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Um Fio de Esperança

Acordo com as batidas incessantes na porta. É noite ou dia? Não que isso tenha relevância.

Levanto de mau grado e arrasto-me até a entrada da pequena casa. Abro a porta pronta para xingar quem quer que seja, porém nada consigo ver. Uma rajada de vento me atinge, o que me faz sentir um calafrio repentino. A chuva se aproxima.

Procuro alguma coisa para comer. Entro em casa e abro os armários, porém eles estão vazios. Tão vazios como minha alma. Ao fundo avisto um pacote de bolacha, que vai servir.

Sento à mesa e vejo um inseto correndo sobre ela. Não é exatamente uma barata nem tampouco um besouro, parece algo dos dois. Bicho nojento. Mato-o sem dó.

Abro o pacote de bolacha e vou mordê-la, quando vejo o mesmo bicho. Este parece encarar-me nos olhos. Fico hipnotizada por aquele pequeno ser de oito patas. Engulo a bolacha junto com o bicho que me atormenta. A náusea me atinge.

Vou até o banheiro e vejo meu reflexo no espelho. Eu ainda sou a garota mais bonita do mundo. Começo a escovar meus cabelos, percebo que eles estão caindo em grandes tufos, uma praga da doença que me aflige.

Ligo a torneira e, ao lavar minhas mãos, percebo algo estranho. Pedaços de pele começam a se desprender. Minha linda pele clara não existe mais, em seu lugar vejo somente os músculos do ser imperfeito que eu sou.

Grito desesperada. As luzes se apagam e um silêncio preenche o ambiente. Tento aguçar meus ouvidos, e escuto meu próprio grito, que parece ecoar pela casa.

Corro para sala tentando me esconder. Sinto meus pés pesados. O tapete da sala parece areia movediça. Arrasto-me com dificuldade até um canto e sento. As histórias com doenças terminais que escutei, elas costumavam ver e ouvir coisas, então talvez seja tudo parte de minha imaginação.

Acordo dos meus pensamentos ao sentir pingos de chuva caírem sobre minha cabeça. Maldita casa, terrível, urbana. Sinto que a água não é límpida, mas sim vermelha, e sua consistência é diferente, parece sangue. O sangue de todos que maltratei.

Corro para a porta, mas não consigo encontrá-la. Estou trancada a mercê dos mortos que vêm me buscar, cobrando por meus pecados. O sangue sobe pelos meus pés, ao mesmo tempo, que escuto o choro das almas sofredoras.

É o meu fim. Me afogo, o ar sai dos meus pulmões Coberta por aquela corrente sanguínea, abro os olhos e vejo uma criança. Instintivamente a reconheço, aqueles olhos da época em que minha inocência era pura. Ela estende sua mão e tento com muito esforço pegá-la, mas já não tenho forças. Nos entreolhamos e, por um instante, sinto que ainda existe esperança. Sem pestanejar sucumbo.

Acordo sobressaltada com um barulho incessante na porta. A chuva cai do lado de fora. Olho para o criado-mudo onde estão os vários remédios que fazem parte de minha vida. Maldito sonho.

Caminho até a porta de mau grado. Abro e não vejo ninguém, escuto apenas o barulho do vento que sussurra:

– Ainda há tempo.

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