O PRESUNTO

 

C1. CASA LONGARAY. SALA. INT. NOT.

Um filete de sangue escorrendo pelo chão da casa. Iane no alto da escada, escorada, tensa com a situação. Christian em um canto, cuidando de seus ferimentos.

Liége sentada, agachada nos degraus da escada; completamente perdida, atordoada. O corpo de Iuri no chão. O sangue sujando o tapete.

Christian sentindo as dores das pancadas que levou de Iuri; se aproxima de Liége.

CHRISTIAN — (não encontra nada melhor p/ falar) Liége, pensa que… que foi melhor ele do que nós. Isso que aconteceu, ele ter morrido foi//

LIÉGE — (corta impaciente) Se não tiver nada pra falar, fica quieto.

CHRISTIAN — Numa hora como essa, o melhor é manter a calma. Pensar no que vamos fazer.

LIÉGE — Tem um corpo estendido no chão da minha sala e você me pede calma?! É piada?

CHRISTIAN — (naturalmente) A gente se livra de tudo, ninguém vai p/ cadeia. Esconde isso, limpa tudo…

LIÉGE — (surpresa) Que? Você… você quer esconder? Não… isso, não!

CHIRSTIAN — Calma, calma, espera…

Liége começa a ficar ainda mais nervosa; falas atropeladas.

LIÉGE — Não podemos fazer isso… não.

CHRISTIAN — Para, espera. Usa a cabeça. Eu acho que você não tá entendendo a dimensão disso.

LIÉGE — Não! Isso não. (confusa) Eu não matei porque quis. Eu não matei porque quis!

CHRISTIAN — Eu sei! Eu sei, nós aqui nessa sala sabemos. Mas a polícia não sabe. A polícia vai te crucificar, eles vão te apontar.

LIÉGE — Foi legítima defesa!

CHRISTIAN — (tom manipulador) Eles vão pensar diferente disso assim que descobrirem que ele estava desarmado quando você esfaqueou. Escuta a voz da razão!

LIÉGE — Não vou concordar com isso! A minha vida já está um inferno.

CHRISTIAN — Escuta! Escuta… por mais que você queira falar com a polícia, por mais que justiça te apoie, que ela fique do seu lado, que você não vai parar na cadeia por causa disso, eu sinto te informar que vai além disso. Muito além!

LIÉGE — (que?) Do que tá falando?

CHRISTIAN — Você não tem noção de quem matou. Existem caras que conhecem esse desgraçado que quando souber do que aconteceu, não vão deixar barato. Você quer realmente expor a sua casa, a sua família pra esses caras? Tenho certeza que não. O problema vai além da sua imaginação! É isso que você quer? Por em risco ainda mais a sua família, Liége? É?! Me responde, caralho!

LIÉGE — (acuada) Não, não, eu não sei… PARA!

CHRISTIAN — Ninguém sabe que ele tá aqui, tão pouco que ele morreu. Ninguém vai ficar sabendo disso. Nem polícia, nem ninguém! Apenas nós três! (p/ Iane) A senhora tá entendendo o que eu tô falando?

Iane revira os olhos.

LIÉGE — (insistente/zonza) Não. Não. É errado. A polícia vai me proteger. Tenho que/

CHRISTIAN — (corta) Não viaja! Você não tem que nada! Polícia nenhuma aqui dessa cidade vai te defender. Você acredita nisso que tá falando? Que a polícia pangaré desse bosta de cidade vai te proteger? Você tá maluca…

LIÉGE — Isso tudo é culpa tua! Foi você!

CHRISTIAN — (irritado/gritando) Chega desse papo! Vamos parar com essa palhaçada! Você vai parar com esse chilique e vai me ajudar a esconder esse presunto, AGORA!

C2. CASA LONGARAY. FRENTE. EXTERIOR. DIA.

Dentro do carro estão Meier e Roger. Estão na espreita, Meier ainda mais cismado observando a fachada da casa. Roger entediado, achando perda de tempo.

MEIER — Meu bigode tá coçando. É mau sinal.

Roger acha ridículo e está louco para ir embora. Meier focado na casa de Liége.

ABERTURA

NARRADOR      — Episódio: O presunto.

C3. CINEMA. SALA. INTERIOR. NOITE.

Filme rolando na tela; em 3D. Thailyz, Aleff e Giovanni assistindo o filme. Com algum movimento do filme, eles vão pra atrás, e dão risada com a situação.

C4. CINEMA. FRENTE. EXTERIOR. NOITE.

Darwin aparece correndo na bilheteria do cinema. Um dos funcionários barra ele na entrada.

FUNCIONÁRIO — Opa! Espera aí! Cadê o seu ingresso?

Darwin sem fôlego; todo atrapalhado.

DARWIN — Tá aqui! Não… não tenho! Moço… é uma questão de vida ou morte, eu tenho que encontrar uma pessoa que tá aí. Preciso avisar…//

FUNCIONÁRIO — (corta) Tá, tudo bem, mas eu não posso fazer nada.

DARWIN — Chama ele lá!

FUNCIONÁRIO — Não! Eu não posso sair daqui, senhor!

DARWIN — Beleza! Quanto é pra entrar nessa merda? Me dá aí. Um ingresso, como é que é?

FUNCIONÁRIO — É aí do lado. Pode comprar.

DARWIN — Aqui! Quanto é? Eu sou estudante. Bota aí que eu sou estudante. Não tenho dinheiro. Não adianta. Não tenho um centavo. Meu Deus! (aponta p/ funcionário) Se alguém morrer a culpa vai ser sua! Quer viver com isso na cabeça? Sem coração…

FUNCIONÁRIO — Eu sinto muito.

DARWIN — Um telefone, eu preciso de um telefone.

FUNCIONÁRIO — Não tenho aqui.

DARWIN — Que horas termina esse troço? Vocês tão doido!

C5. BARRACO. INTERIOR. NOITE.

Lorelaine terminando de arrumar a bagunça que Iuri deixou em sua casa. Telefone toca.

Alternar com CINEMA. FRENTE. EXT. Darwin conseguiu o celular do funcionário.

DARWIN — (cel.) Negâ!

LORELAINE — (cel.) Darwin! Filho da puta, tá vivo? Onde você tá?

DARWIN — (cel.) Tô bem, tô bem! Eu consegui escapar daquele maldito. Tô aqui no único cinema da cidade procurando o idiota do Christian pra avisar ele que o Iuri tá…//

LORELAINE — (cel./corta) Eu falei com o Christian, eu consegui avisar ele. Eu vi vocês saindo aqui de casa, e liguei pra ele. Faz um tempo já.

C6. CINEMA. FRENTE. EXTERIOR. NOITE.

DARWIN — (cel.) Sério? Então, a merda tá feita…

FUNCIONÁRIO — Senhor… meu celular, senhor…

DARWIN — Já vou, já vou… espera um pouquinho. (cel.) Negâ, negâ eu não sei o que eu faço.

LORELAINE — (tel./OFF) Vem pra cá! Eles que são brancos que se entendam!

Darwin desliga e devolve o celular do funcionário.

DARWIN — Valeu, irmão. Apitou duas vezes, acho que acabou os créditos.

Darwin sai deixando o funcionário chateado.

C7. CASA LONGARAY. QUARTO IANE. INTERIOR. NOITE.

Liége termina de colocar Iane na cama. E ajoelha-se, escorada na cama.

LIÉGE — Mãe… o que eu faço?

IANE — (tempo) Seja lá o que você fizer, Liége… Eu apoio.

Liége a olha com um olhar perdido; pedindo uma solução.

IANE — Faça o que ele disse. Esconda o corpo. Cometido o crime, torne ele perfeito. Livre-se de tudo que a incrimine.

Liége levanta-se pensativa. Caminha até um ponto do quarto.

IANE — Mas antes, saiba de uma coisa: se entrar nessa, faça de tudo pra não ser pega. De tudo!

LIÉGE — De tudo…

Liége decidida.

C8. CASA LONGARAY. SALA. INTERIOR. NOITE.

Christian vai até o canto onde a arma caiu. Ele pega-a e põe na cintura escondendo debaixo da camisa. Ele olhando o corpo de Iuri esparramado no chão.

CHRISTIAN — Hum. Que merda.

De repente, um tapete cai sobre o corpo. Christian olha e vê Liége na escada fitando-o.

CHRISTIAN — (surpreso) Que isso?

Liége se aproxima do corpo e começa a tirar as coisas dos bolsos. Tira celular e documentos. Põe num saquinho todas essas coisas, Christian só vendo.

LIÉGE — Vamos enrolar o corpo nesse tapete. Eu vou buscar um balde com água, alvejante e escovas.

CHRISTIAN — (espantado com a atitude) Hum!

LIÉGE — Vai ficar só olhando? Rápido que minha família está pra chegar.

Liége sai com as coisas dele, Christian até fica surpreso.

CHRISTIAN — (ainda surpreso) claro, claro…

C9. CASA LONGARAY. FRENTE. EXTERIOR. NOITE.

Meier e Roger de tocaia dentro do carro. Celular de Roger tocar.

ROGER — Saco… Minha mulher ligando. Eu vou atender. Vamos demorar muito aqui?

MEIER — Só o suficiente.

ROGER — Eu vou procurar algo pra comer. (sair/cel.) Alô, amor!

Meier fica sozinho no carro.

C10. CLIPE. LOCAIS DA CASA LONGARAY. INT/EXT. NOITE.

((Fundo musical para as sequências: Edith Piaf – No, je ne regrette rien.))

SALA. INT.: Tapete estendido no chão da sala; Liége e Christian colocam o corpo de Iuri no tapete, enrolam, fazem um “canudo”.

GARAGEM. INT.: Liége abre o porta-malas do seu carro. Os dois com dificuldade colocam o “canudo” dentro do carro. Enquanto Christian escorado, com dores, descansa, Liége pega uma pá na parede e joga dentro do porta-malas. E sai, deixando Christian ainda mais surpreso com sua atitude.

SALA. INT.: Liége joga água na mancha de sangue que ficou no chão, e com uma vassoura começa a esfregar. Joga produtos de limpeza para tirar as manchas.

BANHEIRO. INT.: Christian, frente ao espelho, olha seus machucados, e tenta ver como está sua costela. Sente dor.

QUARTO IANE. INT.: Iane acordada, pensativa. Põe a mão na cabeça, com o intuito de tentar esquecer o que aconteceu, se ajeita para tentar dormir. Mas continua com os olhos bem abertos.

SALA. INT.: Liége termina de limpar até a última mancha no chão, com um pano bem seco. Christian assistindo.

GARAGEM. INT.: Liége esconde o balde que usou em um canto da garagem, atrás de uma caixa. Christian entra no carro. Liége entra também, ela dirige.

FRENTE. EXTERIOR.: Meier quase caindo no sono; a porta da garagem se abre e Meier se liga rapidamente, até se abaixa um pouco para não ser visto. Liége e Christian saem com o carro. Meier liga o seu e vai seguindo eles. Roger aparece e vê-o saindo e corre para alcançar, mas sem chance.

C11. MIRIPITUBA. RUAS. EXTERIOR. NOITE.

Encerramento da música da cena anterior; Meier seguindo Liége e Christian.

C12. CINEMA. FRENTE. EXTERIOR. NOITE.

Filme acabou. Thailyz, Giovanni e Aleff saindo. Aleff animado com filme. Thailyz desanimada, Giovanni percebe.

ALEFF — BUM! BUM! Tiro lazer pra todo lado!

THAILYZ — Vamos embora.

GIOVANNI — Thay… meu anjo. Tá tão pra baixo.

THAILYZ — Ah, pai, era pro Christian estar aqui.

GIOVANNI — Mas pelo o que você falou a coisa foi séria. Não fica de tromba com isso, porque não vai faltar oportunidade. Eu não quero ver você de cara amarrada. Dá um sorriso! Quero ver sorriso.

THAILYZ — Hum… (sorri)

GIOVANNI — Hum… Isso aí.

ALEFF — Vamos! Eu ainda tenho que jogar On com os parça!

GIOVANNI — Nem pensar! Tô cheio de fome. Certeza que sua mãe fez comida só pra jararaca da tua avó. Quero aproveitar que hoje estou dando um tempo do trabalho pra ficar com vocês! Então, a noite não acaba aqui. Eu conheço um lugar que vocês, principalmente você Thay, vai gostar!

THAILYZ — Só quero ver.

ALEFF — Então, partiu!

C13. MIRIPITUBA. RUAS. CARRO GIOVANNI. EXT. NOITE.

Giovanni dirigindo, ao seu lado Thailyz. Aleff no banco de traz. Thailyz ainda com olhar distante.   

GIOVANNI — Thailyz, qual o problema? Você ainda tá assim?

ALEFF — Caramba, cara… nada agrada essa mina.

THAILYZ — Pai, já falei…

GIOVANNI — Não, não é só por isso. Pode falar, que quê tá havendo? Qual motivo de você estar assim?

THAILYZ — (hesitar) Sei lá, parece que minha mãe não quer que eu seja feliz.

GIOVANNI — Que besteira, Thay… Porque isso?

ALEFF — Gente, que drama.

THAILYZ — Não é drama. Eu tenho motivos pra isso, tá?! Pra ela é muito melhor que eu fique pra sempre em casa, sem conhecer ninguém, sem viver com outra pessoa. Claro, pra ela é ótimo que eu fique enfornada dentro de casa.

GIOVANNI — Não é assim.

ALEFF — Por que não corta os pulsos?

GIOVANNI — Cala boca, Aleff! Não é assim, Thailyz! O problema da tua mãe é que ela quer sempre o melhor pra você, mas acaba não enxergando aquilo que você quer. Só acha que as escolhas dela são melhores pra você.

THAILYZ — Ela não sabe o que é melhor pra mim! Eu sei o que é melhor pra mim!

GIOVANNI — Eu sei, meu anjo. Eu sei disso. Mas tenta compreender, sem criar atrito. Você sabe como ela é. Não se preocupe que eu falo com ela.

THAILYZ — Só diz pra ela sair do meu pé. Só isso!

Enquanto Giovanni e Thailyz conversam. De relance, Aleff olha pela janela do carro e vê sua mãe no carro com Christian; mas ele vê de relance; estranha. Sem saber; pra ter certeza, ele olha pra atrás pra ver melhor, não consegue.

ALEFF — Que estranho.

GIOVANNI — Que foi?

ALEFF — Eu tive a impressão de ter visto a mãe com Christian no carro dela.

THAILYZ — Com o Christian?

C14. MIRIPITUBA. RUAS. CARRO LIÉGE. EXT. NOITE.

Christian recebe uma mensagem de Thailyz.

CHRISTIAN — Thailyz me mandou mensagem. Quer saber onde tô.

LIÉGE — Não responde.

C15. MIRIPITUBA. RUAS. CARRO MEIER. EXT. NOITE.

Meier na cola do carro de Liége.

MEIER — Os porquinhos saindo à feira.

C16. CASA LONGARAY. QUARTO IANE. INTERIOR. NOITE.

Clima tenso continua. Iane sentada na cama pensativa. Ela olha para os cantos do quarto. Close nela pensativa; pensando em tudo que aconteceu e no que ainda pode acontecer.

C17. LUGAR ERMO. ESTRADA DE CHÃO. EXT. NOITE.

O carro de Liége aparece ao longe, estaciona. Liége desce do carro, olhando para todos os lados, percebendo que não há ninguém em vista. Christian do outro lado do carro faz o mesmo. Abrem o porta-malas. Olham em volta. Liége pega pá e entrega para Christian. Christian vai fechar o porta-malas, Liége interrompe.   

LIÉGE — Não, não fecha. Não quero que fique cheiro.

CHRISTIAN — Vamos cavar, depois a gente volta pra pegar o corpo.

LIÉGE — Você vai eu fico aqui.

CHRISTIAN — Vou cavar sozinho? Tô cheio de dor.

LIÉGE — (irritada) Vai logo, merda!! Você me colocou nessa cilada. Agora, vai!

CHRISTIAN — Eu vou demorar mais com isso. Vou precisar que vo/

LIÉGE — (corta) Você acha que isso é brincadeira, cara? Só pode ser. Vamos logo!

Liége pega a pá de Christian e eles vão entrando no mato. Chegam até um local e Liége começa a cavar. Christian olha em volta, de longe se vê farol de um carro. Liége fica tensa; Christian fica tenso.

LIÉGE — Corre lá, o porta-malas tá aberto!

Christian sai correndo em direção do carro de Liége. O carro de Meier estaciona atrás do carro de Liége.

MEIER — Ah, achei vocês. Que tão aprontando?

Christian correndo na mata, todo errado. O máximo que pode. Liége corre atrás dele. Meier desce do carro; olha em volta e só vê o carro de Liége com porta-malas aberto.

SLOW: Meier dá passos em direção do carro de Liége; Christian cai na mata; Meier intrigado continua indo em direção do carro; Liége ajuda Christian a levantar; Meier quase chegando ao carro; Liége empurra Christian; fim do slow.

Christian aparece de repente fechando o porta-malas na frente de Meier, que se assusta dando um pulo pra trás e põe a mão em sua arma na cintura.

MEIER — Que isso, rapaz?! Tá maluco!?

CHRISTIAN — Desculpa, foi mal! (ofegante) Que você… que você quer aqui?

MEIER — (se apresenta) Sou delegado. Delegado Meier, da 1º Delegacia de Miripituba.

CHRISTIAN — (surpreso) Delegado?

Liége escondida na mata, tensa com a situação.

MEIER — Agora sou eu que pergunto. (saca sua pistola) O que você tá fazendo aqui, nesse lugar? O que tem dentro desse porta-malas?

Ficamos com Christian encurralado por Meier.

 

FIM DO EPISÓDIO

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo