obra escrita por
YAGO TADEU
A
O MAIOR CULPADO
Rola e enrola essa fita…
Rebobina meu passado
Passa um filme no futuro
Preto e branco iluminado.
A
— Posso saber o que está acontecendo aqui?!- Maristela estava inconformada com os xingamentos diferidos pela filha. Priscila apoiou as duas mãos no chão, se ergueu virando-se para o sofá e correu até a porta. A abriu e saiu da casa antes que o teto desabasse sobre sua cabeça.
— Fiquem aqui! Fiquem calmos!- Dérick gesticulou com as mãos antes de sair. Ele abriu a porta e Priscila já corria para trilha de terra. Dérick passou pelos arbustos e pelo tronco se achegando ao início da trilha.
— Priscila!- ele gritou com o coração saltando e ela cessou quando as lágrimas doíam como queimaduras – Seja o que estiver acontecendo entre você e Érika, me ouça. Eu tive um sonho e nele me foi me revelado a solução para os nossos problemas, a salvação pra nossa vida. Não os confronte, contorne a situação como vem fazendo, eu volto com armas… para nos salvarmos.- Priscila ouviu isso e correu em direção ao parque em seguida.
Espero que eu esteja certo Priscila. Essa maldita tem o poder de enlouquecer todos nós. Ela brinca como se fossemos uma caça, como se fossemos brinquedos e vivos somos muito mais divertidos do que mortos.
Dérick estava certo, e estava certo ainda de que sua idéia levaria á salvação. Chegou á vila. Em mãos um grande galho, o isqueiro guardado no bolso seria uma chave a ser usada na hora exata. Os moradores com olhares atravessados o encaravam com seus típicos modos, o perigo o rodeava como sempre. Dérick caminhou vagarosamente entre eles, até passar todas as casas. Adentrava na mata em busca de ultrapassar a área que delimitava SweetVillage. Ouviu um ruído como o riscar de uma faca na janela da última casa que passara, e virou-se para trás notando que a porta fechava sozinha. Dérick voltou á olhar pra frente, quase soltou o galho em sobressalto. Muitos moradores surgiram á sua frente. Paralisados como esculturas aguardavam a reação dele. Dérick agarrou o galho e como uma arma o empunhou. Sidney Jornaleiro soltou uma risada de escada. Velho Stephen fez um sinal pra que deixasse ele cuidar do vivo.
— Para trás!- Dérick arriscou o ameaçar quando Velho Stephen se jogou em cima dele como um vulto negro. Dérick sacou o isqueiro incendiando o galho no mesmo momento. Velho Stephen arregalou os olhos escuros, afastou-se agonizando e pôs a mão na frente do rosto. É real! Eles podem sentir o fogo. Com fogo eles morreram,e o fogo pode guiá-los ao inferno. Seus lábios ressecados deram um sorriso de alívio e Dérick seguiu afastando um a um de seu caminho – Para trás! Para trás!- dizia de instante em instante. Revoltados soltavam faíscas pelos olhos, reféns da própria causa de suas mortes.
O caçador abaixou para desligar o rádio na cômoda. Seus dedos cansados tocaram a tecla Off e ele levantou espreguiçando-se em seguida. Era o sagrado horário de almoço, hora para fechar um pouco. O caçador notou seu antigo espelho no balcão e o pegou com lentidão. Seus dedos e seus velhos tremeliques. Suas rugas eram fortes por todo o rosto. Que dentes horríveis! Inclinou o espelho e quase deu um grito ao ver o reflexo do homem logo atrás. Deixou o espelho cair e o vidro rachou.
— Desculpe, sou eu Hoffmann. – Dérick retornou á loja do caçador.
— Porque voltou aqui? Conseguiu salvar sua família?- Hoffmann temeu o pior.
— Minha mãe, minha irmã e meu cunhado chegaram ao lugar e minha mulher continua lá. Mas…eu descobri o que eles temem… eles temem fogo. Fogo é a arma a se usar contra eles.
— Tem certeza?- Hoffmann duvidava daquela teoria.
— Eu preciso de muito fogo e você pode me ajudar.- Dérick fez um pedido.
— Toras são o que não falta, mas não conte comigo. Prometi que não voltaria mais lá.- Hoffman puxou as mangas da camisa xadrez e pediu que Dérick o acompanhasse.
Foram até o quintal da loja, nos confins da casa do caçador. Dérick olhou para a caminhonete vermelha e imunda do caçador, ele teve uma idéia. Hoffmann o olhou recebendo o pedido no olhar.
— Quer a caminhonete?
— Seria a melhor coisa, já que vim á pé e os pneus dos dois automóveis estão furados.
— Você vai salvar sua família e mandar esses espíritos para o inferno?
— Vou.- Dérick engoliu seco ao afirmar isso. Ouviu o som de um automóvel na estrada ao lado das árvores. Dérick foi até as árvores para enxergar a pista enquanto o caçador juntava as toras em cima da caminhonete. Uma família está provavelmente passeando pelas trilhas e mal sabem que estão rodeando a maldita SweetVillage – Será que algumas pessoas de uma família são capazes de ver os espíritos e outras não?- Dérick perguntou quando o carro cinza se afastava.
— Não sei ao certo, mas há uma grande chance de alguns os verem e outros não, talvez quando eles querem aparecer pra alguém a pessoa os verá de qualquer maneira. – Hoffman opinou.
Dérick não esperava que Hoffmann daria as chaves da caminhonete. Mas, se surpreendeu.
— Não sei como agradecer. – Dérick o olhava com gratidão. Hoffmann ameaçou dar um sorriso e esticar as fortes rugas. Dérick bateu em seu braço.
— Você precisa salvar sua família. – seus olhos brilharam de emoção – Dê á eles o que eles merecem. Apesar de que eu não acredito que o fogo os amedrontará na morte.
— Eu vou tentar dar exatamente o que eles merecem.- Dérick estava determinado e com ira no olhar – Vou dar uma passagem sem volta á eles, para o quinto dos infernos.- Dérick apertou a chave do automóvel.
…
— Insignificante, você sempre foi insignificante para mim.- a briga se estendeu até o corredor.
— Você está dizendo isso porque está alterada.- Ted rebateu próximo dela – Sabe que eu não sou insignificante pra você.- Lisbela se levantou da mesa já de volta á cozinha.
— Diga a eles que parem agora.- Lisbela mandou Maristela falar – Eu vou pedir pela última vez, ordenem que parem imediateamente.
— Eu peço desculpas, nós já vamos embora da sua casa.- Maristela levantou do sofá pela terceira vez e foi até o corredor novamente – Chega! Acabou!- Maristela fez gestos os silenciando por alguns segundos – Seja quem for essa mulher ela está na casa dela, isso é ridículo. Érika, vamos embora agora.
— Como vocês vão embora? Os pneus estão furados.- Ted lembrou-se naquele instante da estranheza do que Dérick lhe aconselhara.
— Nós vamos embora nem que seja á pé.- Maristela gesticulou alterada – E você não vai conosco seu cretino, e nem que Dérick volte ás mil maravilhas com Priscila, não quero nunca mais aquela canalha na vida do meu filho.- Maristela falou e Ted lançou um olhar de nojo.
— Nunca! Nunca gostei mesmo de você.- Ted fez um gesto com as mãos – Nem um pouquinho assim. Você sempre foi um peso na nossa relação.
— Sim… Sim…- Maristela disse quando a filha agarrou a mão de sua mãe – Deixe Érika! Eu fui o peso que te tirou do fundo da miséria e te deu um teto pra te proteger da chuva, fui o peso que coloquei o feijão no seu prato que mal tinha arroz, fui o peso que te uniu á Érika por pena e por dó.- Ted puxou o braço de Maristela próximos da entrada e Érika berrou.
— Solta minha mãe! Solta!- Érika não deixaria que ele encostasse em sua mãe.
— Quer dizer que há tempos que vem batendo na minha filha? Diga covarde!- Maristela encarou Ted que bufava de ódio – Eu quero que você encoste o dedo em mim e não vai ter dinheiro nem pra pagar a própria cova.
Ted soltou seu braço. Érika olhou mais tranquila. Quando Maristela ameaçou sair andando, Ted deu um empurrão que a arremessou para dentro do quarto.
— Mãe?!- Érika olhou para a mãe caída próxima da cama. Partiu no mesmo instante pra cima de Ted.
— Cretino! Cretino! Cretino!- Érika lançou vários tapas sobre o rosto e a cabeça do marido.
Ted a segurou pelos braços e a jogou dentro do quarto junto da mãe.
— Sabe que fiquei apenas uma semana com Priscila, mas foi bom demais.- Ted as provocava dentro do quarto em deboche. Érika já levantava a mãe que parecia sentir dores – Ficaria a vida inteira do lado dela. Você foi cinco anos da minha vida jogados no lixo! Eu e Priscila fomos muito mais felizes juntos em uma semana do que eu fui todos esse anos com você. Perca de tempo, você foi uma perca de tempo.- Érika acalmava Maristela que parecia desorientada – Maristela sempre arrogante em cima do seu salto, só porque trabalho como carteiro.
— Chega!- Érika mandou que parasse. A pressão de sua mãe parecia ter baixado. O rosto de Ted estava vermelho.
— Acabou! Acabou. Acabou o otário, acabou o Tedysson, acabou o Ted. Agora posso ser eu novamente a hora que eu bem quiser, fui muito humilhado por vocês duas. Por essa cobra e por essa corna! Eu tenho que parabenizar vocês por ser tão fúteis e desprezíveis.- Ted bateu palmas descontrolado – Parabéns! Parabéns! Parabéns!- A porta se fechou sozinha batendo com uma forte pancada. A janela fechou e as duas olharam assustadas para ela – Ei! Abra! Lisbela, abra! Abra!- Ted chacoalhava a maçaneta sem obter resposta. Ted olhou com estranhamento para a porta. Correu até a janela.
— Minha mãe está passando mal.- Érika disse quando a mãe parecia sem fôlego.
— Que morra, não é problema meu. – Ted tentou abrir a janela mas parecia emperrada – Abre droga!
Ted tentou mais uma vez abrir. Maristela começava a se recuperar quando os três ouviram um som vindo da sala. Era uma antiga música que tocava no rádio.
— Ela está ouvindo música.- Érika comentou sem entender. Maristela olhou angustiada para a porta quando ouviram a voz de Lisbela entoando a música francesa.
— Essa mulher é louca? Eu quero sair! Lisbela, abre essa porta!- Ted estava fora de si – Vou quebrar essa janela.- Ted ameaçou espatifar o vidro da janela com as próprias mãos. Armou a mão para golpeá-la quando a porta do quarto finalmente abriu e lentamente até bater na parede. Ted foi até ela enquanto Érika acalmava Maristela.
— Minha mãe está passando mal. – Érika chorava – Por favor, me ajude.
— Cale-se!- Ted foi até a mochila ao lado da cama e pegou um mini revólver. Os loucos dessa cidade não são confiáveis. Ted carregava aquele mini revólver consigo desde os dezessete.
— Estou melhorando. – Maristela disse ainda com a expressão pálida – Só me ajude a levantar e vamos embora daqui.
Sangue. Era isso que estava espalhado por todo o corredor. Sangue de uma carne qualquer de animal, sangue até o teto. Marcas de mão de crianças com sangue nas paredes. Ted deu dois passos para frente assombrado. Um cheiro forte de sangue e sua mão tremia como se aquele forte cheiro tivesse causando tontura nele. Os cabelos ondulados e levemente cacheados caíam sobre a testa. Viu á frente da porta a cadeira de balanço mexendo e a música do rádio diminuindo.
— Lisbela? Lisbela?- o sapato grudava no sangue. Ted se aproximava do fim do corredor olhando para a cadeira que balançava de costas. A música parou. As duas crianças correram saindo da cozinha e indo até o corredor. Ted as encarou assustado.
— Olha você tem um revólver. – o garoto sujo de sangue sorriu – Você quer brincar com a gente?
— Não. – Ted respondeu apenas isso os fitando com os olhos vidrados.
— Brinca com a gente. – Anne segurou sua mão o sujando de sangue e Ted se soltou dela. Com horror nos olhos Ted temia seus sorrisos sombrios.
— Crianças vão para o quarto. – a voz firme mandou. Vinha da cadeira de balanço.
Andy e Anne passaram por Ted e saíram gargalhando até seu quarto. O que está acontecendo aqui? Eles são… Canibais?
— Perdoe meus filhos, Tedysson. Eles adoram brincar com sangue.- a voz suave disse – Eu digo a eles, não brinquem com sangue, não brinquem com sangue mas eles não me ouvem.- Ted deu mais um passo e a cadeira continuava a balançar – Você é carteiro não é mesmo, Tedysson? Tedysson… – a voz deu uma aguda gargalhada histérica e sarcástica – Você é sempre o coitado… Sempre o humilhado, você nunca fez nada á ninguém. Você só tentou matar seu pai com essa arma que aponta agora. – a gargalhada aguda se distorceu estremecendo a sala. Desgraçada! Como ela sabe disso? Como ela sabe que estou com uma arma?
— O que você está falando?!- Ted correu até a cadeira de balanço a virando de uma vez. Não havia ninguém, a não ser uma espingarda. Posta horizontalmente na cadeira de balanço. Ted abaixou a arma olhando fixamente para a cadeira quando sentiu um toque subir da parte de baixo de suas costas até o pescoço. Ted sentiu um arrepio quando o vapor da fala de Lisbela eriçou seu ouvido esquerdo.
— É tão fácil saber tudo sobre você Ted.- o sussurro esquentou seus ouvidos – Você é um falso coitado!- Ted sentiu seu coração disparar e as pestanas batiam como asas de beija-flor. Ted sentiu o calor intenso nas suas costas. Ameaçou correr até a porta e escorregou no tapete caindo sobre a cadeira de balanço e a levando junto ao chão. Não havia torcido o pé ou qualquer outra coisa. Deitado ao chão percebeu que o mini revólver já não estava mais em suas mãos e muito menos próximo dele. Olhou para o lado e esticou a mão pegando quase no centro do tapete a espingarda.
Cadê você infeliz? Ted pensou se levantando com a espingarda em mãos.
— Estou aqui Tedysson. – Ted olhou para frente. A mulher mirava o pequeno revólver para ele. A camponesa tinha olhos de caçador.
— O que você está querendo? Eu não fiz nada á você.- Ted apontou a espingarda para o inimigo.
— Você fez á minha mulher, você fez á Priscila. – as duas surgiram atrás de Lisbela.
— Abaixem essas armas! Vocês estão loucos?!- Érika gritou sem compreender. Maristela empurrava a filha para trás no corredor – Vamos voltar ao quarto mãe.
— Não, eu preciso ir embora. – sua voz estava mole – Eu preciso sair desse lugar. – Maristela teimou.
— Mãe! Volte!- Maristela se soltou da filha na metade do corredor.
— Você vai morrer agora Ted.- os dedos de Lisbela deslizaram no gatilho.
Ela vai atirar em mim. Ela vai tentar me matar. Os dedos de Ted deslizaram antes dos dela e ele apertou o gatilho da espingarda. O tiro rajou no alvo e abriu um buraco atravessando o corpo como uma névoa. A bala passou pela fumaça e acertou Maristela entre o peito e a barriga a arremessando no chão.
— Não!- Érika gritou quando o sangue da mãe juntava-se aos outros. Maristela cuspia sangue e Érika a pôs em seu colo. Lisbela caminhou naturalmente até a cozinha. Ted estava em choque. Pasmo.
— Fuja, fuja Érika.- a mãe se despediu da filha no olhar.
— Mãe…não! Você não pode me deixar.- algumas mechas loiras de Érika estavam manchadas de sangue.
— Eu já vou descongelar o feijão e fazer um arroz. – Lisbela pegou as panelas – Onze horas, meu Deus como está tarde. – ela olhou no relógio em cima da geladeira – Vou fazer um almoço bem rápido. Vocês estão com fome?- Lisbela olhou para Ted cortando o alho em uma tábua. Ted abriu a porta e saiu da casa enquanto escutava o choro de fundo – Volte logo para almoçar.- Agora Lisbela estava serena. Cozinhava com tranqulidade.
— Fuja… – Maristela disse isso e fechou os olhos. Érika sentiu que perderia a mãe.
— Mãe… Mãe! Eu vou te levar.- as lágrimas pingavam no blazer ensanguentado da mãe – Eu vou te levar comigo.
— Eu não vou aguentar, fuja pra se salvar. Fuja agora mesmo.- Maristela deu a última ordem para a filha.
Érika se levantou deixando a mãe estirada no chão. Estava toda suja de sangue. Limpou-se na própria roupa também suja e correu até a porta.
— O almoço estará pronto em meia hora.- Lisbela avisou colocando a panela no fogo. Érika abriu a porta com as mãos tremendo e fugiu – Que mania comer fora de hora… Turistas.- Lisbela reclamou com um desprezo no rosto.
…
Ela entrou na igreja após rodar a mata atrás de Senhor Edgar. Haviam três pessoas na igreja. O barqueiro, Florinda e uma senhora de costas coberta com um manto roxo. Era a hora da grande verdade.
— Priscila! – Senhor Edgar disse como se estivesse assustado.
— Preciso falar com você. – ela se aproximou receosa deles. Florinda olhou de modo estranho, temendo sua reação.
— Essa senhora quer falar com você.- Florinda fez mistério quanto á senhora de costas. A senhora tirou o capuz e exibiu os cabelos negros e até o ombro. Tinha uma estatura mediana como Priscila.
— O que você quer senhora?- Priscila perguntou recém saída de um grande conflito. Que surpresas mais poderia ter? Esboçou choque no olhar.
— Eu quero que você me perdoe.- a mulher se virou para ela e um relâmpago passou nos olhos de Priscila.
— Você…- seus batimentos diminuíram. Sentiu uma esquisita sensação ao relembrar do rosto daquela mulher nas fotos – Você… é minha mãe!– Priscila balançou a cabeça sentindo uma aguda pontada no peito.
— Sim, essa foto sua, eu trouxe para cá.- ela havia encontrado a foto que Priscila achara no celeiro e perdera no caminho á casa – Fui eu que deixei você pra minha mãe cuidar, fui que fui abandonada por um homem que não quis te assumir, fui eu que larguei você com sua vó para vir atrás de serviço e dinheiro, fui eu que não te dei seu devido valor.- incredúla Priscila deu dois passos para trás – Fui eu que morri e fiquei presa nesse lugar. Eu era, eu fui e sou Helenita, sou… sua mãe.- Helenita a olhou com amor. A olhou arrependida. O remorso pelo abandono e desprezo á filha consumia sua alma.
Senhor Edgar esperava a pior das reações dela e isso aconteceu. Florinda observava Helenita se aproximar.
— Me dê um abraço.- Helenita abriu os braços – Eu nunca te esqueci, nem na morte.- a mãe pedia apenas um abraço. Um sonho.
— Porque não se revelou antes pra mim?!- Priscila recuou desorientada.
— Se Lisbela soubesse, ela poderia querer te matar porque me odeia.
— Você me poderia me salvar, você não é real.- Priscila colocou as duas mãos na cabeça completamente confusa – Você me largou como sempre.- Priscila esboçava ressentimentos – Minha vó dizia que você era uma péssima mãe.- mágoas do passado ressurgiram no presente.
— Eu cometi erros, cometi mais um erro quando aceitei o emprego desse maldito espírito de Lisbela.- Helenita gesticulava quase a abraçando á força.
— Não me toque! Eu não quero o seu abraço.- Senhor Edgar acompanhava com os olhos aflitos.- Priscila recusava o repentino amor de sua mãe.
— Por favor, eu sou sua mãe!- Helenita tentou segurar sua mão e ela se soltou.
— Você esteve ao meu lado? Esteve? Todo mundo dizia que você nem ligava pra mim. Porque quer me abraçar? Você quer me matar?
— Não! Não sou como esses espíritos pertubados.- Helenita rebateu. Priscila saiu correndo pelo tapete. Deu as costas para a mãe. Deu as costas para o passado.
— Não me procurem! Nenhum de vocês!- Priscila limpou as lágrimas na saída da igreja.
— Você precisa ouvi-la Priscila!- Senhor Edgar ameaçou ir atrás dela.
— Muito menos você Edgar, não ouse vim atrás de mim.- Priscila deixou a igreja. Aquele local foi palco de um doloroso reencontro.
Os aflitos olhos amarelos tornaram-se cabisbaixos. Helenita se jogou ajoelhando-se no tapete. Florinda a consolou.
— Se ela me perdoasse eu sairia de SweetVillage em paz, por mais que fosse levada ás trevas.- Helenita foi abraçada por Florinda que nem teve a chance de rever seu filho. Florinda lembrou-se de Elói, que saudade tinha dele.
— Tudo vai se resolver Helenita, tudo vai se resolver.- Florinda prometeu enquanto Helenita, chorava arrasada.
…
Sentou mesmo na terra. Encostou no tronco da árvore molhada, tanto faz se molhava ou se deixava imundo o ridículo uniforme quadriculado azul. Maldita era a vida. As lágrimas de Priscila molharam mais o uniforme do que a própria chuva, debaixo da árvore de galhos pontudos. Tudo já se foi. Mãe? Eu sou orfã e nunca tive mãe. Encolheu-se encostada no tronco quando uma forte chuva se iniciou. Vou morrer e ficar com Edgar, talvez ele me ame mesmo. Eu acho que o amo e só acho porque sou viva, se fosse morta talvez teria a certeza. Vou morrer de qualquer maneira. Priscila colocou as duas mãos sobre a terra e levantou. Vou contar á Edgar minha decisão. Ela decidiu assim.
Chegou até a cabana. Olhou pela janela e não havia ninguém. O aguardaria ali. Fechou a porta e se deparou com a árvore Tijuana, era mesmo horrenda. Priscila olhou para o teto e admirou as garrafas numeradas presas no telhado. O centésimo poema, ele disse que faria o meu poema. O meu deve ser o centésimo. Priscila pegou o cabo preto de guarda-chuva ao lado da árvore. O cabo que ele usava para tirar as garrafas que o anzol prendia no telhado,era a ferramenta dele. Ela estendeu o cabo para fisgar a garrafa número cem. Ela balançou e balançou mais não caía. Um forte estrondo se fez pela chuva, agora tempestade. Priscila se abaixou largando o cabo que ainda batera com força na centésima garrafa. Parte do telhado caiu no chão desmontando o acervo de poemas. Priscila se encolheu quando as garrafas espatifaram-se uma a uma no chão. Trovões caíram em mil pedaços no chão, dentro da cabana. Nenhuma garrafa acertara ela, mas todas estavam estilhaçadas. Priscila olhou os manuscritos e os números se misturavam. Pegou um deles, pegou um outro, pegou um terceiro. Congelou-se todo seu corpo. Eram como páginas de um diário, que revelavam a grande verdade. Vários manuscritos diziam o que ela nunca ousou pensar. Descobriu quem era Senhor Edgar.
— Edgar…- o choque emocional dominou o corpo inteiro de Priscila – Não!- ela gritou com os manuscritos tremendo em mãos – Não pode ser. Não pode ser! Não pode ser! Não pode ser! Não!- ela se recusava a acreditar naquilo. Seu grito era um lamento aos céus.
[…]
Eu descobri que atropelei o filho dela antes de me acidentar próximo de SweetVillage. Descobri quando ela deixou o colar cair com a foto abre e fecha. Era o menino da foto que eu atropelei e estava tão alucinado que não o ajudei, eu matei aquele menino que corria na rua. Como vou contar isso pra ela? Eu matei o filho dela! Eu acidentalmente matei Mateus!
— Não!- ela gritou e o mundo congelava ao seu redor. Ele era o verdadeiro culpado pela morte de seu filho. O homem que ela achava estar apaixonado. Justamente ele.
Se ajoelhou no chão chorando sobre os manuscritos. Agora sua vida estava acabada. Seus cabelos jogaram-se sobre o rosto e ela chorou escandalosamente com toda a dor que sentia, com todo o ardor da ferida por ter se apaixonado pelo responsável pela morte do próprio filho. Lançou tapas sobre o próprio rosto, enquanto ajoelhada desgrenhava furiosa os próprios cabelos. Desesperada desabou, quando seu rosto se envidraçou.