Era amor,
Era pudor,
Era vontade de expor.

Queria dizer,
Aos quatro cantos gritar
Como é bom o amar.

Vivendo no silêncio
Um amor não correspondido
Sozinho está sofrendo
Por seu amor e grande amigo.

Mas se a vida assim quis,
Não há do que reclamar.
Amores novos há de surgir.
Histórias novas hei de contar.

O importante é vê-lo sorrir,
E se assim está
Deixe ir.
Feliz ele estará.

(Ellen dos Santos)

 

— Michel, você não pode ficar aí para sempre! — reclamou Gael, do lado de fora do banheiro, encarando a porta fechada.
Já tinha aproximadamente meia hora que vira seu irmão mais novo chegar no apartamento como um furacão e se trancar no banheiro. Respirou fundo porque não teve nenhuma resposta, mas conseguia ouvi-lo soluçar do outro lado da porta.
Perderam os pais em um acidente de carro, quando Michel tinha apenas 16 anos. E Gael, sendo o mais velho, com 20 anos, viu-se precisando ser irmão e “pai” para o mais novo.
Normalmente, Michel era até tranquilo, mas, quando acontecia algo que o incomodava muito, ele costumava prender aquilo dentro de si. Porém, observador, Gael percebia e sempre tinha seu jeito de fazer seu irmão desabafar.
Foi assim por anos, mas agora estavam um pouco mais afastados.
Quando entrou na melhor faculdade de gastronomia da França, mesmo morando em Paris, Michel quis ficar no dormitório do Campus. Ele dizia querer ter a experiência completa. E foi lá que havia conhecido Thomas, um rapaz inglês que veio a tornar-se seu melhor amigo.
Gael sempre soube que seu irmão era gay, até porque não era algo que ele se incomodava em esconder, mas preocupou-se um pouco quando começou a perceber que Michel, ao longo do tempo, começou a gostar cada vez mais de Thomas.
Doía para ele ver seu irmão sorrir na frente de todos, mas estar despedaçado por dentro, porque amava seu melhor amigo. Amava seu melhor amigo que não era gay, e se recusava, com todas as forças, a falar o que sentia para Thomas, com receio de perder o melhor amigo.
Há alguns anos que Michel não agia daquela forma. A última vez, fora quando percebera que estava apaixonado por Thomas e queria poder chorar sem dar explicações para ele.
Gael estava preocupado com o irmão, perguntando-se o que poderia ter acontecido daquela vez. Tentou mais uma vez forçar a maçaneta da porta, em vão, porque estava trancada por dentro.
— Michel, se você não abrir essa porta eu vou arrombá-la. Eu preciso saber se você está bem!!
Não houve resposta, mas, pouco tempo depois, ouviu o som do trinco sendo destrancado e abriu a porta, apenas a tempo de ver o irmão voltar correndo para perto do vaso sanitário, onde estava apoiado, chorando e com uma cara péssima de enjoo. Notou que já havia pelo menos uns dois dedos de raiz escura no cabelo descolorido dele, e dificilmente, quando estava bem, Michel deixaria esse detalhe passar.
— Você encheu a cara pra valer hoje hein… — Ele aproximou-se devagar, abaixando um pouco. — Quer falar sobre isso? — Michel apenas meneou a cabeça negativamente, suando frio.
Gael levantou e saiu do banheiro, indo até a cozinha. Quando o irmão bebia até chegar naquele estado, só tendia a melhorar um pouco depois que conseguisse botar aquele excesso para fora. Abriu a geladeira e pegou uma latinha de água tônica. Há quem diga que esse tipo de refrigerante faz bem para ressaca — e o francês nunca acreditou nisso—, mas funcionava para seu irmão. Não exatamente por esses motivos, mas porque Michel odiava tanto o gosto de água tônica que, num momento como agora, serviria bem.
Abriu a latinha, virando o conteúdo transparente e borbulhante em um copo de vidro, e voltou até o banheiro.
— Beba, vai te fazer bem — disse entregando o copo a Michel, que levantou os olhos inchados na direção de Gael, pegando o objeto.
— O que é isso? — perguntou com a voz ainda chorosa.
— Vai te fazer bem, apenas beba…
Michel, ao perceber o que era pelo cheiro, torceu o nariz, mas virou o copo. Ele detestava aquele gosto amargo, que pareceu descer como uma bomba até seu estômago. Por um lado o açúcar foi bem-vindo, por outro, o gosto o enjoou ainda mais.
Apoiou-se melhor no vaso quando passou mal. Em alguns minutos, pelo menos tinha uma cara um pouco melhor, sem o excesso de álcool.
Sem o enjoo, afastou-se do vaso, encostando todo mole na parede, sentado no chão com uma cara péssima. Gael passou a mão levemente pelos seus cabelos e colocou uma mão na testa dele. Não tinha febre, pelo menos, então o ajudou a levantar e o sentou com roupa e tudo dentro do box do chuveiro, abrindo o registro de água morna.
Deixou o irmão ali por alguns minutos, enquanto deu descarga no vaso e buscou um suco doce na cozinha.
Quando voltou ao banheiro, tirou os sapatos e entrou no box, entregando o suco para o irmão completamente encharcado, que subiu o olhar para ele.
— Você está se molhando todo…
— É só água. — Gael sorriu, e sentou-se de pernas cruzadas de frente para Michel, no box apertado. — No momento, você precisa mais de mim do que eu de roupas secas.
— Obrigado… — Michel disse e bebeu o suco, depois deixando o copo de lado, que pouco a pouco se enchia da água que batia nele e ia para os lados.
Ficaram em silêncio por longos minutos. Gael sabia que,às vezes, tudo o que o irmão precisava era de alguém do lado. Mas, para sua surpresa, depois de um tempo ele começou a falar.
— A Elise está grávida, e o Thom a pediu em casamento — disse desanimado.
— Isso é bom, não é? Para ele, eu digo.
— É, para ele… — Fungou um pouco de tanto chorar. Os olhos vermelhos e inchados mostravam o quanto aquilo estava sendo doloroso para ele. — Ele quer que eu seja padrinho do casamento…
— E o que você respondeu?
— Eu ainda não respondi. Eu não sei se consigo, Gael. Eu não sei nem se eu consigo ver esse casamento acontecer.
— Você é o melhor amigo dele, Michel, é claro que iria querer que estivesse com ele nesse momento. E eu não acho que ele saiba o quanto esse convite te fez mal. Ele não sabe o que você sente por ele.
— Agora, mais do que nunca, ele não pode saber!
Michel acabou se deitando com a cabeça no colo do irmão mais velho, abraçado as próprias pernas.
— Ele nunca vai saber se você não contar, você sabe disso. — Gael começou a fazer alguns leves carinhos nos cabelos do irmão. — Thomas não parece ser o tipo que percebe quando alguém gosta dele, se estava esperando que ele percebesse sozinho.
— É, eu sei… e mesmo que percebesse, que diferença faria? Eles vão casar e ter filhos e eu vou ser só… o melhor amigo dele.
— E isso não é o bastante?
— Vai ter que ser. Mas não dói menos… — Ele fechou os olhos no colo do irmão, e calou-se.
Continuaram ali em silêncio por mais um tempo. Gael sabia que o outro não estava dormindo, porque ainda chorava um pouco. E sorriu de leve.
— Olha, sei que sou a última pessoa que poderia conversar contigo sobre amor… — Michel se virou de forma que conseguisse olhar o irmão, e, naquele instante, se deu conta de que, realmente, nunca tinha visto o irmão ter ninguém na vida dele, nem mesmo amigos. — Mas acho que não preciso de experiência para poder dizer que, é, o amor às vezes dói. Às vezes, o amor não é correspondido. Muitas outras, as coisas não saem como nós gostaríamos. Só conseguimos controlar o que nós sentimos, e não o que os outros sentem, não é?
— É, eu acho— respondeu Michel com desânimo.
— E, algumas vezes, a maior prova de amor que podemos dar para uma pessoa é deixá-la livre para amar, mesmo que não te ame de volta. — Baixou o olhar para o irmão, que ainda tinha lágrimas nos olhos, e passou um dedo devagar sob os olhos dele. — Me desculpe se não é o conselho que você gostaria de ouvir.
— Não precisa se desculpar, eu, na verdade, nem sei o que eu gostaria de ouvir.
No fundo, Michel sabia o que gostaria de ouvir. Gostaria de ouvir de Thomas que ele também o amava, mas, agora, mais do que nunca, esse era um sonho distante. Impossível. Porque, mesmo que isso ocorresse, e, por mais que o loiro tivesse ciúmes de Elise e sonhasse que um dia pudesse ter chances, eles iam ter um filho, casar e ter uma família, como ele jamais poderia oferecer ao melhor amigo.
Quando Gael percebeu que o irmão estava quase apagando de exaustão, o ajudou a se levantar, desligou o chuveiro e saiu com ele, puxando as toalhas para secarem-se um pouco. Ajudou-o a chegar até o quarto dele, pegou roupas secas e o colocou na cama. Michel dormiu logo, e ele sorriu de leve saindo do quarto.
Olhou para a trilha molhada no chão e para si mesmo, e preferiu colocar roupas secas antes de limpar a bagunça. Estava pensativo, enquanto secava o assoalho encharcado no chão entre os quartos, e precisou de mais panos para secar o banheiro.
Era doloroso para o homem de cabelos negros mentir para o próprio irmão, que ele jurou proteger ainda criança e criou sozinho desde a adolescência. Mas era pela segurança dele. Um dos problemas do seu trabalho.
Michel acreditava que o irmão era apenas um contador que trabalhava muito para algumas empresas importantes, e por isso tinha que viajar bastante, às vezes. Mas, a verdade é que Gael trabalhava para o serviço secreto francês, e isso tinha que ser mantido em segredo, mesmo de sua família.
Não se arrependia, porém, visto que graças ao bom salário pôde criar o irmão sem apertos após perderem os pais. Mas, ter um trabalho desses colocava em risco toda e qualquer pessoa que amasse. E doía não poder conversar abertamente sobre seus sentimentos por outras pessoas com o irmão, como Michel fazia com ele.
Quando terminou de limpar tudo, sentou-se no sofá e pegou o telefone sem fio na base, discando um número.
Ouviu chamar uma, duas, três vezes, quando uma voz finalmente respondeu do outro lado.
— Alô?
Ao ouvir a voz, desligou a chamada no telefone e respirou fundo. Talvez Michel nunca soubesse que seu irmão já havia estado praticamente na mesma situação que ele.

* * *

— Thom, fica calmo!! Tá se bagunçando todo! — reclamou Michel, ajeitando a gravata de Thomas pela quinta vez.
— Estou nervoso, e se a Elise não aparecer? — O noivo estava inseguro, e começou a tatear os bolsos procurando as alianças.
— Ela vai aparecer… — Michel o tranquilizou, enquanto pensava que não teria tanta sorte assim. Colocou a mão no bolso frontal do próprio terno e, puxando as duas alianças presas numa fita, viu o amigo respirar aliviado.
Thomas pegou os anéis, era melhor já colocar na almofada que a dama de honra iria levar, e, quando baixou o olhar, reparou nos pés de seu padrinho.
— Michel, você está de coturnos? — perguntou rindo.
— Você não me deixou usar a calça de couro e essa roupa de pinguim não tinha personalidade nenhuma! — Sorriu e o olhou.
— Eu odeio aquela calça! — Thomas riu e deu dois tapinhas no ombro de Michel, ele certamente não mudaria nunca.
— Agora vem, já tem um monte de gente lá fora! — disse o loiro puxando o melhor amigo, não sem antes parar na frente de um espelho e ajeitar o cabelo. Já tinha que retocar aquela raiz de novo, pensou.
Era um casamento pequeno, mais uma formalidade do que uma grande festa em si. Poucos amigos de Thomas entre os convidados, de um lado, e amigos e familiares de Elise, do outro; mas foi o bastante para quase lotar a pequena capela.
Os outros padrinhos, irmãos gêmeos amigos de Elise, e Lucas, um amigo de infância de Thomas, sorriram quando os viram chegar, mas Michel, de longe, procurava uma pessoa no meio dos convidados. Sabia que Gael havia viajado a trabalho, mas disse que tentaria ir. Não localizar o irmão estava o deixando um pouco nervoso. Embora por fora parecesse bem, por dentro estava prestes a desabar. Provavelmente, se pudesse, sairia correndo antes que a cerimônia começasse.
Quando Steve, um dos gêmeos, avisou que Elise tinha chegado, Michel percebeu Thomas respirar fundo.
— Está na hora…
— Está! — respondeu Michel, o tranquilizando, quando a música começou a tocar.
Viu Thomas seguir sozinho até o altar. O pai dele o havia abandonado ainda criança e sua mãe havia morrido pouco antes dele entrar na faculdade. Assim, Michel e Gael passaram a ser o mais próximo de uma família que ele tinha agora. Sabia que ele tinha uma tia ainda viva na Inglaterra, mas ela não conseguiu viajar para o casamento.
Por mais que ver a pessoa que amava se casar com outra pessoa doesse em Michel, ele sorriu, o olhando parar no altar. Thomas tinha perdido quase toda a família, e agora formaria uma. E ele? Bem, cedo ou tarde iria superar, ao menos era o que imaginava.
Não tinha ideia de quem era a madrinha que o acompanhou até o altar. Também não tinha ideia de quem eram as outras com Lucas e os gêmeos. Conhecia-os por andarem muito com Elise, e porque pelo menos Stuart tinha a mesma sede de balada que Michel e se esbarravam sempre.
De onde ficaram organizados no altar, olhou mais uma vez para os convidados e não viu Gael. Precisou conter o respirar fundo que deu para não transparecer.
Quando Elise entrou com o vestido simples, mas muito bonito, só conseguiu olhar para a forma como o rosto de Thomas iluminou-se quando a viu. Sorriu meio triste, ele nunca o havia olhado daquele jeito. Quando olhou novamente para a noiva que entrava, sorriu ao perceber, no fundo, Gael chegando atrasado e sentando-se no último banco.
Sentia-se mais tranquilo com o irmão ali.
— O vestido ficou muito bonito… — comentou com Steve ao seu lado, que parecia orgulhoso do vestido que havia desenhado para a melhor amiga. Ele cursava moda, e ela artes.
A cerimônia foi padrão, mas bonita. Quando terminaram, seguiram para a pequena casa de festas, e, quando saiu da capela, Michel abraçou o irmão.
— Você veio!!! — Sorriu satisfeito com a presença dele ali.
— E eu podia deixar meu irmão sozinho logo hoje? — Gael sorriu e o abraçou. O loiro, ao ver a gravata do mais velho desalinhada, teve certeza de que ele correra.
Gael voltou correndo de viagem, e atrasou passando em casa para se trocar, mas, pelo menos, havia chegado a tempo. Perguntava-se como Michel estava por dentro, porque conhecia o irmão e conseguia ver a tristeza no seu olhar por trás da máscara sorridente que vestia. Sabia que, por mais que fosse doloroso, ele jamais conseguiria dizer não a um pedido de Thomas.
A recepção foi na casa de festas. Michel não sabia de onde tinha tirado forças para sair sorridente em todas as fotos com os outros padrinhos. Mas sua maior preocupação ainda estava por vir.
Ele nunca tivera problemas para falar em público, mas nunca antes precisara discursar em um casamento. Especialmente no casamento da pessoa que ele amava sem ser correspondido. Tentou escrever algumas vezes o que falar, mas sempre achava que ficava uma porcaria e amassava o papel, jogando no lixo. Escolheu improvisar e falar o que viesse na cabeça na hora, e agora estava achando aquilo uma péssima ideia. Tinha medo de acidentalmente colocar para fora algo que não devia.
Quando finalmente chegou a hora, ele respirou fundo e sentiu o irmão segurar sua mão embaixo da mesa, lhe dando força. Quando levantou, deu duas batidinhas em sua taça, pedindo silêncio.
— Sabe, quando nos convidam para ser padrinhos, não tem nenhum curso que nos prepare para fazer um discurso. E, nossa, como é difícil. Alguns minutos são muito pouco para poder falar sobre pessoas que são muito importantes na sua vida. Parece que nunca é o suficiente.
“Thom entrou na minha vida há relativamente pouco tempo até, ou seria eu que entrei na vida dele chutando a porta e me acomodando? — Riu levemente e percebeu que fez o amigo rir também. — Mas a verdade é que a nossa faculdade nos trouxe não apenas uma formação, mas essa amizade única.
“Não sei exatamente como duas pessoas tão diferentes acabaram se dando tão bem, talvez seja o fato de que já perdemos tantas pessoas nas nossas vidas que, no fundo, a gente se entende melhor do que podia imaginar. E há um tempo chegou a Elise… — Mentalmente tentava controlar-se para não deixar transparecer o quanto discursar estava doendo. Seu olhar pousou em Elise, e ela o olhava como se soubesse. Ela sabia o quanto ele amava Thomas, e devia imaginar como aquilo estava sendo difícil; sorriu para ele, num agradecimento por todo aquele esforço. — E assim como eu, ela chegou para somar na vida do Thom. E agora esse futuro neném, que ainda nem dá pra notar direito que está aí, vai somar ainda mais para que a vida do meu melhor amigo seja a melhor daqui para frente. Cuida bem dele quando eu não tiver por perto, Elise! Que vocês sejam abençoados com muita felicidade daqui para frente.Um brinde aos noivos! — Michel ergueu mais a taça, seus olhos estavam brilhando um pouco com as lágrimas, mas por sorte, as pessoas achavam que ele estava apenas emocionado.
Ao sentar-se novamente e Steve começar a discursar sobre Elise, percebeu que Gael sorriu para ele, orgulhoso.

* * *

A festa correu bem, até que no final só restassem alguns poucos convidados no local.Depois que Thomas e Elise despediram-se dos convidados e saíram depois que ela jogou o buquê, a maioria começou a ir embora.
Michel estava sentado na escada que dava do salão para o jardim, já com a gravata solta no pescoço e bebendo uma cerveja direto no gargalo da garrafa, quando Gael sentou-se do lado dele.
— Sabe, seu discurso foi muito bonito. Eu disse que ia dar tudo certo — comentou, sorrindo para o irmão e bagunçando o cabelo dele.
— Bem, “eu fiz o que eu vim fazer”… — disse bebendo mais um gole do gargalo.
— Citando frases da cena final de “O Casamento do Meu Melhor Amigo”, Julia Roberts? — Gael riu de leve, assim como Michel, vendo que ele havia pescado a referência.
— Bem, acho que eu podia aceitar um George na minha vida hoje. “Com o balanço de um gato selvagem”. — Sorriu levemente e olhou para o irmão.
— Estou orgulhoso de você! — O abraçou de lado, e Michel deitou a cabeça no ombro dele.
— Sabe, acho que essa foi com certeza uma das coisas mais difíceis que já fiz na minha vida.
— O que? Discursar? — Brincou implicando com o irmão, que riu, e bebeu mais um gole.
— Deixar ir. Sabe, você estava certo. Estou triste, claro, mas ele parecia tão feliz, eu não conseguiria ser tão egoísta assim.
— Essa é a grande diferença entre apenas amar, e saber amar, Michel. — Gael afastou uma mecha da sua franja escura e sorriu para o irmão. — Querer que aqueles que amamos sejam felizes, mesmo que longe de nós, é difícil, eu sei, mas você se saiu com maestria. Vai dar tudo certo.
— Vai sim, não foi um adeus, não é? Ainda vou ver Thomas todos os dias enquanto trabalhamos, e, por Deus, essa criança que vai nascer precisa de alguém que faça doces de dar inveja para as festinhas de colégio. A Elise cozinha muito mal! — Ele riu e depois sorriu aninhado no irmão. — Obrigado, Gael… por estar sempre do meu lado.
— Eu vou estar sempre do seu lado irmão… sempre. Já quer ir embora?
— Com um monte de bebida grátis aqui? — Riu, levantando e olhando a garrafa vazia em mãos. — Acho que mereço encher a cara pra valer hoje!
Michel voltou para dentro do salão, indo buscar mais uma cerveja, e Gael puxou o telefone celular do bolso da calça. Celulares eram um luxo que nem todos tinham naquela época. Abriu o flip do aparelho grande, discou um número e o aproximou da orelha.
Um toque, dois toques, três toques.
— Alô? Gael? Está tudo bem?
— Está, desculpa ligar essa hora, é só para avisar que cheguei bem.
— Também cheguei bem. Conseguiu chegar à festa a tempo?
— Sim, meu irmão está bem. — Sorriu. — Só queria avisar que estava tudo bem mesmo. Boa noite…
Quando desligou a ligação, ainda ficou um tempo olhando para o aparelho, e respirou fundo.
Michel provavelmente nunca poderia saber sobre seu trabalho. Nem mesmo que Gael amava seu parceiro e que, sim, sabia bem como ele estava se sentindo agora. Queria poder o tranquilizar e dizer que com o tempo doeria menos, mas essa seria com toda certeza a maior das mentiras.
Podiam não ter as pessoas que amavam, mas, pelo menos, tinham um ao outro.

 


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