obra escrita por
YAGO TADEU
A
TIRO MORTO
E de subida eu desço
E na descida eu subo
O contrário é o mesmo
Pra quem não tem rumo.
A
Dérick não acreditava que havia perdido o controle. Aquela mulher realmente tinha o poder de aniquilar qualquer equilíbrio dele. Olhava para sua esposa sem ter outra alternativa, a não ser ouvir sua desesperada repreensão após praticamente agredir uma mulher.
— Eu vou ficar até o prazo do contrato se cumprir. – Priscila acalmou Lisbela a deixando no sofá – E você saia o mais rápido que puder dessa casa, antes que o marido dela possa saber que ela foi agredida por um homem. Por um covarde…
— Eu vou levar meu filho. – afirmou Dérick.
— Você quer ir com ele Ítalo?- Priscila olhou para o garoto e teve pena dos seus olhos em lágrimas.
— Quero. – respondeu com lágrimas presas á garganta.
— Nós vamos embora imediatamente. – Dérick decidiu se encaminhando para o quarto.
— Mãe, vamos com a gente?- perguntou Ítalo agarrando sua mão com carinho.
— Não dá filho, você vai ficar com seu pai mas daqui há uns quatro ou cinco dias finda-se o contrato e eu volto pra Zellwéger e nós dois retomaremos nossa vida. – a mãe prometeu e Ítalo aceitou com um aperto no peito.
— Você vai deixar mesmo a mamãe?- Ítalo entrou no quarto. O pai fechava o zíper da mala.
— O que eu posso fazer filho?- Dérick estava bastante entristecido – Você é a prova que eu fiz de tudo pra tirá-la daqui, mas deixe que ela se surpreenda sozinha.
Lisbela bebia o copo d’água com as mãos tremendo.
— Você está bem Lisbela?- indagou Priscila esperando pra pedir desculpas.
— Estou sim.- Lisbela respondeu tirando o chapéu de renda da cabeça.
— Tchau mãe.- Ítalo se despediu enquanto o pai passou veloz.
— Tchau Ítalo.- Priscila o abraçou e lamentou vê-lo partir mas queria evitar confrontar Dérick que parecia surtado. Assim que voltasse á Zellwéger pediria o divórcio.
O filho fechou a porta e Priscila voltou a tentar acalmar a patroa.
— Desculpe por tudo Lisbela.- Priscila sentia-se péssima.
— Não me venha pedir desculpas Priscila.- disse Lisbela. Andy e Anne seguiam ao lado da mãe – Você não tem porquê pedir desculpas, mais uma vez você não tem motivo pra isso.
Priscila a olhou sem palavras e Lisbela propôs um serviço.
— Precisamos limpar a laje.- disse a patroa. Priscila estranhou.
— Laje?
— Entre os telhados há uma laje em minha casa.- Lisbela sorriu buscando quebrar o clima – Não percebeu?
— Não. – respondeu tentando sorrir, ainda triste com a partida do filho e do marido.
— Logo vou pedir uma televisão emprestada na vila. – Lisbela parecia mais calma – Assim assistiremos o vídeo do seu aniversário numa fita cassete.
— É mesmo, eu queria tanto ver. – desejou Priscila.
— Fique tranquila, você verá. – a patroa deu um pretensioso sorriso.
…
— Como vai ser nossa vida após a separação pai?- Ítalo o surpreendeu com essa pergunta.
— Será difícil.- o pai engasgou – Será muito difícil, mas nós vamos nos acostumar e depois você verá que não será tão diferente, você continuará me vendo até todos os dias se quiser.
Ítalo ficou em silêncio pensando no futuro de seus pais após a separação.
— Nós vamos superar.- Dérick finalizou quando ambos ouviram um estranho barulho vindo do motor. Dérick esperou mais um pouco quando ao entrar na mata já longe da vila seu carro parou.
— Algum problema pai?- Ítalo notou.
— Tem algo de errado com esse carro.- Dérick desceu do veículo e abriu o capô. Logo a fumaça branca subiu e Dérick resmungou. Olhou entre as árvores e viu algo semelhante á uma loja – Ítalo, acho que ali é uma loja pra caçadores, eu vou num instante ver se eles podem me ajudar com o carro.- Ítalo concordou e Dérick tirou a chave desligando o veículo.
O caçador de chapéu e bigode estranhou a presença dele ali. Dérick reparou nos revólveres em cima da mesa. Uma bancada de vidro e um rádio no fundo tocando um sertanejo desconhecido. Dérick se aproximava da bancada.
— O que está fazendo por aqui?- indagou com olhar desconfiado – É um caçador?
— Não. Estava saindo de SweetVillage ali atrás quando meu motor deu problema. Você pode me ajudar?
— Você é turista? O que fazia em SweetVillage?- o caçador parecia muito intrigado.
— Não, minha esposa começou a trabalhar pra uma mulher chamada Lisbela.
— Como?- o caçador questionou espantado.
Dérick não entendia seu espanto quando o celular no seu bolso tocou.
— Finalmente tem sinal.- Dérick tirou o celular do bolso e o atendeu indo pra fora da loja.
O caçador sentou na cadeira atrás da bancada. Parecia um pouco assustado com as coisas que acabava de ouvir.
— Alô.- Dérick ouviu a voz do amigo – Dionísio?
— Sou eu Dérick.- Dionísio disse do outro lado – Como vai?
— Estou indo embora com Ítalo e deixando minha mulher.- Dérick contou.
— Está indo embora?- Dionísio perguntou – Estou chegando agora á SweetVillage.
Dérick ouviu isso e a ligação começou a falhar e logo caiu.
— Dionísio?- indagou se virando para a estrada quando levou um susto – Ítalo.- assustou-se ao ver a porta do veículo aberta e ausência do filho dentro do carro – Ítalo!- aproximou-se do carro guardando o celular no bolso da calça. Ítalo não estava ao redor e muito menos dentro do veículo. Dérick pensou logo o pior. Voltou correndo á loja do caçador.
— Você precisa ir comigo, levaram meu filho.- disse ao caçador.
— O que?- assustou-se ainda mais – Seu filho?
— Venha comigo, ele está correndo perigo, eu sei que os moradores daquela vila são perigosos.
O caçador o olhava ainda mais abismado negando que iria com ele.
— Eu não vou entrar em SweetVillage.- disse o caçador.
— Meu filho está lá.- Dérick pegou um dos revólveres em cima do balcão, parecia descontrolado.
— Largue essa arma!O que está fazendo?- o caçador tentou impedir.
— Eu vou salvar meu filho.- em um ato de fúria Dérick saiu correndo com o revólver e entrou na mata.
…
O velho o arrastou até a casa de senhorita Emily. Ítalo não conseguia mais gritar. Stephen apertava seu braço com suas grandes mãos.
— Me solta!- berrou quando Stephen abriu a grade e o jogou junto dos outros urubus.
O velho sorriu coberto de horror. Fez um sinal de silêncio e saiu da casa. O garoto se encolheu enquanto os grandes urubus negros o rodeavam.
— Pai!- gritou sendo cercado pelos pássaros.
Dérick chegou á vila com o revólver em mãos. Sentia-se cercado e amedrontado imaginando que o filho sentia o mesmo onde estivesse naquele momento.
— Onde está meu filho?- disse para alguns moradores o olhavam com neutralidade – Ítalo!- ele fechou os olhos e colocou as duas mãos no rosto. Sentia-se no limite- O que vão fazer com meu filho? O que vocês vão fazer com meu filho?!- gritou desesperado.
Dérick tirou as mãos do rosto e abriu os olhos quando o terror tomou conta dele. Estava cercado pelos moradores, por todos os moradores. Stephen o encarava e Sidney sorria. Os gêmeos Gean e Sizu filhos de Maysa se aproximavam. Todos se aproximavam agora.
— Para trás!- Dérick mirou o revólver – Eu vou atirar.
Sidney chegou mais perto debaixo da ventania, vestido sempre com um terno marrom. Colocou as duas mãos no bolso e sorriu para Dérick.
— Se afaste de mim.- as mãos tremiam ao apontar o revólver – Afaste-se!
— Você vai atirar?- Sidney deu um sorriso de canto – Todo mundo para trás, porque ele vai atirar.- as gargalhadas histéricas e estridentes deixaram Dérick ainda mais atordoado.
Dérick se enfureceu com o jornaleiro. Os dedos escorregaram no gatilho. O cano tremeu e disparou. A bala como um foguete cortou a ventania e seu estrondo ecoou na vila. A bala explodiu no peito de Sidney e ele se chacoalhou. Dérick abaixou a arma e observou arregalado.
— Foi bem no coração.- Sidney bateu no próprio peito enquanto a ferida cicatrizava iluminada – Foi bem certeiro, ótimo tiro.- Sidney bateu cinco palmas – Sorte minha que eu estou morto.
O revólver caiu da mão de Dérick. Seus olhos castanhos desacreditados. Não compreendia e não queria ter que compreender o que se passava em SweetVillage. A ventania o empurrava, os risos o sufocavam e mais uma vez ele apagou. Como um cadáver sobre a terra ele desabou.
…
— Depois eu faço questão de limpar a laje.- Priscila sorriu enchendo um terço da xícara com café.
— Não se preocupe mocinha foi uma brincadeira.- Lisbela trouxe os pães e o leite para a mesa – Não sei como você se acostumou a tomar café á noite, no lugar do jantar.- Lisbela colocou mais três xícaras na mesa.
— É, não era um costume meu mas acho que me adaptei bem.- Priscila continuava pensativa. Lisbela tomou dois goles do café de sua xícara jogando o resto na pia.
— Vai sair Lisbela?- Priscila abriu um pão.
— Vou á um velório.- disse naturalmente.
— Velório? Velório de quem?- Priscila se intrigou.
— Um homem de meia-idade não muito velho, desmaiou e morreu o coitado, não se sabe a causa exata da morte.- Lisbela foi até o grande espelho atrás do sofá – Mas ninguém gostava muito dele, era meio arrogante e antipático.
Priscila ouviu em silêncio quando Lisbela tirou a blusa de lã marrom mostrando a blusa preta por baixo que combinava com a saia da mesma cor.
— É triste alguém morrer assim tão de repente.- Priscila comia pequenos pedaços de pão.
— É. Nós não gostávamos dele mas a morte é sempre algo muito triste. – Lisbela se encarava no espelho com naturalidade – É angustiante, mas temos que se despedir dos mortos.
— Quer que eu vá com você? – Priscila terminou de tomar o café.
— Não, você ficará com os meus filhos.- Lisbela empurrou sua cadeira – Vou chamar Andy e Anne pra tomar café,gostaria que lavasse as louças e depois o dia é seu.
— Eu agradeço Lisbela.- Priscila estava sem muita vontade de conversar com ela.
Lisbela foi para o quarto chamar os filhos. Priscila colocou a mão na testa, começava a sentir falta de casa. Iniciava-se uma sensação de perda e solidão dentro dela. Apenas mais cincos dias. Só cinco dias.
…
O frio dominava as estradas á caminho de Streeper City e Montenegro. Dionísio não virou nem á esquerda e nem á direita. Seu destino era reto, seu destino era SweetVillage. Tentou ligar novamente á Dérick mas algo estava errado com aquele celular. Dionísio colocou o celular no bolso da calça jeans e sua expressão se tornou preocupada. Dérick não dava notícias, não ligara á sua mãe desde o dia da viagem. Há algo de errado e isso é fato.
Dionísio não viu placas ao chegar, porque não havia. Freou quando viu o grande lago á sua frente.
— Que diabos é isso? Um lago?- se surpreendeu Dionísio. Ele abriu a porta do carro.
Chegou mais perto e viu o barqueiro com um imenso remo em um grande barco.
— Sim, é um lago. Deixe seu carro no estacionamento e através desse lago chegaremos á vila. – Senhor Edgar o convenceu.
Dionísio perguntou por Dérick, mas aquele homem pálido nada sabia ou nada fingia saber. Atravessaram o lago em silêncio e Dionísio avistou a casa do topo da subida. Viu a caminhada de pessoas em volta da casa e se perguntou o que significava. Dérick, onde está você? Dionísio fechou o zíper da jaqueta jeans. Fazia um frio maior em SweetVillage. Ele viu duas senhoras conversando enquanto outros davam a volta na casa como uma procissão.
— Senhora, você pode me dizer se sabe onde está Dérick Rafael?- perguntou á senhora ruiva e sardenta vestida com um antigo vestido preto. A outra parecia incomodada com a intromissão.
— O senhor já deveria saber disso.- a senhora respondeu rude – Siga os outros e logo encontrará.
Dionísio não a agradeceu e foi no embalo dos outros dando a volta na casa. Pouco observou a casa, somente queria saber onde essa volta iria resultar. As senhoras e os senhores cantavam músicas estranhas. Cantavam sussurrando como uma procissão sombria.
Dionísio olhou para o grande portão aberto e entrou dando de cara com um muro branco. Os seguiu dando a volta no muro. A surpresa que teve empalideceu seus lábios. Um cemitério, isso é um cemitério. Dionísio molhou os lábios e foi até um senhor alto de pernas compridas próximo de uma roda de pessoas.
— Senhor, você pode me dizer onde está Dérick Rafael?- perguntou. O senhor inexpressivo apontou para a outra roda de pessoas. Dionísio foi até lá e os senhores deram espaço para ele. O primeiro senhor olhou como se desse passagem. Ele fugiu dos olhares estranhos e se deparou com o caixão negro á sua frente. Sua curiosidade o fez se aproximar e o mundo á sua volta pareceu parar. Era Dérick, Dérick estava no caixão. Dérick? Dérick? Dérick é você? Dérick é você! Seus olhos tornaram-se vidros trincados. A mente parou. Os lábios perguntavam alto. A expressão absurdamente chocada quando seu rosto se envidraçou.
Ótima história, estou acompanhando.
Ótima história, estou acompanhando.