A sabedoria é dada pelo tempo, como a água das nascentes.
Nasce entre as pedras singela e límpida, e vai fazendo seu percurso.
Quando menos se espera, surge um lindo e esplêndido rio novo.
Assim nasce a sabedoria devagar nos completando.
Quando menos se espera… um ser humano novo.
(Ellen dos Santos)
A claridade trazia as cores dos verdes dos prados despertados pelos sons dos pássaros e dos outros animais que se misturavam com a melodia tímida das águas que transbordavam pela nascente. Da nascente se transformavam em riacho, do riacho se criavam os braços: ora lago, ora lagoa, ora rio e finalmente chegava na imensidão do mar.
Naquela manhã estavam dois frades franciscanos às margens do rio. O frade mais velho estava com a água até os joelhos, era barbudo e tinha alguns fios brancos e a cabeça relativamente calva; era gordo. Segurava um cajado na mão direita e olhava para os arredores como se procurasse algo, Enquanto isso, o frade mais jovem era franzino, tinha cabelos cacheados e estava sentado numa pedra ao lado. Ele logo quebrava o silêncio, perguntando:
— Como conseguir a sabedoria? Já li e procurei em tantos lugares, livros, filósofos, sociólogos, religiosos, na Bíblia, nos escritos dos considerados sábios, e não a encontrei. Alguns dizem que já a encontraram em alguma religião, na vida de algum santo, como, por exemplo, nas Cartas de São Paulo ou nos ensinamentos de Santo Agostinho; enfim, outros falam que se encontra a sabedoria com o caminhar da modernidade, da tecnologia, das mudanças dos conceitos sociais e culturais. Mas confesso, amigo frade, que não a encontrei.
O frade mais velho deu um leve sorriso, se sentou ao lado do frade mais novo e lhe disse:
— Será? Será mesmo, jovem, que nunca encontraste a sabedoria? Pensaria um pouco mais a respeito disso se eu fosse você. A cada fase, a cada momento estamos aprendendo algo. A vida por si só é uma sabedoria; a vida acontece até quando estamos dormindo — disse finalizando a frase com tom risonho. — Existe uma diferença entre sabedoria e prática. Posso dizer que os meus cabelos brancos me trazem a prática, a experiência; porém, a cada segundo, a vida me surpreende, e ainda bem que ela me surpreende, porque caso contrário estaria concorrendo à vaga de emprego do espantalho: feio, paradão no meio da plantação e que só serve para afugentar os pássaros.
De repente o frade mais novo se levantou, olhou para o horizonte e falou:
— Concordo contigo, amigo frade. A cada fase da vida suas lições assim como os cursos das águas. Só de pensar que esse rio, antes de ser rio, foi uma nascente e que essas águas não são as mesmas, mas que estão em perfeita harmonia com a natureza. A água gera vida. Quantos seres nascem, vivem e morrem nelas? Quantos precisam delas para sobreviver e para seu sustento? Quantos se alimentam dela? E nunca saberemos quais os seus destinos e quais locais que ela passou ou passará.
— Uma coisa é certa é que sem água ninguém vive, ela mata a sede, limpa a garganta e dar um susto daqueles no fígado. — O idoso pegou água com uma das mãos e bebeu. — Essa tá boa, essa tá fresquinha. — ele deu risada.
O jovem frade pegou um pouco de água e deixou com que se derramasse entre seus dedos, e disse:
— A água é como a vida. A gente nunca sabe onde vai chegar, o que nos reserva. Às vezes acontecem tantas coisas que nos pegam de surpresa, que nos assustam, e percebemos que somos frágeis. Como esse céu tão limpo pode se tornar cinza trazendo uma tempestade. — Ele olhou para o alto.
Então, o outro deixou seu cajado ao lado da pedra, mergulhou na água e depois disse:
— Uma chuva ou uma tempestade deixam as águas nervosas, formam grandes ondas, e estar no meio de uma tempestade é desesperador; porém, é necessário saber que o medo é incontrolável, entretanto deixar levar por ele é uma escolha. Digo: que em momentos como esses tem que se tomar uma decisão: ou se deixa desesperar, tomar-se pelo medo e se afogar, ou se deixa levar pela correnteza até esperar que a tempestade se acalme ou, quem sabe, encontrar um lugar seguro.
O frade mais novo seguiu de volta para a pedra, enquanto falava:
— É o que dizem: que não se deve nadar contra a correnteza. Assim também é a vida: momentos difíceis são como tempestades. Seguir o curso da água é ter a sabedoria de se manter firme e de não desistir; ser constante. Bom, acredito que o lugar seguro seja a fé, e isso é o que sustenta, acalenta, traz força, garra, superação. — ele se sentou na pedra.
— O amor… O amor é necessário. Momentos difíceis têm a capacidade de revelar os nossos verdadeiros tesouros. Como o amor por nossa família: quantas vezes deixamos de dar carinho, de perdoar, de pedir perdão, de estar com nossos familiares apenas por orgulho? A ignorância de que esse tal orgulho nada serve é como um peso morto que nos afunda e aprisiona.
— Concordo contigo, velho frade, e também sei que dói quando aqueles que mais amamos nos desaponta, nos decepciona, ou quando não concordamos com suas escolhas ou com o jeito que levam a vida. Entramos num estado de irritação, Chegamos até a pensar que deixamos de amar. Nós, seres humanos, vivemos com muitos medos: de ficar na miséria, do desemprego, da solidão… Porém, na minha humilde opinião, todos nós deveríamos ter medo de chegarmos a um dia dizer que deixamos de amar, pois acreditar que se perdeu a capacidade de amar é um perigo, porque o ódio é a morte da alma sendo alimentada pelo orgulho.
— O orgulho é um peso morto, não serve pra nada. Digo mais: que ele é como uma armadilha, uma falsa segurança, uma superioridade que apenas atrapalha. Afinal, pra que serve a superioridade? Todos os seres trazem consigo a democracia da vida: o tempo de viver e o de morrer, independentemente das diferenças, das espécies. Todos têm suas funções, e é assim que é o ciclo da vida.
— O ciclo da vida. — o jovem fez uma pausa e olhou ao redor. — É Incrível que a natureza é perfeita e age sem mandato, como é sábia. A fêmea menstrua todos os meses no auge da fertilidade, as estações não se misturam, é tempo de plantar, é tempo de colher, as chuvas, a seca, a nevasca, as águas que correm pela terra, o sol, a lua, as estrelas; enfim, todo o universo. Tudo isso é a vida, que se inicia um ciclo e depois termina e já começa outro e nunca cessa, nunca termina.
O frade mais velho retornou até a pedra e, torcendo as pontas do hábito com objetivo de enxugá-las e, dizia:
— Olha só pra isso. Você me perguntou no início de nossa conversa como ter sabedoria, jovem, e quantas coisas você sabe. Está se saindo melhor do que esse seu amigo velho e pançudo. — Ele coloca uma das mãos sob a barriga e dá uma gargalhada.
— É verdade. Então acabei descobrindo que o que tanto procurei eu já tinha. Acho que já temos o que de fato procuramos. Uns dizem que procuram o amor nos outros ou em coisas, mas esquecem que o amor existe dentro de cada um de nós; outros buscam a segurança, porém não veem dentro de si mesmos e a procuram no dinheiro, na estabilidade financeira… — neste instante, ele foi interrompido pelo outro:
— A vida nos dá oportunidades de vivermos nos desafios e também nas alegrias o que somos. Basta ter coragem, ser valente, estar disposto a passar por essas fases e ver a sua verdadeira face. Alguns se espantam no que veem. Algumas caras são tão amarradas, que parecem que chuparam limão; outras amassadas como um maracujá, e poucos são agraciados com a beleza natural, assim como eu — eles gargalham.
— Amigo frade, você ver graça em tudo. Gostaria de ser assim. Quem sabe a vida seria menos amarga e mais doce?
— Sorrir é grátis, e uma promoção dessa não se desperdiça — disse risonho. — O que eu quero dizer é que quando a vida nós desafia e descobrimos nossas fragilidades como o medo, o preconceito, a inveja, o ciúme, a raiva ou até mesmo o ódio, não é momento de julgarmos, desprezarmos ou acharmos que estamos pagando por nossas faltas e por nossos erros.
— Não julgar nós mesmo não significa ser omisso ou fechar os olhos para nossas deficiências. Acredito que podemos transformar cada uma delas em algo valoroso, como quando uma pedra bruta pode se torna uma joia rara. Nada está perdido.
— Não é uma tarefa fácil mudar. Principalmente mudar para o nosso bem. Por exemplo, essa minha pança já me denuncia o meu pecado da gula. Gosto de comer doces. Eles são a minha perdição. Porém eu sei que não fazem bem a minha saúde, então continuar a comê-los ou não é uma escolha minha, e ambas me trarão duas consequências: deixar de comer para manter minha saúde, enquanto que o contrário me deixará doente.
— Amigo frade, no meu caso eu já tomei a minha decisão. Por anos me perdia em tentar fazer com que tudo fosse do meu jeito. Me machucava, me entristecia quando alguém querido fazia algo que eu considerava errado ou incoerente. Passava o tempo todo a julgar essas pessoas; apenas via seus erros e esquecia o bem enorme que elas faziam a mim mais do que essas coisas que me aborreciam que nada valiam, que não eram importantes. Eu percebi que é mesquinho permitir que eu desperdice a minha vida a viver de julgamentos, pois cada um é responsável por seus atos, assim como eu sou responsável pelos meus. Quem foi que disse que viver é passar a vida toda a julgar?
— Então, você decidiu não julgar. Bom, também não é uma tarefa fácil. Alguém de vez em quando vai lhe aborrecer, te indignar, aí eu te pergunto: conseguirá ver, nessa pessoa, suas virtudes ao invés de seus defeitos?
— Sei que não posso mudá-los, mas algo posso fazer.
— O quê? — perguntou o mais velho.
— À minha parte só cabe amar, e amar é perdoar, se colocar no lugar do outro. Quem nunca errou? Quem nunca se equivocou? Quem é alguém que nessa vida pode dizer que não se pode dar uma chance para alguém recomeçar? Temos tantos defeitos.
— Ver nossos defeitos e ter a humildade e a coragem de mudá-los é ter a sabedoria de entender que a mudança não é fácil e se leva tempo.
— É, nesse caminho até chegar a mudança desejada se tem muitas recaídas, inseguranças, medos. Essas coisas fazem parte do caminho — ponderou o jovem religioso.
— Sim, fazem parte do caminho, e nesse caminho todos são convidados a vivê-lo, passar por ele e aprender com a experiência, e esse convite para a vida é genuíno. Amar é uma condição, assim como respirar. Amamos por amar, e isso faz parte da nossa realidade humana.
— Todos nascem com essa capacidade, tanto que me atrevo a dizer que todo ser humano nasce com a sabedoria de amar, e essa sabedoria tem que ser alimentada por amor. Amor se multiplica em amor e só cresce assim como uma flor que precisa ser regada, bem cuidada, receber a luz do sol.
— Tudo a seu tempo, meu jovem. A cada fase existe um despertar, um recomeço, novas descobertas, e depois se chega ao fim, e depois começa tudo outra vez. É como um ciclo.
Logo, o frade mais novo ficou em silêncio, sentiu a brisa tocar em sua pele, fechou os olhos e depois disse:
— Faz tanto tempo que não sinto isso.
— O quê? — indagou o outro.
O frade mais novo abre os olhos e responde:
— Não ter pressa para que o tempo passe. Essa é outra coisa que não quero mais controlar: nem o tempo, nem a vida. Decidi também deixar que tudo seja como é.
— Quer dizer que você decidiu respeitar o percurso das águas?
— Muito mais que isso, eu aprendi a deixar a vida ser a vida.
Assim, os dois frades encerraram aquela conversa, saíram do rio e seguiram a estrada.
Que bonito, Lyvia. Parabéns pelo conto tão bem desenvolvido e com tantos bons ensinamentos.
Que bonito, Lyvia. Parabéns pelo conto tão bem desenvolvido e com tantos bons ensinamentos.
Que lindo, a musica casou muito bem
Que lindo, a musica casou muito bem
Que delícia de papo. A sabedoria não se encontra. Se adquire a cada respirar. E que maravilhosa a sabedoria do amar.
Que delícia de papo. A sabedoria não se encontra. Se adquire a cada respirar. E que maravilhosa a sabedoria do amar.
Que delícia de papo. A sabedoria não se encontra. Se adquire a cada respirar. E que maravilhosa a sabedoria do amar.
Que delícia de papo. A sabedoria não se encontra. Se adquire a cada respirar. E que maravilhosa a sabedoria do amar.