Quinta feira, 03:45 da manhã.
A noite havia passado depressa, e ele não teve tempo suficiente para preparar o projeto de intervenção para o período em que o instituto Simons estaria em reforma revendo toda a parte estrutural e de iluminação avariada pelo incidente no porão a um mês atrás.
Depois de uma investigação minuciosa da equipe do corpo de bombeiros juntamente com a polícia local, foram constatados problemas elétricos devido ao estado de conservação do lugar, isso junto à sobrecarga de energia feita pela prefeitura para o evento de comemoração de fundação da cidade ocorrido na mesma semana. Segundo o relatório essa sobrecarga teria afetado 60% da cidade e como o prédio é o mais antigo no município sofrera os efeitos do tempo.
Para o professor Edward, que lecionava exclusivamente no primeiro piso, essa reforma seria um grande problema, pois atrasaria em 45% o programa de estudos que ele preparara para todo o ano letivo. Não foi só o programa que foi avariado de certa forma, o museu de história geral montado por ele no decorrer de dois anos sofrera um estrago considerável, que ele não poderia resolver de uma hora para outra. Todas as maquetes, cartazes e panfletos feitos em aula foram danificados com aquela explosão repentina da rede elétrica, por sorte ninguém saiu machucado do incidente, mas isso acabou prejudicando todo o seu trabalho.
Tio Ed, como era carinhosamente conhecido entre os seus alunos, era um homem extremamente dedicado e de bom coração preocupado com o aprendizado de seus pupilos. Em seus quase 20 anos de magistério nunca deixou de preparar ou ministrar suas aulas um único dia sequer, mesmo doente ou com motivos para justificar sua ausência, fazia questão de estar presente através das videoconferências permitidas pela escola, e dar continuidade aos seus afazeres de um modo um pouco inusitado, através dos tutoriais online. — O homem com cerca de 35 anos, exibia no rostos aparentes rugas de preocupação e uma vasta porem charmosa cabeleira branca e por incrível que pareça combinava de forma harmoniosa com o rosto claro, rechonchudo e levemente rosado, um sorriso inebriante e os olhos castanhos cor de mel que chamava a atenção por onde ele passava. O jovem mestre era querido pelos alunos, amado pelas alunas e desejado pela maioria das mulheres da cidade, que sempre davam um jeito de convidá-lo para sair, mas ele gentilmente dava um jeito de recusar. Por mais que ele quisesse, o comprometimento com seu trabalho o impedia de ter uma vida social mais ativa, além disso, seu coração estava ocupado por uma paixão secreta, que ele guardava a sete chaves. — A falha no programa prejudicaria principalmente os alunos do último ano que estavam às portas do vestibular e precisariam de toda a ajuda possível para ingressar numa boa universidade.
Em sua mesa ainda atolada de papeis e uma vasta coleção de livros didáticos que ele conhecia como uma bíblia, o simpático professor buscava soluções para as dúvidas encontrados em suas aulas na internet: em chats, através de e-mails e das redes sociais da escola disponibilizando materiais e dicas de estudo para os que estavam realmente interessados no que ele tinha a ensinar.
Sentado em sua escrivaninha ele bebeu seu último gole de café respirou fundo tentando aliviar o estresse de horas em frente a máquina, releu a última anotação feita às cegas no notebook quando foi surpreendido com uma risada medonha vinda dela. Tomado pelo susto repentino ele simplesmente sorriu.
— Alerta de spoilers! — Disse ele a si mesmo colocando a caneca sobre a mesa. — O que será que os meus queridos diabinhos me mandaram dessa vez?
Fazia parte de a sua rotina receber de seus alunos diariamente pegadinhas virtuais assim como cartas de amor de suas alunas e até mesmo das mães mais atiradas que sempre o convidavam para um encontro romântico, usando os próprios filhos como desculpa
Voltando seus olhos ao notebook, sua caixa de entrada estava quase vazia, a não ser por alguns e-mails comunicando a cerca de reuniões e trabalhos escolares para ser corrigido, o novo e–mail misterioso chamou sua atenção.
— Vamos ver a surpresinha que esse e-mail guarda amanhã durante a aula.
A CAIXA DE PANDORA – LEIA E REPASSE!
Sem se quer dar ao trabalho de ler do que aquilo se tratava Edward apenas encaminhou o e-mail para toda a sua lista de amigos de uma só vez.
Sem saber o que aquela simples ação causaria, o professor Edward pode ter cometido o maior erro de sua vida e desencadeado algo assustador.
***
O som quase estático do despertador o trouxe de volta de um sonho tão bom que ele se lastimou por ter sido acordado. No sonho, uma bela mulher vinha ao seu encontro e lhe dava um beijo em seu pescoço que o fizera querer continuar ali por mais tempo. Em um segundo de raiva Edward projetou toda sua força em um soco contra o rádio relógio ao lado de sua cama para que seus bips insuportáveis parassem de perturbar seu descanso e ele voltasse a dormir por pelo menos mais cinco minutos, talvez assim pudesse retomar o sonho de onde havia parado.
A noite anterior havia sido produtiva, de algum modo o homem terminou de rascunhar seu melhor plano de aula da semana que seria posto em pratica daqui a algumas horas, e com ele umas duas ou três garrafas de vinho foram degustadas. Ele respirou fundo, tentando relaxar e esquecer as irritantes pontadas de dor em sua cabeça.
— Eu nunca mais bebo enquanto trabalho. — Disse ele para si mesmo esfregando os olhos tentando se acostumar a repentina luz diurna que invadia seu quarto através da janela aberta.
Mais uma vez olhou para o rádio relógio que lhe indicava em luzes vermelhas que já se passavam das nove horas da manhã e ele estava extremamente atrasado para a sua primeira aula.
— ATRAZADO, ATRAZADO, ATRAZADO! — Ele gritou em desespero. — Droga!
Ele se levantou em um salto, que fez as estruturas da cama de casal tremer com um rangido estranho de madeira quase se partindo. O relógio marcava nove horas da manhã e pelos seus cálculos, estava deveras muito atrasado e aquilo lhe custaria uma possível suspensão ou certa reprovação por conta dos gestores.
O instituto Simons tinha a fama de ser o melhor colégio de meio período da região onde a carga horária se assemelhava a uma escola conceituada de cultura japonesa onde seus estudantes passavam 12 horas de estudo intensivo visando o futuro.
Procurando uma calça e uma camiseta limpas em uma das pilhas de roupas não dobradas próxima da cama, vestiu o mais depressa que podia uma camiseta vermelha e uma calça preta um tanto desbotada, correu em direção ao banheiro escovou os dentes rapidamente, penteou o cabelo e se dirigiu a saída enquanto calçava os sapatos. Dando uma última checada nas coisas ele subiu em sua Shadow 750, colocou o capacete da formiga atômica — como ele mesmo chamava, — os óculos de proteção e saiu em disparada em direção ao instituto para o que prometia ser um dia sufocante em sua vida por conta de um pequeno deslize.
Durante o trajeto ele foi capaz de fazer algo que normalmente não era possível devido ao seu ritmo acelerado de trabalho: conhecer e entender o ritmo daquela vizinhança. Enquanto saia, Edy finalmente conheceu o garoto que lhe entregava jornais, um moleque de aproximadamente nove ou dez anos de idade que o cumprimentou cordialmente com um sorriso.
— Bom dia Sr. Edward! — Disse ele colocando o jornal em sua caixa de correios.
Edy apenas acenou com a mão sorrindo cordialmente para o garoto. Era estranho ser chamado de senhor daquela maneira, para ele essa palavra significava que estava ficando velho.
O ronco agudo do motor rompeu o silencio, acordou a senhora que dormia em sua cadeira de balanço na varanda de casa ao lado da sua.
Era uma mulher de idade já avançada que, pelo que sabia, vivia sozinha em companhia do neto. O susto a fez pular da cadeira deixando cair o livro que ela possivelmente não estava lendo.
— Perdão! — Ele ainda tentou dizer mais era tarde demais, estava longe e ela já não poderia mais ouvir seu pedido de desculpas.
O homem se decidiu pelo caminho mais lógico a seguir num caso como o dele, — o mais curto — e, dobrando a esquina da velha padaria a poucos metros de sua casa, ele seguiu direto em direção à reserva, que lhe pouparia no mínimo uns cinco minutos de seu tempo habitual para chegar à escola, e se os deuses históricos a quem ele tanto admirava estivessem ao seu lado, — coisa que raramente acontecia, — ninguém perceberia essa falta grave.
Como previsto ele chegou atrasado ao primeiro dia de aula depois do incidente, todos os alunos o aguardavam em silencio do lado de fora da escola, para a tão aguardada aula inaugural, por uma questão de comodidade ele havia mudado todo um programa para a parte exterior do prédio.
— ESTA ATRAZADO! — Gritaram todos os alunos ao mesmo tempo enquanto ele descia da moto recém-desligada ainda fumegando.
Ele simplesmente sorriu ao ver que todos os alunos o esperavam mesmo com quase uma hora de atraso.
— Ok, ok, aceito qualquer punição vinda da turma, mas duvido que me forcem a fazer qualquer coisa depois de verem o que eu tenho preparado para vocês. — Disse ele tirando o capacete e desprendendo o material junto à garupa da moto.
Como um método de punição eficiente e em comum acordo com seus alunos o tio Ed instituiu uma espécie de castigo para todos aqueles que se atrasassem para a aula, — e isso também o incluía, — cada minuto de atraso seria compensado com uma hora de um serviço comunitário constrangedor que seria fotografado e colocado no mural da vergonha dentro do mine museu criado por ele.
— Vamos ter musica hoje fessor? — Disse uma aluna de cabelos cacheados na primeira fileira vendo o amontoado de partituras que o professor trazia consigo.
— Sim Jessica. Isso se os nossos amigos ali ao fundo nos honrarem com sua presença mais tarde. — Disse ele olhando para os garotos e entregando um monte de folhas para a garota. — Distribua isso, por favor.
***
— Meu atraso foi proposital. — Disse Edy com um largo sorriso em seu rosto, para esconder o verdadeiro motivo de seu atraso. — O que vocês acabam de receber é o nosso programa de aula para hoje à noite. Espero que desmarquem todos os seus compromissos, pois essa noite será mágica!
— O que faremos hoje à noite professor? — Perguntou um garoto gordinho de pé na fileira da frente.
— O que fazemos todas as noites meu caro Pink…
Todos os alunos ali presentes caíram na gargalhada.
— Ops, frase errada… — ele continuou. — Nós vamos ter uma noite de acampamento na reserva. Por isso tragam essa permissão assinada por um responsável hoje à noite, junto com os seus sacos de dormir.
A agitação foi geral, todos gritaram ao mesmo tempo, e aplaudiram aquele ato como se fosse
— E o que os Anjos tem a ver com isso professor? — Perguntou Drew junto dos amigos quase se escondendo no meio da multidão, para que Edy não visse o jogo de cartas em sua mão.
— Ora meu caro Drew, vocês farão o que fazem de melhor. — Disse o homem sorrindo. — Musica!
Murmúrios eram audíveis em meio à multidão, garotas suspiravam de amores sussurrando o nome de Andam aos quatro cantos, definitivamente o garoto fazia sucesso com as meninas. — Aquilo o fez corar, de tal forma que seu rosto moreno agora parecia um tomate. Claramente ele não gostava de ser o centro das atenções, mas era o terrível preço que ele pagava por tocar com os Anjos de Metal. — Os garotos faziam planos de conquistas e apostas para ver quem conseguiria ficar com Melissa, a garota mais bela e popular do colégio.
Jessica havia acabado de entregar os papeis a todos os quase 650 alunos que estavam espalhados pelo campo em frente ao prédio. Consistia em 5 folhas rubricadas e carimbadas pelo professor informando aos responsáveis o intuito de tal passeio, uma autorização, que deveria ser assinada e um manual de regras com o que cada um deveria levar para a excursão. Se tudo corresse como o planejado, a turma sairia as 18:00 h da tarde e retornariam as 07:00 h da manhã do dia seguinte.
— Tudo está explicado no formulário, — continuou ele, — mas não custa dar o ultimato. Lucca e Ângelo meus queridos pestinhas virtuais, nada, e eu repito NADA de celulares ou internet durante a excursão. Eu sei muito bem do que vocês dois são capazes. A única maquina permitida será a fotográfica.
Lucca se limitou a dar um sorriso amarelo em resposta, pois sabia que aquele ultimato poderia custar todo aquele ano escolar e ele não queria perder o último ano.
O garoto já havia sido pego diversas vezes durante o ano mexendo no celular durante a aula, em brigas particulares com Ângelo Azuos e já fora chamado a atenção por diversas vezes por conta disso e até mesmo Orfeu foi chamado para uma conversa formal sobre as atitudes do filho. Mais uma de suas gracinhas e ele seria convidado a se retirar do colégio e sem uma segunda chance.
— Estamos entendidos Ângelo?
Ângelo permaneceu sentado junto a uma grande arvore sozinho, como sempre fazia, o garoto limitou-se apenas a olhar o professor com o devido respeito acenou a cabeça em sinal de positivo.
— Eu vou confiar em vocês dois… — Ele disse correndo os olhos entre os dois garotos em polos opostos do campos como se dissesse: “Eu sei que vocês estão tramando alguma coisa”. — Ok pessoal, nos vemos aqui as 18:00 h. Por favor, não se atrasem.
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