Xian bebia pequenos goles de água, trazido por Vanessa. Ele vez ou outra olhava para o homem que demonstrava preocupação com seu estado.
— Sr. Han, desculpe por isso. – Cheng conseguiu falar, após aquele baque inicial.
O homem balançou a cabeça levemente dizendo em seguida para Xian.
— Sr. Wei, o Brasil é muito quente e hoje em especial o clima está seco e abafado necessitando de atenção redobrada para quem não está acostumado. – Fez uma breve pausa ainda olhando o homem com preocupação. — É bom se hidratar durante o dia.
— Sr. Han tem razão, hoje está bastante quente. – Vanessa estendeu a bandeja para receber o copo vazio de seu chefe. — Além do costumeiro.
Xian inspirou fundo e levantou resmungou algo e fez um gesto para não se preocuparem.
— Eu vou molhar o rosto, obrigado pela preocupação. – Xian olhou de relance para Cheng e seguiu para o banheiro que ficava na porta ao lado.
Tão logo Xian entrou fechando a porta se encostou na pia e respirou várias vezes profundamente, seu corpo tremia e seus olhos começaram a inchar lacrimejando. Ele estava entrando em um colapso emocional como há muito tempo não tinha. Desde a “morte” de Wang, não conseguia mais sequer olhar para fotos da época que eram jovens.
O acidente que aconteceu a 13 anos atrás foi notícia mundial, muitas semanas se passaram e ainda podiam encontrar corpos na costa longe do local da queda da aeronave. O corpo de Wang nunca foi encontrado apesar de terem resgatado de sua mãe, que foi enviado para a China para o cerimonial de cremação.
Xian olhava para sua face no espelho lembrando do dia ao qual fizeram um cerimonial simbólico para Wang. Neste dia ele soube pelo irmão mais velho Lan Huan que o tio deles haviam descoberto o envolvimento dos dois e Xian foi expulso do cerimonial, mesmo com os protestos de Huan.
A família Lan era tradicional e sempre fora rigorosa na criação de Wang e Huan, Xian era visto por eles como uma má influência, porém, a mãe de Wang sempre acobertava ambos. Claro que na visão de Xian era para enfrentar a família Lan e não por aprovar a relação deles, pelo contrário, ela deixava claro que seu filho iria se casar com uma bela jovem e lhe dar netos.
Xian suspirou fundo e depois de colocar os pensamentos em ordem e se arrumar adequadamente, finalmente saiu do banheiro. Seus olhos inevitavelmente encontraram os do homem e este ainda demonstrava preocupação com ele.
— Sr. Wei está se sentindo melhor? – A voz suave e calma do homem ecoou até Xian.
— Obrigado Sr. Han, estou melhor. – Xian virou o rosto para Cheng. – Vamos começar a entrevista. – O coração batia descontrolado e fez um esforço enorme para não demonstrar fraqueza na frente daquele homem.
— Claro, estávamos conversando algumas coisas com Sr. Han. – Cheng voltou para o homem que era a face do colega de escola falecido há 13 anos, antes que Xian voltasse ele sondou o candidato e estranhou o fato do homem nem fazer ideia quem eles eram, decidiu continuar a entrevista e depois que o dispensasse conversaria com Xian. – Vamos começar?
Algo mais de 45 minutos e todos estavam aparentemente à vontade. Cheng havia se simpatizado com o novo assistente, assim como ele havia notado, o sr. Han era muito competente e firme nas suas repostas.
— Wei Xian, quer perguntar algo mais ou podemos encerrar?
Xian estava sentado em uma cadeira ao lado da mesa de reunião e parecia perdido em seus pensamentos, ao ouvir seu nome elevou o rosto e olhou para aquele homem. Seu coração saltou no peito quando este encarou-o com suave sorriso a face.
— Não, acho que tudo foi respondido, obrigado Sr. Han.
O homem curvou leve a cabeça agradecendo.
— Sr. Han, ainda hoje lhe retornaremos. – Cheng se levantou para se despedirem.
O homem fez o mesmo e após despedidas saiu da sala deixando os dois a sós. Cheng caminhou até a mesa de reuniões onde Xian estava olhando o nada, estático com seus olhos vermelhos e sua garganta apertava chegando a arder.
— Inacreditável… – Cheng se sentou na cadeira ao lado de Xian. – Será que pode haver pessoas iguais nesse mundo?
— Não encontraram o corpo dele Cheng… – Xian se sentia sufocado e sua cabeça fervilhava.
— Foi o que pensei, mas se é ele, por que conversou conosco como se não nos conhecêssemos? E pior, com outro nome. – Cheng estava nitidamente confuso. — Sei não, me segurei muito para não perguntar, mas é estranho, será que é o Wang mesmo? – Cheng estalou os dedos e como que se recordasse de algo. — Eu vi um documentário uma vez que dizia que existe no mundo pessoas iguais sem serem irmãos ou mesmo parentes, era impressionante.
— Cheng, lembra daquela história que a sra. Lan roubou a empresa Gusu Lan? – Xian estava tremulo e olhava Cheng e vendo sua confirmação completou. — Se aquele roubo for real e Wang estiver usando nome falso para não se preso? Nós temos que contratar Sr. Han. – Xian enfatizou. – Preciso saber se ele mudou de nome, se é isso que aconteceu, se é ele mesmo ou vou acabar enlouquecendo. – Xian levou as duas mãos a cabeça nitidamente angustiado.
— Xian, recordou bem, se for realmente o que aconteceu, então ele está escondido nesse país. – Cheng inspirou preocupado. – Só que, se for verdade, porque aparecer para nós e fingir ser outra pessoa? Muito estranho. – Ouviu o pedido de Xian e concordou. – Na verdade, eu gostei muito do Sr. Han sua fluente em espanhol, português e inglês como também no mandarim, chinês e coreano é impressionante. – Cheng chegou a assobiar no final. – Bem a típico de Wang, ser bom em tudo que faz.
Xian esboçou um breve sorriso lembrando de o quanto Wang era bom em tudo que se propunha a aprender e fazer, sempre estudioso e impecável na escola.
✽ • ✽
— Socorro, socorro… – Xian estava no alto da árvore choramingado. – Vai embora cachorro… Socorro… – Agarrado no tronco o pequeno tremia assustado.
Au, au, au, au…
— Alguém me ajuda!!!
— Xô, xô, xô… Ei, menino, você já pode descer da árvore.
Xian abriu os olhos e suspirou olhando para baixo avistando um garoto de olhos claro e mochila nas costas.
— O cachorro já foi? – Olhou em volta procurando.
— Hm. – O garoto confirmou com aceno de cabeça.
Xian sorriu radiante e rapidamente pulou do galho para o muro do lado e se agarrou na beirada para descer, tão logo estava no chão correu para o outro menino e o abraçou tagarelando sem parar.
— Meu herói, me salvou, muito obrigado.
O garoto de olhos claros chegou a congelar com aquele abraço espontâneo prendendo até o ar na respiração. Encabulado, o empurrou se afastando sem jeito com uma expressão séria apesar de ter os lóbulos das orelhas avermelhadas.
— Desculpa, acho que exagerei. – Xian passava a ponta do dedo no nariz quando voltou a sorrir para o outro. – Ei, eu sou XianXian e sei quem é você, mora naquela casa enorme que fica na minha rua.
— Hm.
O garoto de olhos cor de âmbar, virou-se para continuar seu caminha para a escola.
— Espera, está indo para a escola? Eu estou indo para a escola, podemos ir juntos? – Xian andava ao lado do novo amigo todo sorridente. – Minha família mudou para cá, minha mãe me levou ontem na escola para aprender o caminho, mas eu não decorei porque estava jogando game boy? Você tem game boy?
— Não.
— Não?! – Sorrindo continuou a tagarelar. – Eu vou te mostrar, é legal, qual seu nome?
— Lan Wang.
— Hahahahahaha, Lan Wang meu Salvador…– Sorridente o garoto não parava de falar. – E você quer ser meu amigo?
— Não tenho amigos.
— Nossa!? Agora tem, eu… hahahahahaha… – Xian em pose solene espalmou a mão direita sobre o peito. – Serei para sempre seu amigo.
Wang suspirou baixo e chegou a rolar os olhos, aquele garoto era insistente, resolveu ignorar até chegarem à escola. No entanto, para seu azar o novo e tagarela amigo era de sua classe.
Eles tinham 7 anos e eram vizinhos na mesma rua. Wang, por mais que evitasse, não conseguiu se livrar do grudento garoto e se deu por vencido aceitando aquela amizade.
✽ • ✽
Xian estava no elevador descendo a recepção do prédio comercial depois de uma série de reuniões. Ele foi interrompido pelo telefonema da escola de MianMian, apressado chamou o motorista para levá-lo até o local, já que lhe falaram que sua filha estava trancada no banheiro e não queria sair.
O trânsito era intenso no final da tarde e acabou chegando a escola perto da horário de saída dos alunos, ao saltar do carro caminhou apressado para o portão da escola, porém parou bruscamente ao se deparar com o homem que parecia com seu Wang. Diminuiu o passo observando-o falar com duas moças e ao que parecia eram mães buscando seus filhos. Quando chegou mais próximo foi notado pelo homem, este abriu os olhos um tanto surpreso.
— Sr. Wei!
— Sr. Han, duas vezes no mesmo dia, nos encontramos…
— Hm.
Eles se olharam por alguns segundos até uma voz feminina falando em inglês chamou o nome de Xian.
— Sr. Wei, desculpe por ter interrompido seu trabalho, mas a Mianmian não sai do banheiro, chorando e chamando pelo senhor. – A senhora era a diretora da escola que se aproximou sem jeito olhando para Wei Xian e depois cumprimenta em português Han Zhan. – Olá Sr. Han, a sua sobrinha é a próxima turma a sair.
— Obrigado Sra Sônia, estou aguardando. – Zhan confirmou com leve aceno de cabeça, voltando o olhar para Xian.
— Obrigado por avisar Sra. Sônia. – Xian sempre falava em inglês, não estava famializado com o idioma local. Ele virou-se e continuou. – Eu vou ver MianMian. – Xian curvou leve a cabeça para o homem. – Boa tarde, Sr. Han.
O homem curvou leve a cabeça observando a diretora da escola e Xian se afastarem, entrando nas dependências do prédio de dois andares estilo colonial, a escola de elite costuma ter vários filhos de estrangeiros matriculados.
— Tio Zhannn… – A voz delicada de Paty o fez desviar atenção para olhar a pequena morena de longos cabelos cacheados que arrastando uma mochila rosa de rodinhas. Patricia tagarelava alegremente quando parou ao seu lado.
— A sua mãe se atrasou no salão e vim buscá-la. – Esboçou um suave sorriso para a pequena.
— Ebaaaaaa… Vamos tomar sorvete?
— E o jantar?
— Eu prometo comer tudo. – A pequena deu a mão a Zhan e sorridente fez um gesto de cruzar os dedos em promessa.
— Tudo bem, vou chamar o Uber e paramos na sorveteria perto de casa.
— YESSS!!!
Nesse instante, Wei Xian voltava com a filha no colo que aparentemente havia chorado.
— Obrigado diretora Sônia, vou conversar com ela em casa.
Paty olhou para a cena e puxou a mão de Zhan para lhe dar atenção.
— A menina nova, ela chorou, tadinha…
Wang olhava para a dupla quando Xian parou esperando seu motorista se aproximar, haviam muitos carros de pais que buscavam seus filhos tumultuando um pouco o trânsito em frente ao portão da escola.
— Sr. Wei, ela está bem? – Wang se aproximou curioso.
Xian olhava a tela de seu telefone quando ouviu a pergunta, engoliu seco e virou o olhar para encontrar aqueles olhos claros, seu coração palpitou e sem jeito sorriu a ele.
— Mianmian sofreu uma pequena brincadeira das crianças, mas…
— Baba, o meu nome não é miaumiau… – A garota agarrada no pescoço dele resmungava.
Paty olhou para o tio e depois voltou a face para a garota sorrindo.
— Eu acho seu nome bonito. – A pequena falou em chinês pausadamente com a que estava choramingando.
— VOCÊ ACHA MEU NOME BONITO? – MianMian afastou o rosto e quase pulou do colo de Xian.
— MianMian, quase que nos derruba. – Xian desceu a menina que rapidamente foi para Paty e segurou sua mão.
— Você fala igual a mim? – Olhinhos brilhantes de MianMian denunciava que a menina estava bem.
— Meu tio Zhan que me ensinou. – Paty olhou para Zhan e perguntou. – Falei certo tio?
— Hm. – Confirmou.
Xian olhou para as meninas e sorriu, depois para Zhan que o encarou de volta. Nesse momento, virou o rosto olhando a rua avistando o carro se aproximar.
— MianMian, vamos o Sr. Jorge chegou com carro.
— Nãooo~~ Quero ficar com minha amiga~~
Paty sorriu e foi logo tagarelando.
— Estamos esperando o Uber para casa, porque meu tio Zhan vai comprar um sorvete enorme para mim.
MianMian abriu os olhos e rapidamente agarrou a mão de Xian.
— Baba, quero sorvete enorme, vamos com eles?
— Não, MianMian… – Xian sorriu ainda sem jeito. – Desculpe, Sr. Han.
Zhan acenou leve com a cabeça para ele não se preocupar.
— MianMian, não…
A menina parou de sacudir a mão do pai e emburrou a face cruzando os braços.
“…”
Xian não conseguia dizer não a filha e virou a face muito sem jeito olhando para Zhan.
— Sr. Han, onde fica a sorveteria?
— No Leblon.
— Ótimo, mesma direção.
Nesse momento, o motorista consegue parar no acostamento com o carro e Xian volta para Zhan fazendo um gesto com a mão para acompanharem eles.
— Vamos todos?
Zhan olhou-o um pouco surpreso.
— Não precisa se incomodar Sr. Wei.
— Vamos tio Zhan, olha o carrão deles… – A Paty soltou a mão de Zhan e foi junto com MianMian entraram no carro.
Os dois se olharam e Zhan inspirou suave pegando seu smartphone.
— Vou cancelar o Uber.
A dupla caminhou e entrou no carro, pouco depois estavam na avenida principal pela orla indo para o Leblon.
Ao chegarem na sorveteira depois de pegar um considerado trânsito, viram as meninas correrem porta adentro, aquele horário o local estava relativamente cheio, final de tarde o calor não dava trégua.
Xian seguia junto a Zhan quando entraram, olhando o local parou perto das fileiras de freezer com vários tipos de sorvetes. Sua filha e a sobrinha de Zhan já estavam escolhendo os sabores.
— Sr. Han, seria incomodo usar de seus serviços de intérprete…?
—Não é incomodo. – Zhan se aproximou do balcão e pediu para as meninas, falando em português tão natural que fez Xian ficar bobo pela fluência.
— Realmente Cheng, mesmo diante de tudo Sr. Han é o melhor candidato ao cargo. – Murmurou para si.
O sol estava se pondo e eles se sentaram na varanda do estabelecimento, ficavam observando as meninas comerem e falarem sem parar.
— Ela fala bem mandarim. – Xian comentou quebrando o silêncio entre eles que vinha desde que entraram no carro.
— Crianças aprendem mais rápido não tem muitos vícios de linguagem.
— Ah, imagino, a mente está fresca…
— Hm.
— Sr. Han mencionou que dar aulas online e em curso.
— Sim, academia de línguas, temos aulas para alunos de estrangeiros.
— Seria bom para MianMian.
— Hm.
O silêncio voltou a envolvê-los, alguns minutos e dessa vez foi Zhan que falou, mas com a sua sobrinha Paty.
— Patrícia, vamos embora, sua mãe já mandou mensagem brigando comigo porque estamos demorando, acho que ela sabe o que estamos fazendo. – Piscou para a garota.
— Xiiii. – A menina sorriu e olhou para amiga. – Vamos embora, amanhã Mianmian se senta do meu lado na sala.
Zhan fez um sinal para o garçom para pagar a conta, quando este veio Xian entendeu que era para pagar e estendeu a mão para Zhan.
— Eu pago, Sr. Han.
Zhan olhou e acenou não concordando.
— Sr. Wei, sou candidato à vaga na sua empresa, então, prefiro pagar.
— Não se preocupe, deixa que pago já que minha filha se auto convidou para seu passeio. – Olhou torto para a menina. A pequena sorriu se escondendo atrás da taça de sorvete. Voltou a encontrar o olhar de Zhan que o fez estremecer.
Zhan chegou a ter um leve brilho oscilante nos olhos claros para aquele que possivelmente seria seu futuro chefe.
Xian chegou a prender a respiração, aquele olhar era igual a época que estudavam juntos, ele conhecia bem e sabia o que significava. Sr. Han estava insatisfeito.
— Tudo bem, agradeço a gentileza. – Olhou para a sobrinha. – Vamos Patrícia.
Tão logo que Xian pagou a conta, eles saíram e na calçada se despediram. Xian entrou com MianMian no carro e olhou pela janela para Zhan e Paty que acenaram para eles. O carro partiu sendo observado pelos dois ali na calçada.
— Tio Zhan?
— Hm?
— O pai da MianMian será seu chefe?
— Se eu for aprovado na entrevista, sim.
— Uauu, que legal.
Zhan sorriu e estendeu a mão para segurar da menina, acenou com a cabeça para continuaram o caminho para o prédio onde moravam.
Continua…
Música: Xiao Zhan 肖战 The satisfaction