Por conta de suas primorosas paisagens, abalizadas como artes divinas, Vilarejo Azul é sempre a primordial predileção no turismo. Por isso, quando viu aquele folheto em sua caixa de correio, Gabriel não hesitou em tirar um mês de férias e ir para esse paraíso natural, que vem sendo bastante requisitado pelas pessoas que adoram recreação.
A viagem foi tranquila e já era bem tarde quando ele chegou ao seu destino. Após se instalar no hotel e dormir como uma pedra, decidiu passar o dia seguinte caminhando e se familiarizando com a cidade. Foi assim que descobriu que, naquela noite, como em todas as noites de quinta-feira, ocorreriam diversos eventos culturais no centro. Então, entusiasmado, não perdeu tempo: chamou um carro por aplicativo e seguiu para lá, onde pôde se inteirar das histórias daquele local, desde a sua origem.
— A mais famosa entre as lendas dessa cidade é sobre as bruxas protetoras. Nove mulheres vieram passar as férias na floresta que cerca este lugar, onde foram brutalmente assassinadas por indígenas. Estes acreditavam que elas iriam roubar seus territórios. — Dissertou um homem ao microfone sobre o palco improvisado no meio da praça, ao mesmo tempo em que suas mãos ajeitavam o chapéu negro que cobria o seu longo cabelo loiro. — Ao morrerem, essas mulheres foram mandadas ao inferno, onde Lilith recebeu-as. Por jamais se permitir ser submissa aos homens, Lilith fez com que todas elas voltassem para o mundo dos vivos, como bruxas protetoras. Desde então, elas vêm, em gratidão à deusa pela ressurreição, protegendo as mulheres dos que, hoje, chamamos de machistas e feminicidas. — O homem sorria enquanto assistia a plateia observando-o. — Desde então, toda mulher morta nestes territórios retorna à vida como uma feiticeira vingativa, trabalhando para Lilith como uma heroína, em troca da ressurreição e poder. Alguma pergunta?
Assim como aconteceu com as pessoas ao redor que ainda não estavam cientes daquela lenda, a curiosidade de Gabriel foi aguçada. Então, nos dias seguintes, ele questionou os moradores sobre a tal lenda durante as amizades que fez.
Entretanto, todos se desviaram do assunto. Ninguém queria falar a respeito. E quando falavam, só faziam com que o mistério ficasse ainda maior, ao ponto de Gabriel pensar somente nisso. Pela internet, encontrou coisas bizarras. Na biblioteca da cidade, leu alguns livros de um autor da região que afirmava ser descendente de uma das primeiras nove bruxas.
O resultado disso foi que Gabriel ficou tão envolvido que já nem queria mais regressar à sua cidade natal, e isso porque além de ter ficado obcecado por Vilarejo Azul e seus mistérios, também conheceu Rute, uma moça que despertou seu interesse. Eles se encontraram praticamente todos os dias de suas férias, passeavam juntos e conversavam até altas horas da noite.
Portanto, o que iniciou como amizade foi se tornando algo mais, e quando, desgraçadamente, chegou o dia de ele ir embora, ainda sem obter quaisquer respostas a respeito da lenda, a despedida foi mais difícil do que imaginou.
— Gabi, deixa que eu te pague mais alguns dias para você ficar aqui comigo — por chamada de voz Rute implorava.
Gabriel se sentiu mal.
— Rute, você sabe muito bem que eu não posso. Tenho meus afazeres na minha cidade, moça! — Mesmo assim, ele queria ficar. Em seus pensamentos, tentava arrumar um jeito de não ir embora. E isso pela cidade. Pelos mistérios. E por Rute.
— Mas Gabi, serão só mais um ou dois dias… — A voz robotizada pela chamada trazia um tom hilário aos ouvidos dele, porém, o assunto era sério.
— Rute, eu já disse que não posso…
— Então vem se encontrar comigo hoje. Prometi que o ajudaria com a lenda e…
Gabriel ficou balançado. Queria saber mais, mas sua busca, apesar do apoio de Rute, não tinha dado em muita coisa até agora.
— Preciso deixar esse assunto de lado e voltar à minha vida, moça.
— Então me permita pelo menos usar isso como desculpa para ver você uma última vez. Vamos passar a noite juntos para nos despedir.
Gabriel ficou indeciso. Por fim, concordou com ela e combinaram de ele ir na casa dessa sua nova paquera. Ao encerrar a chamada, o nosso rapaz tomou um banho, vestiu-se e saiu. Já conhecia a residência de Rute, e era perto do hotel em que estava, então foi à pé mesmo.
Assim que chegou, ninguém lhe atendeu na casa simples e com um jardim bem cuidado, apesar de todas as luzes estarem ligadas.
Estranhando, e até pensando que Rute estava lhe pregando uma peça, Gabriel abriu o portão, que se encontrava apenas encostado, e chamou por ela.
Nada.
Mandou-lhe uma mensagem, mas não houve resposta. Desistindo, deu a volta e se dirigiu ao portão novamente. Um vento forte o fechou com um baque, e quando o moço tentou abri-lo, parecia emperrado.
Ao mesmo tempo, a porta da frente da casa abriu sozinha, e todas as luzes em seu interior e dos postes da rua se apagaram.
Preso dentro do pátio, e no escuro, Gabriel observava o caminhar de uma pessoa em sua direção. O medo paralisou o seu corpo e o que lhe restava era assistir a sua possível morte.
— Bebê? — A voz de Rute soou como uma bela canção.
— Caralho, Rute! Você me assustou — reclamou ele, logo se sentindo um tolo. Assistir à sua possível morte? Sério que ele pensou isso?
— Qual o problema? — A mulher se aproximou e segurou na gola da camisa de Gabriel, passando sua boca pelo pescoço dele.
— Que merda, por que você fez isso? Quer me matar da porra do coração?
— Digamos que eu sei fazer certos truques… — Ela sorriu, sua expressão tinha uma maldade tão evidente que o deixou arrepiado. — Por exemplo, ouvir pensamentos… E descobrir sobre o passado de certas pessoas.
Gabriel deu uma risada, um tanto nervoso. Rute parecia estranha, mas sua sedução estava funcionando, com certeza. Agarrando-a pela cintura, sussurrou no ouvido dela:
— Ah, é? E no que estou pensando?
Sem esperar resposta, Gabriel deu um beijo na boca de Rute. Ela, porém, logo se afastou e o encarou.
— Lembra quando você chegou na cidade? — Gabriel balançou a cabeça positivamente. — Uma pessoa muito especial me disse o que você fez com a sua prima no ano passado.
Aquilo pegou Gabriel de surpresa. Em choque, ficou congelado no mesmo lugar, com os braços ainda em volta de Rute. Custou a assimilar as palavras dela, mas quando o fez, gaguejou:
— O q-que você disse?
— Que eu sei o que você fez. — Ela ainda sorria, o que tornava tudo mais sinistro e surreal. — Você envenenou a sua querida prima e ainda jogou a culpa no seu irmão. Isso não foi legal, Biel!
Enquanto as palavras dela continuavam a retinir em seus ouvidos, Gabriel ficou trêmulo. Seus braços caíram aos lados do corpo e suas mãos passaram a suar frio.
— Quem te contou isso? — indagou, respirando rápido. Sentia-se quase sem ar, enquanto o coração estava disparado.
— Foi esse o motivo da sua viagem. Não quis ver o julgamento do seu irmão, então veio para Vilarejo Azul. Que coisa mais feia, Biel! — Rute começou a andar em círculo em torno do rapaz, passando o dedo na garganta dele. — Lilith não gostou do que você fez. Sabe o que acontece com quem mata mulheres?
Gabriel tenta fugir, mas de repente suas pernas foram afundadas no cimentado da varanda como que por uma mágica bizarra.
— Sinto muito, Biel! Mas quando Lilith me trouxe de volta ao mundo dos vivos, fizemos um acordo. Não queria que você fosse embora tão cedo. Mas já que quis ir hoje, te dou uma carona… para o inferno.
Enquanto a risada sinistra de várias mulheres ecoavam na noite escura, Gabriel começou a chorar desesperadamente. A sua prima… A sua prima teve aquele fim porque era uma vagabunda. Porque ignorava o que ele sentia por ela e não queria que a família dos dois soubesse. Mas agora, enquanto sentia que algo andava pelo seu corpo, tudo o que podia fazer era tentar controlar o pavor. Sob a sua pele, mexiam-se nódulos vagantes que caminhavam pelo corpo do rapaz. Caindo ao chão, de dentro de sua boca como vômito, saíam cobras e vermes gigantes.
— Desculpa, bebê — Rute apreciava a cena toda —, mas não deveria ter matado sua prima e escolhido justamente esta cidade onde se esconder. Claro que você leu naquele livro que assassinos de mulheres são atraídos para cá, não é? Foi isso o que o deixou obcecado? Entender como veio parar aqui só por causa de um folheto enfiado na sua caixa de correio?
Àquela hora, Gabriel já nem conseguia mais entender as palavras que ela proferia. Apenas gritava, seus berros se misturando com o coro de risadas.
— Agora já podemos nos despedir, Gabriel. E amaldiçoado seja!
Logo que disse aquilo, Rute evaporou como água.
Sozinho e incapaz de fugir, Gabriel se contorcia, ainda preso ao chão, enquanto percebia que dentro de sua barriga estava a cabeça de sua prima lhe chamando pelo nome.
O rapaz sofreu infernalmente até a morte. Abençoado seja o nome das bruxas protetoras de Vilarejo Azul!
CARAAAAAAAAAAAAAAAACAAAAS! Terminei agora e posso dizer que ficou show! Bem objetivo, sem muita enrolação, deu pra imaginar tudo com clareza. Parabéns, amigo!