O Senhor Supremo
— Consegui — disse Nathan, aliviado por ter escapado das garras do inimigo.
Finalmente de volta àquele lugar acolhedor. As ondulantes sensações de prazer diferiam bastante das amarguras que sofrera como prisioneiro. Lentamente o bem-estar dissipou as lembranças ruins. Em meio às flores e ao perfume que encantavam o coração, Nathan percebeu a presença do menino, o mesmo daquela visão que tivera diante da esfera. Ele correu em direção a Nathan como se já o conhecesse há muito.
— Oi. Que bom ver você novamente!
— Como sabe quem sou? — Perguntou Nathan, curioso.
— Sei de muitas coisas. — Respondeu o menino, sorridente.
— Nem sei seu nome. Bem, acho que não sei. Na verdade, tenho medo de mencioná-lo.
— Não importa. Venha, vou mostrar meu lugar preferido.
O garotinho de cabelos longos e escuros e olhar sereno movia-se com rapidez por entre as flores. Era tão ágil que parecia flutuar. Vez ou outra desaparecia e reaparecia lá adiante; outras vezes surgia atrás de Nathan para lhe pregar um susto. Divertia-se às gargalhadas quando conseguia surpreendê-lo.
Ao mesmo tempo em que brincavam, era impossível não apreciar a paisagem. À medida que passavam por trilhas descampadas, flores brotavam por todo o caminho e as fragrâncias emergiam, trazendo paz e alegria.
Nathan sentia-se cada vez mais à vontade, a ponto de não conseguir conter a vontade de correr, pular e brincar. Depois de muito se divertirem, ambos pararam à beira de um riacho para observar o céu azul enquanto batiam os pés na água. Depois de um longo e relaxante suspiro, Nathan perguntou:
— Você ainda não me disse seu nome. Você tem um nome, não tem?
— Tenho muitos. Um deles você já sabe, mas deseja que eu confirme — respondeu o garoto com a maior naturalidade.
— Diga-me, então, qual é?
— Sou aquele que chamam de Senhor Supremo.
Nathan ficou tão espantado que nem acreditou:
— O Senhor Supremo, uma criança?
— Assumo várias formas. Pensei que, se me tornasse uma criança, talvez pudéssemos conversar de igual para igual, sem essa de um ser superior que encontra um ser inferior. Tenho carinho por todos.
— Você… O senhor é superior! Existe uma grande diferença entre você e eu. Sou uma criança. E o senhor finge ser uma criança — contestou Nathan.
— Sabe que diferença existe entre mim e você? Apenas a experiência. Em essência somos iguais. Olha só, desejo sua força para me ajudar a transformar nossos mundos.
Nathan fez cara de que não havia entendido muito bem.
— Explicarei melhor. Sua energia de vida é algo precioso, transformador. Ela precisa ser despertada.
— E como faço isso?
— Fácil. Simplesmente seja bom e reconheça-se como um ser capaz de transmitir a bondade. Qualquer pessoa pode fazer isso. Basta acreditar.
O Senhor Supremo olhou para uma grande árvore que parecia estar a cem metros deles. Logo depois, ele desapareceu e reapareceu ao lado dela.
— Venha, Nathan. Aqui é legal!
E para lá Nathan também se transportou com extrema facilidade.
— Viu? Você faz coisas que eu também faço. Nem precisou pensar para se expressar até aqui. Simplesmente fez. Isso não parecia impossível? — Nathan fez que sim. — Entende agora que tudo é uma questão de experiência? No final, todos podem.
— Agora entendo. Mas não entendo por que o inimigo quer destruir tudo… até você.
— Ele é um bobo. Faz isso por inexperiência. Aliás, pessoas fazem coisas ruins porque não entendem que fazer o bem é melhor. Se descobrissem que é muito mais divertido fazer coisas legais, parariam de prejudicar os outros.
— Por que estou aqui? Não consigo entender. Por que eu, no meio de seres tão poderosos? — Indagou Nathan, mais uma vez procurando uma justificativa para tamanha responsabilidade.
— A você, Nathan, foi dado o dom da libertação. Com isso é capaz de acessar outros mundos. O coração generoso e a esperança permitem a você vivenciar tal fenômeno. A inveja do inimigo provocou grande destruição. É hora de restabelecer o equilíbrio — explicou pacientemente o Senhor Supremo.
— Difícil entender o comportamento dele.
— O que importa é que existe um objetivo mais importante.
— E o que é?
— No seu mundo, as pessoas se distanciaram da essência. Deixaram de acreditar nas coisas belas, nas maravilhas do universo. A fé e o respeito à vida eram componentes primordiais que nos unia. Deixaram-se seduzir por falsas promessas de facilidades impossíveis. A ruptura ocorreu. Porém, chegou o momento de um evento importante acontecer. O resgate dos corações perdidos será o passo definitivo na evolução da vida.
— E o que é o resgate?
— Chegou o momento que a força do bem reunirá aqueles que buscam a verdade. O mal sucumbirá. Tudo voltará ao que era antes.
Nathan sentiu-se positivamente estranho. A esperança o invadiu a ponto de suas mãos brilharem.
— Viu? Você sente o poder desse momento. É disso que estou falando. O desaparecimento do medo, do terror, do ódio.
— Sim, é verdade. Eu sinto. Mas ainda não entendo por que eu.
— Dentre muitos, foi o escolhido para ser o agente transformador. Você tem um bom coração.
— O inimigo está vencendo a batalha.
— Não se preocupe. Ele pensa que está.
— A grande barreira não é mais segura.
— Sim, eu sei. Mas se você me ajudar, poderemos impedi-lo e esse será o momento mais importante de nossa existência.
— Vamos detê-lo agora mesmo — disse Nathan, decidido a liberar a força transformadora, apesar de não saber como.
— Muito obrigado por ter vindo — falou o Senhor Supremo. — Gostei de você desde que nasceu. Já disse que nos conhecemos há muito do seu tempo.
— Que bom! — Respondeu Nathan, meio envergonhado.
— Em breve comemoraremos a transformação e prometo que você será recompensado. Desejarei a você uma felicidade que conheceu por muito pouco tempo. Deve agora transmitir um recado aos seus amigos: Diga que o confronto será inevitável. A transformação já começou. E que sintam a felicidade em seus corações.
Nathan despediu-se com um sorriso e transferiu-se de volta para o acampamento dos Guerreiros Albânicos. A sensação de leveza e bem-estar logo foi substituída pela tensão. O ar parecia estranhamente saturado, pesado. Não havia ninguém.
— Onde estão todos? VÔ, CADÊ VOCÊ? — Gritou. — LUZI, ONDE ESTÁ? — Nenhuma resposta. De repente, ouviu uma ruidosa pancada metálica. O chão tremeu. Nathan ficou assustado, mas a curiosidade sobrepôs-se ao medo e o fez precipitar em direção ao som que aumentava à medida que se aproximava.
Cuidadoso, rastejou colina acima até o pico e de lá viu uma cena aterradora. De um lado, o exército albânico e, do outro, o exército dos Morbs, acompanhados de centenas de Hemolúpus. A linha intermediária do exército inimigo era formada por ciclopes gigantes, dezenas deles, todos armados com clavas de metal cravadas de espinhos.
Outros seres malignos compunham o terrível exército. Eram diferentes dos ciclopes. Tinham cabelos longos e arrepiados, pele vermelha e pés voltados para trás. Moviam-se estranhamente, dando a impressão de caminhar para trás quando, na verdade, moviam-se para a frente. Isso confundia os Guerreiros Albânicos no momento do ataque.
A guerra iria começar.