Era só mais um dia normal, como aqueles onde nada demais poderia acontecer. Reguei minhas plantas, paguei algumas contas pelo celular, telefonei para minha mãe, fiz meus exercícios diários e recebi mais uma das dezenas de mensagens no meu WhatsApp profissional, normalmente eu dou uma de difícil para responder certos clientes, mas como o movimento anda fraco, e esse, não sei dizer, mas esse cliente me chamou atenção por alguma coisa nas vezes em que nos encontramos, então, logo peguei o celular e respondi prontamente. Ele sempre tímido como da primeira vez que o vi, até digitando, vê se pode isso?
– Oi, Bruno, tá livre hoje à noite?
Eu segurava uma maçã na outra mão, e nossa! Eu a mordi tão forte antes de responder aquela mensagem. Lembrei das bochechas dele.
– Oi, Fábio, então, a partir das sete eu tô disponível!
Visualizando minha resposta de imediato, ele rapidamente enviou outra mensagem dizendo o seguinte:
– Gostaria que me acompanhasse em um jantar hoje, dentro de alguns minutos você vai receber um envelope aí no seu flat com informações da reserva e do restaurante, até mais.
Achei misterioso da parte dele, também achei muito em cima da hora, pensei que ele fosse marcar, tipo, final de semana sabe? Mas enfim, trabalho é trabalho, então já confirmei minha presença, além do mais o Fábio é o maior gatinho, cheiroso, educado, olha se eu não fosse extremamente profissional diria que ele faz meu tipo pra namorar. Aliás quanto tempo faz que não tenho um relacionamento viu, meu relacionamento com os homens há bastante tempo vem sendo apenas de negócios. Prosseguindo, já havia saído umas três vezes com o Fábio, temos mais ou menos a mesma faixa de idade, gostamos de coisas parecidas, bom, e como sei de tudo isso? Porque ele adora conversar e eu também né, então nosso santo bateu de cara. Realmente não entendo como um cara jovem, bonito, interessante como ele, que pode pegar quem quiser nessa vida, me paga pra sair com ele, enfim, mistérios da vida. Às vezes me pego pensando em como queria ter conhecido ele em outras circunstâncias, mas será que eu teria alguma chance? Não sei, mas prossigamos para o jantar com este homem maravilhoso.
Já era quase oito horas e lá estava eu na porta de um restaurante chiquérrimo, que eu sequer sabia pronunciar o nome, embora já tivesse conhecido e viajado para alguns locais e frequentado uns lugares finos, esse restaurante fazia os outros parecerem a padaria onde eu tomo café de vez em quando. Adentrei ao restaurante, ao me avistar, Fábio ficou de pé, acenou, parecia que o criador o deixava mais lindo a cada encontro nosso, sim, Deus só podia ter desenhado esse homem pessoalmente. Me aproximei, nos cumprimentamos, e para a minha surpresa, ou não, lá estava um casal de amigas dele, era aniversário de casamento das duas, e Fábio então me apresentou:
– Meninas, esse é Bruno, meu namorado. Amor essas são Fernanda e Luiza, meu casal inspirador.
Cumprimentei-as, tentei disfarçar meu choque com aquela representação de Fábio, juro que eu esperava qualquer coisa, menos aquilo, bom, ele não combinou nada disso antes, mas como bom intérprete que sou, apenas entrei na onda e fui interpretando o meu papel conforme meu diretor e ator principal conduzia. Naquela noite eu tomei o melhor vinho, comi da melhor comida, conversei sobre ótimos assuntos com aquelas pessoas, mas estava ecoando na minha cabeça, a voz de Fábio a todo instante, dizendo ‘’meu namorado’’, ‘’meu namorado’’, mas porque aquele pensamento não me deixava em paz? Não, não podia ser… Enfim, correu tudo bem com o jantar, Fernanda e Luiza foram embora primeiro no carro que veio buscá-las. Fábio pelo visto não queria ir pra casa tão cedo.
– A gente pode ir até a praia, tá tão pertinho daqui? Adoro ver o mar, principalmente à noite.
E uma altura daquelas eu tinha vontade própria? Simplesmente concordei, atravessamos a rua, tirei os sapatos e já pisamos na areia fria da praia. Num silêncio feroz, nos sentamos por ali, Fábio parecia estar inquieto, perguntei se estava tudo bem, ele tentou desconversar:
– Queria ver ao menos uma estrela hoje, céu tá nublado né? – enquanto apontava pro alto.
Desviei meu olhar rapidamente para cima também, e ele então me surpreende com uma resposta.
– Sabe Bruno, tem algo que eu queria te dizer.
Nessa hora eu pensei tanta coisa, não sabia se tinha cometido alguma gafe, se ele havia não gostado de algo, então apenas balancei a cabeça positivamente e o olhei atento, para aqueles lábios, e ele continuou.
– Tudo hoje pareceu um sonho pra mim. Na verdade, eu idealizei esse encontro tantas vezes na minha cabeça, eu só queria que tudo fosse real.
Eu inocentemente concordei.
– Que bom que correu tudo bem, espero que tenha gostado da minha encenação. – Nesse momento dei um sorrisinho meio sem graça.
Fábio se levantou rapidamente, mas sem perder sua doçura, sentou-se frente a mim, olhou nos meus olhos.
Eu realmente esqueci do resto do meu dia, ali, naquele momento. Fiquei apreensivo, naquela fração de segundos que mais pareciam horas. Fábio segurou minhas mãos naquele momento.
– Bruno, você não entendeu nada, não é? Eu quero ser seu, quero você pra mim sem nenhuma transação financeira validando isso.
Sabe quando você quer tanto algo na sua vida? Flerta com aquilo, mas sabe que é quase impossível de se realizar? Então, Fábio não me via mais como um produto ou serviço, se é que algum dia me viu assim, não sabia o que pensar ou dizer naquela hora. Eu sempre fui consciente que era improvável haver qualquer outro tipo de relação com meus clientes que não a comercial. Passados alguns instantes do meu segundo choque da noite, eu consegui responder alguma coisa:
– Olha Fábio, eu não sei o que te dizer. Acho que você é o primeiro cliente que me fala algo assim, nesse tempo de profissão que eu tenho.
Ele olhava atentamente para mim e aguardava ansiosamente uma resposta que fosse agradável aos seus ouvidos. Então continuei:
– Bom, historicamente, isso não daria muito certo. Acho que você confundiu algo entre nós. Eu peço até desculpas se nos nossos encontros eu passei uma outra ideia a meu respeito, a respeito da gente, enfim.
Fábio nesse momento se afastou um pouco, mas estava convicto do que queria.
– Não precisa se desculpar Bruno, eu que peço desculpas de te pegar de surpresa dessa forma, eu deveria ter sido mais sutil. Vamos fazer assim, você não precisa me dizer nada nesse momento, não me responde nada em definitivo agora.
Naquele momento eu preferia contar todos os grãos de areia da praia, a ter que encarar uma situação tão complicada, ou seria apenas eu que estava complicando tudo? Como em todas as situações da minha vida, sempre peço um sinal, um socorro dos céus, e ali veio. De repente iniciou uma forte chuva, nos levantamos rapidamente, Fábio que segurava sua jaqueta a colocou sobre nós tentando em vão que não nos molhássemos. Nos abrigamos em uma parada de ônibus, eu simplesmente mudo, Fábio me pediu desculpas por mais duas vezes seguidas, e a única atitude que tive foi de dar sinal para um táxi que passava e ir embora dali.
Alguns dias se passaram desde a fatídica noite do encontro entre Fábio e eu. E não houve um dia sequer que eu não pensasse, meu Deus, o que foi aquilo? Precisei de uma semana pelo menos pra cair a ficha sobre o que aconteceu. Cada mensagem que chegava, eu esperava uma que fosse dele, e com o passar do tempo, eu via que talvez aquilo fora apenas um devaneio dele, eu prefiro culpar o vinho caro, com certeza foi culpa da bebida. Eu não conseguia me concentrar em nada, comprei mais plantas, paguei mais contas, passei mais horas ao telefone com minha mãe, com os amigos, até com a moça do telemarketing que queria muito desligar, tadinha. Minha falecida vozinha sempre dizia ‘’meu filho vista a armadura que a vida te der e vá a luta’’, daí eu olhei em volta, a única armadura que eu estava vestindo era uma de orgulho misturada com medo, então me despi dessa, e vesti uma de coragem, era a que a minha vó sempre usava, com toda certeza. Peguei o celular pessoal, sim, eu disse o pessoal e não o profissional, e mandei uma mensagem para ele pedindo desculpas pela forma que agi. Passados alguns longos minutos eu suava frio, estava ansioso, mas nada de Fábio me responder, então resolvi desencanar, claro que um homem como aquele jamais ia querer nada sério com um profissional como eu, e pra falar a verdade eu também não ia cair nesse papo de ‘’amor’’, eu sei que existe por aí, mas também sei que isso não é pra mim.
Quase 22 horas, tv ligada, um chocolate esfriando na caneca, e meu telefone tocou, um número que não estava salvo na agenda, quando atendi, sim, era ele, era Fábio com aquela sua voz que invadia todos os cantos da minha mente.
– Tudo bem, Bruno? Tá livre amanhã?
Com um coração inquieto, prestes a saltar do peito e sair correndo por aí, e com a mente cheia de pensamentos, respondi.
– Estou bem, espero que você também, infelizmente Fábio, estou sem agenda pelo resto da semana.
Mas alguém podia me explicar o que eu tinha acabado de dizer?
– E a sua agenda pessoal, tá lotada também?
Eu engoli todas as letras, tentando formular algum argumento e o silêncio prevaleceu por uns instantes.
– Bruno? Você ainda tá aí?
Olhei para o cachorrinho de pelúcia, que eu consegui pegar naquelas máquinas de shopping outro dia e falei a primeira coisa que me veio à mente.
– Desculpa Fábio, mas não vai dar, meu cachorro tá meio doente, então, fora dos horários de atendimento, estou me dedicando a cuidar dele.
Fábio estava mais obstinado do que na noite do nosso encontro, e insistiu com uma solução para a minha desculpa esfarrapada.
– E se de repente eu passasse por aí e a gente levasse seu ‘’doguinho’’ no veterinário que cuida dos meus?
O que eu diria a seguir, nem o maior mentiroso da face da terra poderia tramar, ou simplesmente, eu só não sabia o que estava fazendo mesmo.
– Bom, se não for te dar trabalho, amanhã eu estou livre pela manhã. Você faria isso por mim?
Percebi uma felicidade no tom de voz dele ao me responder:
– Claro, então amanhã às oito eu passo aí pra pegar vocês.
Estava claro que eu não tinha um plano, eu só queria tanto aquele homem, mas não queria admitir.
E na manhã seguinte desci até a portaria do prédio, Fábio me esperava no saguão, um sorriso de orelha a orelha, tão cheiroso e educado como de costume.
– Ué, mas cadê seu cãozinho? – ele perguntou levantando sutilmente aquela sobrancelha desenhada por Deus.
Vestido na minha armadura de coragem, àquela altura inebriada de tantos sentimentos, respondi prontamente.
– Eu não tenho um cãozinho. – Respondi descaradamente, na maior calma.
E antes que Fábio pudesse indagar outra coisa, eu já fui despejando ali mesmo tudo o que estava guardado desde a última vez que nos vimos.
– É a segunda vez que minto pra você desde que nos conhecemos.
Eu juro que eu estava louco pra beijar ele ali mesmo, enquanto ele me encarava arqueando aquelas sobrancelhas e me questionando.
– E qual foi a primeira mentira Bruno?
Por que ele não me beijava logo hein? Aquilo era tão difícil de falar, mas eu só fui.
– A primeira foi aquele dia na praia, quando disse que não daria certo, eu não sei te explicar, mas você mexe tanto comigo desde o nosso primeiro encontro e não, eu não devia estar te falando tudo isso.
Nesse momento, ele deu um sorrisinho de lado, e ele me sorria com os olhos, me hipnotizando como sempre. E me pediu pra continuar…
– Então, é isso, não sabemos tanto um do outro, mas eu sei o suficiente pra entender o cara maravilhoso que você é.
Ele segurou minhas mãos como naquele último encontro, me olhou nos olhos e disse:
– Você tá sabendo que não é um bom mentiroso né?
Nessa hora eu não aguentei, foi uma risada tão sincera, rimos juntos por alguns segundos até que eu escuto a voz do seu Cícero, o porteiro daquele dia: ‘’ – Beija logo o rapaz Bruno! Que onda!’’
Fábio me puxou pra perto e nossa, que beijão de cinema. Deve ser assim a sensação de estar sobre uma nuvem, sim, minha ficha caía a cada instante, eu estava apaixonado! Eu só queria congelar aquele momento pra sempre, talvez por medo de não saber que haveria tantos outros como aquele. Embora estivesse certo do que eu queria com ele, eu não tinha um plano B, mas eu já não queria mais aquela vida de acompanhante, Fábio não me cobrou nada sabe? Não me exigiu nada, mas eu queria um novo rumo pra mim, e a cada dia que passava eu queria mais estar com ele, queria voltar a estudar, e foi isso que fiz. Durante o tempo que fiquei na cidade grande, fiz um pé de meia, consegui voltar a estudar, arranjei até um estágio na minha área. Fábio sempre me apoiando com tudo, cuidando de mim nos resfriados, viajando para conhecer minha família, me incluindo também em tudo o que ia fazer com a família dele. Fomos uma grata surpresa um para o outro com certeza. Tô até pensando em adotar um cãozinho agora, já que tenho um namorado tão amoroso e que ama pets também.
Pra finalizar, eu queria poder transmitir nestas linhas a imagem da chuva caindo no jardim e batendo nas folhas das árvores que eu vejo agora, uma xícara de chá do lado, contas pagas, saúde, minha mãe ali na cozinha fazendo a melhor comida do mundo nas suas preciosas panelas de barro, e a cereja do meu bolo, sim, Fábio descansando no meu colo.
– O que você tanto escreve nesse diário hein amor?
Esse homem fala e eu suspiro profundamente como se fosse a primeira vez. Enfim, não posso reclamar da vida, já fui um cara de tantos negócios, mas quem diria que meu negócio mais sincero seria o amor?