— NÃO!

O grito de Hillo lá em baixo o trouxe de volta a realidade. Aquele monstro acabara de destroçar um homem com todo o requinte de crueldade.

Ela sorria de escarnio com aquela cena, encarando-os. Hillo estava em prantos e Drew paralisado ainda empunhado a espada.

O riso diabólico da Harpia ecoou por todo o vale.

— Venham minhas filhas! — ela ordenou — Vamos acabar com estes seres inferiores e recriar um mundo perfeito para nos.

A harpia abriu e fechou as asas duas vezes provocando uma rajada de vento cortante, fazendo com que os cacos do cristal levitassem e viessem para junto dela. 

A criatura abraçou o amontoado de cacos que se juntou a ela, transferindo para eles um pouco de sua energia, rodopiando com eles em uma espécie de dança macabra.

Drew continuava ali paralisado, sem tirar os olhos de Hillo, que chorava feito criança vendo os restos do pai morto diante dele.

Massas disformes se formavam a medida que a harpia rodopiava, por onde ela passava, toda a vegetação tornava-se toxica a ponto de murchar e morrer, o ar tornou-se pesado e difícil de ser aspirado, Hillo e Drew começaram a tossir. 

Uma camada grossa de poeira tomou conta de tudo, tornando a visão cada vez pior. Era possível ouvir o piar de aves nascendo uma, duas, quatro, oito, doze…

A partir dos cacos do cristal que a aprisionara a harpia agora dava vida a suas próprias filhas, usando a energia do lugar como fonte de alimento para elas.

O número de criaturas aumentou cada vez mais rápido e depressa, até que fosse impossível contar.

— Vão minhas queridas. — Ordenou a criatura com a voz esganiçada. — Matem todos eles, se alimentem, e cresçam fortes.

O bater de asas enfim fez a poeira se dissipar revelando um exército de harpias um pouco menores do que aquela que as criara e mais horripilantes, elas não tinham a beleza da mãe, aquilo era inegável. 

Num piscar de olhos elas partiram para a entrada do túnel por onde eles haviam entrado. Se Drew não fizesse alguma coisa, todo o povo de Airo morreria em pouco tempo.

— HILLO! – Ele gritou — Corra e proteja seu povo.

Com um impulso Drew se lançou para a batalha.

 

***

 

O homem não teve muito tempo para lamentar sua perda e mesmo atônito Hillo tinha de encontrar forças para continuar. A situação não parecia favorável para nenhum deles, a cima dele Drew ia de encontro a grande criatura alada, enquanto um exército de harpias vinha em sua direção, prontas para destroça-lo, ou a qualquer um que entre em seu caminho.

Se ele não fizesse alguma coisa rápido, logo as criaturas estariam fora dali e todo o povo estaria morto em questão de minutos, assim como todo aquele lugar.

Era impossível para ele crer no que seus olhos viam, em poucos minutos toda a energia que mantinha o santuário vivo foi drenada pelo monstro. Todo o ecossistema que mantinha o povo de Airo vivo havia se extinguido, e o homem que guardara o segredo estava morto.  

Mesmo sem qualquer perspectiva de conseguir ele correu com todas as forças que ainda lhe restavam para a entrada do templo, de algum modo ele teria de impedir que as criaturas saíssem dali.

Mas como?

Como ele, um simples homem fazendeiro poderia impedir que as criaturas ganhassem a liberdade, e a que preço. Ceifando a vida de seus amigos, de sua família. Aquilo era imperdoável, ele tinha de fazer alguma coisa.

Correr foi sua única alternativa, se ele conseguisse chegar a entrada primeiro, poderia bloquear a passagem, impedindo que elas avançassem para fora dali. Enquanto corria sem olhar para traz, ele pode ouvir o piar das harpias chegando cada vez mais perto. Elas eram incrivelmente ágeis, se elas não quisessem seria impossível saber que estavam ali.

As harpias arrancavam as próprias penas e arremessavam tentando acerta-lo elas pareciam se divertir ao amedronta-lo. Por pouco uma delas não acertou sua cabeça, passando de raspão pela bochecha lhe causando um pequeno ferimento. A pena negra acertou o chão com tanta força que ficou cravada na terra seca.

Ele teria de enfrenta-las cedo ou tarde, ao se virar e dar de cara com as criaturas que estavam próximas ele viu Drew voando na direção dele com o corpo esticado e os braços para a frente segurando a espada desafiador.

Ele tinha um plano.

Antes que pudesse fazer sair do caninho uma rajada cortante de vento fez com que todas as criaturas ao seu redor saíssem voando em direções opostas a dele. Ao longe a grande harpia lutava para se livrar da pilha de pedras em que fora arremessada.

— Você está bem? — Drew perguntou quando aterrissou junto dele.

Hillo balançou a cabeça positivamente em resposta.

— Consegue continuar?

— Sim. 

— Nós não temos muito tempo, alguma ideia do que fazer.

— Sim, mas você não vai gostar muito!

— O que é?

— Tranca-las aqui, enquanto evacuamos a montanha, é a nossa única chance.

— Consegue fazer isso sozinho?

— Sim, mas eu preciso de tempo!

— Vá, eu darei o tempo que você precisa…

 

***

 

Correr…, sem olhar para traz.

Apenas corra, como se sua vida dependesse disso. E ela depende.

Como último recurso, ele vira Drew usar seus poderes para tira-lo de dentro do templo agora destruído para sempre, e colocar uma pedra gigante na entrada usando apenas a força do ar trancando-se lá dentro com uma horda de harpias enfurecidas. E ele lutaria com elas até as últimas consequências.

O caminho tortuoso a sua frente com certeza dificultaria qualquer um que não conhecesse os caminhos do subterrâneo a chegar em qualquer lugar ali dentro. Desde a infância ele usava aquele tuneis para brincar e se divertir, aprendera com o pai cada caminho, cada armadilha e cada atalho do lugar. Hillo usaria isso a seu favor, caso fosse necessário.

— Vá avise seu povo, tire-os daqui. Você encontrara abrigo na cidade do início. — Foram as últimas palavras dele antes do baque da grande pedra.

Sua missão agora era outra era tirar seu povo da grande montanha em segurança e leva-los para o outro continente e avisar a todos do perigo. 

“Proteja seu povo” — as palavras não saiam de sua mente.

— Como eu vou proteger meu povo sendo um covarde. Fugindo, e tremendo no primeiro sinal de perigo.

A medida que Hillo avançava nos tuneis, sentia toda a montanha tremer devido a intensidade da batalha que estava acontecendo, certamente assim que adentrasse no vilarejo encontraria o povo desesperado a procura de respostas. Um plano de contingencia teria de ser posto em pratica, o, mais rápido possível.

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