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Segredos Mortais – Capítulo 12

Faltavam poucas horas para o amanhecer. Uma névoa espessa cobria a lua deixando a madrugada ainda mais sombria. Voltei em silêncio da floresta, enquanto Gabriele me enchia de perguntas curiosas e indiscretas. Ignorei em silêncio, fuzilando-a com o olhar. Sem dar atenção à sua insistência.

     – Lara, só me diz se foi bom! O que você sentiu? Ele beija bem? 

     – Não queria interromper, mas quando vi já era tarde.  Foi mal.

     – Ok, Gabriele. Continue andando. – Falei franzindo o cenho, suspirando fundo.

     – Ok. Mas, só me diz se foi bom, vai! Laraaa? – Insistiu Gabriele. Empurrei-a para a frente, impaciente. Dando um curto sorriso sem que ela percebesse.

     Passei a mão sobre meus lábios, lembrando-me da sensação da boca dele na minha. Tudo que eu mais queria era poder voltar correndo para seus braços e mergulhar no azul profundo de seus olhos, me perdendo no tempo. Mas infelizmente o nosso tempo estava se esgotando e eu precisava me preparar para o confronto com a criatura que eu mais odiava naquele momento, Zoraky. 

Havia sido um daqueles dias que, às vezes, é melhor esquecer, mas o que mais me transtornava era saber que tudo isso, que havia acontecido hoje, era apenas o começo de uma sucessão de acontecimentos que testaram nosso limite. Assim que chegamos na aldeia, uma cena nos deixou surpresas e apreensivas.

Malcon estava sentado no chão com as pernas cruzadas, pelo agito de suas mãos, poderia dizer que ele estava ilustrando alguma coisa. Mas o mais espantoso era observar que Daniel e os outros híbridos estavam, atentos e em silêncio, ouvindo seja lá o que for que ele falava. Daniel estava ao seu lado em pé passando alguma coisa em sua espada.No lugar de seu sobretudo uma espécie de armadura moldurava seu peito, braços e cabeça. Parecia um gladiador. Assim que nos aproximamos sentimos os olhares se concentrando sobre nós. Malcon fica em silêncio se colocando de pé ao lado de Daniel. Todos os outros híbridos se levantam.

     – Onde vocês estavam? – Perguntou Daniel com olhar questionador.

     – Nós fomos… – Eu e Gabriele nos entreolhamos, buscando as palavras certas. Mas, sem tempo para encontrá-las.

     – Acho que isso não importa agora. O que está acontecendo? Onde está Heitor? – Perguntei encarando Malcon, que se levantou olhando para Daniel e em seguida para nós. Daniel balançou a cabeça demonstrando sua insatisfação com nosso sumiço. Colocando a espada sobre suas costas prosseguiu…

–Heitor está em observação na minha cabana, sob vigilância. Precisamos ter certeza de que ele está bem antes de partirmos. Faltam poucas horas para o amanhecer, e desta vez o tempo não está a nosso favor. Tem uma coisa que vocês precisam saber. – Anunciou Daniel olhando para Malcon, fazendo um gesto com a cabeça permitindo que ele se pronunciasse. Malcon deu um passo à frente parando no meio do círculo que os híbridos haviam formado, ficando de frente para Gabriele e eu. Estava confusa e surpresa com a tranquilidade de Daniel com Malcon. Há algumas horas atrás ele queria arrancar a cabeça de Malcon, e agora estava dando a palavra a ele? Muito estranho.

     – Há alguns anos atrás… – Começou Malcon, colocando um dos joelhos no chão enquanto que com o dedo indicador desenhava alguns traços no chão. – Zoraky colocou em ação um plano terrível para atingir o seu objetivo, criar uma legião poderosa que poderia usar como seus soldados e escravos. Ele buscou a união com criaturas demoníacas, na tentativa de criar a criatura perfeita. Após várias experiências fracassadas, que levou à morte milhares de humanos, ele conseguiu que duas delas chegassem perto da perfeição. Eles são extremamente rápidos, ferozes e ágeis. Agem sob seu comado e são controlados por uma magia criada por um feiticeiro, que aprisiona suas almas dentro de uma pedra, que ele mantém presa em um cordão pendurado em seu pescoço. Se conseguirmos pegar o colar, poderemos controlar as criaturas. Por anos, Zoraky vem treinando a magia, usando bruxos e feiticeiras para protegê-lo de qualquer tipo de poder. Ele está mais forte e cada vez mais mortal. Um desejo permanente ferve e cresce dentro dele, sem parar, o desejo de matar Daniel, ou seja, Joduá seu irmão. – Disse ele olhando para Daniel, que indicou com a cabeça que ele continuasse. – E você, Lara. – Disse ele voltando o olhar para mim. – A maioria dos vampiros recém-criados, são fracos, servem apenas para distração. No subsolo, existe aproximadamente cinquenta salas cercadas por grades de aço onde ele mantém vários híbridos, sob intensa tortura e alimentados diariamente com sangue de virgens.  

     – Ok. Até agora não entendi qual a preocupação. Já imaginávamos que teríamos algumas surpresas. Mas até agora não vi nada demais. –Falei.

Malcon deu um passo em minha direção ficando a menos de dois passos do meu corpo. 

     – Acho que você não entendeu. Então vou fazer com que você entenda. O que você vê? – Perguntou ele apontando os rabiscos que havia feito no chão. Desviei meus olhos dos dele, olhei para as figuras desenhadas sobre a terra. Havia três rascunhos, muito malfeitos por sinal, enquanto olhava, podia concordar apenas com os aspectos que tinham, eram bem feios e sombrios. Mas era só isso. Não conseguia ver mais nada além de simples desenhos.

     – Ok… – Franzi a testa, demonstrando que não havia nenhuma surpresa. 

     – Gabriele… mostre a ela. – Ordenou Malcon. Ela olhou para mim e logo depois para Daniel, que parecia ansioso pelo que estava por vir. Ele movimentou a cabeça permitindo que ela usasse sua magia. Aguardando em silêncio. Ela me olhou apreensiva, enquanto eu acenava com a mão para que ela seguisse em frente. Ela pegou um punhal que estava preso em sua longa saia verde, e fazendo um pequeno corte em sua mão, derramou seu sangue sobre os desenhos que estavam sobre a terra e proferiu algumas palavras estranhas. Segundos depois, seu sangue passou a preencher os rabiscos no chão parecendo dar vida a eles. Uma poeira cinzenta e fedorenta emergiu delas. E um redemoinho surgiu diante de nós, fazendo com que todos abrissem espaço. Conforme ele foi crescendo e ganhando força, podíamos ver claramente o que iríamos enfrentar em algumas horas. As formas pareciam demônios em chamas, suas garras tinham uma forma alongada e pontiaguda. Seus dentes eram asquerosos e serrilhados. A forma como essas criaturas destruíam os vampiros, fazia-os parecer simples ratos de esgoto. Uma das feras tinha olhos vermelhos e intensos, esmagava os inimigos com uma fúria e força descomunais. Em sua mão, uma espécie de clava com três correntes e com bolas pontiagudas esmagava sem piedade qualquer um que cruzasse seu caminho. Lancei-me para trás, quando uma das imagens pareceu se lançar sobre meu rosto, feroz e faminta. Com um movimento com as mãos, Gabriele fez o redemoinho se dissipar pelo ar, fazendo com que uma nuvem de terra caísse sobre nós. Todos se entreolharam assustados, temendo as terríveis criaturas que nos aguardavam, ansiosas para beber nosso sangue. Após ver de perto o inferno através dos olhos da criatura, não pude esconder certa preocupação que surgiu. Temi por todos.

   – Entendeu agora, Lara? – Perguntou Malcon, sem esconder seu cinismo. O encarei em silêncio procurando não demonstrar que dava muita importância ao que havia acontecido.

     – Não preciso entender nada, precisamos é elaborar um bom plano surpresa.  – Falei empurrando-o para trás, parando diante de Daniel.

     – E então, qual o plano? Como matamos essas criaturas? – Perguntei com a voz firme e segura. Daniel se afastou puxando um enorme caixote que estava atrás dele, abrindo-o diante de nós.

     – Escolham o que irão usar. – Disse ele se afastando e nos observando. O caixote era uma espécie de baú, e um acervo de armas estilo medieval se amontoava no seu interior. Entre elas, uma me chamou a atenção. Uma besta cromada com flechas de aço. Sua empunhadura era toda esculpida por uma espécie de figuras místicas e no arco, duas enormes asas negras davam um acabamento perfeito. Analisei a arma enquanto os outros escolhiam com o que iriam lutar. Gabriele pegou um arco dourado e flechas e um conjunto de adagas com lâminas finas, porém duplas e mortais. Ela tinha um domínio excelente desse tipo de arma. Mas mesmo vendo-a bem armada, temia por ela. Temia por ela ser uma humana. Enquanto a observava torci para que após a batalha pudesse vê-la novamente.  

     – Vejo que já escolheram com o que irão lutar. Muito bem. – Disse Daniel passando a mão sobre sua barba cerrada.  Parando no meio do círculo. Na fogueira os últimos gravetos já queimavam, o fogo ardendo em silêncio, e então percebi que algo como aquele fogo ardia mais na minha alma do que sobre as brasas, edesejei intimamente que assim como capim nos campos, não apenas eu, mas todos aqui pudessem brotar, cheios de novas esperanças, depois de consumidos pelas chamas que queimavam dentro de seus espíritos de guerreiros. 

Olhar para o fogo me fez refletir, fiquei observando o pequeno fogo que horas antes produzia enormes chamas, se extinguir até restar apenas uma cortina de fumaça. 

     – Todas elas estão banhadas em prata e aço. Vocês híbridos são imunes a essa composição, mas os vampiros não. Isso não irá matar os mais fortes, mas irá enfraquecê-los dando tempo para que vocês possam agir. Aqui se encontra um concentrado de ervas e sal, é uma espécie de “repelente” contra os demônios. Assim que usarem isso, mantenham a distância de três corpos, por três segundos e depois matem. – Disse ele entregando para todos uma espécie de Patuá.

     – Faltam apenas algumas horas para partirmos. Mas antes disso… – Disse ele pausadamente. – Precisamos trazer para nosso lado um velho amigo, muito poderoso. – Disse Daniel se aproximando de Gabriele.

      – Me peça qualquer coisa, menos isso. – Disse ela, se afastando de nós, passando as mãos, aflitivamente, pelos seus cabelos.

      – Você é a única em quem ele ainda confia, mesmo tentando demonstrar o contrário. Você é a filha dele, Gabriele. Conhece melhor que ninguém como ele pensa e age. Sei que vai conseguir convencê-lo a lutar ao nosso lado. Ele tem poder sobre um grande grupo de servos, que ao seu comando se juntarão a nós. Precisa fazer isso por Adele, por todos nós. 

     – E o que eu ganharei com isso? –Perguntou ela, voltando para o círculo com passos firmes e olhar penetrante.

     – Terá a chance de vingar a morte de Isabele, sua irmã que foi brutalmente morta por ordem de Zoraky, que traiu seu pai, quebrando o tratado de paz entre as raças. – Gabriele abaixou a cabeça permanecendo por alguns segundos em silêncio, analisando a proposta. Eu sabia o quanto era difícil para ela ter que ficar cara a cara com seu pai novamente, e ainda ter que lhe pedir alguma coisa. Mas as circunstâncias exigiam tal esforço. 

     – O que tenho que fazer? – Pergunta ela, arrumando suas adagas sobre a cintura de sua saia. Em seguida, ela puxou o arco de suas costas apontando em direção a uma árvore atrás de Daniel. 

     – Convencê-lo! – Respondeu Daniel frio e direto, segurando a flecha que Gabriele havia soltado.

     – Só estava testando. – Ele quebrou a flecha de aço em sua mão como se fosse feita de palha. Encarou-a.

     – Menos uma. Tome cuidado da próxima vez que for testar sua mira. Se ficar sem munição, irá sobrecarregar sua magia, e você sabe o que acontecerá. Não sabe? – Perguntou Daniel ríspido. Gabriele guardou o arco nas costas, em silêncio. 

     – É melhor se apressar, temos apenas três horas antes de partirmos. Qualquer imprevisto disque o número 22. – Falou Daniel, jogando um celular para Gabriele que o segurou com uma das mãos. E esticando o braço, entregou outro para mim. Peguei o celular e guardei no bolso da calça. – Eles estão conectados, qualquer imprevisto digite o número 22 e aperte o botão verde que ele nos avisará. Seja breve não temos muito tempo. Se você não estiver aqui em três horas, partiremos sem você.

     – Eu vou com você. – Falei ajustando meu colete preto.

     – Não! Eu vou sozinha, sua presença não será bem-vinda. Lamento.

     – Não vou deixá-la ir sozinha, é perigoso.

     – Lara, perigoso vai ser nos infiltrarmos em um castelo cheio de criaturas híbridas, vampiros e metamorfos. Estou indo ao encontro de meu pai, nesse momento, ele corre mais riscos do que eu. Não se preocupe, manterei contato. Antes de partirem estarei aqui.

Afirmou ela, saindo em direção ao portão de entrada da aldeia. Enquanto acompanhávamos ela se afastar, percebi Daniel deixar escapar um singelo sorriso enquanto balançava a cabeça incrédulo. 

     – Você pretende ir voando? – Gritou Daniel zombando, chamando a atenção de Gabriele, que parou olhando em nossa direção.

     – Como você adivinhou? – Respondeu sarcástica. Assim que ela terminou de responder, ouvimos um som estrondoso vindo de cima dos topos das árvores em direção à floresta. Voltamos o olhar apreensivos, observando em meio a neblina, um enorme homem pousar ao seu lado. Suas enormes asas nos fizeram ver como ela chegaria até a mansão dos Montês. Fiquei mais aliviada ao saber que ela estava em boas mãos. Com certeza, Din não deixaria nada de ruim acontecer com ela. Colocando as mãos em sua cintura, ele voou desaparecendo em meio a densa neblina.

Ao ver Din, pensei o que Leiael e Adar estariam fazendo nesse momento, deslizando a mão sobre meu braço, suspirei desejando que Leiael estivesse aqui. Toquei suavemente meus lábios recordando mais uma vez de seus olhos azuis e sua boca carnuda e quente.

***

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