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Eu, Kadu: Diário de bordo – Parte 2

Matheus 

“Uns matam o Amor, velhos; outros, jovens; matam-no alguns com a mão do Ouro, e alguns com a mão da Carne – a mão possessa! E os mais bondosos, esses apunhalam, que a morte, assim, vem mais depressa”.

Estetrecho de um poema de Oscar Wilde resume com perfeição o INFERNO, em letras maiúsculas e garrafais, pelo qual venho passando.

Eu e Matheus não nos falamos mais desde a discussão que tivemos, desde a agressão que desferi sobre ele. Na verdade até houve uma tentativa de diálogo no hospital, no dia do acidente da minha mãe, mas foi horrível!

Algo terrível e vergonhoso foi o que fiz, eu sei, ao humilhá-lo com aquelas palavras, ao chamá-lo de usurpador, como também sei que sou eu quem deve pedir desculpas, reconhecer o quão idiota e infantil eu fui, mas não me sinto capaz.

De cima da montanha do meu orgulho, só consigo enxergar justificativas para a minha reação: o meu melhor amigo me traiu, e não há argumentos para sua defesa, sem falar na sua confissão de que sempre soube da minha paixonite idiota e, com isso, quem pode me garantir que não vinha se divertindo com essa situação, esfregando na minha cara todo esse tempo, com um prazer mórbido só adquirido pela prepotência heteronormativa, as suas namoradas e as trepadas que teve com cada uma delas?

E o tal carinha com quem ficou? Sem sombra de dúvidas deve ter escolhido algum cretino fora do CGAM. Ou até mesmo algum garoto de programa. Matheus não se arriscaria em ir para cama com alguém de dentro do colégio ou com algum de seus amiguinhos Neandertais. Que moral ele teria, não é mesmo? Principalmente para pedir que me poupassem de seus ataques homofóbicos.

É você quem vai terminar sozinho, Kadu. Um ser humano amargurado, sempre buscando brigar com alguém para tentar, inutilmente, apaziguar a frustração que vai carregar dentro do seu peito, aliás, você já está fazendo isso aqui e agora.

Essas palavras, essas malditas palavras vomitadas por Matheus, embebidas num bálsamo de falsa condescendência, hombridade e nobreza não saem mais da minha cabeça, invadindo minha mente, avassaladoras, e eu me odeio por isso.

Odeio. Odeio e odeio a minha fraqueza por me permitir, depois das cartas colocadas na mesa, sofrer por Matheus; por me permitir ponderar sobre suas opiniões acerca de mim. Ele não vai continuar sendo o centro do meu universo. Não mais.

Merdaaaaaaa!

Cada palavra da conversa que tivemos lá no hospital não sai da minha cabeça e estremeço só de pensar que possa ter sido definitiva, marcando o fim da nossa amizade.

Matheus se afastou de mim. A começar no colégio, onde já não está mais sentando ao meu lado, e vem evitado frequentar os mesmos lugares que sabe que vou estar.

Estou sendo desprezado sem qualquer consideração e na boa, fico surpreso como ele consegue virar a página dessa forma, ignorando minha existência sobre a face da terra sem o menor esforço, como seu eu fosse um completo estranho, ou pior, como se eu tivesse alguma doença contagiosa.

Então aquela reação diante do meu beijo, seu coração acelerado, sua insistência para que eu me declarasse… O que significou? Matheus queria ter a certeza, é isso? Queria ter a plena e inconfundível certeza de seu melhor amigo é gay e vem traindo sua confiança?

Será que ele teria levado adiante a sua nobre ação para que me poupassem do assédio, do bullying, se antes tivesse tomado conhecimento da minha condição sexual?

Até mesmo o Luciano, um ser humano super na dele, me perguntou sobre o que aconteceu entre mim e seu irmão de criação. Fiz cara de paisagem, claro, e não lhe dei espaço para explorar nada além da minha simplória explicação: uma briga comum entre amigos de infância!

Pela sua reação evasiva, silenciosa, deduzi que Matheus talvez lhe tenha dito algo diferente.

Detesto ter de reconhecer isso, mas o que vai ser de mim, do meu mundo sem o Matheus? Por que eu não falei o que ele queria ouvir?  Era somente a verdade, nada mais que isso era o estava me pedindo…

Coloco as duas mãos sobre o rosto e aperto os olhos com força, o nariz, a testa…

Quero sentir dor.

Alguma coisa precisa frear meus sentimentos, ser mais forte que o meu coração e fazer, com isso, que eu tome vergonha nesta minha cara e pare de me torturar ao tentar compreender os motivos para que Matheus, ainda, ocupe todo esse espaço na minha vida.

É você quem vai terminar sozinho, Kadu. Um ser humano amargurado, sempre buscando brigar com alguém para tentar, inutilmente, apaziguar a frustração que vai carregar dentro do seu peito, aliás, você já está fazendo isso aqui e agora.

Deus, eu só tenho 17 anos e pareço um adulto desesperado por um amor. Por alguém que complete minha existência vazia e sem sentido. Um frustrado, amargurado.

Você, Kadu, vive criticando a sua mãe e a sua irmã, Filipa, mas na hora que precisa, sabe ser tão manipulador e covarde quanto elas. O que não me admira. É lógico que o espinheiro não produz maçãs e nem a macieira espinhos, e o fruto nunca cai muito longe da árvore.

As palavras de Matheus, absortas, amarguradas…

Talvez o Gabriel tenha razão. A única maneira de pessoas como eu e como ele sobreviverem dentro desse mundo é se casando, gerando filhos, e às escondidas mendigar oportunidades, para satisfazer nossa real natureza. Não podemos esperar nada, nada mesmo, muito menos alguém para dividir os nossos sonhos ao assumirmos o risco de amar uma pessoa do mesmo sexo.

 

Som de Whatsapp chegando.

Retiro as mãos de sobre o rosto, me viro de lado e com o cotovelo apoiado sobre a cama, abro a gaveta do criado mudo a resgato o celular: mensagens do Vinicius Kenji.

 

Boooommmm diaaaaaa!

Como vai o rapaz mais lindo do mundo?

Saiba que o dia hoje vai demorar a passar.

Não vejo a hora de nos encontrarmos para, enfim, assistir a nossa querida “Bonequinha de Luxo”. 

Vou levar a pipoca, ok?

Beijão do quase japinha que te admira muito!

Deixo escapar um longo suspiro. 5h50 da manhã. Vinicius deve estar acordando pra ir trabalhar.

Não sei o que responder. Não quero mandar uma mensagem com palavras só por mandar, para parecer educado, cordial, apesar de o Vinicius merecer qualquer sacrifício da minha parte…

Credo. Horrível usar essa expressão, SACRIFÍCIO, para um cara que tá sendo super, hiper legal comigo…

Retorno suas mensagens com alguns emoticons de corações e beijos e em seguida devolvo o telefone para a gaveta do criado mudo e depois me deixo cair sobre o travesseiro novamente.

Nem tudo está perdido. Constato, voltando a fitar o teto.

Nesse mês que passou o Vinicius tem sido um grande companheiro, apesar do pouco tempo de conhecimento que temos um do outro.

Contrariando todas as minhas expectativas arrogantes e superficiais, pois acreditei que depois de eu tentar transar com ele de maneira desesperada e em seguida fazê-lo lidar com o acidente da minha mãe, mesmo que indiretamente, pensei que fosse sumir do mapa, afinal, pra quem travou um primeiro contato por uma sala de bate papo virtual, não seria de se esperar qualquer coisa diferente além de um desaparecimento instantâneo diante dessas circunstâncias.

Por muito menos os internautas deixam seus pretendentes a ver navios, dando o famoso bolo se o pobre coitado não conseguir preencher as lacunas de suas carências, não ser capaz de atender as suas mais supérfluas necessidades… Eu já fiz isso. Sei muito bem como é.

Quatro encontros foi o que tivemos até agora nessas últimas semanas.

Mesmo tendo dois empregos e cursando uma faculdade, Vinicius tem conseguido encontrar tempo para me ver, e se não fosse a sua convicção em me resgatar do meio da avalanche que despencou sobre mim, mesmo sem saber da missa, o terço, não sei como teria sobrevivido a todas aquelas descobertas despejadas num só dia.

Não quero parecer melodramático, mas reconheço que fiquei atordoado, instável, tenso, insuportável e ele, o japinha, decidiu que iria me ajudar, e fez o que estava ao seu alcance, e sempre de bom humor.

Museu, cinema, parque, shopping. Tudo para que eu me sentisse um pouco mais leve, para que meu cérebro oxigenasse, minhas células fossem renovadas…

No penúltimo encontro que tivemos, revelei quem eu sou na verdade. O pseudônimo Élio deu lugar ao real Kadu e na bagagem também lhe entreguei um pouco, na verdade apenas a ponto do iceberg, da minha aflição. Não sei se por desespero ou por carência em não ter ninguém para conversar sobre o meu inferno particular, o elegi como meu confidente, e não sofri qualquer tipo de reprimenda, retaliação, críticas.

Ao contrário.

Vinicius Kenji me levou até o café em que trabalha como gerente, num dia de sua folga, e me apresentou aos seus companheiros. Fui muito bem recebido. Inclusive ouvi várias sugestões de que eu seria o namorado perfeito para ele. Juro que fiz um esforço imenso para tentar parecer à vontade diante da naturalidade de seus amigos. Não estou acostumado a tanta abertura e liberdade sobre esse tipo de assunto, ainda mais sendo confrontado com a minha orientação sexual sem dramas, piadinhas de mau gosto, estereótipo…

O curioso nisso tudo é que até agora o Vinicius, em nenhum momento, me exigiu sexo ou qualquer intimidade para compensar todo o trabalho que está tendo. Bom e ruim. Por um lado me sinto lisonjeado, valorizado, mas por outro acho que estou sendo tratado como um bibelô, frágil, uma espécie de irmão mais novo e que ele está com pena de machucar.

Não tenho coragem de lhe perguntar nada sobre esse tratamento que me vem dispensando. Não posso. Tenho que ter o mínimo de consideração sobre tudo o que venho recebendo. Mas não me incomodaria se transássemos, ora bolas.

Aliás, fomos a um museu na última terça e Vinicius foi vestido de uma maneira absurdamente sensual, ou talvez os meus hormônios desenfreados fizeram-me enxergá-lo com os olhos de Himero, o deus grego do desejo sexual…

Não importa.

Naquela mesma noite acabei sonhando com ele. Um sonho no melhor, ou pior, estilo cinquenta tons de cinza. Por incrível que pudesse parecer, nenhum dos meus devaneios elegeu como cenário o tal museu, o que eu não esperava, afinal, segundo Freud, sonhos são gerados pela busca de um desejo reprimido, e só eu sei o que eu quis fazer com Vinicius na frente daqueles quadros de valores inimagináveis.

 

– Kadu? Você já está acordado?

Ouço a voz de Maria Clara do outro lado da porta do meu quarto, seguidas de algumas batidas bem leves.

– Kadu. Você se esqueceu do que combinamos? Irmos ao shopping para você escolher a roupa que vai usar amanhã na festa da filha do diretor do seu colégio?

Dou um salto da cama e me surpreendo com as horas. Quase 9h.

Gente do céu. Agora a pouco não eram nem seis da manhã…

– Kadu!

As batidas na porta ficam mais fortes.

– Está tudo bem? Desistimos do plano da busca da roupa perfeita?

Respondo com um grunhido que não, enquanto ajeito o meu short.

– Kadu. Posso ouvir seu risinho do outro lado da porta. Apenas não esqueça que eu ainda preciso arrumar minhas malas…

Os passos de Maria Clara, por fim, vão se afastando até me deixar novamente só, mergulhado em meus pensamentos.

Merda. Eu havia me esquecido da festa de aniversário da filha do diretor do CGAM. Não me esquecido completamente, mas nessas últimas horas isso em definitivo passou longe da minha cabeça.

O aniversário da Lana caiu no meio desse feriadão e ela, claro, mais uma adolescente mimada e sendo filha de quem é, além de sobrinha neta do dono do CGAM, se recusou a comemorá-lo fora da data.

Não preciso nem citar de quem ela é amiga: Brenda! Unha, carne e falsidade as unem.

Lógico que eu tentei me desvencilhar desse circo de horrores infestado de patricinhasmauricinhos e bajuladores, mas Jorge e a própria Nefertiti, senhorita Brenda, com o argumento de que como copresidente do comitê de formatura não ficaria bem me ausentar, acabaram por me convencer.

Se não fosse o coordenador Jorge, eu teria mandando Brenda e essa reuniãozinha às favas ou para algum outro lugar bem mais apropriado.

Levanto de uma só vez e sinto um pouco de tontura, leve, que não chega a incomodar.

Enquanto caminho na direção da porta, é inevitável não pensar em Matheus. Meneio a cabeça de pronto e rápido. Preciso deixá-lo de lado, da mesma maneira como ele vem me deixando…

Meus ombros caem à medida que abro a porta do quarto e atravesso o corredor na direção do banheiro.

 

Meu mundo caiu e me fez ficar assim

Você conseguiu e agora diz que tem pena de mim…

Se meu mundo caiu

Eu que aprenda a levantar.

Estou cantarolando Maysa. Acho que ninguém com mais de 115 anos de idade apela para essa música que é o hino dos hinos da dor de cotovelo.

O grau que eu cheguei.

Entro no banheiro e bato com força a porta atrás de mim.

 

* * * *

Eu e Maria Clara chamamos um Uber para nos levar ao shopping, aonde iremos tomar um café da manhã nababesco para depois irmos às compras.

Liberamos a Sônia nesse feriadão. O que ela vai fazer dentro do nosso apartamento de “apenas” 700 metros quadrados e praticamente vazio? Maria Clara vai viajar no início da noite para a casa de uns amigos, e meu pai, após um plantão de 24 horas, vai ao encontro de dona Marcela em Maricá, mesmo sem ela estar lhe dirigindo a palavra.

Eu estou adorando a ideia.

Conseguir ficar sozinho dentro de casa é um feito praticamente impossível.

Durante o trajeto até chegarmos ao shopping, eu e minha irmã só conversamos sobre coisas aleatórias, sem importâncias. Maria Clara sempre se recusou a falar ou discutir diante de estranhos assuntos relacionados à sua ou à nossa privacidade.

Por fim, ao descermos do carro, e só depois de alguns instantes que ele vai embora, percebemos que erramos a entrada que dá para a praça de alimentação. No intuito de ganharmos tempo, acabamos optando por caminhar do lado de fora mesmo, beirando o imenso estacionamento até alcançarmos a porta certa, que, aliás, não fica tão distante.

O sol está um pouco forte para uma manha de outono e buscamos as escassas sombras para nos amparar, disputando com as poucas pessoas que cruzam o nosso caminho. Uma mulher, em sentindo contrário à nossa direção, passa por Maria Clara, que está a alguns passos à minha frente, e faz menção em parar, porém, continua o seu trajeto, entretanto ao cruzar comigo, logo em seguida, me encara, firme, chegando a diminuir a velocidade de seus passos.

Um desconforto absurdo toma conta de mim diante da energia deste olhar. Chego a imaginar que recebi uma cantada. Essas coroas de hoje em dia curtem rapazes mais jovens. Cada um no seu cada um, pondero, seguindo adiante; contudo, logo uma mão pesada recai sobre um dos meus ombros, tentando impedir que eu continue a andar. Imediatamente, ainda que um pouco assustado, eu me viro para trás e qual não é minha surpresa ao me deparar com a figura da tal coroa que me “paquerou”.

Ousada!

– Posso falar um instante com você?

Seus olhos não param um segundo sequer enquanto me fitam. Eles correm de um lado para o outro, examinando meu rosto minuciosamente.

– Posso falar com você um instante? – ela repete a pergunta à medida que vai tirando as mãos de cima do meu ombro, sem pressa. Sua voz é um pouco aveludada, mas inflexível.

Não consigo pensar direito diante dessa abordagem. Meneio a cabeça bem, bem devagar e por fim chamo por Maria Clara, que já está bastante adiantada. Ela se volta e ao ver meu sinal pedindo para que se aproxime, retorna e sem demora.

– É sua irmã, não é?

A tal senhora pergunta e eu me viro, de novo e lentamente, na sua direção. Seus olhos continuam prostrados sobre mim.

– Você nos conhece? – indago com a voz um tanto falha.

– Não.

Maria Clara, graças a Deus, se posta ao meu lado e já vai perguntando se está tudo bem. A tal mulher lhe acena a cabeça, sem mover qualquer músculo do rosto, mantendo seu semblante firme e impassível.

– Posso lhe falar rapaz?

Ela volta a se dirigir a mim e eu busco o olhar de Maria Clara, clamando por ajuda. Não sei o que fazer ou dizer.

– E o que a senhora teria para falar com o meu irmão?

– Ela perguntou se você é minha irmã sem eu sequer ter lhe dirigido a palavra – cochicho para Maria Clara.

– Sou apenas uma vidente. Minha missão é transmitir o que me é dito, e o que é permitido pelos…

– Obrigada. De verdade.

Maria Clara a interrompe enquanto me puxa para que nos afastemos ao mesmo tempo que olho por sobre os ombros, mas sem coragem de me virar totalmente, até que a mulher dispara, num tom mais que audível e também um tanto imperativo:

– Marcos!

Maria Clara continua a andar e a me puxar.

– Marcos diz que está com muitas saudades de você, moça.

Maria Clara, eu tenho a impressão faz menção em parar, mas decide e volta a caminhar.

– Ele disse que sempre que pode está ao seu lado e ao lado do seu amigo. Nunca os abandonou.

Minha irmã por fim estaca em definitivo. Sinto a sua mão, que está segurando o meu braço, tremer. Ela se vira. Seu rosto está totalmente sem cor.

– Quem é Marcos? – ouso perguntar.

Maria Clara nada responde, solta o meu braço e apenas caminha de volta, na direção da tal vidente, pisando forte e me deixando para trás. Eu a sigo, óbvio, e quando a alcanço, me coloco ao seu lado.

– Posso saber quem é a senhora? – minha irmã interroga a mulher à sua frente. Sua voz está apreensiva, mas carregada de autoridade.

– Já lhe disse. Sou apenas uma vidente. Não pense que adoro andar por aí parando as pessoas que nunca me viram na vida e lhes falando coisas que eu jamais poderia saber…

– Então não faça – Maria Clara completa, ríspida.

– Não tenho escolha, moça. É minha missão nessa terra de Deus.

Maria Clara balança a cabeça, incrédula.

– Mas estou aqui para falar com o seu irmão – a mulher reinicia.

– Ele não quer te ouvir – Maria Clara está impaciente – Acho que sei bem quem é a senhora… Pessoas como você que saem por aí buscando informações de pessoas famosas, de seus parentes e depois os segue com essa historinha de vidência para lhes arrancar dinheiro.

– Eu pedi algum dinheiro para vocês?

A dignidade que pontua a voz da tal senhora nos atravessa como um bloco de gelo pontiagudo e desenfreado.

– O que a senhora quer falar comigo de tão urgente?- decido intervir, antes que algo ainda mais constrangedor aconteça.

– Rapaz – a tal vidente se volta na minha direção. Sua voz agora parece mais branda – Não desista de nada, de nada mesmo na sua vida, apesar de alguns obstáculos. E não tente ser quem você não é.

– Eu não estou entendendo o que quer dizer – gaguejo um pouco.

– É claro que sabe. Apenas aprenda que nada e nem ninguém cruza o nosso caminho por acaso…

– Vamos embora, Kadu.

Maria Clara segura novamente o meu braço. Eu resisto um pouco antes de me deixar guiar.

– Do que a senhora está falando?

– Do equívoco que está aí dentro – a tal mulher aponta para o meu peito, na direção do meu coração – Nem sempre a pessoa que julgamos amar é a certa para o nosso aprendizado…

– Vamos Kadu.

– Espera – me desvencilho de Maria Clara – A senhora poderia ser mais específica?

– Como eu disse moço. Só falo o que me é permitido falar. O que chega aos meus ouvidos.

– Kadu, eu vou te deixar para trás – Maria Clara ameaça, mas eu não me movo.

– Me dê uma prova de que eu devo acreditar na senhora, por favor.

– Não estou aqui para isso, moço. Mas saiba que vai acontecer algo, uma revelação, que é a prova de que a Justiça Divina tarda, mas não falha.

Não encontro qualquer resquício de hesitação no olhar da tal mulher enquanto ela me despeja todas essas coisas. Procuro algum sinal de que esteja malogrando, inventando tudo isso, mas não encontro nada. Ela se mantém inabalável.

– Você tem bom coração, rapaz. Por isso nada de mal pode lhe acontecer. Os bons espíritos te acompanham…

– Pelo amor de Deus, Kadu – Maria Clara explode – Eu não vou mais ficar aqui ouvindo esses absurdos…

A tal mulher fecha os olhos por alguns segundos e quando os abre, vejo que estão totalmente marejados. Ela suspira antes de continuar. Na verdade, parece hesitar antes de soltar suas palavras…

– Uma morte, moço. Não é a sua. Se isso for servir de consolo. Mas infelizmente a morte vai atravessar o seu caminho, e, acredite, ainda este ano.

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