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Las Mitades de Nuestro Amor

Aquele medalhão marcou um amor incondicional,

que foi fiel em vida e que enfrentou a morte,

marcando em suas peles a eterna aliança.

Recordações de dois amores sofridos e vividos,

chorando e sorrindo, ultrapassando o infinito.

Encontram-se novamente, unidos por herança do destino,

que não desistiu de unir novamente o destino de um amor infinito.

– Ellen dos Santos –


Bianca correu pela floresta, já sem fôlego, em uma tentativa vã de alcançá-lo. Não adiantava, Pablo era bem mais rápido que ela. Ofegante, a jovem parou e se escorou em uma árvore. O namorado voltou até ela, rindo, mantendo-se a uma distância segura para não ser estapeado. Ele esperou até que a respiração da moça voltasse ao normal e lhe estendeu a mão. Quando ela segurou, Pablo tomou a mão dela entre as dele e deu um beijo delicado em seu dorso. Bianca sorriu, corando; não conseguia ficar brava com aquele galanteador.

— Tenho algo para ti.
— O que é? — perguntou, curiosa.
— Tu verás. — Ele deu seu belo sorriso. — Venhas comigo.
A jovem seguiu-o, de mãos dadas com ele. Pablo a levou pelas árvores, por um caminho desconhecido. Ainda assim, Bianca não tinha medo. Confiava plenamente em seu cigano.
No entanto, depois de mais de uma hora de caminhada, ela já estava impaciente.
— Para aonde tu estás me levando, Pablo?
— Tenha paciência, mulher. — Ele riu. — Estamos quase chegando.
Bianca bufou, mas concordou em continuar o seguindo, enquanto ele ria de sua cara brava. Algum tempo depois, o rapaz parou diante de um emaranhado de árvores; conhecendo o caminho, ele puxou o galho certo e liberou a passagem para o outro lado. A jovem se inclinou e atravessou o arco natural. Seus olhos brilharam com o que viram.
Era uma linda clareira. Em plena primavera, as flores se abriam perfumando e colorindo aquele mar de grama verde. Um pequeno paraíso no meio da floresta.
Tomada de empolgação com a imagem, Bianca arrancou as botas e saiu correndo descalça por entre as flores. Pablo sorriu, e seus olhos também brilhavam ao ver a alegria dela. Sem perder tempo, ele a seguiu. Passaram a tarde inteira brincando, somente os dois, aproveitando o breve momento para se esquecerem de seus problemas.
Ao entardecer, ambos olhavam para o céu, deitados na grama lado a lado, de mãos dadas. Estavam em silêncio. Não havia necessidade de palavras quando apenas a presença um do outro bastava.
Pablo respirou fundo e se sentou. Olhou para sua amada e sorriu, afagando-lhe o rosto. Bianca retribuiu o sorriso. O rapaz retirou a mão dela e enfiou nas vestes em busca de algo em seu bolso.
— Isto é para ti, Bianca — ele disse, estendendo-lhe algo.
Bianca arregalou os olhos e se sentou também, encantada. Parecia a joia de uma princesa de contos de fada. Na mão de Pablo estava um lindo medalhão em formato de coração, preso a dois cordões. A peça era feita de prata, com pedras vermelhas delicadamente incrustadas. Devia valer uma fortuna, e era a coisa mais linda que a jovem já vira.
Pablo sorriu e, com cuidado, usou as duas mãos para pressionar a joia. O medalhão se partiu em dois, revelando ser um conjunto de dois pingentes que se encaixavam. Ele pegou uma das metades e ofereceu a Bianca. Quando ela lhe estendeu a mão, ele depositou o objeto em sua palma.
— Do meu coração, minha outra metade — o jovem sussurrou apaixonado.
A companheira o olhou, emocionada, e virou de costas para que ele pusesse a joia nela. Bianca se arrepiou quando o metal tocou sua pele. O objeto era frio, mas aquecia dentro de seu peito. Enquanto tivesse aquele presente, sempre teria uma parte de seu amor consigo.

***

Bianca sorria enquanto dizia palavras doces para tranquilizar a criança em que passava o unguento. Pouco depois de terminar de tratar de seu paciente, ela viu alguém saindo das árvores, movendo-se de forma suspeita. A mulher se alarmou e estava pronta para correr e pegar o facão que tinha dentro de casa, porém relaxou ao notar que era Pablo quem se aproximava.
Ia cumprimentá-lo, até ver a expressão tensa no rosto dele. Seu sorriso esmoreceu e ela sentiu um calafrio na espinha; algo parecia errado. Abriu a boca para perguntar o motivo dele estar assim, no entanto, Pablo a interrompeu antes que pudesse falar:
— Precisamos ir embora daqui.
A mulher piscou em silêncio e demorou um instante para assimilar o que ele dissera.
— O quê? Por quê?
— Arrume tuas coisas, antes que seja tarde demais — insistiu e agarrou-a pelo braço, levando-a para dentro do casebre.
Bianca desvencilhou-se do aperto dele e o encarou.
— Pare! Não farei nada antes que me expliques o que está havendo!
A mãe da moça surgiu à porta, vinda do quintal, para saber o motivo da balbúrdia; os filhos mais novos, irmãos de Bianca, espiavam por detrás dela. Pablo os ignorou e tornou a segurar nos braços dela, porém, daquela vez, parecia suplicar ao invés de lhe impor algo.
— Meu amor… Eles estão atrás de mim, do meu povo! Precisamos sumir, não entende?!
— Por que estão atrás de vocês?! — ela arregalou os olhos.
— O vigário… Ele não gosta de nós, diz que somos pessoas sem alma que queimarão no fogo do inferno; e está disposto a ele mesmo realizar tal sentença.
— Isso é horrível… — a mulher murmurou chocada, tapando a boca com as mãos.
— Estamos acostumados, este tem sido nosso destino há algum tempo. — Pablo suspirou, resignado. — Somos nômades, não nos importamos de partir para uma nova terra. — Ele sorriu para tranquilizá-la e largou-a antes de afagar-lhe o rosto com carinho. — Minha caravana foi na frente, eu fiquei para vir buscá-la… Venhas comigo, Bianca! Fujas comigo, por favor! Eu preciso de ti!
A jovem se afastou, negando com a cabeça.
— Fugir?! Eu… — Olhou para a mãe e os irmãos, que dependiam dela. Não tinha como a mãe dela, já entrando em idade avançada, criar sozinha as crianças até que crescessem. Desde que o pai morrera anos atrás, ela assumira o trabalho da mãe como curandeira da vila e era quem provia o sustento da família. — Não posso… Não posso, eles dependem de mim!
A expressão de Pablo se tornou um misto de desespero e decepção, mas ele não desistiu. Agarrou os ombros dela e chacoalhou de leve.
— Tu precisas vir comigo, Bianca! Os aldeões sabem de nós, já nos viram juntos. Eu temo pela tua segurança; não posso sair sabendo que tu estás aqui, correndo perigo por minha causa!
— Pablo tem razão — a mãe da moça se pronunciou e aproximou da filha. — Só Deus sabe o que podem fazer contigo, mulher de cigano. Tu deves ir com ele.
O homem lançou um olhar agradecido para a sogra e fitou a companheira, com esperança. Bianca olhou de um para outro, dividida. Era claro que ela queria seguir o amor de sua vida, todavia, não podia esquecer sua família. Não era uma ingrata, uma covarde.
— Não posso… — sussurrou com a voz quase sumindo.
Ela viu os olhos de seu amado se encherem de lágrimas e ele a soltou, derrotado, deixando os braços penderem ao lado do corpo. Bianca sentiu seu coração partir com a visão e seus olhos também marejaram. Queria dizer algo, mas, o quê? O que dizer naquele momento, em que era obrigada a ver seu amor partir?
Antes que pudesse pensar no que falar, porém, um som longínquo chegou até a cabana e chamou-lhes a atenção. Assim que distinguiu a origem do ruído, o coração de Bianca se acelerou.
O som do galope soou como a trombeta da morte.
Ao ouvir aquilo, ela olhou para Pablo, em desespero. Dera-se conta do erro que cometera; sua indecisão e teimosia selaram o destino de seu amado. E, pela expressão do cigano, ele estava ciente do que estava por vir. Com calma, o homem segurou-lhe o rosto e puxou-a para um beijo longo e repleto de sentimento. Apesar de querer interrompê-lo, empurrá-lo para fora e mandá-lo escapar, Bianca correspondeu a carícia. Em seu íntimo, ela sabia que não havia mais como ele fugir.
Lágrimas escorreram por suas bochechas enquanto ela via-o sair do casebre e se afastar alguns passos. Cinco pessoas surgiram montadas em cavalos pouco depois; quatro cavaleiros e o delegado. Todos desmontaram e dois dos homens truculentos agarraram os braços de Pablo, um de cada lado; o rapaz não reagiu. O delegado se aproximou e parou diante dele, olhando-o com desprezo.
— Tua laia pode ter fugido, cigano, mas tu virás conosco. És acusado de vadiagem, crimes contra o Senhor — ele abaixou os olhos até o peito de Pablo, encarando a joia — e furto.
O homem agarrou o pingente e puxou-o com violência do pescoço do cigano. Instintivamente a mãe de Bianca puxou-a para trás, e a jovem mulher guardou sua metade da joia dentro das vestes. Ela estava confusa. Pablo dissera que comprara o objeto no ourives da cidade. Ela vira o quanto o amante trabalhara duro, por vezes submetendo-se a humilhações, tudo para arrecadar o dinheiro necessário. Aquilo não podia ser verdade.
— Eu paguei por isto! Devolva! — o jovem tentou argumentar, mas o delegado continuou a falar, enquanto se afastava e montava no cavalo.
— Estás preso e tua sentença já foi dada; serás executado em praça pública pelos teus crimes, cão sarnento. — Deu um sorriso vil. — Homens, prendam este vadio e tragam-no.
Um dos cavaleiros que não o segurava se aproximou e esmurrou sua face, depois socou seu estômago, fazendo-o ajoelhar-se de dor. Bianca gritou e tentou alcançá-lo, mas a mãe segurou-a firme no lugar. Prenderam os pulsos de Pablo à frente de seu corpo e forçaram-no a se levantar, atando a outra ponta da corda na sela do delegado. Os demais montaram em seus cavalos, e o líder puxou a comitiva.
Ao ver seu amor sendo levado à força, a jovem curandeira não conseguiu manter-se parada; desviou da mãe e correu em direção ao prisioneiro; mas um dos cavaleiros se pôs à frente dela e empurrou-a para trás, fazendo-a cair ao chão.
— Não te intrometas, bruxa! Ou tu e tua família perecerão junto a este herege! — ameaçou.
Bianca se encolheu, trêmula, e o homem fez sua montaria dar meia volta e retornar ao grupo. A jovem sentiu quando sua mãe se aproximou e a abraçou, dizendo algo que ela não ouviu, pois sua atenção estava toda voltada para Pablo. As lágrimas que escorriam por seu rosto transbordavam a impotência que a mulher sentia, por não poder fazer nada a não ser olhar enquanto lhe tiravam aquele a quem amava.

***

Estava frio na manhã seguinte. O Sol sequer havia raiado, mas ela aguardava na praça da pequena cidade. O palanque estava montado e preparado para a execução; algumas pessoas começavam a se aglomerar ao redor, assim como alguns comerciantes de cerveja, frutas e pão. Aquele era apenas mais um acontecimento corriqueiro na vida dos aldeões; após aquilo, a rotina continuaria como se nada houvesse acontecido.
Na verdade, era bem pior. Na vida monótona e insípida daqueles ignorantes, episódios como execuções eram uma espécie de espetáculo; as vaias e a morte aos condenados alimentavam sua natureza podre, na tentativa de preencher o vazio dentro deles.
Eles chegaram ao amanhecer. A mesma comitiva do dia anterior trazia Pablo, com a adição do velho vigário. A população, agora numerosa, se amontoava ao redor da praça. Enquanto passavam, jogaram comida podre em cima do prisioneiro, e alguns cuspiram nele, competindo silenciosamente em acertarem sua face inchada.
Bianca xingou-os e tentou avançar neles, mas a mãe e os irmãos a impediram. Os hipócritas vaiavam, repletos de ódio e escárnio, a mesma pessoa que, dias atrás, entretia-os com música e dança. As pessoas eram facilmente manipuláveis.
Ela não compreendia por que tamanho ódio com os ciganos, só por levarem um estilo de vida diferente, livre. As autoridades consideravam-nos ameaças por não se prenderem a lugar algum ou às leis. E, por não adorarem ao mesmo Deus, eram vistos como seres sem alma, endemoniados. Era uma calúnia ridícula, pois a mulher sabia que seu amor era uma das pessoas mais doces que conhecera em toda sua vida.
— Pablo… — sussurrou chorosa, em meio às vaias.
O homem fora posicionado sobre o palanque. Estava ferido; cheio de hematomas, escoriações, o nariz quebrado e um olho inchado. Alguém surrara-o enquanto estava preso na cela. Bianca tentou se aproximar, alcançá-lo uma última vez, mas a família a segurou, impedindo-a de se mover.
O vigário parou a alguns metros e gesticulou com a cabeça, sinal para o delegado prosseguir. O delegado pigarreou, limpando a garganta, e abriu um pedaço de papel diante de seu rosto, pondo-se a ler a condenação ali escrita. Bianca soluçou. Ela sabia que seu amor era inocente, mas como poderia provar? A mulher vagou com os olhos ao longo do local, em busca de alguma esperança, quando seu olhar recaiu sobre o ourives. Era isso, aquele homem poderia atestar a inocência de Pablo, dizer às autoridades que ele comprara a joia honestamente.
O ouvires sentiu ser observado e olhou ao redor até reparar quem o fitava. Ele encarou o olhar suplicante de Bianca, mas desviou o rosto para o outro lado, a face repleta de culpa. Desconfortável, ele apertou a bolsa de couro em sua cintura e se afastou, fugindo antes que ela viesse atrás dele. Neste momento, a verdade recaiu com tanto peso sobre a mulher que ela teve de segurar na mãe para impedir que seus joelhos cedessem. O ourives havia sido comprado; não salvaria a vida de Pablo.
Desesperada, Bianca tornou a olhar seu amado. Pablo a encarou de volta, fitando aquela única pessoa que lhe importava na multidão. Ele sabia o que estava prestes a acontecer, mas, ainda assim, lhe deu um último sorriso.
Com um comando e um gesto, o alto estalo ecoou pela praça.
A morte de um inocente.
A morte de parte de Bianca.

***

A dor da perda ecoava em todos os cantos de seu ser e preenchia sua alma. Bianca não queria continuar a viver sem ele, acordar todos os dias e saber que não veria o belo sorriso do amado eram seu pior martírio. Mas a jovem tinha uma família que dependia dela, uma família que a amava, e ela os amava também. Mesmo destruída, ela se forçou a continuar por eles, os únicos que lhe restavam.
A paz não durou muito.
Em menos de um ano, a família de Bianca foi presa. O vigário alegava que a terra precisava ser purificada de pessoas impuras, pois eram elas que traziam desgraça, fome e doença para a população. Sem uma figura paterna na casa, as curandeiras foram acusadas de bruxaria, chamadas de esposas do diabo. Incompreendidas e temidas por suas habilidades em salvar vidas, sem necessitar do apoio divino.
Encontrar a outra parte do medalhão com Bianca serviu para aumentar ainda mais as acusações. Ela e sua família foram acusadas de serem cúmplices do roubo e tiveram a mesma condenação.
A jovem foi a primeira a ser encaminhada para a forca. Ali, a mulher que salvara as vidas de muitos deles era xingada pela multidão. No entanto, uma estranha serenidade se apossara do íntimo de Bianca. Enquanto lhe punham o laço em torno do pescoço, ela rezava para que existisse alguma vida após a morte.
Antes de lhe empurrarem para fora do palanque, a mulher olhou para o céu. Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha e ela sorriu enquanto sussurrava:
— Espere por mim, meu amor…

***

A tragédia separou Bianca e Pablo, mas, para um grande amor como o deles, aquele não poderia ser o fim.
Décadas, séculos depois, uma mulher, em um bar do Rio de Janeiro, se levantou de sua mesa e foi ao banheiro. Distraída olhando o celular, não conseguiu evitar bater em alguém.
— Desculpe, eu não vi você… — ela se interrompeu quando os olhos fitaram o homem à sua frente.
Assombrada, ela agarrou a camisa do desconhecido e puxou o tecido para o lado, a fim de que pudesse ver o que estampava sua pele. Ali, no peito dele, havia uma tatuagem de uma joia, com um lindo pingente em formato de metade de um coração. E, o que mais a espantava, era que ela tinha uma tatuagem semelhante em seu próprio peito, sob suas roupas, representando a outra metade daquele pingente; pintura feita graças aos sonhos estranhos que tinha, onde ela era uma outra mulher, de uma outra época…
Ele ainda a encarava de volta, atônito. A mulher se deu conta do que fazia e o largou, constrangida.
— Olá — o homem respondeu de repente, impedindo-a de sair correndo.
A morena voltou-se para o jovem, seu rosto pardo vermelho de vergonha.
— Oi… — murmurou sem fôlego.
Um silêncio constrangedor durou alguns segundos.
— Eu… Já a vi antes? — ele perguntou. No fundo, sentia que nunca vira aquela mulher em sua vida, mas tinha a impressão de conhecê-la de algum lugar.
Ela engoliu em seco, parecendo se amuar um pouco.
— Desculpe… Eu acho que não…
— Oh… — o homem murmurou, decepcionado. — Então devo me apresentar. — Ele sorriu e estendeu a mão. — Sou Pedro.
Ela estendeu a mão e o cumprimentou de volta. O toque de suas peles subiu como uma corrente elétrica pelos braços de ambos, arrepiando-os. A consciência de duas almas que reencontravam o seu par depois de um longo tempo.
— Sou Diana.
— Prazer em conhecê-la.

FIM

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  • Ainda bem que teve um final feliz… Estava com o meu coração apertado aqui… Rsrs Parabéns, Fabi. Muito bom…

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