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A Maldição de Villeneuve

Temporada 01

Capítulo VIII – Fique quieto

Damien

Eu não fazia ideia de quanto tempo havia passado. Imagens, flashes desconexos passavam pela minha mente. Vozes. Vultos de pessoas ao meu lado falando entre si. Alguém cuidando de mim. Não sabia se o que acontecia era real ou fruto de delírios. Só sabia que me sentia mal. Com frio e com dor.

Porém, depois de um tempo as sensações se abrandaram. A dor diminuiu até se tornar apenas um incômodo e o frio passou. Inconscientemente percebi que não estava mais em uma cela. Eu estava em algum lugar aquecido, confortável. Ainda não conseguia entender as vozes, mas sentia que estava seguro… ao menos por enquanto.

Lutei contra as pálpebras pesadas e enfim consegui abrir os olhos. Eu estava em um quarto limpo e organizado, coberto com mantas pesadas e deitado sobre uma cama macia. Fogo crepitava na lareira. Onde eu estava? O que acontecera? Eu só me lembrava vagamente de ser salvo daquelas masmorras e de subir muitos e muitos lances de escada antes de apagar. Pensei que pudesse ter morrido, mas sabia que não tinha tanta sorte.

— Ah, finalmente acordou! — alguém falou ao meu lado. — Como se sente?

Olhei na direção e estremeci ao ver o candelabro vivo. Como eu queria que aquilo tudo tivesse sido apenas um pesadelo.

— Melhor… — respondi com a voz rouca e pigarreei. O gesto fez meu pescoço doer, mas não com a mesma intensidade que sentia antes.

 Ergui a mão e toquei onde estava machucado. Havia bandagens sobre minha pele, alguém tratara de meus ferimentos. Mas quem? Eu duvidava que tivesse sido aqueles dois, eles não tinham mãos hábeis para fazer algo assim.

— A febre passou e ele acordou… Uma recuperação muito boa, logo estará saudável de novo — outra voz chamou minha atenção. Arregalei os olhos ao ver que fora uma maleta quem falara.

— Mas o que…?

— Esse é o doutor Vasile. Ele quem indicou como o mestre deveria tratá-lo — Lumière explicou.

—… Mestre? — demorei um tempo até raciocinar. — Aquele monstro?!

— Sim — o candelabro concordou com a cabeça. — Nenhum de nós tinha condições de cuidar do senhor apropriadamente… E já que foi o mestre quem o feriu, era dever dele fazê-lo.

— Devemos avisá-lo que o rapaz acordou — o médico lembrou.

— Ah, sim, é verdade. Farei isso — Lumière concordou e fez menção de saltar do móvel ao meu lado.

Estiquei-me com um impulso e agarrei um de seus bracinhos. Eu estava em pânico. Depois do que ele fizera, a ideia de ver aquele monstro me aterrorizava.

— Não, por favor, não diga nada a ele!

O candelabro me olhou compreensivo, mas tirou seu bracinho de minha mão.

— Cedo ou tarde o mestre irá descobrir.

— Mas não ainda… não agora… por favor… — supliquei.

— Sinto muito… Devemos obedecer as ordens… E eu já desobedeci demais — Lumière murmurou e saltou para o chão, depois saltitou até sair pela porta.

Ofeguei. Não, aquela coisa viria atrás de mim assim que soubesse que eu acordara! Sem pensar muito no que estava fazendo, levantei rápido e vi o mundo girar. Apoiei-me na cômoda para não cair e ouvi a maleta ralhando:

— Não pode se levantar! Tem que ficar de repouso, menino! Volte já para a cama!

Eu não podia, estava aterrorizado, todos os meus instintos me mandavam fugir. Assim, agarrei a coberta e me enrolei nela enquanto saía cambaleante do quarto.

Fera

Cuidar de alguém era… irritante. Sempre alguém vinha perturbar o meu sossego e me chamar para eu fazer isso ou aquilo para o fedelho. Eu não queria fazer nada, só queria ficar quieto no meu quarto enquanto lamentava o quão desafortunado eu era por ter perdido minha possível única chance de me libertar. Mas não adiantava eu grunhir, rugir ou reclamar, Lumière e Horloge insistiam que eu devia aquilo ao menino.

Eu não devia nada. Nunca deveria nada a um estúpido plebeu, um camponês morto de fome que surgira em meus domínios apenas para atrapalhar a minha vida. Droga de fedelho. Se ao menos tivesse ficado quieto com todo o ouro que mandei… Como alguém podia resistir a uma boa quantia e uma ameaça? Será que ele amava tanto assim suas irmãs? Eu não conseguia acreditar naquilo, não tinha tanta fé assim na humanidade…

Pessoas eram cruéis, leais apenas a si próprias, capazes de fazer as piores coisas em nome de seus próprios interesses, até de passar por cima de sua própria família, daqueles que amavam…

… Eu sabia muito bem daquilo.

Não queria ouvir aquelas cobranças. Principalmente quando tocavam no nome dela. Olhei para o quadro destruído na parede. Nem mesmo aquele rosto ficara impune de minha fúria… Eu não podia suportar ver seu olhar sobre mim, sobre o que me tornara… Então era melhor apenas ir logo fazer o que eles queriam, antes de ter que ouvir aquele argumento.

Ouvi batidas na porta e resmunguei, achando que já era hora de ter que agir como babá.

— Entre.

— Com licença, meu senhor — Lumière entrou e se aproximou de mim. — O menino acordou.

— Bom saber — grunhi. Já estava farto de ter que cuidar do fedelho, ao menos acordado o garoto podia fazer as coisas por ele mesmo.

Levantei e saí acompanhado de meu servo. Andamos por longos corredores, quando ouvimos uma comoção vinda do saguão de entrada. Era a voz do doutor Vasile. Apressei-me e o encontrei no topo da escadaria principal.

— Senhor! — exclamou ao me ver. — O menino! Está tentando ir embora!

— O quê?! — urrei e desci as escadas, furioso.

O fedelho estava diante da porta principal tentando abri-la, mas eu mandara trancá-la já pensando em uma possível fuga. Lá estava o moleque magrelo, descabelado e vestindo apenas um camisolão torto, mal se aguentando em pé. Que cena ridícula.

— O que pensa que está fazendo?! — vociferei.

O garoto estremeceu e caiu com o susto. Enquanto eu me aproximava a passadas rápidas, ele virou-se em minha direção e se encolheu de costas contra a parede. Estendi a mão para agarrá-lo e os olhos castanhos se arregalaram ao me encararem. Eu podia ver o medo em seu olhar… Medo da fera refletida naqueles olhos… Medo de mim.

Pensei que sentiria prazer em ver o fedelho acuado, no entanto… Aquilo me incomodou. Vê-lo aterrorizado causou um peso inesperado em minha consciência. Bufei, hesitante, porém mesmo assim o agarrei e segurei bem firme debaixo de um braço antes de levá-lo na direção das escadas.

— Me solta! — ele berrou enquanto se debatia, tentando inutilmente se soltar.

Rosnei alto e ele se encolheu, aquietando-se. Subi mal humorado e o carreguei como um saco de debaixo do braço até o quarto designado ao fedelho. Quando entrei, joguei-o na cama e encarei conforme ele se sentava e me encarava de volta, receoso.

— Você! — ele se encolheu quando lhe apontei o dedo. — Não ouse pensar em fugir daqui, moleque! — avancei e o segurei pelo colarinho. — Eu tive muito trabalho tendo que cuidar de você, então trata de ficar quieto aí até estar bem, fedelho! Se ousar ficar doente de novo eu vou é te matar, entendeu?!

Rosnei e o larguei antes de me virar e sair bufando, batendo a porta atrás de mim.

Damien

Eu pensei que morreria quando aquela criatura avançou para cima de mim. Ser carregado à força não foi menos assustador. Tentei me debater e me soltar, quem sabe conseguiria correr e fugir por algum outro lugar do castelo, mas era impossível escapar do aperto firme da fera. Seu rosnado foi o suficiente para me fazer ficar quieto, eu não queria acabar ferido outra vez.

Ele me levou todo o caminho de volta e depois me tacou na cama de qualquer jeito. Pensei que iria me amarrar, ou me trancar no quarto, mas ele apenas se aproximou, apontou o dedo na minha cara e me deu um sermão, seguido de uma ameaça, antes de sair batendo a porta.

Por um momento permaneci ali imóvel, prendendo a respiração, até ter certeza de que estava seguro.

— Isso foi uma surpresa.

A voz da mulher guarda-roupas me fez pular de susto.

— A senhora!

— Olá, querido — ela me cumprimentou com carinho e se aproximou. Eu me encolhi instintivamente, ainda não estava acostumado em ver objetos vivos. — Como você está?

— Eu… estou melhor agora — murmurei.

— Isso é bom — o móvel pareceu sorrir e depois se virou para a porta — É melhor obedecer ao mestre… Ele cuidou do senhor enquanto estava inconsciente. E o senhor ainda não está bem para sair sozinho, é melhor não contrariá-lo.

Concordei com a cabeça. Eu ainda estava desnorteado com a reação da besta, não sabia o que pensar. Não conseguia ver aquele sermão como uma preocupação genuína, principalmente com a ameaça em suas últimas palavras. Não sabia como, mas os empregados haviam o convencido de cuidar de mim. Cumprir uma obrigação não significava ter empatia. Certamente a fera não se preocupava comigo de verdade.

E a empregada tinha razão. Eu ainda não estava recuperado. Precisava estar bem para ter uma chance de escapar, antes que a ira daquela criatura me matasse.

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