A estante de livros

 

 

A porta foi arrombada por Dario que adentrou na casa assustando Alfredo que estava na sala em frente a uma mesa de madeira digitando em um computador e ao seu lado uma estante de livros. Ele vestia uma blusa branca social com suspensório, calça social preta e botas, possuía uma estatura era mediana, esbelto, pardo, cabelos negros cacheados, barba por fazer e aparentava uns trinta e poucos anos.

— O que tá acontecendo? — levantou assustado. — Quem é você? Como se atreve a invadir a minha casa?

Dario apontou a arma pra ele.

— Alfredo, eu vim te matar!

— Por que?

— Não é da tua conta!

— Espere! — ajoelhou e juntos as mãos em súplica. — tem piedade. Eu te imploro faço o que você quiser, mas não me mate. Leve minhas coisas, o computador, o meu celular, só não me mate.

O pistoleiro apontou o gatilho para ele até que seu olhar parou na estante e viu que se assemelhava com a do casarão da fazenda Sertaneja.

— Faz o que eu quiser?

— Faço!

— Em troca da tua vida?

— Sim.

— Aquilo ali é seu? — apontou para a estante.

— Sim, são meus livros.

— Me ensina a ler e te deixo vevo.

— Como assim?

— Levanta!

— Tá. O que você quiser. — levantou.

— Fique de costas.

— Sim, sim. — levantou as mãos.

Dario encostou a boca da arma nas costas do jornalista.

— Agora ande até os livo.

— Os livros.

Os dois se aproximaram da estante.

— Espere. O que vai fazer?

— Pegue um livo e me mostre o que tá dizendo.

— Se quer aprender a ler não é assim que vai conseguir.

— Não?

— O aprendizado se exigi tempo e dedicação. A propósito qual é o seu nome?

— Não carece saber.

— Preciso saber, aliás eu serei o seu professor e ficaria mais adequado que eu pudesse falar estando de frente e não de costas para você.

— Vira, mas não se faça de besta que eu atiro na tua testa.

Alfredo se virou e respirou fundo aliviado.

— Já que não quer falar o seu nome por enquanto, então, como vou te chamar?

— Pare com arrodeio e me ensine, peste! — apontou a arma no rosto dele.

— Tá, tudo bem, não precisa atirar em mim. — olhou para mesa. — Por onde começo? — viu um papel e uma caneta. — Por favor, se sente. — apontou para uma cadeira.

— Não, tá bom em pé.

— Pois bem. — deu uma tossida de nervoso, pegou o papel e a caneta e os aproximou de Dario. — sabe escrever pelo menos o seu nome?

Caba, tu quer morrer, né? Acha que sou algum otário?

— Não sabe o escrever nem seu nome?

— Não.

— Bom, a princípio aprender a ler e escrever são duas forças conjuntas que precisam se desenvolver simetricamente, caso contrário o aprendizado não será eficaz.

— Para de falar difícil. Eu quero aprender a ler é hoje e agorinha mesmo.

— Já disse que é impossível, exceto que você seja um autodidata. Como você não quer me dizer o seu nome, eu vou te chamar de meu caro amigo, pode ser?

— Não sou teu amigo. Eu não sou amigo de ninguém.

— O que acha de meu caro inimigo?

— Sim, isso pode. — riu.

— Ótimo. Agora já que o caro inimigo invadiu a minha casa pra me matar eu sendo sua vítima posso saber por qual motivo?

— Já te disse que não é da tua conta.

— Ora, como não? Eu sou a vítima e tenho o direito de saber o porquê que vou morrer.

— Pergunte quem mandou te matar.

— Quem foi?

— Não carece saber.

— Assim não vamos a lugar nenhum.

— Não tente querer me enganar. Eu não vou dizer quem mandou te matar e pronto.

O jornalista se sentou à mesa.

— Eu te ensino a ler mais tarde porque tenho que trabalhar. — voltou a digitar no computador.

— Eu quero agora! — deu um tiro no vaso que se espatifou e assustando o Alfredo. — Tá achando que tô de brincadeira, caba? — o segurou pelo colarinho da camisa.

— Tudo bem, tudo bem, por favor, não atire. — o soltou. — Só não entendo essa sua insistência em querer aprender a ler.

— É por causa de Rita.

— Mulher, em todos os problemas tem uma no meio.

— Ela é cega. Na casa dela tem um troço igual a esse aí cheio de livo.

— O troço é uma estante e o que tem dentro dela são livros e aprenda a falar no plural.

— É isso aí tudo que você disse. A bichinha é doidinha pra saber o que tem dentro deles. Eu quero aprender por causa dela.

— Bonita a sua motivação. Um homem querer aprender a ler para poder levar a amada cega ao mundo da literatura, heroico o gesto, porém, contraditório sendo vindo de um matador de aluguel.

— Eu amo ela.

— Não, você a ama.

Dario não compreendeu a correção do jornalista e ficou intrigado.

— Aos poucos você vai entender que o português é como uma mulher que precisa de paciência e dedicação diária para conseguir compreendê-la, mas não se engane, caro inimigo, nunca irá realmente a conquistar por completo porque você vai errar desde as palavras mais bobas até a mais difíceis.

— Tu tá me enrolando, enrolando e não começa…

— Já começamos e eu só te dou um conselho de inimigo: guarde dentro de você a humildade. — pegou o papel e a caneta. — Vamos começar pelo alfabeto. — começou a escrever rapidamente e depois aproximou o papel à frente de Dario. — essas são as letras do alfabeto que no total são 26 letras. A primeira letra é a letra a. — circulou a letra. — um exemplo de palavras com a letra a é amor.

— Palavra? O que é isso?

— Tudo que está escrito neste livro são palavras. — pegou um livro e folheou.

— Ah, sim. — olhou confuso.

— Outras palavras que começa com a letra são amarelo, abacaxi, o meu nome Alfredo, assassino…

— Assassino? Essa eu conheço bem. — riu. — Rita se escreve com que letra?

— Com a letra r, mas daqui a pouco chegaremos nela. A próxima letra é a b, exemplos: bola, boi, boneca, bala.

— Bala? Falando nisso vou dá uma recarregada na Maria Quitéria.

— Maria Quitéria?

— É o nome da minha arma.

Ele recarregava a arma e o jornalista o olhava assustado.

— Entendi. A palavra arma começa com a letra a. Continuando…depois da letra b em seguida tem a letra c como casa, cemitério, cadeia.

— Esses dois por enquanto ainda não visitei. — riu.

— Você é apenas uma vítima da sociedade.

— Vítima? Sou não, caba, eu sou o bandido, o besta feroz, o coisa ruim.

— A sociedade o tirou o direito de ter uma vida digna. Olha pra você já um homem feito, analfabeto e se sujeita a matar uma pessoa em troca de dinheiro.

Caba, tu acha que alguém se importa? Eu não sou o único que deu pra que o não presta não. Há vida toda tem gente morrendo de fome, de sede e sem um teto pra botar a cabeça e ninguém tá nem aí.

— Há quem se importa, caro inimigo.

— Quem? Porque eu ainda não vi essas almas.

— Eu, a imprensa! — levantou. — Sou eu que denuncio, que mostro a análise crítica dos fatos e que trago aos olhos do povo a verdade!

— Esse caba deve ter fumado uma. — coçou a cabeça com os dedos.

— Não, ainda não fumei e obrigado por me lembrar. — acendeu o cigarro e tragou. — Esta redação é como um ateliê e a verdade se despe como uma musa nas linhas que escrevo.

— Essas frescuras todas que tu tá dizendo aí por caso enche barriga?

— Sim! A imprensa é uma mão amiga que ajuda o povo.

— Nunca vi ninguém bater na minha porta pra resolver os meus probremas.

— Eu posso fazer uma matéria na sua casa, relatar a dura e cruel realidade que sua família vive e quem sabe alguém se sensibilize e os ajudem a mudar da vida? Já sei! Vou ligar para os empresários conhecidos e podemos conseguir algum um patrocínio… — pegou o celular.

— Não, não quero esmola de ninguém. — deu um soco na mesa, puxou o celular da mão dele e jogou no chão o quebrando.

— Ei, porra! Você quebrou o meu celular!

— Presta atenção, caba. A Minha família não quer pena e nem nada dado. A fome não dar uma vez e amanhã a barriga ronca de novo. O que a gente quer é um jeito de sobreviver e não passar fome. Essa terra é seca e difícil que alguma coisa se crie.

— Se é tão ruim viver aqui, então, por que não se muda?

— Pra onde?

— Tenta a vida em outra cidade ou quem sabe na capital?

— Acha que é fácil, é? Na capital sem conhecer ninguém? Mal tem emprego em Maceió e o que mais tem lá é gente daqui morando na rua e comendo lixo. Se for pra passar fome passo fome na minha terra com os meus.

— Orgulhoso.

De repente adentraram um grupo de pessoas na casa.

— Seu Alfredo! Seu Alfredo! Precisamos da sua ajuda! — gritou o homem.

— O que foi dessa vez? — perguntou o jornalista.

Dario sentou na borda da janela.

— Que peste é isso? O que esse sujeito, esse coisa ruim, esse bandido está fazendo aqui? — perguntou um homem apontando para Dario.

— Não é da sua conta, traste! — Dario o respondeu.

— Seu Alfredo que moda é essa de acoitar pistoleiro e assassino na redação? Virou pro lados da bandidagem é?

— Você o conhece?

— Oxe! E quem não conhece essa figura? Esse é Dario fio de Seu Romão, os dois são dois bandidos, dois pistoleiros que matam qualquer um em troca de quem os pague.

— Espera aí. Você é Dario o pistoleiro mais temido e procurado do sertão de Alagoas? — perguntou o jornalista assombrado.

— Pronto, agora danou-se. Esse deu as línguas entre os dentes igual uma vêia fofoqueira fifi de araque e disse quem eu sou. Sou o Dario sim e qual é o probrema?

— Valei-me minha Nossa Senhora! — gritaram apavoradas as demais pessoas e fazendo o sinal da cruz.

— Não acredito que finalmente estou frente a frente com você. Eu pensei que fosse uma estória inventada do povo, mas você existe mesmo Dario. — falou Alfredo surpreso.

— Eu existo, então me deixe quieto aqui no meu canto e não mecha comigo senão já sabe. — levantou a camisa e mostrou a arma dentro do cós da calça.

— Bom, pessoal, finjam que o Dario não está aqui. Vamos aos fatos e me falem o que aconteceu? — perguntou o jornalista.

— Os buracos não param de aumentar na rua e a situação está ficando cada dia pior. — disse uma senhorinha.

— Só na sua rua, não. É no bairro inteiro. Hoje mais cedo uma carroça caiu dentro do buraco e foi um desmantelo da peste, o coitado do carroceiro e os filhos foram tudo para o hospital. Quem não teve sorte foi pobrezinha da égua que tiveram que sacrificar porque quebrou uma das patas. — falou um ancião.

— Essa situação está desesperadora e o problema não é só os buracos não. A minha casa está cheia de rachaduras. — disse um morador.

— A minha também. — falou uma moradora.

— As casas do bairro das Cajazeiras estão cheias de rachaduras e estamos com medo que nossas casas caíam sob nossas cabeças e que todos morram! — disse o ancião.

— A prefeitura prometeu ir no bairro de vocês há duas semanas.

— Prometeu, mas não vimos nem se quer uma alma sendo mandada pela prefeitura resolver a nossa situação. Queremos providências e é por isso que estamos aqui. — disse um morador.

— Tudo bem, eu vou mandar a reportagem ir mais uma vez nas Cajazeiras e vamos denunciar de novo as buraqueiras e as rachaduras das casas do bairro.

— Só o senhor pra nós ajudar, Seu Alfredo. — disse uma senhorinha que pegou nas mãos dele. — Que Nosso Senhor Jesus Cristo, a Santíssima e o Padinho Padi Cíço te guarde. — fez um sinal da cruz nele.

— A senhora não precisa agradecer, dona Lurdes.

— Eu não descanso até a prefeitura nós falar a verdade porque eu não engulo essa conversa que essas buraqueiras e as rachaduras sejam feitas pela natureza. — disse um morador.

— O que será? — perguntou a mulher.

— Não sei, mas vamos descobrir. Por isso que vou ficar de plantão na porta da prefeitura até ser atendido pelo prefeito. — falou um morador.

Vamo simbora meu povo porque só falar com imprensa não resolve. — disse uma moradora.

— É isso! — gritou um morador.

— Eu também vou! — gritou outra moradora.

— Eu vou! — gritou um ancião.

Vamo todos! — gritou alguns moradores quase ao mesmo tempo.

— Não se preocupem porque hoje mesmo a reportagem vai no bairro dos senhores. Podem contar sempre com a imprensa porque somos a mão amiga do povo! — disse Alfredo vendo o povo seguindo em direção a porta.

O grupo de moradores saíam assustados olhando para Dario que dar um grito e eles saíram correndo. Dario gargalhava pelo susto que deu àquelas pessoas.

— Ainda bem que já foram. — fechou a porta.

— Por que? Se não gosta da visita coloca uma vassoura atrás da porta, mainha faz isso. — riu.

— É que essa estória das rachaduras e das buraqueiras no bairro das Cajazeiras é sarna pra se coçar.

— Tu sabe de alguma coisa, não é caba? .

— Não vou te dizer. Você mesmo disse que não se deve confiar em ninguém.

— Já desconfio o que seja. Eu ouvi por aí que o probrema da buraqueira e das rachaduras é porque estão cavando a terra por causa do ouro preto.

— O ouro preto que você fala é o petróleo.

— É, tu sabe que essa estória é verdade, né?

— Por que você acha que eu sei? — começou arrumar alguns papeis que estavam sob a mesa.

— Porque conheço o tipo de caboco como você. Assim como me pagam pra matar também te pagam pra ocultar e espalhar estórias inventada na cabeça do povo.

— O meu jornalismo é imparcial e tem como base a verdade.

— Você fala um monte de coisa difícil aí. Eu não entendo é nada e deve ser conversa pra boi dormir.

— Sou fiel a verdade como um marido deve ser a sua mulher.

— Chega de conversa mole. Eu tenho que sair, mas antes vou dar um jeito em você.

— O que você vai fazer? — o olhou assustado.

Alguns minutos depois na sala estava Alfredo amarrado numa cadeira com cordas e amordaçado com um pano.

— É só para garantir que não vai fugir. — disse Dario saindo e fechou a porta da casa com chave.

Alfredo tentava se soltar da cadeira enquanto Dario caminhava pela varanda e acendeu o cigarro, o tragou e saiu cavalgando em disparada pela rua.

Em uma casa simples, Dario desceu do cavalo e entrou pela porta da cozinha e viu a imagem de uma mulher de cabelos castanhos ondulados, estatura mediana, saia jeans longa e blusa azul de rendas lavando os pratos.

— Tereza. — parou na porta.

 

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