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Gritos da Floresta

Gustavo era um homem de 45 anos, loiro, alto e forte. Casado com Ana, uma mulher muito charmosa; com um corpo bem conservado e a pele bonita. Ela era cinco anos mais jovem que ele. Eles tiveram três filhos: Reynold, o mais velho, agora com vinte anos; Rodrigo, o filho do meio, de dezesseis e Reny, o caçula de doze anos.

Gustavo trabalhava de segurança em uma loja de calçados em Guarulhos, São Paulo. Até que acabou sendo despedido, ficando desempregado. Dias mais tarde, passando dificuldades financeiras com a mulher e os três filhos, soube da triste notícia que seu tio Gregório, que morava próximo a Garanhuns, em Pernambuco, havia sido morto misteriosamente. Entretanto, antes de morrer, havia passado suas terras e sua mansão para o sobrinho Gustavo, já que não era casado e nem tinha filhos.

Todos se alegraram com a chance de mudarem de vida, de recomeçarem num novo lugar, um lugar calmo no meio da mata, longe da correria de São Paulo, o cheiro de asfalto, o barulho atordoante dos carros, toda aquela gente apressada se preocupando apenas com seus empregos; exceto Reny, que de modo algum agradou-se com a ideia de ir para a casa do tio avô que morrera de forma misteriosa, sem vestígios de culpados. Talvez fosse apenas medo infantil, típico de um garoto de sua idade ou quem sabe fosse algum pressentimento verdadeiro, de algo pior?

Enquanto os pais arrumavam as coisas o garoto não parava de inventar desculpas para os pais desistirem:

— Em Pernambuco só há fome e seca, pai. Lá é quente como o inferno. – Nem todo Nordeste é quente e seco, filho. Para esse lugar onde vamos morar é frio o tempo todo. Há árvores grandes e verdes rodeando a casa, a água brota da terra e das serras. Você vai gostar.

— Não vou gostar, meu pai.

— Gostando ou não, iremos já amanhã – respondeu de forma ríspida. – O tio Gregório morreu de forma horrível. Foi encontrado morto na floresta todo retalhado, sua pele havia sido dilacerada. Os vestígios não eram de faca ou metal; quem sabe eram garras?

— Eu já sei como ele foi morto, não precisa ficar relembrando – falou Gustavo repreendendo o filho. – Deve ter sido algum ladrão, ou intrigado, que o matou com alguma outra arma.

— Havia sinais de mordida, papai! – insistiu Reny, enfeitando os olhos claros do pai e segurando em seu ombro, fazendo Gustavo ficar em silêncio por um certo tempo.

— Ah! Existem maníacos de todo tipo, ou algum animal fez isso já depois dele morto – respondeu baixando o olhar e continuando a colocar as roupas na mala.

— O homem sempre tem uma resposta tola para o inusitado – murmurou Reny.

— O que você falou, menino?! – Gritou Gustavo, para fazer com que o filho deixasse de questioná-lo.

— Nada, meu pai… Não falei nada – respondeu o menino melancólico, sentando ao lado da janela, enquanto o vento fazia seus cabelos longos e dourados flutuarem.

Dois dias e meio depois já estavam chegando. Os meninos olhavam impressionados pelo vidro do velho Fiat vermelho, estranhavam o porquê de estar chovendo tanto e de tudo estar tão verde. Até Reny ficou maravilhado.

— Estamos no inverno – disse Gustavo enquanto dirigia. – O inverno aqui é frio, e no lugar onde vamos morar, mesmo nas outras estações continua agradável.

— Nooossa!!! – Exclamaram os dois garotos mais velho em couro.

Reny continuava calado com o olhar longínquo através do vidro e dos pingos d’água que escorriam pela janela do carro.

— Eii, magrelo, por que você está tão calado? – Falou Rodrigo com sua voz de deboche, e girando a cabeça do caçula.

— Não é da sua conta, seu babaca!

Os dois começaram a se empurrar e trocar bofetões.

— Parem, garotos!!! Mas o que é isso?! – Falou Ana, repreendendo os dois e fazendo-os ficarem quietos.

— Ele que começou – disse Reny.

Ele que começou – repetiu Rodrigo com uma voz afeminada para debochar do irmão.

— Seu idiota!!!

— Estamos chegando rapazes. Após essa floresta chegaremos na mansão – falou Gustavo, fazendo com que os rapazes parassem as briguinhas e prestassem atenção na enorme mata.

Naquele momento a chuva cessou, ficando apenas um céu escuro cheio de nuvens e um clima frio.

Árvores de todos os tamanhos e tons de verde acompanhavam ambos os lados da estrada de terra. Árvores típicas da região e até não típicas se criavam ali graças as minações de água. E graças a elas e aos arbustos, a mata ficava muito escura mais a fundo; as copas e folhas mais altas não permitiam qualquer luz se aprofundar ao solo.

— Essa floresta é esquisita – disse Reynold olhando de forma estranha para a escuridão que se aprofundava nela, principalmente naquele momento, que o sol já havia descido no poente.

— Está me dando arrepios. Sinto algo estranho – completou Reny. – Ownn… os nenéns querem chupetinhas? – caçoou Rodrigo, fazendo uma voz irritante.

— Parem com isso. Vocês são quase homens. A floresta é linda, vocês deveriam admirá-la. E Gustavo, pare com essas brincadeiras idiotas.

— Sim, papai.

Reny ficou em silêncio, continuava sentindo algo estranho; um nó e aceleração em seu peito pediam para que ele saísse correndo o quanto antes dali, mas outra dizia: “Você é corajoso, não tenha medo.”

O caçula fechou os olhos, queria olhar para seu interior e acreditar que nada temia. Logo, abriu e olhou pelo vidro da janela. Assim que inferiu o olhar para a mata, viu por trás de um arbusto, uma criatura grotesca: era parecido com um cachorro, entretanto era do tamanho de um boi, possuía chifres na cabeça, as orelhas eram pontudas, as pernas e corpo esguios e os olhos cintilantes enfeitavam o garoto, como se conhecessem os pesadelos e medos mais sombrios do garoto. Ele tremeu, gelou, o coração foi a mil, não sentia mais o próprio corpo; e a aquela besta, aquele demônio continuava ali, encarando-o.

Reny conseguiu soltar o grito transtornado da garganta. Todos se assustaram, até mesmo Rodrigo. Gustavo brecou o carro rapidamente.

— O que houve? – Perguntaram todos em uníssono e na mesma preocupação.

— Ali, olhem – apontava para um arbusto, que no decorrer que o carro Andou ficou mais atrás.

— Onde? – Perguntou Gustavo limpando os olhos e forçando o olhar.

— Ãh?! Como?! – Perguntou-se o garoto baixando o vidro e pondo a cabeça pra fora.

— Viu o quê, moleque?! – Indagou Rodrigo aborrecido

— Estava ali há dois segundos. Mas como? – Todos o olharam com dúvida e aborrecimento. –Eu juro. Vocês têm que acreditar em mim. Era um demônio de quatro pés. Não era normal.

— Já chega, Reny! Deixe de suas tolices!

— Mas pai…

— Nem mais uma palavra!

Reny apenas baixou o olhar tristonho e ao mesmo tempo transtornado. Talvez o pai estivesse certo, e aquela criatura fosse apenas alguma alucinação da viagem de dois dias.

 

Chegaram enfim no destino. A casa era muito grande, rodeada de alpendre, de primeiro andar, branca com detalhes rústicos. Estava com algumas pequenas rachaduras, mas nada demais. Entraram. Reny continuava assustado, enquanto os outros irmãos só caçoavam dele. Cada um escolheu seu quarto. Reny teve que dividir o seu com Rodrigo no primeiro andar.

******

A noite todos jantavam e conversavam muito. Gustavo falava sobre seu novo emprego, agora arranjado através de um primo em Garanhuns; Ana falava sobre a casa, Reynold sobre a nova faculdade que iria estudar, Gustavo sobre garotas e Reny nada dizia, não conseguia tirar aquela visão da cabeça, até que não aguentou mais e num ímpeto de fúria ou desespero, gritou:

— Eu odiei essa pocilga! Este lugar é maldito! Aquilo que vi era um demônio! É melhor sairmos o quanto antes daqui! Por favor!

— Reny!!! – Exclamou Ana.

Ele continuava em pé, as lágrimas desciam pelo rosto, o desespero notável.

— Garoto – Começou Gustavo, – nós estamos sem nada. Não tínhamos mais nada em São Paulo. Aqui já falei com meu primo, que arrumou um emprego pra mim. Então, por conta de uma vaidade sua não iremos sair de uma casa tão grande e agradável. O que você viu deve ter sido algum animal daqui. Você nasceu em cidade, nada sabe sobre o sertão. Trate de comer logo e subir pra o seu quarto.

— Ah! – gritou o garoto e, sem terminar a janta, foi para o quarto.

Duas semanas já haviam se passado. Nada estranho havia acontecido novamente, o que fez até mesmo Reny esquecer seus pensamentos e acreditar que havia sido uma alucinação aquela figura medonha. Gustavo trabalhava pelo dia e só voltava às seis. Quando saía para o trabalho às sete da manhã aproveitava e levava Rodrigo e Reny para a escola. Já Reynold esperava o pai chegar a noite para poder ir para a faculdade; e como já tinha carteira ia sozinho no carro. Após jantar e esperar a volta de Reynold da faculdade, Reny e Rodrigo foram para o quarto jogar vídeo game (Ana até acreditava que a visão de Reny havia sido uma loucura por conta dos jogos virtuais). Quando o relógio já marcava meia noite, resolveram desligar a TV do quarto e irem dormir. Como era sexta nem se importaram em dormir àquela hora. Logo, pegaram no sono. Dormiram por horas. O vento que batia na janela fazia-os ficar tranquilos e repousados.

Do nada, Reny sentia uma sensação estranha e acordou. Já devia ter passado algumas horas. Olhou para o lado e percebeu o suspiro do irmão; já ia em sono longo. “caramba! Por que acordei?” – Perguntou-se Reny insatisfeito. O sono já não existia mais. De repente, começou ouvir sussurros vindos da floresta. Os sussurros eram como se fosse de uma grande multidão reunida por ali, mas o garoto sabia que não havia casa alguma nuns raios de pelo menos 2 quilômetros. Os sussurros foram aumentando, e do nada, só ouvia apenas um grito; não era um grito humano, mas parecia um urro de dor, tormento, sofrimento. O coração do pobre menino começou palpitar tão forte que teve medo daquela coisa ouvi-lo da floresta.

Cobriu-se de cabeça e tudo com o lençol; teve vontade de acordar o irmão, mas não adiantaria, depois quis ir dormir com os pais, só que faltava coragem suficiente para ao menos se mexer. Estava trêmulo, com a respiração intensa, os nervos não se controlavam. Depois o grito parou na floresta, sentiu-se aliviado até o momento que começou ouvir um som parecido com madeira sendo raspada por machado. O som foi se aproximando, até que parou por alguns minutos. Ficou ansioso. A curiosidade era enorme. “Eu sou corajoso” – pensou consigo mesmo, juntando forças internas conseguir se descobrir do lençol e pôs a mão no pequeno ferrolho da janela, que ficava bem perto de sua cama. Quando começou arrastar o ferrolho lentamente, de repente aquela criatura deu um arranhão na janela pelo lado de fora, causando um medo tão grande no menino, que o fez ficar sem fôlego, a vista começou ficar turva e depois viu o mundo se apagar aos poucos.

— Eii, acorda.

— Há! – Assustou-se Reny ao ser acordado pela mãe.

— Calma, filho. Está tudo bem. Sou eu, sua mãe. Só fiquei preocupada, pois já é quase meio dia e você ainda estava dormindo.

— Urf! – Suspirou aliviado.

— Você foi dormir muito tarde, filho?

De repente, as lembranças foram chegando na cabeça do menino e foram aos poucos deixando-o apavorado novamente.

— Mãe, pelo amor de Deus, vamos fugir o quanto antes dessa casa – ele estava falando apressado.

— Calma, querido. Foi seu irmão que te chateou a noite?

— Não, antes fosse.

— E o que foi?

— Há uma criatura à solta nessa mata. Eu não estava tendo alucinação quando o vi há duas semanas; era real. Ontem… ah! – exclamou fechando os olhos com força.

— O quê, meu amor? – Ana estava preocupada.

— Não gosto de lembrar. Ah! E eu quase abri a janela.

— Deite aí. Vou pegar um remedinho.

— Hein?! – Reny exclamou se erguendo da cama e começando ficar aborrecido ao ver que sua mãe não estava acreditando e achando que era algum problema com ele mesmo. – Que merda, mãe! Você acha que sou louco!

— Eu odeio palavrões, Reny. Já falei isso antes! E não acho que você é isso, querido; acho apenas que esses jogos estão causando isso em você.

— Dane-se os palavrões! Dane-se todos! – As lágrimas começaram rolar. – Ninguém acredita em mim. Que saco! –Gritou e deu as costas para a mãe, deitando-se com o rosto virado pra parede.

Ana começou chorar também, mas com pena do filho, achando-o um garoto desequilibrado psicologicamente.

Reny passou o resto do dia no quarto. Todos na casa estavam comentando seu comportamento. Estava tristonho, pensativo, não falava com ninguém. “Esse garoto precisa de ajuda médica.” – diziam aos cantos.

A noite chegou. Será que mais uma vez a criatura viria atormentá-lo? Quando todos dormiram, o caçula preparou sua mochila; pôs: Uma faca com os adornos da madeira bem desenhados, uma corda, uma lanterna, pegou pedaços de carne na geladeira e embalou na mochila e não deixou de esquecer sua câmera.

— Agora eu vou provar a todos que não sou louco – falou baixinho consigo mesmo.

Pôs um casaco de couro e saiu pela porta. Seu coração começou ficar acelerado ao olhar para a escuridão daquela enorme floresta. As corujas pareciam atormentadas e faziam barulhos graves nas árvores. Reny continuou caminhando lentamente até adentrar na mata. Na mão esquerda segurava a lanterna e na direita a câmera (ainda não havia ligado nenhuma das duas). Era arrepiante estar em tamanha escuridão, rodeado por árvores e arbustos, ouvindo tantos barulhos de aves, insetos e sabe-se lá mais o quê e ainda estar ciente de que uma criatura horrenda está a solta; sem contar da morte inesperada do tio Gregório. As pernas do garoto tremiam. Olhou para trás e viu que já havia andando muitos passos, não iria mais voltar depois de já estar tão longe.

— Eu sou corajoso, eu não tenho medo – repetiu a frase encorajamento de sempre e prosseguiu.

A lua estava coberta pelas nuvens. Estava cheia, mas seu brilho não estava completo. Estava muito escuro, pois graças às nuvens até as estrelas não apareciam.

— Eu tenho que filmar aquela coisa. Eu sei que é real.

De repente, Reny teve o pressentimento de ouvir pisadas. Seu coração ficou tão extasiado que não pôde nem mexer os dedos para acender a lanterna.

— Que-quem está aí? – Mesmo gaguejando conseguiu perguntar.

Viu um arbusto se mexer ao toque de algo.

— S-sei que… que está aí. Fale! – o medo era tão grande, que era como que ele já estivesse preparado para morrer.

Viu aquela sombra se aproximando aos poucos em sua direção. As pisadas nas folhas no chão eram evidentes. Tentou achar forças e coragem para ligar a lanterna. Tremeu, gelou, mas enfim acendeu a lanterna e apontou mesmo em cima do vulto:

— Está querendo me cegar, idiota. Desliga isso?

— Rodrigo?!

— É não, é o Saci! Moleque idiota.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu estava acordado quando vi pela janela você entrando na mata igual um aventureiro de filme americano. – Começou a rir sozinho.

— Eu não quero você aqui. Volta. Eu vou filmar a criatura para provar pra todos que o que era real.

— Cara, eu vi o curupira aqui no mato. Mas não estou filmando ele.

— Sério mesmo? – Perguntou Reny acreditando.

Rodrigo explodiu numa risada atônita.

— Claro que não, estou tirando onda, moleque. Você é mesmo muito ingênuo em ficar acreditando nessas baboseiras.

— Mas é sério, Rodrigo. Eu vi uma aberração quando estávamos chegando e ontem ele e outros, não sei, estavam gritando muito. Eram gritos horríveis de sofrimento e dor.

— Para com isso, moleque. Vamos pra casa. Está tarde.

— Não vou. Se quiser ir, tudo bem, mas eu ficarei.

— Ah! Então fica aí! Mas cuidado para o bicho não vim te pegar – falou e saiu andando enquanto dava risadas.

— Babaca! – exclamou Reny e continuou andando, passando por alguns arbustos.

Ele andou mais alguns metros pela relva e desviando das árvores, até começar ouvir ruídos e estalos fortes pela floresta. Logo, era como se uma reunião estivesse se formando ao longo da mata; vozes misturadas com chiados, uivos e urros. Reny não sabia definir, mas começou sentir um arrepio em sua espinha, ao perceber que aquele medonho som estava se aproximando.

— Ai, meu Deus! – exclamou ele, já ficando atormentado de medo. Os sons vinham cada vez mais altos e intensos. O menino não pensou duas vezes e logo saiu correndo dali. Os sons vinham como uma onda enegrecendo cada vez mais a escuridão já existente.

O medo era tão grande, que quanto mais o pobre corria, mais a sua casa parecia longe. Estava escuro. Os urros demoníacos se aproximavam com ferocidade. Ao longo que ele corria, tentando desviar de troncos e árvores naquele terrível breu, os gritos de sofrimento se aproximavam dele. Agora parecia que estavam correndo ao seu lado. As árvores pareciam gritar, as plantas, as pedras, bichos medonhos. A correria e tormento de Reny parecia a corrida do inferno; com demônios o seguindo e deixando-o louco. O garoto olhava em todas as direções sentindo que a qualquer momento iria ser devorado. Correu o máximo que pôde. Fechou os olhos e torceu para que assim tudo se apagasse e que alguma força o guiasse até sua casa.

Gritos de dor em uníssono o fizeram gelar, mas repetiu consigo mesmo a sua frase:

— Eu não tenho medo. Eu sou corajoso! – O desespero já era tão grande que ele nem se importou mais em manter-se silenciado. Pronunciou sua frase inúmeras vezes em gritos tão ecoantes quanto os da floresta.

Em meio aos gritos, o garoto pôde notar que uma das vozes recitava algo. Mesmo correndo atormentado e desesperado conseguiu prestar atenção naquele pronunciamento, e logo entendeu:

Querem pôr os pés imundos

Na minha terraaa. O livro está na

Casa… vamos recuperar.

Sangueee… carne freeesca…

Pagarão com a caarnee… é, pagarão.

Reny quase desmaiou naquele momento. Arrependeu-se de ter ouvido aquilo. O tormento aumento dez vezes mais.

Já estava quase perdendo o fôlego de tanto correr, mas após desviar de mais algumas árvores, conseguiu avistar sua casa. Já que agora estava já se livrando da morte certa, deu seu máximo. Conseguiu enfim, subiu os batentes do alpendre e abriu a porta da casa, antes de fechar não segurou a curiosidade e pôde ver o que o perseguia: havia uns três que eram maiores que as demais, estes possuíam uma pele apodrecida (dava-se para ver os órgãos internos na região lombar), tinham aparência de lobo com chifres enormes e pontiagudos, as bocas estavam escancaradas mostrando as presas enormes e a sede por carne humana, tinham o corpo envolto por uma fumaça, ou energia maligna, que parecia segui-los. Os outros eram menores, pareciam os pequenos guardiões daqueles demônios; eram do tamanho de um cão, porém eram arredondados, mais parecidos com sapos, com exceção dos pequenos chifres e das caudas alongadas. Os olhos de todos faiscavam o fogo do purgatório.

Correram até próximo da casa. Assustado, Reny fechou rápido a porta; já havia visto o suficiente para crer que aquilo era real. Pôs tudo quanto foi fechaduras e depois encostou o sofá na porta, em seguida certificou-se de que não havia mais nenhuma janela ou porta aberta na casa.

Jogou a câmera e a lanterna no chão, depois retirou a mochila das costas e sentou-se no chão, perto da mesa da cozinha, triste e apavorado. Chorou de medo, pavor e vitória por ter conseguido sobreviver em meio à tantos demônios seguindo-o.

— A droga da minha família não acredita em mim. Estamos correndo um terrível perigo e eles teimam em não acreditar em minhas palavras – as lágrimas escorriam a cada palavras. Ele sentia-se mudo e inerte, ao falar e não darem ouvidos. – Por quê essas criaturas só acertam em aparecer pra mim?

Após refletir muito, Reny começou a lembrar-se das palavras das criaturas. Era como se ele ouvisse novamente os monstros falarem:

Querem pôr os pés imundos

Na minha terraaa. O livro está na

Casa… vamos recuperar.

Sangueee… carne frescaaa…

Pagarão com a carneee… é, pagarão.

— Só de lembrar fico apavorado. – parou um momento e depois prosseguiu: — Temos que sair logo daqui. Aquelas coisas não nos querem aqui. Aqui é as terras deles. Ou o preço que pagaremos será nossa pró-própriaca-cacarne. Ai, meu Deus!!! –Ficou novamente atormentado de medo e começou esvair-se em lágrimas. – Vamos todos morrer igual o tio Gregório.

Continuou se lembrando das palavras. Em seguida começou a ficar estupefato:

— Eles falaram sobre um livro; mas que livro é esse? E o que tem escrito nele? De manhã tentarei convencer meus pais a irem morar noutro lugar; mas caso não queiram me ouvir (como sempre) vou procurar aqui esse tal livro. Também quero saber o que são aquelas coisas.

Em seguida ele foi até o sofá da sala encostado na porta e após se deitar dormiu por lá mesmo.

O domingo amanheceu muito frio. Chovia bastante. Reny acordou cedo, pois logo o pai teve que despertá-lo para arrastar o sofá e poder abrir a porta.

— O senhor vai pra onde? – Perguntou Reny ainda despertando.

— Vou em Garanhuns resolver uns negócios.

Logo ele se lembrou de tudo que ocorrera a noite e começou falar:

— Pai, por favor, me ouve!

Ana, que estava descendo as escadas escutou o desespero na voz do filho e se aproximou.

— Mãe, você também tem que me ouvir. Vocês dois.

— Fale, Reny, mas tem que se apressar, pois tenho que ir – disse Gustavo.

— Eu vi ontem. Vi de perto. Dessa vez eu posso jurar que vi.

— Viu o quê, rapaz?! – perguntou o pai aborrecido.

— A criatura. Não era uma, nem duas, eram várias me perseguindo. Eu fui para a mata para filmá-las e provar a vocês que era verdade o que eu falava.

— E você filmou esses bichos? – perguntou Ana.

— Infelizmente não. Quando os gritos começaram eu fiquei gelado e a única saída que arrumei foi correr.

— Querido, isso não está lhe fazendo bem. Você está sujo, com arranhões.

— Mãe! Para! – berrou ele.

— O que é isso, Reny? Você inventa suas paranoias e ainda por cima grita com sua mãe? Você está de castigo, seu moleque malcriado. Ficará sem o computador e sem o vídeo game por um mês! – gritou Gustavo e em seguida bateu a porta fortemente ao sair de casa.

— Vocês vão todos morrer! – berrou o garoto. Em seguida caiu num choro.

— Filho, calma. Acho que dessa vez você passou dos limites. Inventando lorotas e ainda gritando comigo, que sou sua mãe.

— Pior vai ser quando os bichos da mata devorarem sua carne e beberem seu sangue.

— Ah! Não aguento mais ouvir essas coisas de maluco – disse ela e saiu em direção a cozinha. –Esse garoto está pedindo pra ser internado para ser supervisionado por psiquiatras.

— Se a verdade é insensatez e a mentira a fuga da realidade, então… o que eu faço aqui? – gritou mais uma vez Reny.

— Menino doido – exclamou Ana consigo mesma.

— Mesmo assim irei te salvar, mamãe. Preciso encontrar esse tal livro – falou baixinho, e em seguida foi logo correndo pela casa, tentando encontrar vestígios de alguma pista ou resposta. Ele tentava buscar respostas em todos os lugares da casa. Olhava quadros antigos do tio Gregório, mas não conseguia enxergar respostas. Mexia em tudo, mas nada encontrava. Até que foi a cozinha e: — Mamãe, você poderia me falar se há um sótão nessa casa?

— Sim, há um sótão. Mas o que você quer com isso? Lá só há tralhas do tio Gregório – ela estava na pia lavando a louça suja do café.

— Que coisa boa, mamãe! – falou ele explodindo de alegria.

Ana riu ao ver o filho feliz e não mais atormentando como mais cedo estava.

— Diga-me onde fica, por obséquio.

— Haha! Levante o tapete perto das escadas e achará a portinhola.

— Obrigado, minha mãe. Quem sabe assim posso achar algo que acabe com as criaturas.

— Ah! Já vai começar?

— Não, não vou. Tchau!

— Hum! Ei, volte aqui.

— Sim, mamãe.

— Você viu o Rodrigo hoje?

— Não, hoje não. E se vi não lembro.

— Ok. Deve ter saído com Gustavo que nem vi.

— É, deve ter sido.

— Uhum. Pode ir agora, querido. Vá brincar de investigar monstros – disse ela e gargalhou. Reny ficou sério e deu às costas a mãe.

O sótão era um cômodo muito escuro e frio. Reny desceu vagarosamente a escadinha com sua lanterna na mão esquerda. Ele não conseguia ver muita coisa ali, pois teias de aranhas e chiados de ratos o desconcertavam. Havia muita tralha, caixa em cima de caixa; muita bagunça.

— Minha nossa! Nem meu quarto é assim… – exclamou Reny.

Um cheiro de mofo subia às narinas do pequeno rapazinho.

—Tenho que achar o tal livro, ou algum vestígio sobre as criaturas.

Abriu uma caixa grande, tossindo muito e abanando a poeira e o mofo. Dentro havia apenas ferramentas. Prosseguiu abrindo outras, onde encontrou apenas fotos antigas, objetos supérfluos e coisas quebradas.

— Merda, só falta aquela ali que está toda lacrada – falou consigo mesmo apontando com o nariz para uma caixa muito lacrada e revestida de teias de aranha.

Caminhou até a caixa. A respiração estava acelerada devido a pouca entrada de ar do local.Estava em seu interior com um certo receio ou até medo de achar o que procurava naquela caixa. Apesar de toda aflição começou abri-la.

— É agora.

De repente duas caixas caíram perto dele, fazendo um grande barulho devido às tralhas e deixando-o extremamente amedrontado.

— Droga! Que susto!

Continuou desenrolando as fitas amarradas e enfim abriu a caixa. Lá estava um tecido vermelho encobrindo algo. Reny puxou aquele tecido e descobriu que havia um diário com capa de couro, muito surrado devido ao tempo.

— É um diário. Só pode ser isso! – falou consigo mesmo, enquanto os olhos faiscavam.

Enrolou o diário velho no tecido vermelho, colocou debaixo do braço esquerdo e subiu as escadas. Se dirigiu até seu quarto, trancou-se e começou ler o diário; era do tio Gregório. Reny assombrou-se ao ir passando as páginas e vendo desenhos de criaturas tão demoníacas. Umas tinham costelas e vértebras à mostra, enquanto outras medonhas tentavam se esconder por trás das vítimas dilaceradas.

— Que merda de diário é esse?

Ele resolveu ler ao invés de só olhar imagens. A primeira frase que tinha era: “Os gritos são o aviso que é chegada a hora”. Passou o dia inteiro lendo.

Sua mãe o chamou inúmeras vezes para almoçar, depois lanchar, e ele em nenhum momento a atendeu; estava entretido em demasia ao ler o íntimo de seu misterioso tio avô. Aquele diário era um relato de uma vida cotidiana cheia de peculiaridades medonhas. Descobriu ali quem foi Gregório na verdade e entendeu muita coisa sobre todas as criaturas da mata.

— Minha nossa! – exclamou Reny perplexo.

Nos relatos, o finado Gregório escreveu tudo o que vivera naquela mansão e sobre os demônios e criaturas a solta na floresta. Reny descobriu que aquela terra pertenceu antes de Gregório a um coronel, mas não tinha nada escrito a respeito disso, talvez nem o próprio Gregório soubesse se havia alguma ligação entre a casa do Coronel e os monstros da mata. O mistério do diário só revelava as barbaridades que Gregório cometeu para ter o direito de morar ali.

— Não acredito nisso! – exclamava Reny, lendo os relatos e ficando cada vez mais com o coração palpitando.

Antigamente havia muitos empregados morando com Gregório, também havia alguns vizinhos. Entretanto ao longo dos anos, a cada 3 anos exatamente, na terceira lua cheia do ano as criaturas pediam um tributo a Gregório (segundo o diário ele conhecia todos os monstros da mata. Até possuía contato com todos). O tributo exigido era carne humana, 3 pessoas a cada 3 anos.

— Minha nossa, o que essas criaturas querem é comer humanos. Por isso disseram aquela frase que martela em minha mente.

O velho Gregório sempre cumpria os requisitos exigidos. Sacrificava seus empregados. Levava-os até a mata a noite com alguma desculpa, e lá os demônios faziam o banquete; uns comiam apenas olhos, outros entranhas, mas, cada um tinha o pedaço predileto. Gregório era obrigado a vê-los sendo devorados e estraçalhados em sua frente. No entanto, ele arrumava novos empregados, que trabalhavam por três anos e depois serviam de banquete pra demônio.

— Aqui ele diz: “Ao longo dos anos as pessoas da região começaram desconfiar que todos que trabalhavam aqui logo desapareciam sem vestígios, então todos temiam vir aqui. Fui obrigado a servir como tributo meus vizinhos. Certo ano tive que convencer minha vizinha Dolores, mãe solteira, a passear pelo luar comigo, ela aceitou. Beije-a e logo em seguida presenciei os demônios comerem aqueles lindos lábios e todo corpo. Depois levei as duas filhinhas dela – Reny deu uma pausa para xingar e amaldiçoar a alma do falecido tio; depois prosseguiu. – Foi muito triste, mas ao longo dos anos fui aprendendo a ser frio. Era satânica a minha atitude, mas era isso ou não ter onde morar, ou até mesmo eu ser a comida, pois segundo as criaturas essa terra não me pertence, apesar de ter meu nome nos documentos. Esse ano ainda não consegui empregados, nem existe mais vizinhos. Mas vou arrumar um jeito.”

Depois dali não havia mais nada escrito. Era evidente a resposta: Gregório foi comido por não ter arrumado mais vítimas para as criaturas. Elas devoraram suas carnes e chuparam todo sangue.

Reny voltou algumas páginas para procurar algo sobre a pedra, até que achou: “A chave para libertar todos os espíritos da floresta e torná-los eternos até durante o dia todos os tempos. Se eles possuírem essa chave todos conhecerão o inferno mesmo antes de morrerem.”

— Os demônios querem esse diário, mas o que devo fazer? Por que diabos o desejam?

Reny ouviu um barulho de carro vindo. Era seu pai, que acabara de chegar sozinho de Garanhuns.

— Que estranho, não vi Rodrigo durante todo o dia e a mamãe pensou que estivesse com o papai. Vou avisar a ela.

Reny desceu até a porta da sala. Falou com o pai. Perguntou pelo irmão, mas não obteve resposta positiva.

— Não, ainda hoje não o vi.

— Meus Deus, onde ele está então? – exclamou Ana.

— Vamos perguntar se Reynold o viu.

Subiram os três até o quarto do filho mais velho, este falou que também não havia visto Rodrigo.

— Meu Deus! – Berrou Reny, já suspeitando de algo.

— O que foi, meu filho?

— Dessa vez vocês precisam acreditar em mim. Eu vi o Rodrigo na mata; ele veio embora primeiro do que eu, mas provavelmente deve ter sido capturado.

— Ah… ele já vai come… – Começou falar Gustavo, mas logo foi interrompido por Reny.

— Apenas vejam isto.

— Que livro velho é este? – indagou Reynold.

— É um diário feito pelo tio Gregório. Vejam vocês mesmo.

Após olharem bem, lerem trechos macabros do Gregório, a família inteira começou sentir arrepios de pavor e medo extremo. Enfim, começaram acreditar que aquilo poderia ser relevante.

— Então se o que está escrito aí for verdade nosso Rodrigo já deve estar morto… – disse Ana chorando e abraçando o marido.

— Não, ainda há uma chance. – disse Reny. – Eu li o diário inteiro, e as criaturas só devoram as vítimas quando chega a meia noite. Acredito que Rodrigo foi capturado já de madrugada, então ele ainda pode estar vivo pela mata.

— Vamos procurá-lo. Já está anoitecendo – disse Gustavo.

— Vamos – confirmou Reny.

— Você não. Fique aqui com sua mãe. Só vamos eu e Reynold.

— Eu vou sim. Eu sei sobre elas, mais do que o senhor imagina. Eu li todo o diário. Sei como cada uma se comporta e o que as fere.

— Então esses bichos morrem?

— Não, apenas aparecem a cada três anos na terceira lua cheia do ano e desaparecem depois que a lua muda. Mas há coisas que conseguem machucá-los.

— O quê? – perguntou Reynold.

— Se vocês me levarem eu falarei – falou e abriu um sorriso Gustavo e seus dois filhos foram à procura de Rodrigo. Ana ficou em casa rezando por todos. A lua clareava o céu, e fazia muito frio. Eles já vinham andando há muito tempo, e no lugar que estavam parecia não existir trilha ou alguma passagem adiante, apenas muitas árvores e inúmeros arbustos; era uma parte muito densa da mata.

— Rodrigo! – Gritou Gustavo, seguido pelos filhos. – Estamos aqui!

As aves noturnas, como as corujas, faziam barulhos estranhos avisando que era melhor os três voltarem.

— Não estou gostando nada disso – disse Gustavo.

— Se o senhor tivesse acreditado em mim desde o início a gente teria se livrado disso tudo.

— Eu sei, meu filho. Eu errei. Perdão!

— Pai? – assombraram-se os filhos, pois nunca sonhariam que um dia o pai fosse admitir aquele erro brutal.

Reny encheu os olhos de lágrima, agarrou o pai e disse:

— Te amo, pai.

— Também te amo, filhão.

O abraço durou alguns minutos, até que Reynold os fez pararem:

— Sem querer interromper, mas estou ouvido uma voz parecida com a de Rodrigo. – Todos pararam por um tempo e ficaram prestando atenção. Até que um lamento foi ouvido; era ele.

Correram e correram em direção ao choro, não se importaram com arbustos, ferimentos que ganharam e nem nada. Chegaram num lugar onde não havia árvores, eram como um pátio em formato circular, rodeado pela mata. No centro desse círculo havia 3 troncos e exatamente num deles estava uma figura amarrada.

— Lá está meu filho – exclamou Gustavo correndo em disparada até o tronco.

Gustavo e seus filhos ficaram perplexos ao acharem Rodrigo apenas dando os últimos suspiros. Sua barriga estava completamente aberta, seus olhos haviam sido devorados, as carnes das pernas e braços já não existiam Já estava feito, a morte não tardou. Gustavo e todos ficaram desnorteados com aquilo. O choro foi gigantesco, a dor era imensurável. Gustavo se culpou inúmeras vezes.

Os três ficaram sentados por um bom tempo ao redor do falecido. De repente começaram sair de todas as partes criaturas bestiais, horrendas. Logo, os humanos foram cercados por aqueles demônios. Estavam rodeados por todos os lados. Começaram a dar gritos horripilantes; eram gritos misturados ao um choro, uivo, gemido (era difícil definir aquele horror).

— Já era! – exclamaram em uníssono.

As criaturas se lambiam, desta vez havia outras ainda piores e maiores do que as que Reny tinha visto. Todas do diário estavam ali. Entretanto, ao invés de atacar as bestas abriram espaço para um outro vir. “Deve ser o rei deles” – pensou Reny.

Na verdade era um velho trajado em trapos escuros e segurando uma bengala grossa de madeira.

— Ora, ora, ora. Olha o que temos aqui – falou o velho.

— Não! Não pode ser… – gaguejou Gustavo perplexo e ainda mais espantado. – Essa voz…

— Isso mesmo, sobrinho – completou o velho enquanto tirava o capuz e revelava seu rosto enrugado.

— Tio Gregório?! Não entendo! O senhor num havia mo…

— Morrido? Nunca! Eu forjei minha própria morte e passei o nome da casa pra vocês de propósito. Já sabia que vocês viriam logo morar em minha espaçosa mansão.

— Mas por que fez isso? – Perguntou Reny.

— Ninguém mais queria vir trabalhar comigo, e também só havia sobrado um vizinho. Era um velho na minha estatura. Preferi usá-lo como isca. Sabia que os policiais uma hora ou outra iriam vir saber sobre os sumiços das pessoas; e assim achariam o corpo. Então matei o velho, retirei toda sua pele e carne e deixei que os abutres fizessem o resto. Pus em frente minha casa e em poucos dias vieram os policiais e acharam o corpo. O resto vocês já sabem.

— Velho desgraçado! – Gritou Reynold. – Você é nosso tio, como pode nos usar para alimentar esses demônios? Tenho nojo de ter o mesmo DNA que um maldito asqueroso como você.

— Para começo de conversa eu fui deixado na porta do seu avô, meu rapaz. Não sei de onde vim. E essas belas criaturas me dão o direito de não envelhecer e me deixam com uma força jovial. Pagando o tributo aos gritos posso ter uma bela mansão e ainda viver por centenas de anos.

— E o diário? – indagou Reny.

— Ah! É um documento verídico de minha vida, entretanto não revelei tudo nele, como agora você já deve saber – respondeu e soltou uma gargalhada diabólica. – Ordenei que as criaturas falassem sobre o livro (ou diário) pra você; assim sabia que atrairia todos para essa armadilha. Uma carne podre já se encontra ali agora só falta dois.

— Maldito! – Disse Reynold e partiu para bater no velho.

Gregório com apenas um movimento de corpo desviou e com a bengala fez a transpassar a barriga de Reynold.

— Filho! Não! – gritou Gustavo desesperado ao ver o filho mais velho também falecendo.

— Façam-no de banquete – ordenou o velho. Em seguida as feras avançaram e devoraram toda carne do rapaz.

Gustavo ficou sem palavras, sem forças, ali já morria seu espírito.

— Agora vou matar o seu outro filho, você pode partir, Gustavo. Esse molequinho leu meu diário e será o terceiro da oferenda.

— N-não. Me mate no lugar dele.

— Certo!

— Pai!!! Não!!!Lembra da mamãe!!! Quem cuidará dela?

— Pelo visto você cuidará bem melhor que eu. Olha pra onde eu trouxe minha família… pra morte. Trouxe-os para uma armadilha planejada. Você me alertou desde São Paulo e eu não o ouvi. Uma criança tem mais verdades que o mais sábio dos filósofos. Adultos são tolos, meu filho. Mais uma vez: perdão!

— Não, pai… eu te amo… – respondia Reny aos prantos enquanto o pai ia caminhando em direção ao velho.

— Eu te amo, meu filho – falou para o filho olhando-o pela última vez.

— Paaaii!!!

O velho olhou nos olhos de Gustavo e em seguida fez um sinal para as feras avançarem.

— Sirvam-se!

— Prometa que não machucará meu filho.

— Tolo, ele sabe demais. Ele leu meu diário. Vou matá-lo antes que aprenda mais sobre esse meu mundo.

— Não, por favor. Ele não! – gritou Gustavo já sendo arrastado por bestas e criaturas demoníacas que iam comendo-lhe as carnes. – Fuja, meu amado filho!

Reny estava com uma mochila nas costas cheia de coisas que ele aprendeu no diário que iria ferir as criaturas. Mas naquela circunstância apenas se recordava de cada momento que vivera com o pai e com os irmãos.

— Ah! Como me sinto renovado! É uma pena isso ser apenas a cada três anos – falou Gregório após as criaturas bestiais da floresta lhe passarem uma energia mística.

Reny estava transtornado. A vida naquele já não lhe fazia mais sentido. Até que lembrou-se das palavras do pai onde falava que ele deveria cuidar de Ana, sua mãe.

O velho depois de abastecido de energia encaminhou-se até o pobre garoto:

— As criaturas só comem três humanos, o que é uma pena, pois eu iria adorar vê-las devorando sua pele branquinha lentamente. Como não podem, eu mesmo irei matá-lo agora.

Gregório chegou bem próximo de Reny, que permanecia ajoelhado e de cabeça baixa, e murmurava algumas palavras.

— Garoto tolo… lhe darei o direito de pronunciar suas últimas palavras. Quais são?

Reny ergueu-se rapidamente:

— Vai pra o inferno, maldito! – puxou uma adaga do bolso da mochila e cravou-a no peito do velho.

— Que moleque desgraçado!

Reny continuou segurando a adaga no peito do inimigo e prosseguia recitando umas palavras em outra língua. Era o código secreto que fazia com que uma das criaturas perdesse a eternidade e fosse morta.

— Oh não! – gritava o velho enquanto sentia a morte chegar. – Guardiões, devorem esse garoto! Façam ele parar.

Não podemoss, senhorr… – responderam as criaturas. – Você já pagou. É, já pagou. Isso, e nós também lhe pagamos.

— Demônios idiotas! Ma-malditos.

— Espero que você sofra o inimaginável na profunda dos infernos, seu velho imundo! – Falou Reny, enquanto seus olhos fulguravam através de uma chama esverdeada.

Aos poucos o velho foi morrendo, até que, enfim, sua pele murchou e em seguida transformou-se em cinzas.

Reny ainda estava transtornado com a morte dos pais, mas foi corajoso e inteligente o suficiente para recitar as palavras que desfizeram a energia jovial do maligno Gregório.

Ele passou no meio das criaturas, que foram abrindo espaço para ele e soltando um uivo parecido com um gemido, como se fosse parabenizando-o pela audácia.

Chegou até a mansão e abraçou a mãe aos prantos. Contou como tudo aconteceu e a convenceu a partir de manhã cedo dali.

Ana ficou desesperada. Chorou. Sentiu-se despedaçada. Mas, tinha que entender que um de seus filhos ainda estava ali ao seu lado. Vivo. Por isso reuniu forças no dia seguinte, e foi onde estavam os ossos dos filhos e marido para rezar e chorar por eles. Depois partiu no velho carro pelo mundo, ao lado daquele garoto corajoso chamado Reny.

A mansão e a floresta continuam lá. Quem será corajoso suficiente para resistir aos gritos das criaturas da floresta, que sentem cede de sangue e fome de carne humana?

FIM

 

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  • Excelente conto. Amei do começo ao fim. Gostei muito como o Erick ambientou e caracterizou, pois me fez mergulhar na história. Está mesmo de parabéns! O suspense foi muito vivo, cara, dava pra sentir mesmo aquela aflição. Ameii! ??

  • Excelente conto. Amei do começo ao fim. Gostei muito como o Erick ambientou e caracterizou, pois me fez mergulhar na história. Está mesmo de parabéns! O suspense foi muito vivo, cara, dava pra sentir mesmo aquela aflição. Ameii! ??

  • Fala Erick Lins! Outro conto com plot twist. Que reviravolta! Em vista do herói da história ser um garoto e investigar um mistério aterrador, senti certa semelhança, tanto na escrita quanto no enrendo, com o escritor infanto-juvenil R.L. Stine, responsável pelas séries literárias: Goosebumps e Clube do Terror. Mas, mesmo assim, por ter certa comparação, ainda senti um terror mais dark, que até soou como uma fábula e me fez pensar numa receita Shaymalesca, digo, com questão às criaturas da floresta, é impossível, não lembrar das criaturas do filme A Dama na Água, os Scrunts, criado pelo diretor indiano M. Night Shaymalan. Vale lembrar, também, em relação à criatura criada no conto, é totalmente desconhecida, em vista que dos medos mais instintivos e primitivos do homem é o medo do desconhecido, que pode se mutacionar em muitas formas, conceitos, ideias, tamanhos e cores dependendo de cada fase da vida. Se quando criança esse medo costuma se manifestar na figura imaginária de algum tipo de bruxa ou monstro ou criatura do gritos da floresta, rsrsrs, quando adulto seus contornos parecem mais abstratos ou amorfos, porém, aumentam exponencialmente de dimensão e gravidade. Belo conto com um ótimo desenvolvimento.

  • Fala Erick Lins! Outro conto com plot twist. Que reviravolta! Em vista do herói da história ser um garoto e investigar um mistério aterrador, senti certa semelhança, tanto na escrita quanto no enrendo, com o escritor infanto-juvenil R.L. Stine, responsável pelas séries literárias: Goosebumps e Clube do Terror. Mas, mesmo assim, por ter certa comparação, ainda senti um terror mais dark, que até soou como uma fábula e me fez pensar numa receita Shaymalesca, digo, com questão às criaturas da floresta, é impossível, não lembrar das criaturas do filme A Dama na Água, os Scrunts, criado pelo diretor indiano M. Night Shaymalan. Vale lembrar, também, em relação à criatura criada no conto, é totalmente desconhecida, em vista que dos medos mais instintivos e primitivos do homem é o medo do desconhecido, que pode se mutacionar em muitas formas, conceitos, ideias, tamanhos e cores dependendo de cada fase da vida. Se quando criança esse medo costuma se manifestar na figura imaginária de algum tipo de bruxa ou monstro ou criatura do gritos da floresta, rsrsrs, quando adulto seus contornos parecem mais abstratos ou amorfos, porém, aumentam exponencialmente de dimensão e gravidade. Belo conto com um ótimo desenvolvimento.

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