No acampamento dos Guerreiros Albânicos
No início da travessia, Nathan sentiu uma leve sacudida e logo viu-se em outro ambiente. Riachos cristalinos deslizavam por entre a relva verde. Árvores frutíferas espalhadas pelo campo sobressaíam no horizonte azul do céu. E bem lá adiante, a cerca de cem metros, o acampamento. Tendas feitas de tecido leve e branco enfunavam-se conforme o sopro da brisa.
— Venham, são nossos convidados — disse Marte, sempre firme e nobre ao falar, um verdadeiro general.
— Que lugar é esse? Quem são essas pessoas? — Perguntou Nathan.
— Somos guerreiros enviados pelo Senhor Supremo. E é aqui que renovamos nossas forças — respondeu Marte.
— Vocês o conhecem? Já o viram?
— Não, mas podemos senti-lo. Ele está em toda parte. E também sentimos que devemos protegê-lo da mesma forma que ele nos protege.
Nathan ficou maravilhado com o lugar. Reunidos numa espécie de clareira, Marte com um movimento da mão, ordenou que o alto comando comparecesse para dar as boas-vindas. O soar de uma trombeta se fez ouvir ao longe. Imediatamente, guerreiros surgiram ao redor dos convidados. Logo, cem deles se apresentaram. Um adiantou-se, colocou a mão direita sobre a testa e curvou-se em reverência:
— Nós, Guerreiros Albânicos, saudamos os viajantes. – O Orientador fez uma discreta mesura com a cabeça. Luzinete piscou sua luz turquesa de boas-vindas e Nathan sorriu, inclinando levemente a cabeça.
— Dispensados — disse Marte ao alto comando, que imediatamente desapareceu em meio a colunas de luzes. Porém, um permaneceu. Ele estendeu a mão e segurou a de Nathan convidando-o para conhecer o acampamento. Marte, ao vê-los sair, aproveitou para fazer uma observação ao Orientador:
— O senhor deve saber que a batalha não será fácil.
— Sim, eu sei. Ainda mais para uma criança.
— Não se deixe enganar pelas formas. Um menino como ele é mais cheio de coragem do que um exército inteiro — e bateu levemente a mão nas costas do Orientador, que estava muito preocupado.
Enquanto isso, Nathan caminhava com o guerreiro, que sugeriu que experimentasse uma fruta muito estranha, do tamanho de um pêssego.
— Veja, Nathan. Ela é capaz de se adaptar ao sabor de sua fruta preferida.
— É mesmo?
— Sim, observe. Vê como é transparente? Sua forma arredondada dá a impressão de que está cheia de líquido. E realmente está. Agora, pense na fruta de que você mais gosta.
Nathan imediatamente pensou na fruta mangostão.
— Pronto? — Perguntou o guerreiro. Nathan confirmou com a cabeça.
— Agora delicie-se com a fruta dos mil sabores. — O menino mordeu-a e, instantaneamente, ela escureceu até atingir o tom arroxeado da casca do mangostão. O sumo inundou sua boca numa explosão de sabor açucarado.
— Que delícia! — Disse Nathan ainda com a boca cheia. — Não comia essa fruta desde que meu pai… — com um silêncio melancólico interrompeu a frase e baixou a cabeça. O guerreiro ajoelhou-se diante dele e abraçou-o.
— Nathan, quando alguém parte, deixa com você aquilo que lhe é mais precioso: seu amor. Tenho certeza de que ele estará sempre com você, esteja onde estiver.
O garoto retribuiu o abraço e logo foi invadido por uma sensação de segurança e coragem.
De volta ao acampamento, Nathan deparou-se com o avô quieto e pensativo. Pela primeira vez via-o daquele jeito. Meio que disfarçando, o Orientador quebrou o silêncio com um profundo suspiro, e perguntou:
— Como se sente?
— Não sei. Estranho. Ainda existem coisas que eu gostaria de saber.
— Todos nós somos curiosos. O que você gostaria de saber?
— Sinto falta do meu pai. Às vezes, tenho a sensação de que ele está perto de mim, mas ao mesmo tempo, parece que é só uma imaginação boba.
— Ele certamente está perto de você. Não me pergunte como sei. É só uma sensação. Não há como explicar. — Disse o Orientador. − Mas cuidado: Às vezes a saudade se transforma em carência e apego. Esses sentimentos nos transformam em escravos das nossas próprias lembranças.
— Será que um dia voltarei a vê-lo? — Indagou o menino com os olhos cheios de lágrimas.
— Talvez, filho — respondeu o avô com pesar. – Ora, olha só, eu sou uma amostra de que isso é possível! Desde quando você sonharia em me ver aqui, bem ao seu lado?
Nathan procurou enxugar as lágrimas e mudar de assunto:
— Como a esfera de cristal veio parar debaixo da minha camisa?
— O pássaro azul. Ao testemunhar sua coragem, ele mesmo mergulhou no lago e a trouxe até você.
— Engraçado!
— O quê, filho?
— Tenho a sensação de já ter visto aquele pássaro. Ele não me é estranho.
— Pode ser que você já o tenha visto, sim.
Um som forte quebrou a tranquilidade do acampamento. Luzinete entrou na tenda piscando suas cores de perigo.
— Que barulho foi aquele? — Perguntou Nathan, bastante assustado.
Gritos de alerta por toda a parte. Marte entrou na tenda:
— TEMOS QUE SAIR DAQUI AGORA!
— Mas o que está acontecendo? — Indagou o Orientador.
— Veja com seus próprios olhos — respondeu Marte, chamando-os para fora da tenda.
Uma visão aterradora: Um gigante de duas cabeças e um olho incrustado no meio de cada uma das testas destruía tudo o que via pela frente.
— Foi enviado pelos rastreadores? — Arriscou dizer o Orientador.
— Talvez. Significa que eles nos acharam.
— Como seria possível? Pensei que eles não nos seguiriam se o pássaro…
— Devem ter-nos vistos exatamente quando a passagem foi criada. Não temos tempo para discutir isso agora — disse Marte. Então, rapidamente deixaram a tenda e foram todos conduzidos pelo general a uma gruta próxima. Marte recomendou: — Não saiam daqui. Vamos controlá-los.
Os guerreiros já estavam a postos e prontos para a batalha. Aguardavam pelo sinal de Marte.
— ATAQUEM AGORA! — Ordenou ele.
Dezenas de guerreiros ergueram as espadas douradas e iniciaram o ataque. A técnica de combate dos guerreiros albânicos era impressionante. A cada golpe, o guerreiro desaparecia e reaparecia em outro ângulo, esquivando-se dos potentes golpes do monstro. O contra-ataque era contínuo e sem trégua. Em pouco tempo, a aberração de dentes enormes, caiu de joelhos. Por ser um ciclope, porém, sua visão era capaz de se adaptar e perceber espectros. Agora conseguia prever onde cada um dos guerreiros ressurgiria.
Sob o terrível olhar do gigante, os albânicos tornaram-se presas fáceis. Eram atingidos por golpes esmagadores. Ao perceber a desvantagem na qual se encontravam, Marte decidiu ele mesmo atacá-lo. Ergueu a espada, fechou os olhos, e um brilho incandescente como um raio caiu sobre a lâmina fazendo-a brilhar. A luz envolveu Marte e ao mesmo tempo ofuscou o gigante. O general desapareceu, ressurgindo bem atrás de uma das cabeças do gigante. Com um golpe certeiro, enterrou a espada em uma das nucas e depois na outra. O ciclope colocou as línguas para fora, amoleceu os braços e despencou, batendo a cara no chão.
De longe, Nathan percebeu que os guerreiros rodearam o corpo do monstro. Ao perceber que o haviam derrotado, o menino deixou o esconderijo e correu em direção a Marte, pulando de alegria. Mas ao se aproximar, notou que todos os guerreiros estavam sérios e cabisbaixos.
— Marte, eu vi o que fez. Você foi demais! Matou o monstro… − Marte interrompeu-o com um gesto.
— Garoto, aqui não ficamos felizes com a morte de um inimigo. A vida é um bem muito precioso. Matar é um grande desperdício.
— Mas ele poderia ter nos destruído!
— Conhecemos o valor da vida.
— Espere um pouco. Pensei que aqui ninguém morresse.
— Logo receberemos a dádiva da vida eterna. Mas por causa do inimigo, isso poderá não acontecer. Corremos o risco de sermos dissipados.
— Dissipados?
— Sim. Esse é o nome que usamos quando nossa existência termina.
O corpo do gigante foi coberto por milhares de pequenas borboletas brancas. Num instante, a nuvem de borboletas ergueu-se a certa altura e dissipou-se; e o gigante com ela. Marte colocou a mão sobre o ombro do garoto e olhou para o Orientador, que se aproximou também com pesar no coração.
— Sugiro que saiamos daqui. Os rastreadores devem estar por perto — advertiu Marte.
— Para onde vamos? — Indagou o menino.
— Procuraremos pelo pedestal da esfera. Sem ela não conseguiremos localizar o Senhor Supremo. Receio que tenhamos mais uma batalha pela frente. Dessa vez contra os Morbs.
— Eles são muitos, senhor. Cairemos bem no ninho daqueles repugnantes — completou um guerreiro que estava próximo.
— O Senhor Supremo demanda nossa ajuda incondicional. Seja lá quantos forem, estaremos prontos para enfrentá-los.
A ave azul reapareceu. Piou alto em sinal de que compreendera a tarefa, iniciou seu voo circular e reabriu a passagem para a terra dos Morbs.