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O Vazio que Habita em Mim – Capitulo 14: Confissão

No caminho de volta para o beco, nós três juramos não contar a Leka o que havíamos feito naquele dia. Se ela sou­besse seria capaz de matar nos três sem nenhum tipo de remorso.

Já passava das duas da tarde quando ela finalmente che­gou, nós três trocamos olhares atentos, como se confirmásse­mos em silencio o voto de confiança que havíamos depositado uns nos outros.

— Cês tão com essa cara porquê? — Ela perguntou assim que deu de cara com a gente. — Chuparam limão foi?

— Não… não. — Quim respondeu desviando o olhar.

— Por que você não foi com a gente? — Perguntei ten­tando disfarçar meu nervosismo.

— O Rubens queria que eu fizesse umas cobranças pra ele. — Leka respondeu sentando-se no chão junto a cama.

— Ah… tá.

— Como foi lá? — Ela perguntou interessada. Tinha muita coisa boa?

Eu arregalei os olhos para Quim e Pepeu, e eles perce­bendo meu nervosismo sentaram perto de mim.

— Trouxemos um saco de sobras, frutas, pães, bolos, do­ces e outras coisas. – Disse Quim sorrindo. – Dividimos tudo com o pessoal e guardamos algumas coisas para você.

— Eu adoro vocês sabia. — Ela respondeu indo em dire­ção a nossa sacola.

Leka observou por alguns minutos o conteúdo da sacola, depois tirou um pedaço de bolo e começou a comer sem a me­nor cerimônia.

— Pra onde o Rubens te mandou dessa vez? — Pepeu perguntou.

— Pro outro lado da cidade.

— Pros bairros chiques?

— É!

— Quanto? — Quim completou.

— 200.

Eu demorei algum tempo para perceber qual era o meio de vida deles, demorei ainda mais para entender por que Ru­bens fazia aquele tipo de coisa. Mas eram as circunstancias, e eu passei a ajudar sempre que era requisitado. Quando os ri­caços vinham em busca das drogas, o Rubens entregava e nós fazíamos as cobranças. Nenhum de nós fazia perguntas, ape­nas fazíamos o nosso trabalho.

Foi isso que Leka foi fazer naquele dia.

Naquela noite Rubens não apareceu, Pepeu e Quim deci­diram esticar as pernas e passaram a noite inteira na rua. As­sim, Leka e eu passamos a noite juntos, sozinhos no beco es­curo, tendo apenas a luz de uma vela como companhia.

Ela avaliava qualquer expressão minha, como se soubesse que algo estava errado comigo, me estudava com aqueles pro­fundos olhos castanhos de mãe que sabe que o filho aprontou e espera uma confissão.

Sim, Leka tinha os mesmos olhos castanhos da minha mãe, nesses momentos era como se ela estivesse ali comigo, me cobrando uma resposta.

— O que você tem? — Ela perguntou depois de um longo tempo.

— Nada! — Respondi, desviando o olhar.

— Eu não sou boba sabia. — Ela disse baixinho. — Eu sei que tem alguma coisa errada com você.

— Tipo?

— Não sei… eu apenas sei.

— Como se sabe de algo sem saber.

— Eu noto coisas.

— Que coisas? — Ela estava fazendo uma espécie de jogo comigo.

— Você vive se escondendo de todo mundo.

— Eu não vivo me escondendo.

— Quais são seus monstros Mick?

— Que?

— O que você esconde de todo mundo? Me conta!

— Eu não escondo nada.

— Sabe… — Ela disse com a voz embargada. — Minha mãe me abandonou com ele.

— Como assim? — Perguntei.

— Eu não me orgulho das coisas que eu faço. Mas esse foi o único jeito que meu pai teve para me criar.

— Seu pai…

— É. O Rubens é meu pai. Ele me ensinou tudo o que eu sei e acolheu os garotos quando ninguém mais quis. Desde então somos uma família, eu me preocupo com eles, e faço o que for preciso para ver eles felizes.

— É complicado. — Eu disse baixando a cabeça.

— Tudo aqui é complicado. Por pra fora ajuda a clarear as ideias. — Leka tinha os olhos cheios d’agua. — A culpa é minha.

A garota mexia as mãos tentando esconder aquele senti­mento de culpa que eu entendia bem. Nada fazia sentido para nos dois. O abandono corroía todos eles.

— Por pra fora ajuda mesmo? — Perguntei pensativo.

— Sim… — Ela respondeu pegando minha mão. — Con­fie em mim.

Leka tinha o sorriso mais lindo que eu já havia visto na vida, ela tinha passado por coisas semelhantes as minhas. E talvez me entendesse.

Será que eu podia confiar meu segredo a ela?

— Eu não conto para ninguém. — Ela via a dúvida em meus olhos. – esse será o nosso segredo.

Aquele olhar penetrante invadiu minha alma com uma força esmagadora. Eu podia confiar nela cegamente. Leka sa­bia que eu não aguentaria guardar aquele segredo por mais tempo.

— Eu não posso! – as lagrimas teimavam em rolar pelo meu rosto.

— Pode! — Ela insistiu confiante.

Leka segurou minhas mãos junto ao peito. As batidas do coração dela se ritmaram as minhas. E quando dei por mim as palavras saíram sem nenhum controle.

— Eu matei um homem!

 

 

 

Apesar de que aconteceu comigo, desde meu pai até Álvaro aparecer na minha vida, minha mãe, meu irmão e a promessa que eu fiz a ele de que doloroso eu acabei contando a ela tudo o um dia eu o encontraria novamente.

No início Leka me pareceu um pouco chocada, a medida em que narrava os fatos. Todos os sonhos horríveis que eu tinha com Álvaro, desde o dia em que eu o tinha matado e da ajuda que Rubens tinha me dado para superar meu problema. Calada, ela apenas ouviu tudo o que eu tinha para dizer, mas em seus olhos eu via o medo se formando.

— Está tudo bem… — Ela disse quando eu acabei de con­tar minha história.

— Eu…

— Não precisa se desculpar. Todos nós temos monstros que queremos esconder.

— Os meus insistem em se mostrar. — Respondi forçando um sorriso.

— Seu segredo está seguro comigo. — Ela sorriu de volta.

Eu vi uma lagrima brotar em seus olhos. Ela tentou se es­conder atrás do cabelo comprido.

— Tudo vai ficar bem! — Prometi.

Uma troca de olhares sinceros. E naquele momento eu senti que podia realmente contar com Leka para tudo. Ela ainda segurava minha mão com força contra seu peito.

Eu sentia o palpitar de seu coração em minhas mãos. Num instante meu coração também acelerou, parecia que os dois estavam em sincronia.

Minhas mãos suavam e um frio percorreu minha espinha junto com a sensação de borboletas no estomago. Leka virou-se para mim, aconchegando-se em meus braços pondo o ou­vido em meu peito.

— Pensei que era coisa da minha cabeça. — ela disse.

— O que?

— Nada.

No instante seguinte, os lábios dela se juntaram aos meus num beijo. Eu queria aquilo tanto quanto ela, abracei-a com toda a força que tinha. Eu não queria que aquele momento acabasse. Aquele beijo me fez esquecer de tudo e de todos, éramos só Leka e eu num barraco escuro e úmido.

Eu não me importei com mais nada além de nos dois. Na­quele momento único eu me permiti por pra fora tudo o que eu estava sentindo.

Toda a raiva, todo o ressentimento se foi, apenas Leka me importava. Nesse pequeno momento foi quando eu me senti feliz de verdade, desde que tudo aquilo começou.

O dia em que me senti mais vivo!-” ”>-‘.’ ”>

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