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A Boneca da Maldição

Esta história poderia acontecer em qualquer lugar do Brasil, em qualquer família, como ocorreu na casa dos Fernandes. Numa casa bonita e simples da zona norte carioca vivem o casal apaixonado Wanderley e Nívea, seus filhos Pedro (de 10 anos), Maria Flor e Maria Clara (gêmeas de 7 anos), e também o cão salsicha preto e caramelo chamado Toby.

A vida deles era normal como a da maioria das famílias que conhecemos no dia a dia. Até que um dia, durante um almoço de domingo, Florzinha ouviu um barulho muito estranho de plástico sendo amassado, vindo do corredor. Foi quando Toby entrou na sala de jantar com Samantha, a boneca favorita da menina, no focinho. Wanderley e as gêmeas correram atrás do serelepe animal, que fugiu como um papa-léguas. Só foi pego depois de muita perseguição. O pai tirou-lhe o brinquedo da boca, mas o corpinho de Samantha já estava bastante destruído. Florzinha chorava de tristeza, mesmo Wanderley lhe dizendo que compraria outra boneca igualzinha no dia seguinte. Afinal, era Samantha sua melhor amiga de brinquedo. Clarinha consolava a irmã, enquanto o pai pensava em alguma coisa…

Foi quando Pedro, que adorava ler histórias e filmes de terror no tablet, descobriu algo que poderia fazer Samantha “ressuscitar”. Quis mostrar a ideia para a primeira pessoa que lhe aparecesse pela frente.

– Mamãe, o abajur das meninas não está quebrado também?

– Sim, Pedro. O Toby subiu na cama da Florzinha e estragou a cúpula.

– Achei um jeito de o papai consertar o abajur e a boneca da Florzinha.

– Sério, filho? Você é um gênio, sabia? Mostra para mim o que é. – Pedro lhe mostra a foto no tablet. – Deus me livre! Que troço horrível, meu filho! Você quer matar as meninas de medo? Até eu fiquei horrorizada. Já não gosto de bonecas, então imagina ver esse monstro disparando luzes pelos olhos? Muito macabro. Sei que você teve uma intenção boa, mas acho que isso não vai prestar.

– Ah, vai sim, porque vou mostrar para o papai.

Antes que Nívea dissesse mais alguma coisa, lá foi o menino em direção ao pai. Este gostou tanto da novidade, que chamou as meninas para verem também.

– Nossa! Que fofo! Florzinha, podemos fazer um com a cabeça da Samantha. – disse Clarinha, toda contente.

– Você vai fazer a minha amiga viver, papai? Diz que sim! Se ela acordar, não vou querer mais a boneca nova. Só quero ela. – continuou Florzinha.

– Você vai ver como seu pai é um ótimo cirurgião de bonecas. Topam ser minhas assistentes, meninas? – ele perguntou.

Em menos de cinco minutos, a mesa de trabalho já estava toda preparada para o “transplante”. Com um canivete, Wanderley separou a cabeça do corpinho lotado de dentadas. Clarinha correu para jogar esta parte no lixo e logo voltou. Ela e Florzinha assistiam a tudo muito atentas, como se fosse o último capítulo de uma novela infantil com a atriz favorita. Wanderley então tirou os olhinhos da boneca com muito cuidado. Depois pegou o abajur. Como a fiação deste também havia sido estragada por Toby, ele remendou um novo fio ali. Em seguida encaixou-se perfeitamente a cabeça de Samantha no lugar da cúpula. O homem levou o objeto reciclado para o quarto das meninas, colocando-o sobre a mesinha de cabeceira que ficava entre as duas camas. Ligou na tomada e o abajur acendeu perfeitamente. Elas comemoraram a forma diferente com que a boneca iluminava o quarto. Samantha se destacava num cômodo já lotado de pôsteres, objetos e outros apetrechos em diversos tons de rosa.

– Meninas, só vamos colocar lâmpadas fluorescentes aqui. Assim a cabeça da Samantha não vai queimar, porque elas não passam calor. Tá bom? – falou Wanderley.

– Tá sim, papai! – responderam as gêmeas.

As duas pularam para abraçar o pai ao mesmo tempo, de tão felizes que ficaram. Foi quando Nívea surgiu na porta e ficou apavorada ao ver a ideia do filho mais velho realizado. Escondia sua tensão para não desagradar as meninas. Mas sabia por intuição que aquilo iria mudar completamente – e para pior – suas vidas. Já Pedro sorria satisfeito com a situação e até pensava em maneiras de assustar as irmãzinhas.

– Elas vão ver o que é bom quando for meia-noite.

Aquele domingo seguiu normalmente, até que já era hora de dormir. Mais exatamente, às dez da noite. As meninas adormeceram logo; Wanderley também. Pedro aproveitou-se da situação para tentar aprontar das suas. Entrou no quarto delas e desligou a boneca-abajur da tomada. À meia-noite ligaria do seu celular para o telefone da sala, a fim de acordá-las. Quando elas vissem que a boneca não ligaria, teriam um ataque de pânico – segundo Pedro. Enquanto isso, Nívea não conseguia pregar os olhos de medo daquele estranho objeto.

Assim que os ponteiros do relógio se juntaram no número 12, o menino travesso colocou seu plano em ação. Clarinha e Florzinha acordaram não só com o toque do telefone, mas também com um brilho verde muito forte em seus olhos. Quando elas se levantaram sonolentas e ficaram de frente uma para a outra… perceberam que a estranha luz vinha dos olhos de Samantha. Para duas meninas de sete anos, era a realização de um sonho que elas só viam nos desenhos de fantasia. Nada falavam, para não acordar os familiares. Só observavam atentamente o olhar da boneca, como se este as hipnotizasse. Enquanto isso, Nívea saiu do quarto para ver quem poderia ter ligado. Ouviu risos vindos do quarto de Pedro. Depois, na sala, viu que era o número do celular dele no identificador de chamadas. Resultado: uma enorme bronca e o confisco do celular. Então, ela abriu a porta do quarto das gêmeas. Vendo que elas dormiam como anjinhos e que a boneca permanecia inofensiva, voltou para a cama.

No dia seguinte, nada de estranho aconteceu. A não ser a desconfiança da mãe, que só aumentava a cada instante. Sempre que entrava no quarto das meninas, fazia sinal da cruz para se isolar do mal que Samantha poderia causar. Zilda, a empregada da casa, também ficou tensa ao saber da novidade.

– Some com essa boneca daí, dona Nívea! Isso é coisa do demônio. O pastor diz que ficam espíritos do mal dentro desses troços, e que eles só esperam a meia-noite para poderem agir.

– Zilda, bem que eu queria. Mas meu marido me mata, se eu jogar fora. A cabeça da boneca veio da Samantha, a favorita da Florzinha.

– Conversa com sua filha, dá uma boneca nova e igualzinha, mas não espera muito para jogar o encosto fora. Tá amarrado!

Na escola, as meninas espalharam para os colegas e para a professora a história de casa. Curiosas à beça, os pequenos queriam ver de perto o “espetáculo”. Já a professora ficou assustada por dentro, embora dissesse que tudo não passava de imaginação de Florzinha e Clarinha. Pedro também contou a história aos seus. Já Wanderley tirou fotos de sua mais nova gambiarra, exibindo-as nas redes sociais. E Nívea passou o dia todo pesquisando dezenas de histórias macabras envolvendo bonecas. A cada texto que lia, ficava mais desesperada por suas filhas. Sentia em sua alma uma mistura de preocupação e de paranoia. Pensou em várias maneiras de proteger sua prole. Até que achou que a melhor seria colocar a caminha de Toby no quarto da boneca-abajur.

No jantar, mais falatórios sobre o novo xodó da casa. Nívea recebia ligações e mensagens de várias mães pedindo para levar os coleguinhas das crianças para visitar Samantha. Enquanto isso, Wanderley flagrava Pedro maquinando novas formas de assustar as irmãs durante uma conversa com um colega pelo computador. Após Nívea confirmá-lo sobre a travessura da noite passada, ele mesmo colocou o menino de castigo no quarto, com a porta trancada por fora. E assim acabava mais um dia na casa dos Fernandes. Todos dormiram cedo. Mesmo Nívea, de tão cansada que estava da noite anterior.

Bateu a meia-noite. E Samantha disparou a mesma luz verde do dia anterior. Só que Toby acordou e latiu loucamente diante daquele fenômeno. Encarava a boneca-abajur; queria atacá-la. De repente, Samantha solta uma luz vermelha em direção a ele, matando-o no mesmo instante. Então as meninas acordaram e ficaram fascinadas pelos olhos da boneca, sem mesmo se darem conta do cãozinho. Ficaram assim por um minuto, até que se ouviu a voz de Wanderley pelo corredor. Os olhos da boneca se apagaram. Clarinha sentiu algo duro em seus pés e ligou o abajur pelo interruptor. Viu o bicho morto, no mesmo segundo em que o pai entrou no quarto. As meninas começaram a chorar o luto pelo animal, portanto o pai tirou-o rapidamente dali para não traumatizá-las. Ele achou que Toby teria morrido de infarto.

E no dia seguinte, que era feriado, fez-se uma espécie de velório para o bichinho que nascera ali e que vivera até a última meia-noite. Nívea e Zilda achavam tudo muito mórbido, mas não se intrometiam. Acreditavam até que pudesse ter relação direta com o objeto maldito. Decidiu-se diante disso mandar as gêmeas para uma temporada na casa de uma prima que fica mais perto da escola. Isto deixava Nívea um pouco mais aliviada, mas também fez com que ela e Wanderley discutissem várias vezes como jamais havia acontecido. Ele acreditava que a mulher estava se tornando neurótica por causa da boneca.

Em mais uma noite estavam em casa somente o casal, o filho mais velho e a empregada. Jantar em silêncio. O menino jogava no tablet. O casal apenas comia. E a última orava num canto. Em seguida, as mulheres foram para suas camas, mas sem pregar os olhos de tanto medo. Wanderley ainda chegou a assistir a um filme qualquer, mas logo foi para a cama também. E Pedro ficou no quarto, só esperando a hora de ficar frente a frente com Samantha. O que aconteceu exatamente faltando cinco minutos para a hora H. Andou silenciosamente até o cômodo e desligou a boneca-abajur da tomada.

– Agora vamos ver do que você é capaz. Minhas irmãs falam que você tem superpoderes, mas não passa de um bagulho inútil.

Foi só terminar a fala, para ele ver a boneca disparando dos olhos uma surpreendente luz multicolorida que seduzia o menino, penetrando por seus olhos e por sua boca.

– Uau! Você tem poderes mesmo.

A força luminosa era tão crescente, que em pouco tempo dominava completamente aquele pequeno ser. Pedro passava apenas a repetir, na velocidade de um caramujo agonizante:

– Suga minha alma! Suga minha alma!

A luz se tornou vermelha como sangue. Assim, a alma de Pedro foi puxada como um líquido que passeava por um canudo em direção à boca de Samantha. Imediatamente, ela apagou as luzes. Pedro caiu violentamente no chão. Morto e com um péssimo odor devido à explosão de seus órgãos internos. Sangue escorria por todos os seus poros. Ao encontrá-lo naquele estado, a mãe teve um instinto de destruir Samantha. Mas Wanderley logo a impediu, insistindo que um objeto não poderia ter feito aquilo com um ser humano e que um parente dele já havia morrido assim.

Enterros nunca são momentos bonitos de se presenciar. Ainda mais quando são de crianças, caso de Pedro. O dele aconteceu exatamente ao meio-dia, debaixo de muita chuva e trovoada. Céu carregado num cinza tenebroso. Um corvo pairava em círculos entre os túmulos, indicando algo de muito negativo naquela situação. Um trovão em especial, assim que o túmulo foi fechado, assustou as várias menininhas que ali estavam. Todas choravam muito de saudade e de medo de que pudessem morrer logo. Mas só Nívea e sua empregada pensavam no poder sombrio da “bendita” boneca. A primeira fez Florzinha e Clarinha voltarem logo para a casa da prima, enquanto seguia para seu lar sozinha. Dali por diante, Wanderley passou a beber e a ficar vários dias fora de casa, depois que perdeu o filho. A vida conjugal do casal estava por um fio.

Foi quando a mãe tomou uma resolução: colocar a Samantha-abajur na sala, espionada constantemente por uma câmera em local estratégico. Mas Samantha ficou inerte por vários dias, o que fez Nívea ter uma falsa sensação de paz e trazer as meninas de volta ao lar.

– Mas por que ela não pode ficar lá no quarto, mamãe? – perguntou Florzinha.

– Acho que o abajur está com defeito e pode estar prejudicando a Samantha. Fico mais segura se ela ficar uns dias na sala. Tudo bem, filha? – ponderou a mãe. – Mas para vocês não ficarem sem luz, passei a minha luminária para o quarto de vocês. Quero mesmo comprar uma nova e mais bonita para mim. – inventou a primeira desculpa que pôde.

– Cadê o papai? – foi a vez de Clarinha.

– Ele teve que viajar, filha. Deve voltar em alguns dias. – mentia, disfarçando sua tristeza.

As meninas pareciam ter acreditado. Enquanto tentava preservá-las, Nívea ficava até uma hora da madrugada, todos os dias, à espera do marido e também de alguma reação da boneca. Mas nada acontecia. Até que numa noite de sábado reaparecia Wanderley, sóbrio após uma noitada com alguma amante. Por acaso, a esposa havia dormido mais cedo. Faltava apenas um minuto para a meia-noite. Ele ficou irritado ao ver o abajur na sala. Tirou da tomada, mas quando ia pegá-la para levar de volta ao quarto das meninas, Samantha soltou luzes de cor cinza dos olhos.

– Mas o que é isso? – Wanderley gritou apavorado.

– Achou mesmo que iria ficar com minha mulher e que ficaria tudo por isso mesmo? – uma voz diabólica e grave saía pela boca da boneca. Em seguida, uma risada maldita. – Sua hora chegou aqui. Já levei seu filho, e agora faltam você e as pestes das suas filhas. A Nívea é e sempre será só minha.

– Não, se depender de mim. Sai daí, maldito!

Wanderley correu para pegar um martelo na área de serviço. Ele foi tomado por uma raiva tão grande, que teve um impulso de destruir Samantha. Ao se aproximar, lhe foi lançada uma luz vermelha cheia de raios elétricos que logo invadiram seu corpo, queimando-o por dentro e destruindo seus órgãos. Mais uma risada malvada se ouviu. Os olhos de Wanderley se abriam tanto, que era possível ver seus globos oculares fritando e explodindo como ovos na frigideira. Por fim, o homem pegou fogo literalmente. Todos os pelos do corpo dele se soltaram, inclusive os do couro cabeludo. O pai das gêmeas estava morto. Após sugar a alma do homem pela boca, a boneca apagou suas luzes. Em seguida, assustada com o barulho, Nívea foi até a sala e soltou um grito horrendo e amedrontado com o que acabava de ver. Desmaiou perto do corpo do marido.

Após enterrar o marido e dizer para as filhas que ele havia sofrido um grave acidente na frente de casa, Nívea decidiu procurar a ajuda de um paranormal. Uma amiga lhe indicou Estêvão, um médium estudioso em possessões malignas através dos objetos. Ela contou-lhe todos os detalhes de sua vida após a instalação da boneca-abajur.

– Você tem ou teve algum problema com bonecas? Algum trauma? – ele perguntou.

– Por que está me perguntando isso? – ela retornou com outra pergunta.

– Porque é possível que seja você o alvo real dessa boneca. Mais exatamente de um espírito que tenha se apossado dela. Alguém que já desencarnou poderia estar usando o brinquedo para atingi-la ou conquistá-la. Um ser que vive nas profundezas da escuridão e que precisa de luz para agir; que provavelmente fez parte do seu passado e que poderia estar ligado a uma boneca que você teve. – Estêvão respondeu.

– É muito difícil falar sobre isso. Quando eu tinha catorze anos, ainda brincava de boneca. Tinha uma preferida: a Kika. Não tinha a aparência de um bebê como a Samantha, mas de uma boneca magra e bonita como aquelas famosas. Ela era minha melhor amiga. De brinquedo, mas era. Até que um dia a garota mais popular da escola me roubou a boneca. Por pura maldade, ela jogou-a à beira de um precipício. Se eu a quisesse de volta, teria que descer pelo perigoso abismo. Era quase meia-noite. Lá embaixo havia um cemitério. Se eu tropeçasse e caísse, já estaria na cova. Decidi encarar o desafio, para mostrar para aquela metida que eu não era garota de desistir das coisas. Quando consegui colocar a mão na minha Kika querida, vi que ela tinha uma bomba dentro. Joguei-a longe, para ela não explodir na minha mão. Nessa hora, me desequilibrei e quase caí lá de cima. Por muita sorte… ou não… um rapaz me segurou. Ele se chamava Márcio. Ele salvou a minha vida naquele momento. Viramos muito amigos. Até que, no dia em que fiz dezoito anos, ele se disse louco por mim. Na época eu já namorava o Wanderley. Tentei argumentar, mas Márcio não me ouvia. Ele sempre foi um rapaz meio esquisito, sombrio. Adorava rituais da meia-noite, lobisomens, coisas desse tipo. Então ele me forçou a sair da festa e a entrar no carro. Ele me levou até o mesmo precipício. Dizia que queria ser meu marido numa cerimônia de sangue para a Anjo da Morte ver. Tudo muito macabro. Cheguei a urinar de medo. Como continuei negando qualquer coisa que não fosse amizade, ele me pegou à força e ameaçou me jogar ali do alto. Ou eu era dele, ou eu era uma mulher morta. Só não aconteceu, porque Wanderley foi atrás de mim e me salvou. Depois de ser derrotado numa luta corporal, o Márcio jurou juntaria nossas almas em uma só, mesmo que fosse nas profundezas do inferno, e dali de cima se jogou. Morreu com o corpo cravado pela cruz de um túmulo. Era mais uma vez a meia-noite.

– Você me disse que seu cachorro fugiu numa sexta-feira e voltou na manhã seguinte. Existe alguma possibilidade de ele ter ido ao cemitério naquela noite? – perguntou-me Estêvão.

– Sim. Foi uma conhecida que o viu e reconheceu por lá. O marido dela trouxe o Toby de volta.

– Provavelmente ele passou por lá à meia-noite e foi possuído pelo espírito do seu ex-amigo. E depois o espírito se transportou para a boneca, no ato da mordida.

– E o que podemos fazer? – após uns segundos de silêncio.

– Muito simples. Peça para sua empregada ficar com as meninas na sexta à noite. Diga a elas que o abajur teve um defeito e foi para o conserto. E que você vai passar a noite com uma amiga que não via há tempos. Traga-o até a mim, e juntos iremos ao alto do precipício. Lá, faremos um trabalho de descarrego para mandar o espírito sombrio de volta à outra dimensão. Isto tem que ser feito à meia-noite.

Nívea fez tudo o que o paranormal lhe recomendou. Às onze e meia da noite já estava com ele no carro. Ela levava a boneca-abajur maldita dentro de uma caixa bem lacrada. Ao saírem do veículo e colocar a caixa no chão, Estêvão começou suas orações para protegê-los dos efeitos do que poderia acontecer dali a pouco. Abriram a caixa e tiraram a boneca de lá com muito cuidado. Exatamente às 23:59, começou-se a oração mais forte.

– Vamos! Manifeste-se, Márcio Ferreira dos Santos! – dizia Estêvão.

E assim se fez na chamada “hora morta”. A boneca fez brilhar luzes brancas e cintilantes como champanha na direção de Nívea.

– Até que enfim você decidiu ser minha. – dizia a voz satânica através da boneca.

– Ela jamais será sua. Ordeno que saia deste objeto agora, entidade das trevas! – gritava o paranormal, apontando um livro sagrado para a boneca.

A boneca disparava uma veloz luz amarela em direção ao livro, que pegou fogo. Estêvão soltou-o para não se queimar. Pegou um crucifixo de dentro do paletó e apontou-o na direção da boneca, cuja luz se tornava roxa.

– Me deixa em paz, Márcio! Não quero nada com você. Volta para o lugar de onde veio. – gritava a moça.

– Não vou, se não for com você! – dizia o espírito.

Nesse instante, Nívea era levantada por uma força invisível que apertava seu pescoço e a enforcava. O paranormal aumentava a intensidade da reza e foi empurrado várias vezes ao chão pelo espírito de Márcio. Estêvão ficou quase a cair no abismo.

– Para com isso, Márcio! Eu aceito ser sua! É isso que você quer? Sou sua, desde que não mate mais ninguém. – ela faz isso para ganhar tempo de derrotá-lo.

– O que você está fazendo, Nívea? – perguntou Estêvão, perplexo.

– Suga minha alma, Márcio. De uma vez por todas, serei toda sua.

Antes que a luz dos olhos da boneca conseguisse se avermelhar completamente, alguém jogou por trás um balde de gasolina na boneca, o que imediatamente apagou sua luz e a fez soltar gritos cada vez mais diabólicos. Em seguida, jogou-se um palito de fósforo. O abajur pegou fogo imediatamente.

– Volta pras trevas, em nome de Jesus! – gritou Zilda, a autora do incêndio. – Nunca mais volta a nos atormentar, encosto!

Nívea foi jogada para baixo e por pouco não caiu no precipício. Foi surpreendentemente salva pelo espírito todo branco de Wanderley, que travou nova luta com Márcio – desta vez espiritual. Estêvão, um tanto machucado, conseguia ver com nitidez a luta. Quando parecia que Márcio venceria a briga, Wanderley virou o jogo e conseguiu mandá-lo lá para baixo. O espírito do mal gritava por vingança, mas desta vez tudo lhe parecia inútil. No fundo do precipício, um buraco escuro e assustador se abriu. Várias mãos sombrias puxavam Márcio com força para lá. Por fim, o espírito de Wanderley sentou-se perto de onde Nívea estava. Zilda a consolava. Então o buraco se fechou para sempre. No mesmo instante, um trovão anunciou a sucessiva chuva forte caindo nos sobreviventes e na boneca-abajur já destruída.

– Agora está tudo bem, Nívea. Ele já voltou para onde deveria e de lá não sairá mais, a não ser que se arrependa de todos os males que praticou. – disse Estêvão.

– Quem ficou com as meninas, Zilda? Elas não estão sozinhas. Estão? – disse a mãe delas, preocupada.

– Deixei a Carminha com elas. Aquela amiga da igreja. – Zilda respondeu. – Achei que eu ajudaria mais com oração aqui com a senhora.

– Fez bem. – Estêvão respondeu.

Foram os três para o hospital, encharcados. Estêvão ficou mais ferido, mas Nívea estava mais abalada emocionalmente. O espírito do marido acompanhou Nívea até que ela se recuperasse um pouco mais. Só depois, ele seguiu para a Luz.

Meses depois, muita coisa mudou na vida de Nívea e de suas filhas. Elas se mudaram para uma casa em outro bairro, onde a mãe conheceu um novo companheiro, também chamado Wanderley. As meninas seguiram suas vidas e nem pensam mais em bonecas. Agora só pensam em brincar de bola. Querem ser as gêmeas do futebol. E a história de terror que elas protagonizaram ganhou as páginas de um best-seller escrito por Estêvão. Com direito a um desfecho macabro: a antiga casa dos Fernandes pegou fogo do nada. Quando? À meia-noite de uma sexta-feira.

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  • Oi Marcelo! Tudo bem? Li o conto da Samathinha! (risos). Assim, como o escritor Erick Lins, vi seu conto com grande semelhança ao do escritor norte-americano R.L. Stine, só que no seu caso, me fez lembrar de um livro, em específico, da série literária: Goosebumps, O Boneco Assassino (95), onde também havia irmãs gêmeas. (risos). No tocante, um episódio escrito sem pressa e na medida, com uma certa dose de terror nostálgico. Anabelle que se cuide! abraços!

    • Obrigado pela leitura, L.F.
      Interessante a comparação. Nunca tinha ouvido falar deste livro. Fiquei curioso pra procurá-lo.
      Abraços!

  • Oi Marcelo! Tudo bem? Li o conto da Samathinha! (risos). Assim, como o escritor Erick Lins, vi seu conto com grande semelhança ao do escritor norte-americano R.L. Stine, só que no seu caso, me fez lembrar de um livro, em específico, da série literária: Goosebumps, O Boneco Assassino (95), onde também havia irmãs gêmeas. (risos). No tocante, um episódio escrito sem pressa e na medida, com uma certa dose de terror nostálgico. Anabelle que se cuide! abraços!

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