O Valor da Fama

• ────── ✾ ────── •
O ônibus percorria a rua de barro que levava para o canto mais longínquo da cidade que muitos chamavam de roça. O sol a pico naquele dia de verão beirava os 40 graus na cidade do Rio de Janeiro, mas a sensação era muito maior, como se fosse o próprio inferno.
— Sinceramente não sei por que aceitei vir com você, não chegamos nunca nesse lugar — Elias resmungava se abanando.
— Ah, Elias, para de reclamar! Afinal de contas, quer ou não quer ajuda para conseguir o que deseja?
Eles haviam saído cedo de casa e pegaram um ônibus para o interior do Rio, onde encontrariam uma mulher que, segundo a esposa, conseguia ajudar as pessoas a conquistarem seus desejos.
— Olha, é logo no próximo ponto, vamos! — Ela levantou e puxou a corda presa ao sinal para o ônibus parar.
Saltaram e andaram alguns minutos, parando diante de uma casa muito humilde com cerca de bambu em toda sua volta, o chão barrento levantava poeira conforme andavam. Era quase meio dia.
— Marta, tem certeza que essa mulher poderá me ajudar? — Elias olhava tudo com desdém e incredulidade. — Olha esse lugar, minha nossa… Se ela ajuda tantas pessoas assim, deveria ao menos se ajudar.
— Shh! Para de falar essas coisas, Elias, ela ajuda e não é de pedir nada em troca! — Ela ralhava com ele enquanto batia palmas e frente ao portão. — Você tem que entender que, para muitos, bens materiais é o que menos importa.
— Que seja… — Resmungou baixo colocando as mãos dentro dos bolsos e ficou calado ao notar que a porta se abrira e uma senhora bastante simples e de cabelo brancos presos em um coque se aproximava lentamente.
— Bom dia, Sra. Rita, sou a Marta e esse é o Elias, marcamos uma sessão.
A senhora parou diante do casal, esboçando um sorriso simpático e gentil.
— Estava os esperando — Abriu o portão e os levou para dentro do casebre. – Entrem e sentem-se, devem estar com sede, vou buscar água fresca para beberem.
Ela foi até outro cômodo buscar uma moringa e duas canecas de plástico, servindo-os em seguida. Elias olhava tudo, cada detalhe da casa e da velha mulher.
— Bem, Sra. Rita, Elias quer ajuda para conquistar o sonho dele.
— Elias, certo… Vem tentando ser reconhecido por seus livros, quer que todos liam o que escreve. — Falou de frente para eles. – Desejo esse que nunca é concretizado… Sempre o rejeitam e chamam de escritor medíocre de pouca criatividade.
Marta ouvia aquelas palavras totalmente espantada. Quando lhe passaram o telefone da senhora Rita, haviam dito que não precisariam contar nada a ela, somente passar nome completo e data de nascimento que a senhora decidiria se atenderia ou não a eles.
Elias também olhava um tanto surpreso, mas se irritou conforme fora chamado ao fim do relato.
— Eu só quero uma oportunidade, publicar algo que escrevo e ser reconhecido, mas são tantos “não” que agora quero poder ser mais, quero ser famoso pelo que escrevo, que comprem meus livros e que esgotem nas prateleiras das livrarias. – Elias tinha um olhar perdido e sua voz ecoava exagerada frustração.
— Vou começar a sua sessão, aguardem aqui enquanto me preparo.
A senhora foi para um cômodo ao lado da saleta onde estavam e pouco depois os chamou. O casal entrou no local, havia dois banquinhos de frente para a senhora, agora toda de branco e sentada em outro banquinho de madeira.
Ao sentarem, a velha começou sussurrar palavras incompreensíveis e o tacho de metal com carvão entre eles começou a faiscar. Logo uma pequena chama acendeu-se e a senhora colocou alguns itens no meio da chama, sem parar de entoar aquelas palavras estranhas. Ao terminar de ajeitar tudo, parou de sussurrar.
— O ritual que preparei para ambos é um pedido as entidades espirituais para ajudar a abrir os caminhos do Sr. Elias, para que ele possa conquistar o seu desejo. — a senhora pegou um pedaço de papel e um lápis preto da mesinha ao lado. — Pegue e escreva o que deseja, mas lembre-se: para tudo há um preço. Diga também o que está disposto a fazer para ter seu desejo atendido.
Elias olhava tudo com descrença, era ridículo estar naquele lugar. Pegou o papel a contragosto e olhou Marta com uma expressão debochada. Escreveu sob olhar da esposa, que fazia caras e bocas para que ele ficasse quieto e fizesse o que fora pedido.
— Terminei… — devolveu o lápis e ia entregar o papel quando foi interrompido pela senhora.
— Guarde-o — virou-se para Marta e voltou a falar passando instruções. — Deverão levar esse pedido a um cemitério à meia noite e deixá-lo na porta. Agradeçam a ajuda de imediato e saiam sem olhar para trás.
Elias, ao ouvir que teria que fazer, não aguentou e riu.
— Marta, pelo amor de Deus, isso é ridículo! Não, chega! — Se levantou e estendeu o papel para a velha pegar. — Agradeço a boa intenção, mas não acredito em nada disso.
— Elias!!! — Marta se levantou sem jeito e pediu desculpas para a senhora. — Elias é um tanto descrente, desculpe-nos.
— Deveria ter mais fé, Sr Elias… Acredite e conquistará o que deseja.
— Eu não vou para a porta de um cemitério à meia noite! Essa situação toda é demais para mim — jogou o pedaço de papel, que caiu dentro do tacho e começou a queimar entre as chamas.
A senhora o olhou, depois olhou o papel e seus olhos se abriram espantados. Elias saiu apressado da casa e deixou o lugar sendo seguido por Marta, que reclamava sem parar de como ele fora grosso e desrespeitoso.
Alguns dias depois daquele evento, Elias estava no escritório de contabilidade, ao qual trabalhava havia alguns anos, quando recebeu um e-mail de uma editora. Era uma proposta maravilhosa para publicar o livro do qual gostara muito, um romance com o título “Era uma vez o amor”. O autor fora criticado anteriormente por tal obra, disseram que era um texto banal e clichê, além de sua escrita ser fraca e sem criatividade.
Elias rapidamente retornou o contato e falou com o editor chefe da maior editora do país, acertaram tudo e o autor seria lançado não só no Brasil, como também nos Estados Unidos e Europa.
Aquele dia Elias ficou eufórico e não conseguia se conter, finalmente o reconheceram! No entanto, precisava ter certeza que seria publicado, marcou a reunião na editora e voltou para casa no final do expediente para contar a Marta.
Três anos depois…
— Estamos aqui com o autor renomado e conhecido mundialmente: Elias Jombur! Ficamos contentes com sua presença em nosso programa, conte-nos como está sendo ver seu livro adaptado para as telonas. – O apresentador do famoso talk show falava todo sorridente, segurando o livro de Elias nas mãos.
— É simplesmente incrível, a sensação é maravilhosa.
A plateia aplaudia o convidado, e ao final do programa todos queriam autografo do escritor best seller.
Elias e Marta estavam felizes e ricos. Viviam a vida perfeita, o autor renomado ganhava dinheiro com tudo que levava seu nome e o livro esgotava em todas as livrarias, era o sonho sendo realizado.
— Acho que você deveria agradecer a Deus pelas conquistas, Elias, somos felizes e vivemos bem graças à Ele.
— Claro, agradeço todos os dias. Agora vem aqui, Marta, quero linda e sensual ao meu lado na cama.
— Para aí… Hum, essa parte é muito interessante, acho que não vou pular, adoro uma putaria — riu.
Elias estava paralisado com olhos arregalados. Olhava para o ser à sua frente e seu corpo todo tremia de pavor enquanto assistiam na imensa TV toda sua vida naquele período de três anos.
O homem de terno preto estava sentado no largo sofá e segurava o controle remoto enquanto assistia a cena do casal transando.
— Nossa, fodeu ela para valer. Isso, geme, piranha! Cavalga, potranca! Hahahahahaha!
— Por favor… — Elias finalmente conseguiu falar. — Eu não entendo… Por quê?
O homem se calou como se ponderasse algo, e aquele silêncio deixava Elias ainda mais apavorado. Aqueles segundos eternos findaram quando o ser rosnou, ecoando três vezes.
Elias cobriu a boca com as mãos, tão apavorado pelo rosnado que se urinou. O homem levantou do sofá e caminhou lento e sorrateiro até parar de frente a ele, o rosnado triplo fazia o lugar tremer.
— Eu detesto quem desdenha de um pedido, afinal, foi até a velha para ter seu sonho realizado e o mesmo foi acatado… — a voz grave do ser rosnava quase em fúria.
O humano arregalou os olhos, chorando e tremendo de medo, enquanto o homem de terno começou a se deformar à sua frente, assumindo a forma monstruosa de um cão preto com três cabeças e pés de pássaro.
— E-e-eu… N-nã-o fiz o pedido…
— Fez sim… – a criatura pegou o controle remoto com a pata e usou a garra para retroceder até cena na qual Elias jogava o papel dentro do tacho em chamas. — Digamos que levei em consideração seu pedido — o ser rosnou alto, o som ecoava triplo vindo das três cabeças, pois falavam ao mesmo tempo para o homem deprimente a sua frente.
— Não… por favor… Não é justo… — o humano gaguejava apavorado, suplicando quase sem voz pelo pavor de ver aquela enorme criatura.
— Concordo contigo, mas o que é justo nessa vida? Cumpriu o pagamento? — aproximou as três cabeças e rosnou novamente ao final da frase.
Elias ficou estático olhando o enorme focinho daquele ser e negou levemente com a cabeça.
Realmente sua arrogância e desdém com os demais de sua espécie são impressionantes. Gostei disso, Elias, e vim lhe convidar para ser meu autor favorito… Hahahahaha! …No inferno! – a estrondosa voz rosnada ria tão alto que tudo em volta tremia.
— Eu cumprirei agora, por favor, me dê uma chance, pagarei pelo desejo realizado, por favor…
O ser ergueu as três cabeças em uma posição altiva e ficou em silêncio novamente. Elias implorava trêmulo para que aceitasse o pagamento, porém o demônio aproximou as três enormes cabeças e parou olhando Elias.
Tarde demais…
Gargalhando e rosnando alto, agarrou Elias com uma das patas e o lançou de encontrou a TV, que se abriu engolindo-o em um vácuo negro com chamas saindo pela tela.
Naberius voltou a soltar seu rosnado triplo antes de saltar para dentro da tela e sumir em seguida.
“Nós somos os nossos próprios demônios, e os demônios do mundo,
não são nada comparado ao que nós fazemos, com nós mesmos”

Esse conto faz parte da antologia Daemonum Sigillum, publicado em 2018 pela Editora Hope e sucesso na Bienal de São Paulo com suas vendas esgotadas no dia do lançamento. Não tem mais a venda o livro físico, mas encontra o e-book na Amazon.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Publicidade

Inscreva-se no WIDCYBER+

O novo canal da Widcyber no Youtube traz conteúdos exclusivos da plataforma em vídeo!

Inscreva-se já, e garanta acesso a nossas promocionais, trailers, aberturas e contos narrados.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo