O Vazio que Habita em Mim – Capitulo 12: Vida de Droga

A vida no beco não foi tão glamorosa quanto eu pensei que seria.

O “beco” era como eles chamavam a comunidade carente que se estabeleceu ali naquela ruazinha estreita, em condições sub-humanas, ali nós não tínhamos o mínimo que era garantido por lei, ou pelo menos segundo a constituição brasileira. Sem agua encanada ou saneamento básico, nos tínhamos de nos virar como podíamos para garantir nossa sobrevivência, e de contra partida ajudar aqueles que tinham menos que a gente.

Passei uma boa parte da minha adolescência no beco com Leka, Pepeu, Quim e Rubens com suas aparições repentinas. Todos me receberam muito bem, me ensinaram a manha das ruas numa ordem aleatória. Eles fizeram com que eu me sentisse acolhido, sem cobranças ou perguntas, eu era parte da família.

Com o passar do tempo todos aprendemos a nos respeitar e a confiar uns nos outros. Meus constantes pesa­delos passaram a serem comuns todas as noites, Leka sem­pre me dava uma sacudidela ou um chute para me fazer acordar, mas nunca me perguntara com o que eu sonhara, nem eu tinha coragem de expor meus medos.

Eles poderiam não gostar mais de mim se soubessem.

— Nós temos nossos próprios medos para nos preocuparmos. — Ela me disse na primeira noite. — Você é só mais um no meio de tantos outros, a diferença agora é que não esta tão sozinho.

Eles aprenderam a viver com isso, e eu aprendi a me acostumar a isso de um jeito nada peculiar.

Usando drogas.

Eu relutei um pouco, mas depois acabei aceitando, Rubens disse que isso me faria esquecer e no início foi o que aconteceu. As noites tornaram-se mais tranquilas, e aqueles sonhos não me atormentavam tanto quanto antes.

Aos poucos, minha vida tornou-se vazia e sem sentido. Enquanto Leka e os outros estavam comigo, tudo eram flores. Eu ria, brincava, me divertia e amava cada momento junto com eles. Durante a noite aquele terrível pesadelo me assombrava.

Passei a procurar pela ajuda de Rubens mais vezes do que eu realmente queria, em alguns meses a bebida perdeu seu efeito magico, o cigarrinho analgésico não funcionava mais…

Eu precisava de algo mais forte.

— Não faz mais efeito Rubens. — Eu disse certa noite quando estávamos só nós dois no beco.

— O barato já não é mais o mesmo, porque teu corpo já se acostumou com ele. — Rubens deu uma gargalhada, quase que monstruosa que me fez lembrar do meu sonho.

— Cê tem? — Perguntei tremulo.

— Não… isso é muito perigoso. Se quiser um gole. — Ele me ofereceu a garrafa.

Sem pensar duas vezes peguei a garrafa da mão dele chei­rei o liquido transparente e dei uma golada das grandes, fazendo a garrafa se esvaziar quase que por completo, o liquido desceu rasgando minha garganta.

— Calma ai campeão. — Rubens tomou-me a garrafa. – Não é assim que as coisas funcionam.

— Essa dor não passa. — Respondi com os olhos cheios d’agua. — A dor nunca vai embora.

Eu havia chegado no fundo do poço, os sonhos tornaram-se cada vez mais reais.

— Toma… — Rubens me deu um embrulho pequeno e fino. — Só não conta pros guris que eu te dei isso.

— Por que?

— Todos temos os fantasmas que queremos esquecer garoto.  — Era a mesma frase dita de um jeito diferente — Eles já superaram isso, você não.

Rubens acendeu outro cigarro e deu uma boa tragada.

— Eu não sei como fazer isso. — Respondi devolvendo.

— Deixa de frescura Mick, isso só vai te ajudar.

— Eu não sei.

— Use quando precisar… só não conte aos meninos. A Leka não gosta que eles usem isso. — Rubens me entregou o embrulho.

— Se ela não gosta que usem, porque você tá dando isso pra mim.

— Por que seus monstros precisam ir embora.

 

***

 

— Você é meu garoto…, meu bom garoto.

A voz dele invadia meus ouvidos, as lagrimas percorriam meu rosto. Ele tinha a mão pesada. E como das outras vezes Álvaro esperou aquele momento como um leão espera pela presa. Eu era sua presa. Um misto de prazer e loucura invadia o seu ser como se ele fosse um deus, o dono de tudo e de todos.

E Naquele momento ele era o meu dono.

O medo tomava conta de mim, me impedia de tomar qualquer atitude, eu via os rostos de mamãe e o de Bernardo diante mim as vezes rindo de desdém pela minha atitude covarde, e as vezes chorando com medo pelo que ele poderia fazer com eles.

— Por que você fez isso com meu menino. — Mamãe choramingava pelos cantos quase todas as vezes.

Eu fui tomado pelo monstro, uma hora eu era Álvaro, outra hora eu era eu, as vezes mamãe, numa amal­gama de sentimentos, formas e cores.

A faca, o momento perfeito. Eu a seguro com ambas as mãos e no momento mais oportuno eu tomo coragem e á cravo em seu estomago, uma… duas … três… dezenas de vezes. Banhado em sangue, eu vejo seu corpo inerte diante de mim.

— Você o matou! — Mamãe grita chorando. ASSASSINO!

— Porque? — Bernardo questiona em seus braços. — Você matou meu pai. Eu te odeio!

Saio daquela casa às pressas… fugir já não adianta. Para onde eu olho, vejo o rosto de Álvaro me observando. Me seguindo, me consumindo por inteiro.

Eu não estou seguro em lugar nenhum.

— Te vejo no inferno. — Ele sussurrava em meu ouvido, enquanto se transfigurava em um demônio.

Então eu acordei.

Com as mãos tremulas, fui ao esconderijo onde guardei com cuidado o que Rubens me dera. Com dificuldade acendi meu primeiro cigarro. Dei umas boas baforadas do lado de fora da casa, O efeito anestésico foi quase imediato, como Rubens disse que seria.

Eu me entreguei por inteiro aquela paz repentina e naquele momento eu me permiti esquecer…-” ”>-‘.’ ”>

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Publicidade

Inscreva-se no WIDCYBER+

O novo canal da Widcyber no Youtube traz conteúdos exclusivos da plataforma em vídeo!

Inscreva-se já, e garanta acesso a nossas promocionais, trailers, aberturas e contos narrados.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo