Fiquei em silêncio tentando encontrar as palavras certas, mas não as encontrei.

– Do que você está falando? O que está acontecendo? Pare de rodeios e seja direta.

Não conseguia mais me conter. Meus músculos estavam se contraindo tanto que podia ver minhas veias pulsarem em meu corpo. Ela não precisava falar mais nada, já havia entendido a mensagem. E para meu desespero ela continuou.

– Lara, você é uma jovem linda e especial, mas o sangue que corre em suas veias, não é o mesmo que o nosso. Não temos mais tempo, você precisa ir agora. Antes que eles cheguem. Mas antes, quero que saiba que nós te amamos e sempre te amaremos, não importa o que seja.

– O que? Como assim? Eles quem? – Senti o chão se abrir e ser engolida por ele. A sensação era como se tivesse me jogado em um abismo.

– Mãe, por que está dizendo essas coisas? Por que não temos mais tempo? Você está me dizendo que tudo que vivemos não passou de uma mentira?  E após me contar isso, depois de todos esses anos, me manda ir? Como posso ir sem respostas, e ir pra onde? Quem está vindo? E o que eu sou? Mãe! – Gritei atordoada.  Antes que ela pudesse continuar, o som forte do portão sendo arrancado ecoou dentro da casa. Ela cambaleou espiando pela janela.

– Tarde demais… Corra, Lara! – Berrou minha mãe. Do mesmo modo que antes, eu continuei sem entender nada.

E mesmo que a ouvisse seria em vão. Antes mesmo de pensar no que ia fazer, observei a porta da sala passar voando a centímetros de mim, levando tudo que encontrava pela frente. E por muito pouco não me misturei aos objetos. Um barulho ensurdecedor ecoou novamente pela casa. Senti meu estômago queimando como se houvesse ingerido um cálice de ácido. Onde devia estar a porta, surgiram dois homens altos e fortes. A primeira imagem que veio em minha cabeça foi a dos “Homens de Preto”. Mas aquilo que estava diante dos meus olhos não era ficção, era bem real. Os dois brutamontes usavam, sobretudo preto, bem comprido, por pouco não arrastavam no chão. Um deles tinha o cabelo comprido até os ombros, negros como carvão. E o outro, tinha um corte estranho, estilo moicano. Os olhos, não foram possíveis ver porque estavam cobertos por óculos escuros. Mesmo nessa situação desconcertante, não pude deixar de observar certa beleza exótica neles. Mas o que me chamou a atenção foi o que o homem de cabelos cor de carvão segurava nas mãos. Um pequeno baú com algum tipo de lacre, marca, sei lá. Quando minha mãe tentou se aproximar de mim, um deles, o de cabelos cor de carvão, á jogou contra a parede com uma das mãos em seu pescoço. Nesse momento senti como se meu corpo estivesse em chamas. Precisava agir.

– Pare com isso seu idiota, largue-a. O que vocês querem? Quem são vocês? Largue-a… Antes que eu… – Nesse momento um sentimento de raiva tomou conta de mim. Como eu queria estar segurando-o pelo pescoço, e se possível arrancar seu coração. Como ele ousava tratar minha mãe assim? Mas me obriguei a me conter, já que observando seus músculos, entendi que seria besteira deixá-lo mais nervoso.

Um olhou para o outro de uma forma que não gostei nem um pouco. Um sorriso cínico e nada sugestivo surgiu em suas faces. E com um único gesto ele a jogou para perto de mim. Falou com tom de desafio, como se houvesse lido meus pensamentos.

– Cuidado com o que deseja Lara.

– Mãe, você está bem? Ela se posicionou na minha frente formando um escudo, arrancou um elástico de seu braço e rapidamente juntou seus cabelos loiros e compridos fazendo um rabo de cavalo.  “Recuperação incrível” pensei. Voltando a encarar os dois intrusos. Uma sensação estranha e familiar, mesmo que distante, fez meu estômago embrulhar.

– Vocês não vão levá-la! Nem por cima do meu cadáver! – Gritou minha mãe. Com a mão em seu ombro senti seu corpo vibrar, era como se estivesse passando por uma sessão de choques.

O homem com o corte moicano sorriu, sacolejando a cabeça.

– É mesmo? E quem vai nos impedir?  Você? – Dessa vez, os dois sorriam em tom de deboche.

– Olá, Lara! Quanto tempo! Como você cresceu! Não esperava ver tanta beleza em alguém como você. Desculpe-nos por esta entrada… Digamos… desajeitada.

Não acreditei no que acabará de ouvir.

– Desajeitada? Vocês quebraram a porta. De onde vocês vêm não aprenderam a bater, ou esperar que alguém abra a porta depois que apertam a campainha?

Mesmo nossa casa sendo retirada e cercada por uma extensa mata, apareceram curiosos atraídos pelo barulho, a distância não abafou o som e não foi obstáculo. Uma senhora que morava a muitos metros dali apareceu em nosso portão com olhos curiosos, para especular.

– Angeline, está tudo bem? – O homem de cabelos cor de “carvão” fez um leve gesto com a cabeça consentindo que minha mãe respondesse. E assim ela o fez. Mesmo que contra a vontade.

– Está sim, dona Márcia, são parentes distantes, vieram nos visitar. Respondeu em um tom que ela pudesse ouvir, mas não se moveu da minha frente. A senhora balançou a cabeça como querendo dizer “Essa família é mesmo doida” e saiu sem dar alguma importância. Os poucos vizinhos da redondeza não nos viam com bons olhos, eram na maioria supersticiosos, a princípio achei que fosse só pela fama da casa ser mal-assombrada, mas naquele instante percebi que havia muito mais coisas envolvidas.

– Me chamo Leonel Derinat. – Disse o de cabelo estilo moicano e que parecia ter uns 40 anos. – E este é Malcon Summer, um dos melhores guerreiros de Svevo. – Este aparentava ser mais jovem, com uns vinte e poucos anos.

– Guerreiro? – Questionei deixando escapar um breve sorriso.  Ele não parecia com um guerreiro, pelo menos não como aqueles que eu imaginava em minha cabeça e via na televisão. Ele era magro e baixo, e para piorar mantinha um semblante de pobre coitado.

– Não se baseie nas aparências, Lara. Nem tudo que parece, realmente é. Em breve, você entenderá isso. Sua nova família te espera.

– Não quero outra família. – Retruquei esforçando-me para que minha voz não falhasse. O que não aconteceu. – Quero continuar com a minha, mesmo que estranha e imperfeita. Até porque não conheço nenhuma que seja perfeita, e essa que estava a poucos passos, diante de mim, ia muito além de imperfeição. – Se pudesse resumir em uma palavra, tudo que estava acontecendo nesse minuto, seria… Bizarro. Era coisa demais para um dia. Descobrir que minha vida toda aparentemente era uma mentira, que meus pais pelo jeito não eram meus pais. Era demais. E para piorar, a cena da porta da sala sendo arrancada por duas figuras estranhas se dizendo guerreiros, parecia mais um conto de terror. E eu que achava ter uma vida estranha.

– Angeline, você cumpriu sua promessa com perfeição. Cuidou muito bem de Lara, ela se tornou uma bela jovem, fraca e emocional demais pelo jeito, mas nada que uns dias de treino não resolvam. – um deles disse. “Ah tá, era só o que me faltava. Além de lunáticos, pra piorar devem ser de algum batalhão das forças armadas. Apesar de que estão mais pra forças especiais secretas ou quem sabe Matrix.” Esforcei-me para conter um riso que surgiu em minha boca. – Pouparei sua vida.

– Agora saia da frente, pois precisamos ir, já perdemos muito tempo, apesar de que isso não é importante. Não é mesmo, Malcon? – “Não sei o que meu pai tem a ver com isso, mas seja lá o que for, podia ter me alertado de como sair dessa situação.” Senti uma tristeza profunda penetrar minha alma.

– Pegue-a. – Ordenou Leonel. E Malcon como um servo, obedeceu.

– Vocês não vão tirá-la de mim. – Interferiu Angeline. – Sei que fizeram alguma coisa com meu filho, não vou deixar que a levem. – Leonel friamente sorriu mostrando que era uma criatura sem alma e sem coração.

Senti minha mãe se preparar para atacar e após duas palavras e um simples gesto de mão, á vi despencar no chão, desacordada.  Como se houvesse se transformado em um fantoche.

Senti meus olhos se arregalarem, sem saber como agir diante daquela situação, me senti sendo esmagada por uma avalanche.

– Descanse Angeline! – Disse Leonel se aproximando de Malcon.

– Mãe! Mãe levanta… Mãe acorda, por favor! Uma forte dor em meu estômago quase me fez fraquejar.

– Vamos logo, Lara. Precisamos chegar antes do anoitecer. – Disse Malcon puxando-me pelo braço, empurrando-me contra a parede novamente. – Não resista, aceite seu destino. – Leonel se aproximou parando ao meu lado, e abrindo o pequeno baú tirou alguma coisa que não deu tempo de identificar.

As palavras entraram em minha mente desordenada. Em seguida, senti o líquido se espalhar pelo meu sangue, espalhando uma sensação de dormência. Não fazia ideia do que havia naquele pequeno baú, mas seja lá o que for, era mágico.

– Seu maldito! – Resmunguei, tentando amedrontá-lo. Mas minhas palavras soaram como piada. Estava tão leve que até as palavras pareciam ter adormecido. – Você matou minha mãe? Vocês são os responsáveis pelo desaparecimento do filho dela? – Movida por uma leve dormência, me desatinei a fazer perguntas sem esperar pelas respostas. – Vou matar vocês. – Ameacei torcendo para que tivesse algum efeito.

Leonel fez uma expressão sarcástica, como se estivesse com medo. Sorrindo em seguida, sacolejou as mãos fingindo estar tremendo de medo.

– Para de frescura! – Ele gritou. – Em primeiro lugar, ela não é sua mãe, em segundo, ela não está morta, logo acordará, e se não quiser vê-la morta mesmo, é melhor vir conosco.  E só para terminar esse blá, blá, blá, não tenho nada a ver com o sumiço desse filho dela. Nem sabia que ela tinha um filho. – Malcon sinalizou com a cabeça que estava na hora de partir.

– Não vou com vocês a lugar nenhum. – Esforcei-me ao máximo, ameaçando correr, mas fui impedida por Leonel que me jogou contra a parede pela segunda vez, deixando-me sem ar. Aproximando seu rosto do meu, com o dedo indicador baixou os óculos escuros o suficiente para que eu visse seus olhos. Eles eram negros, impenetráveis e enigmáticos. Ao encará-lo, senti como se estivesse mergulhado em um mar negro, vazio e frio. Onde nada mais existia além de dor, sofrimento e morte. Segundos depois com um gesto suave, deslizou sua boca fria até meu pescoço e sussurrando… o aqueceu.

– Ahh, Lara. Posso sentir seu medo. E devo confessar que isso me provoca certa excitação. Nós somos sua família agora. Em breve, você poderá assumir sua verdadeira identidade. Uma nova vida está apenas começando… Doce criança.

Foram as últimas palavras que ouvi enquanto sentia seus braços suspendendo meu corpo.

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