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A Serra das Russas


A Serra das Russas
Escrito por Wellington Vianna

 

Hélder e sua esposa, Thaís, vinham se enfrentando em brigas e discussões, desde o nascimento do filho, Guilherme. A chegada da criança provocou grandes mudanças na rotina do casal, e assim seguiu evoluindo para o total descontrole, o que fez com que eles acabassem decidindo por dar um tempo na convivência.

Thaís saiu de Recife em direção a casa de sua mãe, na Cidade de Serra Talhada no interior de Pernambuco, levando consigo, o filho de apenas um ano. Conforme o tempo passava, ao retomar as conversas pela internet, eles foram se entendendo. O amor que sentiam um pelo outro só aumentou e a saudade acabou contribuindo para a reconciliação do casal. Decidiram então, refazer a vida juntos. Hélder partiu em viagem para buscar Thaís e seu filho e de carro, seguiu pela rodovia BR 232.

O rapaz dirigia com certa pressa, sua ansiedade era grande, os dedos suavam no volante. A cada curva da estrada, o olhar atento revelava sua inexperiência com o lugar, aquela era a primeira vez que Hélder cruzava o estado de carro. Eram 22:00hs quando decidiu fazer uma breve pausa na viagem, então parou o carro em um posto de gasolina.

Enquanto abocanhava um sanduíche, na lanchonete do posto, Hélder notou que seu celular estava vibrando no bolso. Suas mãos estavam tão ocupadas que custou um pouco até que pudesse atender:

— Alô?
— Onde está? — perguntou, Thais.
— Oi, amor, num Posto de Gasolina. Já não aguentava mais segurar a fome! Além do mais, precisava abastecer o tanque do carro também — justificou.
— Hum, tô morrendo de saudade.
— Eu também, amor. E o Guilherme?
— Tá aqui! Fala com papai, lindo! Fala, oh, papai no telefone.

Hélder escuta os gritinho e risadas do bebê e fica emocionado.

— Tá bagunçando aqui…
— Saudade demais de vocês, assim juntos!
— Vem logo, amor. Vamos voltar a ser felizes assim os três…. Cuidado tá?
— Tá bom, beijo!

Ele desligou o celular, suspirou feliz e continuou mastigando o sanduíche.

Seguindo o caminho restante, Helder percebia que a Estrada ficava mais isolada a cada quilômetro percorrido, o que lhe deixou assustado.

Quase duas horas se passaram desde sua saída do posto de gasolina.

Distraído com um grupo de pessoas que conversavam ao lado de um carro parado no acostamento, Hélder acabou não percebendo que um homem caminhava logo a diante de seu carro no meio da faixa. O susto foi tremendo ao perceber que atropelaria o tal pedestre, nesse momento pisou no freio bruscamente, conseguindo parar bem próximo ao homem misterioso.

— Meu Deus! De onde saiu esse cara?

Helder saiu do carro e questionou o pedestre:

— Amigo, você está bem? O que faz andando no meio da pista, é muito perigoso! — avisou.

O homem não respondeu, apenas continuou sua caminhada lentamente. Um membro do grupo de pessoas que conversavam metros atrás, se aproximou de Hélder, correndo:

— Opa! Boa noite. Você se machucou? Vimos que quase rodou com carro…
— É… Eu quase atropelei aquele cara! Vocês o conhecem? — perguntou
— Quem?

O Homem olhou para adiante:

— Não, não vi. Aliás, não conhecemos nada nem ninguém por aqui, somos de Fortaleza — revelou, o rapaz.
— Hum, sou de Recife! Também não conheço nada por aqui, cara. Confesso que estou começando a ficar assustado com esse caminho…

Eles sorriram juntos.

— Te entendo muito! Nos contaram que aqui acontece cada coisa estranha…
— É? Mas e aí, vocês estão precisando de ajuda? O carro quebrou? — questionou Hélder.
— É, deu pau no motor, mas está tudo bem, obrigado. Já pedimos ajuda, o guincho chega em 20 minutos.
— Tem certeza? — insistiu.
— Sim! — afirmou o rapaz.
— Eu posso te deixar na próxima cidade! — Hélder ofereceu.
— Não, obrigado! Vamos esperar aqui mesmo, o guincho está vindo de lá da próxima cidade. Deve ficar pertinho daqui — sugeriu.
— Está certo, boa sorte então, hein! Eu tenho que ir.
— Obrigado!

Eles se cumprimentaram com um breve aperto de mãos e se despediram.

— Boa viagem! — desejou, o rapaz.

Hélder entrou no carro e agradeceu.

— Boa sorte!

Mais à frente, Hélder alcançou o pedestre que quase provocou seu acidente. Igualando a velocidade do carro ao caminhar do homem, ficou lado a lado com ele e, através da janela do veículo, questionou o pedestre:

— Ei! Você precisa de ajuda?

O homem finalmente o olhou.

— Para onde está indo? — Hélder insistiu.

O pedestre apontou para o caminho adiante, porém nenhuma palavra saiu de sua boca. Hélder suspirou:

— Eu não acredito que vou perguntar isso… — resmungou baixinho. — Quer uma carona? Ofereceu, porém, revelando certa insegurança.

No fundo Hélder preferia que o homem rejeitasse sua ajuda, mas o estranho respondeu:

— Eu aceito!

Helder parou o carro e o pedestre entrou:

— Onde vai ficar?
— Quando chegar, aviso!

Percorreram alguns quilômetros, duas cidades já haviam ficado para trás desde que o carona entrara no carro. O silêncio, predominava a viagem. O misterioso homem trajava uma simples calça jeans e camisa social de cor branca, amassada e um pouco castigada pela poeira da estrada. Seus dedos estavam machucados. No momento em que
Hélder reparava, o homem retirou do dedo, a aliança que usava e começou a lamentar:

— Mulher não vale a pena! A gente faz de um tudo por elas, e no final… descobrimos que para elas nunca passamos de uns idiotas.

Mesmo surpreso com a declaração do carona, Hélder manteve-se em silêncio.

O rapaz jogou a aliança pela janela do carro. Desconcertado, Hélder tentou contornar a situação:

— Sabe… Eu concordo com você! Existem mulheres que não valem a pena mesmo, mas… Não entendo porque…

Irritado, o carona interrompeu a fala dele:

— Você não sabe de nada… Você nem me conhece…

Hélder olhou irritado para o carona, mas o homem continuou a falar:

— Como é que a pessoa dá carona a um desconhecido? Só sendo muito burro mesmo… Eu poderia te matar aqui e ninguém vai ficar sabendo…. Todos os homens são uns idiotas, mesmo! — declarou em tom de deboche.
— O que está dizendo, isso é uma ameaça?
— Ah, não diz besteira. Só dirige a porra do carro!

Indignado com a petulância do passageiro, Hélder decidiu expulsá-lo do carro, freou bruscamente e destravou as portas.

— Não, não tenho que dirigir para você, não sou seu motorista particular, seu imbecil! Sai do meu carro! — impôs com firmeza.

Imediatamente, o homem puxou uma arma da cintura e apontou para o rosto de Hélder.

— Dirige essa porra se não quiser morrer agora!

Pasmo, Hélder se rendeu:

— Calma!
— Você insistiu para me dar carona, agora vai ter que me levar para onde eu quiser!
— E para onde você quer ir? — perguntou, assustado.
— Siga a estrada, quando chegar você vai saber.

Dirigindo por mais alguns minutos, Hélder tentava entender seu misterioso carona. O medo tomou conta de si, ele chorava em silêncio, enquanto continuava a dirigir.

— Você vai me matar? Está me sequestrando?
— Cala a boca!
— O que você quer?

O carona gritou, enfurecido:

— Já mandei calar a boca!

Hélder obedeceu, secou as lágrimas, respirou fundo e seguiu dirigindo.

— Como é seu nome? Como devo, chamá-lo?
— Não vamos nos falar por muito tempo, então não importa a maneira como deve me chamar. Você também não me disse seu nome, e não estou preocupado com isso. Estamos chegando…
— Chegando… Onde? Numa cidade? Mas, não tem nada aqui…

Era quase meia noite.

Eles se aproximavam da chamada “Serra das Russas”, um trecho da BR 232 que se estendia através da ponte Cascavel, cortando o relevo mais acentuado da serra. O lugar esbanjava solidão, era terrivelmente silencioso. Naquela noite, o pedaço parecia ser muito mais tenebroso do que falavam os populares da região.

Passando pela ponte, apenas o asfalto era visível graças ao farol alto do carro. A brisa que invadia o interior do veículo era fria e trazia consigo apenas os sussurros dos animais escondidos na Serra.

Em silêncio, o passageiro misterioso secava as lágrimas que corriam em seu rosto. Preocupado, Hélder insistia por respostas sobre tudo aquilo.

— Eu imagino que você esteja passando por um problema muito sério. Por que não me conta? Talvez eu possa te ajudar…

Após mais alguns segundos em silêncio, evidentemente emocionado, o homem resolveu desabafar.

— Minha mulher estava com outro homem na cama. Não pensei duas vezes, antes de largar uma bala na cara do desgraçado.

Hélder ficou pasmo com tal confissão.

— Ela ficou tão impressionada com a morte dele, que nem se importou com o que eu estava sentindo naquele momento: traído, enganado, desmerecido. Antes achava que ela gostava de mim, mas, na verdade, ele sim era o amor da vida dela. Se você visse como ela sofreu ao vê-lo morto… Até tentou me enfrentar, disse que eu iria pagar por ter feito aquilo.

— Ela chamou a Polícia para você? — Hélder questionou, impressionado.
— Não. Não deu tempo. Larguei uma bala nela também — confessou.

Aterrorizado, Hélder não sabia o que dizer ou fazer naquele momento, percebeu que de fato estava correndo grande risco, o assassino estava armado ao seu lado, e qualquer movimento brusco seu, poderia lhe custar a vida.

— Mas, achei melhor fugir, Porque não quero passar o resto da vida dentro de uma cela imunda pensando nos erros que cometi.

O carro já chegava ao fim da ponte quando o passageiro gritou:

— Para aqui!
— Mas…

O passageiro apontou a arma para a cabeça de Helder:

— Para agora!

Assustado, Hélder imediatamente freou o carro. O criminoso saiu do veículo. Enquanto isso, Hélder observava com tensão.

Antes de se afastar, ainda com o revólver na mão, o carona agradeceu:

— Valeu, hein amigo. Está indo buscar a esposa, não é?

Hélder estremeceu.

— O quê?
— Espero que ela não seja como a minha ex: só mais uma vadia!

O carona correu em direção ao meio da ponte.

— Como… Como ele sabe que estou indo buscar minha esposa?

Hélder saiu de seu carro. De longe, ele observava o carona se afastar quando o mesmo gritou:

— Eu poderia ter evitado isso, poderia simplesmente ter atirado na minha própria cabeça!

Tenso, Helder apenas escutava, pois não sabia o que fazer.

— Mas essa porcaria só tinha duas balas, uma para o amante e outra para ela. —dizia ele, mostrando a arma. Em seguida, a jogou para bem longe.
— Esse cara é maluco… — Hélder sussurrou.

O homem se apoiava pelas encostas da ponte, subindo na mureta que o separava do abismo da Serra. Hélder olhou para todos os lados, desesperado, mas nenhum outro carro surgia na estrada. Então se aproximou do homem e gritou:

— O que está fazendo? Olha, isso não vale a pena! Desce daí!

O rádio do carro misteriosamente ligou sozinho. Em seu painel, o relógio marcava 00:00h. Subitamente, começou a tocar a música da banda Scorpions: “Still Loving You”.

Hélder se assustou com o som, afinal, quem o teria ligado? Enquanto Hélder curvou o olhar para o carro, o misterioso homem saltou da ponte, rumo ao seu trágico fim. 55 metros de altura foram percorridos até seu corpo se chocar com as pedras no fundo da Serra.

Ao retornar o olhar para a beirada da ponte, Hélder não encontrou mais seu passageiro, logo correu para verificar e constatou que de fato ele havia se jogado.

Estava muito escuro lá embaixo, mas a luz da Lua refletia os respingos de sangue espalhados por toda parte. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Perplexo com o que acabara de presenciar, Hélder sentou-se no acostamento da via deserta.

Enquanto chorava, a música continuava a tocar e sua letra parecia descrever o tormento por qual passara o suicida.

Algumas horas se passaram. Já com o dia claro, Hélder retornava no sentido oposto, em direção a Recife. Thaís estava no banco da frente e o pequeno Guilherme, dormia na cadeirinha instalada no banco de trás.

— Você, está tão estranho…

Helder sorriu e deu uma rápida olhada para ela.

— Aconteceu alguma coisa? Achei que estávamos bem.
— Nós estamos bem!
— O Gui e Eu estamos bem, mas você… não disse uma palavra desde que saímos de Serra Talhada.
— Não liga, só estou um pouco cansado.

Eles continuaram a viagem até que em certo ponto da estrada, próximo a Serra das Russas, Hélder avistou um homem a caminhar no acostamento:

— Não acredito!
Impulsionado pela aflição que havia enfrentado na madrugada passada, Hélder olhou para seu filho que dormia na cadeirinha acoplada no banco de trás e, ofegante, acelerou o carro.
— O que foi? O que está fazendo, Hélder? Ficou maluco?

O carro passou com velocidade pelo tal andante. Ao olhar o retrovisor interno central, Hélder pasmou ao constatar que, o pedestre que acabara de ultrapassar, era o mesmo que havia saltado da ponte Cascavel na madrugada passada.

— Você viu?
— Vi o que?
— Aquele cara ali, andando no acostamento…
— Não vi nada, como assim?

Aterrorizado, Hélder lembrou do que conversara com o motorista que estava com o carro quebrado na estrada, no dia anterior:

— Você se machucou? Vimos que quase rodou com carro… — gritou o homem.
— É… Eu quase atropelei aquele cara! Vocês o conhecem? — perguntou confuso.
— Quem? Não, não vi. — afirmou. Somos de Fortaleza.
— E eu sou de Recife! Também não conheço nada por aqui, sabe?. Confesso que estou começando a ficar assustado com esse caminho…
— Te Entendo muito! Nos contaram que aqui acontece cada coisa estranha…

Ao retornar do flashback, Hélder sussurrou:
— Um fantasma?

Com um olhar maligno, o Carona observava o carro de Hélder se afastar cada vez mais, e seu sorriso debochado, revelava sua verdadeira identidade.

“O Carona”, assim é chamado pelos populares, o rapaz que matou a tiros a esposa e seu amante, e na mesma noite jogou-se da ponte cascavel, ele é só mais um dos muitos espíritos vagantes na “Serra das Russas”.

De acordo com informações de populares e autoridades da região, durante anos, pessoas cheias de traumas e decepções atentaram contra a própria vida jogando-se da ponte cascavel e indo de encontro direto com as pedras de seu abismo.

Ao viajar por este caminho, tome cuidado!. Nunca se sabe o que poderá encontrar por lá.

 

 

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  • Adoreei! Até coloquei a música do Scorpions no final pra entrar completamente no clima. Bastante suspense e agonia, parabéns Well!

  • Adoreei! Até coloquei a música do Scorpions no final pra entrar completamente no clima. Bastante suspense e agonia, parabéns Well!

  • Nossa!!!! Muito bom, amei, comecei a ler e não consegui parar, suspense muito bom, só não gostei de uma coisa…. que acabou!!!(rsrsrs). Concordo com Geraldo, precisa continuar! Estou super curiosa como será a sequencia! Parabéns!!!

  • Nossa!!!! Muito bom, amei, comecei a ler e não consegui parar, suspense muito bom, só não gostei de uma coisa…. que acabou!!!(rsrsrs). Concordo com Geraldo, precisa continuar! Estou super curiosa como será a sequencia! Parabéns!!!

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