O Vazio que Habita em Mim – Capitulo 19: O Motivo

Aquilo que eu mais temia aconteceu…

Eu tinha tomado todas as precauções possíveis depois de perceber os detalhes e ser alertado pelo Alex sobre o perigo eminente.

Não ficar sozinho, evitar ficar perto dele e nunca me meter em encrenca. Por um bom tempo funcionou, eu sempre tive a ajuda do Pepeu e do Quim quanto a isso. Os dois faziam questão de não se desgrudar de mim durante o dia e deram a Alex a missão de me proteger durante a noite e assim ele teria a nossa proteção, para qualquer coisa que pudesse acontecer com ele.

Pepeu tratou logo de nos colocar em pé de igualdade junto as gangues do lugar, os dois faziam o possível para ajudar ambos os lados e obter proteção junto aos guardas, isso sem pôr em conflito os interesses de cada lado.

Nós nos tornamos uma espécie de ONU ali dentro trabalhando pela paz do lugar e a cima de tudo livrando a nossa pele em meio a todo aquele caus.

Mas pelo bem de todos alguns sacrifícios foram feitos, mais por parte deles do que da minha…

Quantas vezes eu vi Pepeu ou até mesmo o Quim encobrir coisas para livrar ambos os lados do buraco e eles mesmos irem parar lá por conta disso? Quantas vezes eu vi o Quim apanhar dos guardas por coisas que ele não fez apenas para livrar o responsável?

Foram muitas.

Eu ainda era frágil, e eles sabiam que eu não duraria um segundo sem eles ali dentro. E sabe de uma coisa…

Eles tinham razão!

No fim nós éramos uma família, os dois sempre cuidaram de mim.  Mais por medo do que por amor, eu acho. Eles me protegiam pela promessa que haviam feito a Leka. Mesmo longe ela dera um jeito de cuidar de mim. Mas, mesmo com todo o cuidado eu me meti em encrenca.

Estávamos os quatro no refeitório, prontos para a gororoba que seria servida como café da manhã, antes das aulas. Nenhum de nós percebeu o que estava por vir, so vimos alguns olhares suspeitos, de alguns dos detentos para os guardas.

Tudo aconteceu rápido demais.

Um pouco atrás de nós, dois garotos começaram uma discussão por algum motivo desconhecido, uma talvez uma dívida ou talvez um deles tenha se negado a repassar alguma coisa.

O motivo certo eu não sei. Nenhum de nós soube na verdade. A única coisa que sabíamos era que aquilo só podia dar em merda.

E realmente deu!

Em poucos segundos o que seria uma discussão passou para um derramamento de comida e logo depois os dois estavam aos socos chutes e ponta pés. E todos os garotos gritando.

BRIGA! … BRIGA! … BRIGA!

Nos quatro nos levantamos as pressas, assim como todos os garotos ali presentes e ficamos apenas observando e gritando junto com aquela algazarra toda.

Quando uma coisa como aquela acontecia era comum os guardas correrem com seus super cassetetes e salvarem o dia dando uma boa surra nos desordeiros, mas não nesse dia.

Todos os guardas apenas observavam o tumulto crescer, em pouco tempo o que era para ser um café da manhã tornou-se uma guerra. Todos os utensílios voavam de um luar para outro desgovernados, acertando todo mundo que revidava lançando o objeto mais próximo de si.

Os gritos e a correria tomou conta do lugar, e antes que nós pudéssemos fazer alguma coisa, nos quatro já estávamos envolvidos.

Um prato de mingau de aveia acertou minha cabeça. Pepeu e Quim tomaram partido e arremessaram seus pratos na direção de onde tinha vindo aquele que me acertou. Em cada canto daquele refeitório uma guerra se iniciava.

Eu estava embaixo da mesa enquanto os garotos continuavam a guerra de comida gritando e jogando coisas uns nos outros.

Uma sirene soou alto anunciando a intervenção dos guardas armados com spray de pimenta e seus cassetetes. Éramos em torno de 90 garotos naquele dia e nenhum de nós escapou do castigo. Alguns foram piores do que outros.

Eu tive minha passagem garantida para o buraco.

 

 

 

O caus se instalou por completo, o som da sirene invadiu o ambiente e com ele vários dos guardas que apenas observavam entraram finalmente em ação para conter o tumulto. Nenhum deles maneirou no uso da força bruta, eles nos chutavam, batiam e esmurravam os internos, mesmo aqueles que faziam questão de não se envolver no ocorrido. Desde nossa chegada naquele lugar aquilo não havia acontecido.

Em poucos minutos tudo tinha acabado, muitos de nós estavam no chão, outros recostados na parede, outros ainda tentavam se proteger sem sucesso do que estava por vir.

O toque de recolher.

Ficamos em formação, numa fila diante dos guardas que nos observavam com ódio nos olhos. O pátio estava coberto de sangue, suor e lagrimas.

— Quem é o responsável pelo tumulto. — Disse o guarda enquanto passava por toda a extensão da fila. Ele nos olhava com desprezo, encarava cada um de nós na esperança de que alguém desse com a língua nos dentes.

Todos permaneceram em silencio.

— Respondam. — Disse Adão entrando no refeitório. — Quem começou essa algazarra toda?

Sua única resposta foi o silencio.

— Vocês não vao me responder? — Ele continuou. — Ok, vamos ver ate quando. Monitor Garcia?

— Sim senhor!

— Levem todos para seus dormitórios, sem agua ou comida.

— Por quanto tempo senhor? — O homem perguntou

— Até que um deles decida falar.

Fomos levados aos quartos e lá ficamos trancados até o dia seguinte, sem comida, bebida ou agua. Durante a noite as sessões de tortura se iniciaram, primeiro alguns dos internos foram levados ao buraco, nós podíamos ouvir os gritos, de terror e as suplicas para que parassem.

A ditadura se instalou naquele lugar de uma hora para outra. Pepeu foi espancado por estar na facção do santo Cristo, Quim foi levado durante a noite por um dos guardas, Alex e eu ficamos presos sem poder fazer nada. Ficamos presos, vendo tudo acontecer de mãos atadas.

Mas isso não significa que eu não tenha tido minha dose de tortura.

Alex tinha passado mal devido à falta de insulina, e foi levado às pressas para a enfermaria. Até aquele momento eu não sabia que ele era diabético e precisava do remédio para ter uma vida normal.

Eu acordei com a sirene avisando a hora de levantar, como esperado ninguém apareceu para abrir a cela, o silencio havia tomado conta de tudo.

— Alex? — Chamei, mas não obtive nenhuma resposta. Ele sempre se levantava antes de mim, mas naquele dia foi diferente.

Ele continuava na cama, ele era sempre o primeiro a se levantar, mas naquele dia foi diferente.

— Alex! — Eu me aproximei dando uns empurrões para acorda-lo. — Acorda, o castigo continua.

Ele não se mexeu.

Eu chamei pelos guardas que vieram e o levaram para a enfermaria, sem me dizer uma palavra.

Meu castigo veio uns dois dias depois.

Dessa vez eu não tinha como fugir.

Gritar chamando por ajuda foi minha única alternativa, mas a ajuda demorou a vir. O monitor do corredor veio, abriu a porta e me viu junto dele chorando.

— QUE MERDA! O que aconteceu garoto! — Ele pareceu chateado por ter que vir ver o porquê de eu estar gritando tanto.

— Ajuda ele… — As palavras saíram em meio as lagrimas.

O homem em fim se deu conta do que estava acontecendo. Eu balançava o corpo de Alex enquanto chorava, mas o garoto não se mexia. Rapidamente ele destrancou a porta e entrou, depois de checar os sinais vitais, o pegou no colo e saiu correndo para a enfermaria.

— Vem comigo! — Disse ele às pressas

Desolado eu apenas o segui.

 

 

 

Depois de levar Alex para a enfermaria, o monitor do andar me levou a presença dele. Como nem Joana, nem Alexandre estavam na instituição ele respondia pelas coisas que aconteciam ali dentro.

O assistente do diabo.

Ele nos recebeu com um sorriso no rosto, e depois de ouvir as queixas do homem que me acompanhava Adão decidiu dispensa-lo dizendo que precisava conversar a sós comigo.

Meu acompanhante saiu sem hesitar. Eu não contava com aquilo. Enquanto Joana estivesse fora era Adão quem respondia e decidia sobre qualquer coisa ali dentro.

Meu coração disparou.

Fui guiado por ele para a sala reservada, o ambiente claro, era cheio de brinquedos dos mais variados tipos e tamanhos, jogos de tabuleiro e coisas para exercitar a memória.

Sentei em um dos pufes espalhados pelo chão enquanto e fitei o chão, na esperança que ele me deixasse em paz.

Adão sentou-se na poltrona que ficava em frente a mim, ficou me olhando por um tempo infindável, ate por fim romper o silencio.

— Finalmente você veio aqui. — Ele disse com um sorriso sádico.

Eu continuei calado olhando para o chão, pois sabia que o pior estava por vir e eu não podia fazer nada para impedi-lo.

Me senti a pior pessoa do mundo, a culpa era minha, eu sempre permiti que as pessoas fizessem o que quisessem comigo.

Sempre fui um covarde. Sempre dependi de alguém para me defender das maldades que a vida me impôs. Minha mãe, minha professora, Leka, Pepeu e Quim. Todos tinham pena de mim por eu ser um fraco.

Eu merecia que aquilo acontecesse comigo, afinal a culpa foi minha. Se eu não tivesse provocado nada disso teria acontecido. Eu poderia estar em casa com papai, mamãe e Bernardo.

Álvaro foi o primeiro a macular meu espirito, a me roubar a infância, sua morte esta entranhada em mim e nada que eu fizesse mudaria isso.

“Não precisa ter medo, eu não mordo sabia?” – Ele me analisava cheio de malicia. – Eu sabia que uma hora ou outra você viria até mim.

Seus olhos tinham um brilho estranho, Adão levantou-se sem tirar os olhos de mim foi ate a porta e a trancou.

O clique metálico da chave me fez levantar.

— “Não precisa ter medo, apenas relaxe, eu só quero brincar” ele caminhou até a janela, deu uma boa olhada para o lado de fora, antes de fechar às cortinas nos deixando a meia luz.

Adão voltou para onde eu estava, sentou-se ao meu lado e começou a passar a mão sobre minhas pernas.

— “Seja um bom menino…”

Eu não podia deixar aquilo acontecer novamente

— NÃO! — Gritei

— Você sabe o que acontece com os meninos maus, não sabe?

Eu balancei a cabeça em sinal positivo.

— Me diga… O que acontece com os maus meninos aqui dentro?”

— O buraco! — Respondi com os olhos cheios d’água.

— Você que parar no buraco como seus amigos?

— Mas… eu não fiz nada.

— Não foi isso que o monitor Sandro me disse.

— Mas…

— “Eu posso protegê-lo sabia, mas para isso você tem que ser um bom menino”.

Suas mãos subiam pelo meu corpo, me causando um arrepio gélido. Eu estava tomado pelo medo. Eu fechei os olhos. E mais uma vez Álvaro estava diante de mim sorrindo do meu sofrimento.-” ”>-‘.’ ”>

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