Era uma vez um reino muito distante...um lugar onde o frio do inverno nunca encontrava seu fim e onde o canto de pássaros exóticos transmitiam algo que somente ela conseguiria compreender. Muitas vezes eles a rodeavam e pareciam conversar com ela - a princesa daquele reino - aquela que estava destinada a ocupar aquele trono feito de espadas e de restos mortais dos inimigos do seu pai, o atual rei, que encontrava-se em estado de demência e deixara o trono para sua irmã, Jade Hacoon.

Um vento frio vindo do norte soprou forte esvoaçando seus belos cabelos cintilantes enfeitados com um único adereço dourado acima da cabeça. Ela beijou o medalhão que carregava pendurado junto ao seu peito e sussurrou algumas palavras ao pé do ouvido do seu cavalo branco que, relinchou como que se entendesse o recado, e acelerou o passo através da estrada de terra batida.

Ela cavalgou pelos condados do leste e desvendou os mistérios por baixo das plantações de trigo por onde passou. Com a coragem herdada de seus pais, atravessou a ponte levadiça e não hesitou ao ver as torres altas do castelo do seu amado, embora atravessar o lago negro estivesse longe de ser algo aconselhável naquele momento. Parou diante daquelas águas e suspirou fundo. Fechou os olhos e, então avistou o seu príncipe na janela emoldurada de um dos quartos do último andar daquela imponente construção. Ele vestia um traje especial, afinal, seria uma noite de comemorações, e estava imponente e belo como ela jamais tinha visto.

Ygritte, a Bela, como era conhecida, sorriu e cutucou o cavalo branco com suas botas de cano alto. O animal obedeceu ao pedido e pisoteou as águas negras e geladas se dirigindo para o outro lado, rumo aos portões do castelo. Mais alguns metros pela estrada de terra batida e lá estava ela, diante do robusto portão do castelo, fechado e comandado por guardas armados nas duas torres altas das laterais.

Ygritte não hesitou ao ver armas apontadas em sua direção.

"Quem se aproxima do castelo de rei Arthur?"

"Diga ao seu rei...e ao príncipe Péricles...que Ygritte, a Bela, vem em missão de paz para a noite das Borboletas de Luz"

Por alguns instantes os guardas hesitaram e continuaram com suas armas apontadas em direção de Ygritte, que permanecia firme e desarmada no lombo do seu cavalo branco. Mas não durou muito para que o poderoso e impiedoso rei Arthur, galante em seus trajes, com um grande agasalho negro de pele de lobo, se aproximasse da torre central observando a jovem que ali se encontrava.

"Ygritte, a Bela, sabes muito bem que ninguém da linhagem de Jade Hakoon é bem vinda por aqui!"

Ygritte não moveu uma pena. Ficou parada encarando o rei no alto. Sabia que estava fazendo a coisa certa e tinha a certeza que não estava sozinha nesta causa. Foi quando passos surgiram pesados logo atrás do rei parando ao seu lado. Era seu amado, o príncipe Péricles, envolto em um agasalho branco pesado. Ele, sem tirar os olhos dela, falou em um um tom firme com o rei, seu pai.

"Ygritte é minha convidada para a noite das Borboletas de Luz. Estará sob minha responsabilidade e eu só te peço, meu rei, que ela seja tratada bem..."

Então o príncipe Péricles olhou para seu pai.

"...e, por uma noite, que as desavenças contra Jade Hakoon sejam deixadas de lado. Por mim. Pela memória de minha mãe e de nossos ancestrais".

O rei Arthur, sem muitas escolhas e sem querer iniciar uma discussão com seu filho, ergueu a mão ordenando que os guardas baixassem suas armas.

"Abram o portão!"

Ele encarou a jovem que lhe lançou um olhar cínico.

"Que na sua volta, Ygritte, a Bela, Jade Hakoon saiba como você foi tratada nesta noite. Sem desavenças, sem contradições".

O grande portão foi aberto e Ygritte deu uma leva cutucada no seu cavalo branco, que trotou galantemente passando em meio às torres altas sob observação de todos os guardas.

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A noite chegou e o frio se fez mais forte. Todos os presentes vestiram seus melhores trajes e, por alguns momentos, puderam esquecer o clima tenso de batalhas e guerras que se estendiam por longos anos. As tabernas aos redores estavam todas enfeitadas e as comidas diversas eram exibidas nas mesas de carvalho para que todos pudessem desfrutar enquanto ouviam as músicas alegres dos camponeses tocando em pequenos grupos por todos os cantos.

Do alto de uma passarela de pedra o rei Arthur observava tudo na companhia de um copo em forma de chifre. Viu quando seu filho, o príncipe Péricles, passou lá embaixo feliz, exibindo aquela jovem que era da linhagem de Jade Hakoon, uma antiga aliada de muitas batalhas, mas que agora tinha lhe virado as costas em um momento tenso naquelas regiões. Respirou fundo para não fazer nenhuma besteira e tomou de uma só vez todo o líquido que continha naquele copo.

Lá embaixo o príncipe Péricles e Ygritte, a Bela, pararam diante da estátua do primeiro rei de todo aquele reino - o rei Mohamed I - um homem imponente que tinha a fama de conquistar suas batalhas apenas com as palavras certas na hora certa. Péricles segurou as mãos de Ygritte e olhou em seus olhos. Era verdadeiro demais o que sentiam um pelo outro e aquilo estava estampado em suas expressões. Cada camponês que passava podia ver e sentir esta verdade, esta paixão que aflorava, este amor resguardado. E o casal não fazia questão de esconder...

"Minha mãe me contava sobre as imensas batalhas vencidas pelo rei Mohamed I..."

Ygritte, com brilho nos olhos, admirava o príncipe enquanto ele falava. Ela se perdia nestes momentos que parecia que nada mais fazia sentido e que ninguém mais se fazia presente. Apenas eles, apenas paz...

"Um dia minha mãe me disse que, já no leito de sua morte, o rei Mohamed I disse algo para sua jovem filha que soa como um mantra para as gerações que vieram. Algo que, anos mais tarde, foi transcrito na parede do quarto da jovem princesa por ela mesmo, quando enlouqueceu e foi levada para um hospício na cidadela de Dumas"

"E o que seria isso, Péricles?"

Péricles olhou o movimento ao redor e logo voltou encarar a sua amada. Ele queria esquecer as batalhas, as desavenças, as guerras. Já tinha passado por muita coisa, queria poder tomar um novo rumo, mudar o seu destino...

“Vamos fugir, Ygritte? Eu abro mão de tudo isso. Seremos capazes de construir nossa própria vida longe daqui. É como disse o rei Mohamed I...você esquece a sua vida após um tempo. As coisas são como um colar de pérolas. Corte-o e elas se espalham pelo chão, indo para cantos escuros, não sendo mais encontradas. E então, você segue em frente. E um dia acaba esquecendo como as pérolas eram...e está tudo bem. Eu seguirei em frente com você. Eu lutarei pelo nosso amor, pela nossa cumplicidade e felicidade."

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Naquela noite o rei Arthur, embora não fosse o seu real desejo, teve que engolir à seco a relação do seu herdeiro com aquela jovem da linhagem de sua inimiga mortal, Jade Hacoon. Seu descontentamento foi tanto que ele se retirou para seus aposentos pedindo para um vassalo que lhe conseguisse um garrafão do melhor vinho. Bebeu todo sozinho enquanto esbravejava destruindo o que encontrasse pela frente.

Rei Arthur amanheceu jogado em frente à porta que dava para a sacada do seu aposento, com os primeiros raios de sol batendo sobre sua face. Abriu os olhos, sentindo a dor de cabeça infernal, e se levantou com dificuldades apoiando-se nos móveis próximos. Quando, finalmente se pôs de pé, avistou todo o reino lá fora em total silêncio. A noite pareceu ser divertida e agora todos descansavam nos seus aposentos. Mas uma pessoa não estava descansando...

O sol forte iluminava os campos verdes à se perder vista quando o barulho de cascos foram ouvidos e dois cavalos avistados se afastando cada vez mais do castelo. Eram o príncipe Péricles e Ygritte, a Bela, cada um no seu cavalo com espadas e arcos pendurados nas selas.

O casal, entregue à paixão que aflorava em seus peitos, galopou atravessando pela Floresta Negra, ignorando os perigos reais dos "corceis do diabo", povo que habitava aquele lugar e que, em um passado recente , juraram matar e esquartejar qualquer um que ousasse cruzar seus caminhos. Mas Péricles e Ygritte estavam protegidos por todos os deuses e sabiam disso como ninguém.

Quando iniciou o entardecer e o sol começou dar lugar para a lua cheia, príncipe Péricles e Ygritte, a Bela, já se encontravam além dos matagais, próximos ao sul, onde Jade Hacoon reunia um grande exército com propósitos que poderiam pôr um fim no romance do jovem casal.

Os dois cavalos já cansados de um dia inteiro de galope por terrenos distintos, se aproximavam lentamente do acampamento quando dois grandes guerreiros armados com lanças e machados se aproximaram fazendo sinal para que parassem. Em um primeiro momento não reconheceram a jovem, mas quando ela retirou o capuz que cobria seu rosto, ambos se ajoelharam e a reverenciaram. "À vontade, cavaleiros", disse Ygritte, a Bela, apeando do seu cavalo e o puxando pela rédea. Os guerreiros se ergueram e ficaram a observar o príncipe Péricles que permanecia sentado sobre as selas do cavalo.

"É o príncipe Péricles. Deixem-o vir comigo. Assim como eu fui bem tratada em seu reino, ele será aqui também", disse Ygritte com sua voz firme e imponente, sendo instantâneamente obedecida pelos dois homens.

Péricles também apeou e puxava seu cavalo pela rédea ao lado de Ygritte, quando foram surpreendidos por Jade Hacoon parando às suas frentes. Jade vestia um longo vestido verde e tinha os cabelos negros trançados em um coque alto. Parou e sorriu, deixando uma dúvida pairando na cabeça de Péricles: "será que foi tudo planejado e ela já o esperava?"

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"Teus olhos carregam uma verdade que o teu coração tenta esconder. Teus desejos sucumbem o tempo e o que for que eu diga não fará sentido, nem pra você Ygritte, e nem pra você, príncipe Péricles", disse Jade Hacoon para o jovem casal apaixonado enquanto mexia com uma colher de pau um ensopado de carne de coelho para que ambos se alimentassem depois de um dia de cavalgada.

Jade Hacoon sabia das desavenças com o rei Arthur, embora não desejasse o mal do seu antigo aliado de guerra. Mas ela tinha plena certeza de que ele não aceitaria de bom grado aquele romance e iria mover seus exércitos, sem sequer pensar duas vezes, em direção aonde quer que fosse. Ela encarou a lua cheia que iluminava aquele mato sereno e fechou os olhos por alguns segundos, sob olhares atentos de Ygritte e Péricles que se esquentavam diante da fogueira enrolados em agasalhos pesados.

Muitos deuses estavam do lado de Jade. Seu coração alimentava a esperança de que a vida não fazia sentido sem as crenças. Ela pediu força para aquele momento, pois no fundo sabia que o que estava por vir em um futuro bem próximo era um cenário de muito sangue derramado, muitas perdas e tristezas. Mas ela não queria, de maneira alguma, que o amor daquele jovem casal fosse interrompido por picuinhas ou alto ego de um rei qualquer.

Terminou o ensopado, serviu aos jovens e se retirou em silêncio, com suas preces, para além do mato. Retirou um grande colar que levava pendurado em um cordão no pescoço, segurou, o ergueu ao céu e depois o beijou. Se agachou, abriu com uma das mãos um pequeno buraco e enterrou o colar cobrindo-o de terra. Somos aquilo que mais desejamos. Às vezes as vontades se contradizem e achamos que tudo está perdido. Mas não. Isso é apenas uma batalha perdida em uma guerra contra nossos próprios medos. Jade Hacoon olhou e sorriu para o jovem casal apaixonado que comia aquele ensopado de coelho com vontade e parecia estarem dispostos a tudo para que a força do amor prevalecesse.

Jade Hacoon desejou uma boa noite e partiu para sua barraca. Ygritte, a Bela, e o príncipe Péricles permaneceram em silêncio diante da fogueira depois de comer o ensopado. O silêncio era aliado do casal e as chamas se elevavam e dançavam vivas mostrando que a força daquele amor seria crucial para o que estava por vir.

A noite iluminada por aquela lua cheia era propícia para os amantes e apaixonados. Ygritte convenceu o príncipe Péricles de que ali, sob os cuidados dos comandados de Jade Hacoon, eles estariam em total segurança e o levou até as ruínas de um castelo que ficava para trás das colinas. Correram de mãos dadas como dois adolescentes e pularam os muros de pedra, escondendo-se das lamparinas dos guardas guerreiros de Jade Hacoon.

Os jovens ajoelharam-se diante um do outro. O olhar de admiração e o suspiro foram marcantes e ambos podiam ouvir seus corações acelerados. Péricles passou a mão naquele rosto angelical de sua amada, que fazia jus ao nome que lhe deram: Ygritte, a Bela. Ela fechou os olhos em sinal de aprovação e, então, os lábios do príncipe encontraram os seus em um beijo ardente e apaixonado.

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Um sol tímido lançou seus primeiros raios naquele amanhecer silencioso. Todos dormiam, até os guardas que deveriam estar em estado de alerta. E, foi este o ponto crucial para que as tropas do rei Arthur avançassem despercebidas, contornando todo o grande acampamento de Jade Hacoon.

O príncipe Péricles foi o primeiro a acordar, ainda nu e com a cabeça de sua amada apoiada em seu peito. Ajeitou-a com cuidado sobre as roupas e se inclinou apoiando sobre as ruínas do castelo onde estavam. Avistou quando um guerreiro de seu pai deu ordens em silêncio para que os demais começassem o ataque.

Em questão de segundos todo aquele silêncio foi tomado por gritos de ataques ferozes. Machados e espadas começaram a entrar em ação e, em pouco tempo, a vantagem das tropas do rei Arthur já eram visíveis por todos os cantos. Ygritte despertou assustada com os gritos sem entender direito o que acontecia. Péricles lhe tapou a boca com sua mão e a fez se abaixar atrás das ruínas.

"Meu pai acabou de encontrar este acampamento. E não vai parar até que não estejam todos mortos", disse Péricles para Ygritte ,sussurrando.

Os olhos da jovem se arregalaram e logo se encheram de lágrimas. Será que um amor tão verdadeiro como o deles estava fadado a tanto sofrimento e derramamento de sangue? Será que jamais seriam felizes lado a lado nesta vida? Ela então, deitou sua cabeça no ombro de Péricles, que lhe abraçou forte, querendo unicamente proteger sua amada de toda aquela batalha.

Foram momentos de grande tensão. Estrategista, o príncipe Péricles calculou os passos que seu pai poderia fazer em cada instante daquela batalha. Levantou-se vestindo rapidamente e fez Ygritte também se apressar com suas vestes. Agarrou com força a mão de sua amada e ambos se misturaram em meios àqueles guerreiros puxando seus capuz contra a face. Era um passo arriscado, mas necessário. Pois só assim poderiam se distanciarem e saírem ilesos do campo de batalha.

CONTINUA...

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