A partir de então era eu contra o mundo.
Eu acabei me tornando uma criança amarga, agressiva, tudo para mim era motivo de birra, eu tinha que mostrar aos outros que eu era o mais forte. Os momentos longe de casa eram os melhores, eu era o dono da rua, e na escola ninguém me aguentava.
O aluno bonzinho e responsável, que fazia todas as tarefas no prazo e recebia elogios de todos aos poucos foi dando espaço ao desleixado, o queridinho das professoras e amado por todos, deu lugar a um menino desobediente que fazia questão de brigar com todo mundo por causa de tudo, que sempre dava um jeito de fugir para não assistir aula.
Eu havia me tornado o terror do colégio. E isso acabou se refletindo em casa.
Mamãe era constantemente chamada na escola por alguma coisa que eu havia feito de errado, uma briga, alguma coisa que eu havia quebrado, ou simplesmente porque eu me recusava a fazer o que me pediam, ou porque eu havia desrespeitado algum colega, professor ou funcionário da escola.
Eu sempre dava um jeito de fugir para brincar na rua, vira e meche eu estava em uma sorveteria em frente à escola jogando videogame com alguns dos meus amigos, apostando e ganhando deles.
Eu amava jogar videogame, não tinha quem me vencesse no mano a mano. Sempre que possível eu estava lá com meus verdadeiros amigos, curtindo os poucos momentos felizes que eu tinha.
Ali, eu era o rei. E era respeitado como tal.
Eu devotava horas e horas do meu dia ali, antes, durante ou depois da escola. Muitas vezes mamãe ou Álvaro vinham me buscar pois eu não tinha visto a hora passar e já estava muito tarde e era perigoso para um garoto estar na rua uma hora daquela.
Mas… para mim era mais perigoso voltar para casa e dar de cara com ele, sozinho. Aquele era mais um modo de eu me proteger. Quando eu não conseguia sair de casa, aí ele atacava novamente.
Depois que Bernardo nasceu, aqueles momentos de tortura raramente aconteciam. Vez ou outra quando era pego de guarda baixa.
— Hoje você vai brincar comigo. — Ele me dizia escondido quando sabia que estaríamos sozinhos em casa.
Meu corpo congelava, eu tentava de alguma forma fugir, me esconder, e quando não era possível eu tinha que enfrentar a fera.
— Não! — Eu sempre respondia.
— Você quer ver sua mãe morrer de desgosto?
— EU NÃO QUERO! — Gritei em resposta.
—… seu irmão talvez?
Bernardo tinha uns três anos quando ele usou esse artificio pela primeira vez. Ele o pegou no colo e sorriu para mim. Bernardo era agora minha responsabilidade, se eu não fizesse o que ele queria e na hora que queria, meu irmãozinho pagaria o preço.
Eu não podia deixar aquele monstro tocar no meu irmãozinho. Como eu não era forte o bastante para enfrenta-lo eu acabava cedendo.
Pelo menos ate o dia em que eu finalmente tive coragem para enfrenta-lo cara a cara. Isso aos 11 anos de idade.
Mesmo não podendo com ele, eu avancei em sua direção, tomado pela fúria do momento, lancei lhe uma serie de pontapés, socos e chutes na tentativa de que ele largasse meu irmão.
— LARGA ELE!! – Gritei com todas as forças do meu ser.
— Entenda de uma vez. — Ele me respondeu esboçando um sorriso sádico. — Tem que ser do meu jeito, ou não é de jeito nenhum. Agora vem cá!
Álvaro colocou Bernardo no berço, e estendeu os braços para mim. Temendo pela segurança dele eu o obedeci, mas me arrependi amargamente.
Ele fechou uma das mãos e me deu um tapa na cara. Meus olhos se encheram de lagrimas; um soco na boca do estomago e por último puxou meu cabelo tão forte que alguns fios foram arrancados.
— Você entendeu! — Ele disse me olhando nos olhos, abrindo o zíper e baixando a calça.
Ali, em seu berço Bernardo presenciava a monstruosidade vinda do próprio pai. Ele arrancou minhas roupas e me fez de gato e sapato diante do próprio filho.
Um misto de medo e ódio tomaram conta do meu corpo. Meus olhos se fixaram nos dele, em uma fração de segundos eu entendi o que deveria fazer.
Ou era ele ou eu…
— Um dia eu te mato!