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Segredos Mortais – Capítulo 10

Uma pressão em minha cabeça me fez retirar as unhas tão rapidamente quanto as havia colocado. Senti que instantaneamente era sugada por um túnel escuro e frio. Abri os olhos piscando várias vezes seguidas, olhando ao meu redor sem entender o que havia acontecido. Malcon estava caído na minha frente e para meu espanto Gabriele estava em pé ao meu lado com um olhar de poucos amigos.

– O que estava fazendo? – Perguntou ríspida. – Preciso falar com você… 

– Agora!

Ainda meio tonta, balancei a cabeça tentando restaurar minha lucidez.

– O que eu estava fazendo? O que você fez? Como…

– Lara é sério! Agora! Siga-me. – Percebendo a seriedade em sua voz levantei-me dando uma cambaleada para o lado, seja lá o que ela havia feito, havia me deixado completamente desnorteada. Esse feitiço ainda não conhecia, mas era bom.  Malcon continuava desacordado no chão… Mas estava respirando, pelo menos parecia.  Ela caminhou em passos firmes indo em direção à floresta. Enquanto a seguia percebi que Daniel e Leiael não estavam mais ali. Apenas os híbridos permaneciam em volta da fogueira, preparando suas armas e observando as chamas que pareciam cada vez mais poderosas e selvagens. 

Gabriele caminhava entre as árvores seguindo a mesma trilha onde horas atrás havíamos passado para ir ao esconderijo. O som de corujas e outros animais que viviam na floresta criavam um clima propício para um filme de terror. Mas eu estava me sentindo em casa. Daniel em uma de suas histórias nos contou que a floresta é guardada e protegida pelos guardiões, e que a noite coisas sombrias acontecem. Mas após o ataque não foi isso que aconteceu. Em vez de eles nos atacarem, eles apareceram para lutar ao nosso lado.

A trilha era estreita e pedregosa, folhas secas forravam o chão como um manto, o que o tornava escorregadio.  Passamos por uma cachoeira e algumas cavernas que se abrigavam em seu interior, as quais não me lembrava de ter visto antes. Não imaginava que a floresta conseguiria ser ainda mais bela encoberta pela escuridão, mas entre a clareira da lua eu podia sentir a magia que havia naquele lugar.

Não sabia se eram os guardiões, mas podia sentir que estávamos sendo observadas. Em pequenos intervalos, vultos desapareciam entre as árvores ao nosso redor, mas não se aproximavam. Era como se estivessem apenas nos acompanhando. Após alguns minutos, Gabriele parou diante de uma enorme pedra admirando seu tamanho.

     – Chegamos, Lara. É aqui.  – Disse ela escalando a pedra que ficava no alto de um penhasco.

     – Nossa! É lindo! Como achou esse lugar?  – Perguntei perplexa enquanto forçava meus olhos a acreditarem no que estava vendo.

     – Senta aqui. – Disse ela batendo a mão na pedra. Sua expressão havia mudado, estava mais segura, e se não estivesse enganada podia até arriscar a dizer que um sorriso surgiu em sua boca.

     – É a terceira vez que venho aqui. Um dia quando você estava dormindo, já era de madrugada, quando senti uma vibração forte na cabana, o que me fez acordar. Uma voz pediu que a seguisse, e eu a segui. E foi assim que conheci esse lugar. 

     – O que achou?  – Perguntou ela… Dessa vez com um largo sorriso.

     – É lindo! – Na escuridão do abismo, centenas, talvez milhares de vagalumes iluminavam a noite, acendiam e apagavam parecendo estrelas, era como olhar o céu de ponta cabeça.

     – É encantador!  Essa voz que você ouviu, era Leiael? – Perguntei.

     – Não. Era Din. – Respondeu olhando para um vagalume que voou bem perto de nós.

     – E como você sabia que ele era do bem e não iria te fazer mal?

     – Do mesmo jeito que você fez quando Leiael se aproximou de você, e você não o atacou. 

    – Hum… estava ferida e fraca não estava em condições de atacar.

      – Ok, Lara. Se ele quisesse te matar então teria conseguido né? – Ela perguntou olhando em meus olhos, mas nem precisei responder porque minha resposta não a convenceria. Não conseguiria mentir.

      – E você conhece o outro guardião? – Perguntei curiosa.

      – Sim. O outro é Adar. Ele é responsável pelo fogo. Cada um tem um papel que os torna responsáveis por cuidar do equilíbrio da floresta. E…  – Continuou ela. – …antes que me pergunte… O Din domina a chuva, visão e revelação. 

     – Como sabe tanto sobre eles?

     – Din me mostrou quando estive aqui, ele queria me mostrar uma coisa que eu não queria enxergar. Por isso te trouxe aqui. Para te fazer ver também. 

     – Leiael, o que faz? Quer dizer, o que ele faz além de provocar?  –Pronunciei me odiando em seguida por ter perguntado. O olhar dissimulado de Gabriele me deixou irritada. Senti minhas bochechas corarem. Olhei para ela revirando os olhos.

     – Bem, Leiael é um iluminado. Pelo o que entendi ele é uma espécie de protetor. Não sei muito sobre ele.  Por que tanto interesse nos Guardiões? Você quer saber algo em especial? De alguém específico? – Perguntou sem conter o sarcasmo. Já esperava essa reação. Respirei fundo tentando me manter indiferente. 

     – Não. Mas não foi para falar dos guardiões que você me chamou aqui, foi?

Senti Gabriele se abater rapidamente, como se tivesse quebrado o encanto daquele momento. 

     – Lara, você sabe que minha família é envolvida por segredos, tem muita coisa que nem eu mesma sei… Mas o que sei, preciso contar a você porque você está envolvida nessa história. E acho que você tem o direito de saber. Mas… tem uma coisa que não sei como te falar. 

     – Do que você está falando? – Perguntei receosa. Ela abaixou a cabeça por um segundo e respirando fundo olhou profundamente em meus olhos segurando minha mão.

     – Impedi você de invadir os pensamentos de Malcon porque o que você iria ver, eu queria te contar. Mas… – observei uma lágrima surgir em seu rosto. – É muito difícil para mim. Queria esperar o momento certo, mas com tudo isso que aconteceu nos últimos dias, não posso mais esperar. Diferente de você sou uma bruxa, Lara. Posso sentir a vibração das coisas, do vento, da terra, da água. É através da natureza que renovo minhas energias e minhas forças, por isso venho aqui. Mesmo Daniel tendo revelado ser Joduá, isso não muda muita coisa, ao contrário só piora.

     – Você me trouxe aqui para falar de Daniel? – Perguntei confusa.

     – Também, Lara. Daniel está mais envolvido na sua história do que você imagina. Só me escute, ok? – Pediu ela apertando minha mão. E eu afirmei com a cabeça. Engoli a seco a saliva que se formava em minha boca ansiosa e receosa do que ela iria me contar. 

     – Enquanto morava com meus pais, algumas vezes sem querer, acabei ouvindo algumas coisas que não era para ter ouvido. Nada fazia muito sentindo até eu conhecer você. Meu pai, Saulon Montês, você já deve ter ouvido esse nome.

     – Sim, era amigo de meu pai Antoni. 

     – Então, eles eram amigos e Daniel também. Por anos, eles foram aliados. Minha mãe Denise falava que eles se pareciam com os três mosqueteiros. Mas após uma tragédia em nossa família essa união foi quebrada.

     – Como assim? Que tragédia? Por quê…?

     – Você falou que iria me ouvir, Lara! – Disse ela interrompendo-me. 

     – Eu sei, mas… 

     – Depois você me pergunta o que quiser, mas agora, só me escute. – Repreendendo-me com o olhar, ela prosseguiu, levando o dedo até seus lábios pedindo silêncio. Não consegui evitar a careta que se formou em meu rosto. Mesmo assim segurei sua mão.

     – Uma noite quando já estava deitada em meu quarto, ouvi alguns sussurros e me esgueirei pelas paredes, parando no alto da escada. Vi meu pai conversando com seu pai Antoni. Seu pai parecia estar bem nervoso enquanto meu pai tentava acalmá-lo, e foi aí que eu ouvi… Não posso! Não consigo…

As sombras continuaram a se dispersar entre a calada da noite, entre as antigas e enormes árvores, que abrigavam a aldeia criando um enorme casulo. Assim que fechei meus olhos, respirei profundamente tentando me concentrar. Mas antes mesmo de começar, senti Gabriele se desvencilhando de minha mão rapidamente.

     – O que houve? – Perguntei sem entender o que havia acontecido.

     – Não posso! Não consigo fazer isso. – Disse ela se afastando.

     – Fazer o que? O que está acontecendo Gabriele? Por que você me trouxe aqui afinal? – Senti uma vibração estranha se aproximando de nós. Não estávamos sozinhas. 

     – Lara, você precisa aceitar o que você é. – Disse ela olhando por cima do meu ombro para alguma coisa. Sua voz estava embargada. Como se ela estivesse insegura do que estivesse falando.

     – Você quer dizer um demônio?! – Falei desviando meu olhar.

Antes mesmo de me virar, um vento forte e inesperado sacudiu meus cabelos deixando-os completamente revirados. Gabriele mantinha o olhar fixo para algum ponto atrás de mim. Enquanto passava as mãos em meus cabelos, tentando colocá-los no lugar, virei-me toda atrapalhada.

      – Olá, Lara. – Disse a voz atrás de mim. E, logo em seguida estava bem diante dos meus olhos.

      – Oi. – Falei quase que gaguejando. Olhei para Gabriele repreendendo-a, achando que houvesse armado esse encontro. Mas assim que vejo sua expressão, percebo que ela também havia sido pega de surpresa.

      – Você precisa contar para ela. Agora, Gabriele! – Ordenou Leiael.

Seja lá o que ela ia me contar eu não conseguia me concentrar. Ele estava com uma calça de sarja branca abaixo de seu quadril, sem camisa e com as asas recolhidas. Era possível ver perfeitamente cada centímetro de seu perfeito tórax. Resumindo, ele estava praticamente nu. Por mais que me esforçasse não conseguia tirar meus olhos dele. Seu peito era tão bem desenhado que parecia ter sido esculpido detalhadamente, mesmo que tentasse procurar um defeito, não encontraria. Parei o olhar em seu umbigo, quando Gabriele me deu um puxão. “Pela segunda vez tive vontade de matá-la”.

Levei a mão no peito tentando esconder meu coração, que parecia querer atravessar minha blusa. 

     – Não tenha medo! – Disse ele enquanto abria suas asas negras e admiráveis. Dando uns passos em minha direção, estendeu a mão cortejando-me. E não satisfeito, deu mais um passo ficando praticamente colado em meu corpo. Por um momento pensei em pedir perdão por meus pensamentos impuros. 

     – Medo? Não estou com medo de você, só estou… – Eu juro que tentei falar outra coisa, mas parecia que havia me esquecido de como se falava. Minha boca parecia se mexer freneticamente, mas as palavras não saiam.               – Só estou… surpresa em vê-lo. Do jeito que sumiu da aldeia achei que não fosse vê-lo tão cedo, novamente. Mas o que Gabriele deve me falar?  – Perguntei. Achei melhor voltar ao assunto anterior.

Não era bem isso que queria falar… Mas foi o que saiu no momento. “Como ele é lindo! Como ele é intenso! Que olhos! Que boca!… Parece mais um deus grego. Por que Anjos Guardiões são tão lindos?” –  Pensei. Enquanto segurava sua mão. Não havíamos chegado tão perto um do outro e sinceramente fiquei feliz por isso. Já basta tudo que estava acontecendo, não queria desvirtuar nenhum anjo. “Imagino que já tenho um pé no inferno, mas por ele me jogaria inteira no inferno”. 

– Obrigado, mas não é necessário.– Disse ele sorrindo.

– Obrigada? Não entendi. – Falei olhando para os dois. Gabriele trocou o olhar tenso por um breve sorriso.

Em menos de um minuto senti meu rosto quente e vermelho. “Como pude me esquecer de que ele lê pensamentos? Como sou idiota!”Condenei-me, ainda sentindo meu rosto queimar. Dei um passo para trás puxando minha mão.

– Não se envergonhe do que sente, nem do que pensa. Não vou colocar seus pensamentos na lista de pecados. Ele sorriu lindamente. É incrível como eles conseguiam tornar uma cena tensa em brincadeira. 

– Você é um anjo! – Ironizei fazendo uma careta. Mas minha vontade mesmo era me estapear.  Gabriele apenas me olhou pensativa jogando seus cabelos para trás.

      – Você precisa enfrentar isso de frente, precisa entender que não tem como mudar seu destino, Lara…  Não há do que ter medo, você é diferente deles. A transformação precisa acontecer para você ficar mais forte. Não pode fugir disso. Sinto muito. – Disse Leiael passando a mão em seu peito. Não consegui impedir meus olhos de seguirem sua mão. 

     – Sente? Por quê? – Suspirei. – Você é um anjo, eu sou um demônio. A culpa de eu ser esse monstro não é sua. – Falei tentando parecer segura.

     – Você não está sozinha. – Disse Leiael, olhando para Gabriele, quase que a criticando. Em menos de um minuto ela indicava com a cabeça que alguma coisa se aproximava, novamente, de mim. Enquanto olhava para um e depois para o outro tentando entender o que estava acontecendo…

     – Me de sua mão. – Pediu ela novamente esticando o braço. 

     – Para que? O que você vai fazer? – Perguntei desconfiada.

     – Vou te mostrar a verdade.

      – Confie em mim! – Disse ela olhando em meus olhos. Gabriele tinha um olhar doce e persuasivo, difícil de resistir. Mesmo sem saber o que iria acontecer lhe dei a mão, se tinha uma pessoa em quem confiava era nela. Enquanto ela pronunciava algumas palavras estranhas com seus olhos fechados, olhei rapidamente para Leiael que permanecia ali, parado, lindo, com aqueles olhos azuis parecendo querer roubar minha alma. Dando um último suspiro fechei meus olhos, mergulhando nas palavras de Gabriele.

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