ao parque. O policial acelerou na trilha. Iria atropelá-lo? O veículo seguia veloz. Ele vai atropelá-lo.Dérick apertou o estofado do banco quando a viatura passou por cima dele. Jonhásson a parou ao ouvir um grande barulho.
— Será que atropelei um animal?- Jóhansson abriu a porta preocupado. Olhou á frente e em volta da viatura próxima do celeiro, mas não havia nada – Que estranho, parecia que tinha atropelado um animal grande.- Jonhásson voltou ao carro.
— Talvez ele tenha corrido para a mata.- Dérick disse vendo o homem se levantar pelo retrovisor. Sidney Jornaleiro entortou a cabeça e sorriu caído.
— Mas não há gotas de sangue, é estranho.- o policial acelerou o carro e Dérick ainda olhou duas vezes para trás, mas ele já não estava mais lá.
Ao chegar á casa o policial desceu da viatura e Dérick temeu o que aconteceria á seguir. Foi um grande erro trazê-lo. Jonhásson foi até a porta da casa esperando que não houvesse ninguém diante daquele silêncio. Bateu duas vezes na porta quando ouviu vozes. Dérick estava ao seu lado.
— Olá. – Priscila saudou e em seguida se surpreendeu ao rever Dérick.
— Dérick! – Érika sorriu feliz ao vê-lo. Maristela se levantou do sofá. Lisbela deu um cínico sorriso e acenou ao vê-lo. Dérick engoliu seco e o policial observou o bom clima. Tudo estava normal.
— A senhora é Priscila? – Jonhásson questionou com um olhar desconfiado.
— Sim. – respondeu apenas. Maristela sorriu para o filho mais tranquila com sua presença.
— Não há nada de errado acontecendo? A senhora mandou uma mensagem pedindo socorro?
Lisbela colocou a mão no queixo e começou a balançar a cadeira.
— Não, está tudo bem. – Priscila deu um convincente sorriso indecisa sobre o que fazer.
— Está tudo bem policial.- Érika sorriu, impressionada com o engano.
— Não há nada de errado. – Ted confirmou estranhando – De onde partiram as mensagens?- insistiu.
— Do celular de Priscila, mas está tudo bem. – Dérick voltou atrás de seu plano – Se nada aconteceu…
— Talvez as crianças tenham enviado como eu disse. – o policial negro sorriu.
— Meus filhos jamais fariam isso.- Lisbela afirmou áspera. Ted e Maristela a fitaram. O policial estranhou por um momento porque eles encaravam a balançante cadeira de balanço. Seu rádio chiou e ele atendeu.
— Fala. – Maristela foi até Dérick e abraçou o filho após meses sem vê-lo. Priscila ao lado da porta aguardava tensa. Muito tensa.
— Vou ver meus filhos no quarto. – Lisbela avisou se levantando da cadeira de balanço. Ted e Érika deram um sorriso obrigatório pra ela. Sem vontade.
— Preciso ir, acabam de me passar uma ocorrência séria, não que isso não seja sério.- o policial tentou corrigir – Onde está sua patroa Priscila? Ocupada? – ela perdeu no mesmo momento o falso sorriso.
— Estava aqui agora mesmo, você não a viu?- Ted não entendia. O policial estranhou e balançou a cabeça negativamente. Não havia niguém além deles, em nenhum instante.
— Estava aqui, quer que eu a chame?- Érika se ofereceu.
— Não, não será necessário. – Dérick falou por ele – Ele precisa atender uma ocorrência.
— Então preciso ir. Adeus. – o policial deu um sorriso incomodado por ter perdido seu tempo.
— Muito obrigado policial Jonhásson. – Dérick o viu entrar no carro. Priscila olhou para o marido e abaixou a cabeça molhando os lábios secos. E agora o que iria acontecer? Ambos pensaram juntos lado a lado.
Tenho certeza que não havia outra mulher naquela sala, eu não estou louco. Johánsson encaminhou a viatura na estrada de terra.
— Não vai falar comigo não?- Érika sorriu e cumprimentou contente o irmão.
— Como vai morena dos cabelos loiros? – Dérick zuou seus cabelos descoloridos. Tentou disfarçar ao máximo.
— Vou bem, tudo bem com a gente.- ela incluiu Ted. Dérick estendeu a mão para o cunhado.
— Olá Ted, como vai cara?- Ted tocou em sua mão meio afastado. Dérick deu palmadas em suas costas.
— Com quem Ítalo ficou?- Priscila se lembrou do filho.
— Com Dionísio.- Dérick respondeu quando a mãe se aproximou dele.
— Agora vamos se despedir da camponesa dos anos 10 e vamos embora? – Maristela tocou em seu rosto percebendo uma certa palidez – E depois você vai explicar a todos nós essa história de mensagem de socorro. – Dérick deu um amarelo sorriso para os outros.
— Porque nós não almoçamos aqui? – Dérick perguntou.
— É isso que eu perguntei á eles. – Lisbela surgiu na janela da cozinha. Apoiou os dois braços, e seguiu assistindo-os como quem assiste uma peça de teatro.
— Poderíamos ir comprar algo para o almoço na vila. – Ted sugeriu, encolhendo as mangas da camisa. Fazia calor em Sweetvillage.
— Ótima idéia. – Lisbela sorriu empolgada na janela.
— Tudo bem, um almoço rápido e partiremos. – Maristela decidiu aceitar.
Até onde iremos com isso? Priscila se perguntou olhando para Dérick. Até onde iremos? Dérick também se perguntou devolvendo o mesmo olhar e a mesma pergunta para Priscila. O labirinto de espinhos os cercavam.
…
Ele passou pelo celeiro e pelo parque. Eram quase dez da manhã. O sol começava a latejar e esquentar a viatura. Jonhásson teria que se apressar para cobrir a ocorrência em Montenegro antes de outros. Chegou á vila, já próximo á igreja quando suas sobrancelhas franziram sem acreditar. Inúmeros moradores, inúmeros deles andavam e saíam de suas casas. Uma mercearia e um bar estavam abertos. Mas… Que diabos é isso? Não havia ninguém aqui. Jonhásson passou por eles com a viatura lenta, todos pareciam ignorar sua presença. Chegando á entrada da mata começou repentinamente a sentir falta de ar, algo parecia lhe sufocar ali dentro. Talvez o carro estivesse quente demais. Ele colocou a mão no peito e conseguiu dirigir até chegar á trilha de terra.
Jonhásson abriu a porta da viatura e decidiu próximo da estrada que tomar um ar seria a melhor opção. Só faltou abrir os botões do uniforme policial. Passou a mão na testa e no pescoço limpando o suor que parecia o irritar. Respirou fundo, mas nem a boa qualidade do ar naquele lugar o fizeram melhorar. O que está acontecendo comigo? Ele decidiu voltar para o carro quando uma pontada no peito o fez agonizar. Ele viu um vulto e olhou pra frente se deparando com o homem pardo de cabelos levemente grisalhos que vestia um terno vinho debaixo daquele calor.
— Cara, sou policial, você pode me ajudar? Acho que estou tendo um início de enfarto. – Graças a Deus havia alguém ali.
— Claro. – Sidney o segurou antes que caísse – O que faço?
Jonhásson sentiu mais uma forte pontada no peito e gritou.
— Meu rádio… Pegue meu rádio no bolso. – ainda conseguiu dizer.
— Não seria melhor eu levá-lo até a cidade mais próxima senhor? Á Zellwéger?
— Tá bom… Ok. – ele não teve outra alternativa. Sentia-se cada vez mais sufocado – Me leve até o carro, pegue as chaves no bolso, lembre-se que sou policial. – exaltou isso.
— Claro, claro senhor. – Sidney o ajudou a chegar até o banco e pegou as chaves.
Sidney entrou na viatura e a ligou. Jonhásson já estava ofegante e pedia que fosse veloz. Sidney entrou na estrada e percorreu alguns metros logo parando. Jonhásson não entendeu quando ele olhou algo pela janela.
— O que você tá fazendo cara?- Jonhásson indagou.
— Estou vendo se não atropelei nenhum animal na estrada.- Sidney mostrou preocupação.
— Eu to passando mal, você não vê? Preciso de um hospital, rápido!
— Você vai ter a cura pra sua alma. – Sidney ligou as sirenes.
— Desligue essas sirenes! O que você tá fazendo? É uma ordem, desligue!- Jonhásson buscou o révolver na cintura enquanto a outra mão estava no peito.
Sidney relaxou no banco e engatou a marcha ré sem soltar.
— Ei! Ei!- o policial não conseguia pegar o revólver – Pare agora mesmo!
O carro continuou dando ré e Sidney olhou nos olhos de Jonhásson.
— Feche bem os olhos e reze… – Sidney se benzeu veloz.
Jonhásson arregalou os olhos. O carro seguia de ré em uma considerável velocidade quando caiu direto no lago. Afundou de uma vez no lago de águas claras, que mais parecia ter a profundidade de um rio. Ele se debateu preso no carro mergulhado á água, mas a dor já não permitia que lutasse. O cínico olhar o encarava dentro do carro imerso nas águas geladas. Jonhásson tentou prender a respiração quando conseguiu pegar o revólver o mirando. Desgraçado, você não vai… Jonhásson atirou e a bala ondulou as águas alvejando a testa de seu inimigo. Não se viu qualquer gota ou respingo de sangue. O buraco se fechou com faíscas de chamas. Seus olhos viraram e ele fez sinal de silêncio para o policial. Atônito Jonhásson teve seus pulmões tomados e sua boca transbordando águas do lago.
…
— Agora vamos?- Érika colocou o braço no ombro de Ted e sorriu.
— Vamos, vamos sim. – Maristela chutava os galhos que enroscaram em seu sapato – Dérick cadê seu carro?- Maristela estava exausta da estranheza dos últimos acontecimentos naquele lugar.
— Está com Dionísio, depois eu explico tudo mãe. – Dérick disse baixo respirando fundo de minuto em minuto.
— Vamos então galera enrolada?- Ted questionou brincando.
— Priscila. – Lisbela chamou na janela – Você fica. Precisa me ajudar a passar pano e terminar algumas outras tarefas.
— Dê um fora nessa mulher.- Maristela cochichou disfarçando e Érika sorriu.
— Preciso ficar, é o meu serviço. – Priscila disse recebendo um olhar de preocupação de Dérick. Não podia a desobedecer agora.
— Priscila, sempre dedicada. Até logo. – Érika se despediu seguindo para o carro de Ted.
— Tchau, até logo.- Priscila se despediu sempre tentando passar tranquilidade e sempre sem êxito.
— Priscila. – Lisbela chamou da cozinha – Priscila?- Priscila a ignorou e esperou os veículos partirem para a vila.
Os olhos de Priscila arderam de ira. Dores espalhavam-se por seu corpo além do esgotamento mental. A aparência destruída e a vida desenganada.
— Pensei que não viria. – Lisbela colocou o balde com água ao lado da mesa. Priscila passou por ela e foi até o armário. Abriu a gaveta sem olhar para a patroa – Vai continuar me ignorando mocinha? Vai continuar me ignorando?
Priscila empunhou a faca com as duas mãos. Lisbela a analisou com um sorriso oculto.
— O que vai fazer com essa faca, viva maldita? – Indagou com naturalidade e pôs as mãos na cintura.
— Eu vou me matar! – Priscila pôs a faca em seu próprio pescoço com os dedos em tremeliques – Você não tem coragem pra me matar, porque só em vida você pode me torturar e me possuir. Mas se eu morrer, não sou mais sua. – Priscila se aproximou da patroa fora de si e a faca enorme cintilava colada ao pescoço – Você não tem coragem, mas se você não me matar, eu me mato. Você decide… – Priscila desafiou face a face com a patroa – Vai Lisbela… Me mata. Me mata!- os olhos inertes de Lisbela reluziram na faca. A empregada conseguiu paralisá-la – Você não tem coragem… – Lisbela não piscava. Ela odiava ser desafiada. Uma ventania levantou seus cabelos ondulados como um sopro de tempestade.
As portas da casa bateram com um forte estrondo. O vidro do fogão explodiu estilhaçando cacos como poeira por toda a cozinha. As portas do armário e os copos escorregaram espatifando um a um no chão. Priscila se arrepiou tremendo ainda mais com a faca em mãos. Lisbela a encarou com os olhos negros espirrando faíscas, e os punhos fechados.
— Vamos Lisbela, me mate sua covarde. – Priscila mantinha a faca. Mantinha-se sem fraquejar.
Seus olhos se petrificaram na empregada. Seu rosto aos poucos se transformou… Deu dois passos á frente quando sua expressão se envidraçou.