Todos ouviram falar sobre amores impossíveis; às vezes causados por diferenças financeiras, religiosas, distância, famílias inimigas entre outros. Mas também sempre existiram amores entre raças ou até espécies diferentes, não somente sobre negros e brancos, ou indígenas, árabes e orientais. Sobre pessoas e seres sobrenaturais.
Homens e mulheres se relacionando com vampiros, lobisomens, anjos, demônios e outros seres. Porém, dizem que um dia, há muito tempo, existiu o amor entre um homem e um ser mais incomum do que aqueles mencionados anteriormente.
Elas eram criaturas sobrenaturais, muitas vezes oriundas da imaginação de crianças, mas que eram reais e possuíam tempo de vida de até 3.000 anos. Tendo todo o seu tempo vinculado à árvore Jequitibá que, para elas, também era conhecida como árvore vital.
Os antigos da época diziam que somente nos dias de tempestade elas poderiam ser vistas por qualquer pessoa. O chicotear do vento permitia que seu povo assumisse forma humana, permitindo que um passante habilidoso visse seu brilho incomum, assim como suas vestes esverdeadas em tecido suave, somados às suas asas brilhantes como as de uma borboleta.
A principal função delas era proteger a Floresta de Almerinda dos maus hábitos humanos. Diziam que havia muitas delas, mas naquele tempo existiam somente quatro. A líder delas, chamada Brígida, era responsável pela fauna e tomava conta do Sul da floresta. Melissa cuidava da flora, tendo o Oeste como seu território. Maya, a mais jovem, respondia pelo Leste e era compromissada com as cachoeiras e riachos. A mais velha de todas, Irene, assumia o Norte, assim como a responsabilidade de cuidar da preservação das fadas.
Elas sempre se encontravam no Grande Carvalho, que marcava o centro da floresta. Era um campo neutro, sagrado para elas. Ali, falavam principalmente sobre como afastar os destrutivos humanos de seus territórios.
Brígida sempre dizia: “eles não merecem o ar que respiram. Caso os encontrem, usem seus poderes e os mandem embora”.
Maya nunca entendeu o motivo das regras de sua líder. Ainda mais que um dos seus passatempos favoritos era observar os humanos. Podia passar horas a assisti-los, mesmo odiando os malefícios de sua presença.
Num fim de tarde em que o vento indicava a chuva chegando, ela caminhava pela mata até se assustar com um grande barulho se aproximando do Grande Carvalho. Maya reduziu de tamanho ao de um simples gafanhoto. Em seguida, alçou voo com o objetivo de entender o que estava acontecendo, mas ficou preparada para um possível ataque, caso necessário.
“É o que eles chamam de carruagem”, pensou ela.
— Dr. Gean. Acho melhor a gente ficar longe do Grande Carvalho ― disse um homem bastante apessoado saindo do carona do veículo.
— Está com medo do que, Mauro? ― brincou aquele que deveria ser o médico.
— Dr. Gean, seu Mauro tá certo. Aqui coisas estranhas acontecem.
Falam que é por causa das…
— Parem com essa história de terror ― interrompeu ele ―, me ajudem a tapar o ambiente para libertar o animal.
Eles pegaram uns tecidos pretos e cobriram o ambiente com o objetivo de deixar um único caminho para o animal. Maya ficou todo o tempo no galho de uma árvore, observando o que acontecia. Tinha ordens expressas de os impedir, mas sua curiosidade não permitia. Ainda mais que, intervindo, eles saberiam da sua existência. E como aprendeu, humanos não são confiáveis.
Assim que a onça fugiu para dentro da mata, a chuva caiu com força, fazendo com que uma das gotas derrubasse Maya da árvore. Para que não morresse na queda, mudou para o tamanho normal, mas devido à tempestade, ela apareceu como uma mulher na presença deles.
— Meu Deus. Ela caiu na reta do caminho da onça! ― gritou Gean, assim que a viu.
Maya se levantou rapidamente, fugindo logo em seguida dos humanos.
— É UMA FADA! ― gritou aterrorizado Agenor.
— Vamos embora, agora! ― ordenou Mauro, virando as costas para a moça e correndo para dentro do carro. ― Venha, Dr. Gean.
— Temos que salvar a moça.
— Volta, doutor! ― gritou Mauro, mas não adiantou. O médico seguiu debaixo de chuva na direção que a onça e a moça seguiram.
O médico, mesmo com medo do animal selvagem, foi em socorro da moça, mas foi derrotado, pois sua busca não teve resultado. Então retornou ao carro onde Agenor e Mauro, apreensivos, o aguardavam.
Assim que foram embora, Maya saiu de seu esconderijo, acobertada por sua irmã, Melissa.
— Eles já foram, Maya. Por qual motivo você não os expulsou de uma vez? Que imprudência!―Maya baixou a cabeça sabendo que estava errada.
— Se a Brígida descobre, você pode perder seu território e ainda por cima…
— Por favor, Melissa. Não diga nada.
Melissa respirou fundo, acolhendo o pedido de Maya.
— Por favor, pare de observar os humanos. Sabe que eles são destrutivos e imundos. Viu a bagunça que eles deixaram? ― Melissa apontou para os ferimentos que eles fizeram nas árvores.
Nos caules das árvores existiam marcas de seiva forjadas pela mão humana. Isso as entristecia bastante, mas felizmente podiam resolver as feridas com magia e, logo em seguida, seguiriam seus caminhos para seus territórios.
Quando Maya entrou em sua casa para dormir, ela relembrou de tudo que viu naquela tarde. O susto que causou nos humanos quando caiu, mas, principalmente, o fato que marcou sua mente: a reação do desconhecido de pele morena que correu ao seu encontro.
***
Gean não estava aguentando mais a conversa de Mauro e Agenor sobre a linda jovem que haviam visto.
— Vocês estão loucos. Somente minha irmã, Ana, acredita em fadas.
Ela tem somente cinco anos.
— Mas era uma fada, patrão. Ela poderia ter nos matado ― falou Agenor, nervoso.
— Fadas não existem. Era só uma mulher perdida na floresta.
— Dr. Gean. Eu sei há muito tempo que não acredita nessas coisas.
Mas o Agenor tá certo. Ela tinha até asas ― argumentou Mauro.
Gean revirou os olhos e tratou de logo se livrar deles. Assim que conseguiu, foi para casa se livrar das roupas molhadas da chuva. Enquanto se preparava para dormir, sua mente relembrava a beleza da moça que havia aparecido na sua frente sem deixar a preocupação com o bem-estar dela.
O que será que aconteceu com ela?, pensou.
Como sabia que não podia fazer nada para encontrá-la, deitou-se esperando o dia clarear e ter tempo para ir ao seu encontro.
Nos primeiros raios de sol, seus olhos se abriram. Passou a noite com a suposta fada em seus sonhos. Por ele, iria de imediato para a floresta, mas não podia. Tinha que falar com sua família e cuidar de outros animais que ainda aspiravam cuidados na clínica veterinária da cidade.
Após ter uma conversa animada com sua irmã sobre fadas, ele ficou ainda mais tentado a retornar para a floresta. Mas assim que encontrou seus funcionários, a conversa sobre o temor das fadas se repetiu a ponto de apelarem por ele ser o único especialista de animais selvagens na região.
― Eu vou provar para você que ela não é uma fada ― falou Gean, decidido.
Mauro até tentou argumentar, mas Gean gesticulou que não iria falar mais sobre o assunto. Então, assim que acabou seus afazeres, voltou ao mesmo ponto da tarde anterior.
Em frente ao Grande Carvalho, ficou a observar o chão, onde encontrou pegadas seguindo para um jequitibá. Ele pegou sua câmera e fez inúmeras fotografias. Nada tirava de sua cabeça que a moça estava por perto. Algo nele dizia isso.
Mesmo assim, não a encontrou. Quando começou a seguir para fora da mata, sentiu uma gota de chuva em seu casaco. Em seguida, uma tromba d’água caiu e as gotas da chuva revelaram a linda moça próxima à árvore onde havia estado.
Ela estava distraída, como se estivesse dançando na chuva, molhando suas vestes e asas. Tinha aparência de ser muito jovem e era incrivelmente linda. Possuía cabelos claros, sorriso fácil e aparentava estar vivendo o dia mais feliz de sua vida.
Gean ficou maravilhado com a imagem e fez uma foto com sua câmera. Logo em seguida, caminhou ao seu encontro com sutileza. Porém, por descuido, sem querer pisou num graveto, o que chamou a atenção dela.
— Você de novo ― reclamou a moça, se escondendo atrás da árvore.
— Espere, moça. Não farei mal algum. Só quero saber se você está bem.
Ela permaneceu escondida atrás da árvore, lançando olhares breves para ele e esperando o que viria em seguida. Gean tocou na árvore e foi surpreendido por um pulsar totalmente estranho. Achou ser o seu nervosismo, então guardou sua câmera para não espantar mais um pouco a moça arredia.
— Você não deveria pegar essa chuva. Sabe que pode ficar doente, não é? ― começou ele.
A moça soltou um risinho contido.
— Do que você está rindo? ―perguntou.
Ele ficou sem resposta, mas viu a moça correr para longe. “Dessa vez você não escapa de mim”, pensou o doutor.
Gean seguiu correndo sem perder a moça de vista, até que ela parou na frente da queda da cachoeira.
— Aqui é perigoso, moça ― alertou ele.
— Perigoso para você ― retrucou ela, rindo e se virando de costas, ao que disse: ― Adeus, estrangeiro.
Mas antes que ela caísse no precipício, Gean a puxou para si. Assim que seus dedos a tocaram, algo extraordinário aconteceu. Tudo ao redor,que era chuvoso e cinza, se transformou em verde e amarelo. Assustado, ele a soltou, mas a chuva não retornou. Tudo ainda era como um lindo fim detarde.
— O que você é? ― perguntou, nervoso.
— O que está acontecendo? Você não deveria ter me tocado.
— O que está acontecendo, mulher?! ― exclamou ele.
A moça, tão nervosa quanto ele, esticou suas mãos iluminadas por algo incomum em direção à sua cabeça, fazendo-o adormecer.
***
“Pelos deuses, o que eu faço?”, era o que pensava Maya.
Ela estava em maus lençóis. Tinha desobedecido suas irmãs ao se aproximar demais de um humano. Por descuido, ele havia lhe tocado e tido acesso ao mundo das fadas, do qual ela não conseguia mandá-lo de volta. Mas o pior de tudo foi que Maya o apagou, o encolheu e o trouxe para sua casa, a fim de ficar admirando seu sono. Como ela se livraria disso?!
— Maya ― chamou uma voz feminina da entrada.
A moça rapidamente cobriu o humano com folhas para disfarçar a sua presença. Em seguida, foi ao encontro de sua irmã mais velha, Irene. Ela tinha a aparência de uma mulher negra de mais de cinquenta anos e de diminuta estatura. Era a sabedoria das fadas em pessoa.
— Olá, Irene ― cumprimentou Maya, dando um abraço acolhedor na fada de mais idade. ― Por que veio de tão longe?
Irene ficou observando Maya como se estivesse analisando sua alma.
Quando teve fim a inspeção, falou:
— Menina Maya. Só te dou um conselho: “quando estiver diante do abismo da dor, pergunte para o seu coração o que fazer e ele dirá”.
Maya quis questionar o conselho, mas Melissa apareceu convocando Irene para uma reunião com Brígida. Ambas foram embora, deixando uma fada ainda mais confusa com o humano que habitava no mundo das fadas.
Ainda nervosa, retornou ao quarto tirando as folhas dele. Por descuido, tocou em seu peito, fazendo com que os seus dedos brilhassem numa cor incomum. Um tom rosado. Ela ficou admirada com a novidade e começou a testar a nova magia.
No meio disto, ela começou a observar a beleza singular do homem adormecido. Seus ombros largos, os braços e pernas marcados por músculos,
— rosto triangular, os pelos ralos de sua barba, os lábios vermelhos que pareciam desenhados e os olhos negros que…que a fitavam intensamente.
— Pelos deuses! ― exclamou ela, correndo para a parede de seu quarto.
— Por Deus digo eu. Você ficou louca quando te encostei e agora acordo com você babando em cima de mim! Nunca vou entender as mulheres.
— Não foi isso! ― rebateu ela com veemência.
— É claro que foi. ― Ele começou a caminhar para perto de Maya. ― Agora me permita fazer o mesmo.
— O que quer dizer com isso? ― Ele observou minunciosamente o corpo dela, deixando-a envergonhada.
— As asas são lindas ― disse ele, tocando nas asas de borboletas dela, que rapidamente ficaram rosadas. ― Só posso estar sonhando.
Ele diminuiu ainda mais a distância entre os dois, lançando seu olhar penetrante sobre ela que, por sua vez, se sentiu como um animal perante o seu maior predador. Porém, ao invés de fugir, Maya permitiu que ele a tocasse novamente.
O homem percebeu a rendição puxando-a pela cintura. No mesmo instante, as luzes rosadas reapareceram em uma intensidade maior. Maya aproveitou a oportunidade, que poderia ser única, para apreciar um humano como nunca tinha feito em toda a sua existência. Seu toque suave na pele dele
o fez sorrir, dizendo:
— Você é o sonho mais lindo que já tive.
Em seguida, ele a tomou num beijo que iluminou toda a casa com luzes rosadas, numa intensidade que poderia ser vista à distância. Ela estava tão
entretida nos braços do humano que esqueceu de todos os temores que a assombrava. Até que…
— Maya! ― gritou Melissa, surpreendendo os dois. A moça se afastou do homem bastante constrangida.
— Posso explicar, Melissa.
— Então começa! ― exigiu a fada, bastante irritada. Ela lançou um olhar para o homem.
— O que ele faz aqui, Maya? ― perguntou Melissa, exasperada. Maya ficou ainda mais nervosa, a ponto de não conseguir responder.
— Devolva-o de onde encontrou imediatamente, Maya. ― A jovem se aproximou de Gean ativando sua magia, que no momento estava rosada, deixando a outra fada ainda mais preocupada. ― E ainda essa! É impossível não ser percebida a aura rosa. Faça o que falei, pelos deuses!
Maya acatou o pedido, aproximando sua mão do rosto de Gean, mas antes falou:
— Foi um prazer conhecer você, até a próxima tempestade.
— Será que amanhã te encontro no meu sonho? ― perguntou ele. ― Nunca vou te esquecer, Maya.
Ela deixou uma lágrima cair quando passou a mão pelo seu rosto, numa magia branca que o fez adormecer.
Como a chuva havia cessado, Maya usou seu poder de se comunicar com animais para descobrir onde deixaria Gean. Assim que um cão indicou o local, o deixou dormindo em seu quarto, pensando ser a última vez que o veria.
***
Gean acordou disposto como nunca. Estava assoviando músicas românticas durante toda a manhã; até sua mãe estranhou tamanha animação durante a chamada habitual.
Porém, foi tudo resolvido quando ele falou do sonho mágico que teve.
Para ele, relacionado ao medo irracional de fadas do interiorano.
Assim que chegou ao hospital veterinário, sua animação teve fim com os comentários de Mauro e Agenor. Ele conseguiu desligar sua mente dos comentários ao lembrar da bela aparência da moça. Mas voltou à realidade quando foi questionado se realmente havia dormido em casa.
— Dormi na minha cama e acordei nela ― respondeu Gean como se fosse óbvio.
— Você tem certeza? ― questionou Agenor.
Deixou-os falando sozinhos e saiu mais cedo do trabalho com o objetivo de provar que a moça era somente uma mulher comum.
No caminho, ele voltou a lembrar da mulher aponto de lembrar seu nome: Maya.
Ela tinha uma beleza acima do comum. Cabelos com ondas douradas, olhos verdes, um lindo sorriso de menina e… tinha asas.
Assim que chegou na floresta, buscou a tal árvore do sonho. Após algum tempo de procura, encontrou um frondoso jequitibá. Gean ficou por um tempo admirando o caule e suas ramas de grande estatura.
Sem querer, tropeçou em algo. Retornou ao chão e encontrou sua câmera de fotos, que nem se lembrava que havia perdido. Para se levantar, tocou na árvore, o que o fez relembrar da tarde anterior, quando foi acometido por um pulsar.
Será que Maya não era um sonho?
Rapidamente ele sacudiu a cabeça, desacreditando da ideia.
Caso ela fosse real, a teria encontrado. Qual a diferença do dia de ontem para o de hoje?
Como em um assalto, ele lembrou.
A tempestade.
Então foi embora, na expectativa de que a próxima tempestade provasse a sua teoria descabida.
***
Maya estava feliz com a aparição de Gean na floresta. Mesmo que não pudesse vê-la, sabia que havia se lembrado de algo. Passou todo o tempo bem próximo dele. Não queria afirmar, mas gostava muito de sua presença, mas os dias passaram e ele não mais apareceu.
Maya havia desistido de aguardar o retorno de Gean. Por conta disso, até os dias de tempestade, que tanto amava, haviam se tornado algo irrelevante. A alegria de sentir-se tocada pelas gotas da chuva tinha chegado ao fim.
Enquanto estava na frente do Grande Carvalho, sendo encharcada pela chuva, ouviu seu nome sendo chamado pela floresta:
― Maya!
Espantada, ela lançou seus olhos em direção à voz e foi surpreendida pela presença de Gean.
Sua alegria retornou no instante em que seus olhos bateram nele. Ele nem hesitou em beijá-la, assim que estava à distância de seus braços. A chuva se tornou uma tarde de sol, pois naquele instante, Gean fazia a travessia para
o mundo das fadas. O corpo de Maya iluminou-se em uma tonalidade de rosa, indicando mais uma vez a intensidade do sentimento de ambos.
— Você é real ― foi a primeira frase que ele disse ao final do beijo.
Ela se aninhou em seu peito, sentindo as batidas de seu coração. Sabia que estava indo contra todos os seus ensinamentos sobre os humanos, mas o que sentia era superior a qualquer receio que poderia existir.
— Maya ― falou ele, olhando em seus olhos.―Você é realmente uma fada.
Ela sorriu antes de responder.
— Sim, e você é um humano. Bastante diferente dos outros que já vi.
— Eu quero ser o melhor de todos para você. Não deixei de pensar no que aconteceu em nenhum instante dos últimos dias. Eu lembrei que só poderia te encontrar em dias de tempestade.
Ela concordou com ele e, posteriormente, foi mostrando todos os lugares do mundo das fadas. Contou sobre os seus poderes, inclusive a magia.
O tempo foi passando e o sentimento entre os dois crescia. Ele se tornou um crédulo a ponto de aceitar voar com a moça em alguns momentos onde sabia que não poderiam ser observados.
A felicidade dos dois só existia enquanto a chuva caía. Muitas vezes, o sol do mundo real abria, Maya perdia a forma humana e, muitas vezes, o deixava sem despedida.
Porém, seu amado era insistente, sempre estava na floresta para um reencontro nos dias de chuva nas muitas estações que vieram com o passar dos anos.
***
Gean estava cada vez mais encantado com Maya. Nos dias de clima claro, sua rotina era somente ligar para família, trabalhar e ignorar todo o falatório dos seus funcionários sobre a sua namorada secreta, que eles juravam ser uma fada.
Mas nos dias de tempestade, seu sorriso se abria: ele falava com a família e partia rapidamente para floresta de Almerinda. O seu melhor momento era entrar na floresta chamando pelo nome da fada. Porém, dessa vez, quem apareceu não foi sua amada.
— Vá embora, humano ― mandou a fada de cabelos negros e pele morena, vestida de vermelho.
— Quem é você? Eu quero falar com a Maya.
O rosto da fada se fechou, mostrando que não gostou do que o homem
disse.
— Você não tem direito de mencionar o nome de uma fada ― disse ela irritada, lançando voo contra ele com as mãos iluminadas em cores brancas. ― Vocês, que matam as nossas árvores e queimam as nossas matas.
— Maya! ― gritou Gean, assustado com a magia da outra fada. Outra fada de aparência mais velha apareceu.
— Brígida, o que está acontecendo?― perguntou a senhora para a outra.
— Ele está atrás da Maya ― respondeu Brígida. ― Os destruidores…
— Onde está Maya, Brígida? ― interrompeu a senhora. Brígida olhou em direção ao Grande Carvalho, mas nada falou.
— Solte-a agora, Brígida ― exigiu a senhora, bastante irritada.
— Eu sou a líder…
— E eu sou a protetora das fadas bem antes da sua árvore vital surgir.
Desencante a jovem.
Brígida, a contragosto, fez um movimento com a mão e Maya surgiu na frente de todos. O desejo de Gean era correr para abraçá-la, mas sabia quem era a líder das fadas e todos os problemas que ela poderia causar.
— O que você fez com ela, Brígida? ― questionou a fada mais velha. ― A moça está triste.
— Falei a verdade para ela.
O semblante da senhora ficou entristecido.
— Me diga que é mentira, Irene ― pediu Maya com a voz embargada. Mas antes que ela respondesse, Gean interrompeu:
— O que está acontecendo? Maya, diga para mim.
Mas a moça desviou o olhar tentando esconder as lágrimas.
— Deve ir embora, Gean. Nunca mais me procure.
— O quê? ― questionou ele incrédulo, ignorando as outras fadas.
— Foi o que falei ― respondeu a jovem, fugindo de seu toque. ― Esqueça que eu existo.
Gean sentiu o coração destroçado por causa das palavras dela e avançou entre as fadas até Maya.
— Me diga o que está acontecendo ― pediu ele segurando seus braços.
— Foi aquela bruxa que vocês chamam de fada que te falou algo?
Maya tentou fugir de seu toque, mas ele se esforçou a todo tempo para fazer com que não fosse.
— Por favor. Vá embora ― suplicou ela.
— Não vou sem uma explicação sua ― respondeu ele.
— Você a ama, humano? ― questionou a fada mais velha.
Gean olhou para os lados tentando entender seus sentimentos e declarou:
— Sim. Eu amo a Maya desde o momento em que a vi caindo de uma árvore. Aprendi a acreditar em fadas quando a reencontrei ― declarou ele ao olhar para Maya, que chorava copiosamente. ― Gostaria que fosse diferente, mas aguento passar a vida inteira esperando as tempestades.
A senhora se aproximou dele, olhando no fundo de seus olhos.
— Meu rapaz, você está sendo leviano em suas palavras. Se não quer magoá-la, deve se afastar.
— Mas…
— Nós fadas vivemos muito mais que vocês. Maya, a mais jovem de nós, possui 600 anos. Você chegará no máximo aos cem.
Gean ficou desesperado, mas a fada continuou.
— Tenho certeza de que, quando a idade avançar, você não aguentará um instante na tempestade e a idade cobrará o seu preço. E quando resolver deixá-la, pois sei que acontecerá, ela ficará despedaçada por continuar te amando mesmo depois de sua morte.
— Não diga mais nada, Irene ― suplicou Maya. ― Por favor.
— Preciso, minha querida ― respondeu a senhora. ― Meu rapaz, imagino que esteja pensando numa maneira de ficarem juntos. Só existe uma, e tenho certeza de que não gostará.
Gean ficou aguardando a resposta.
— Nenhuma fada se torna humana, mas um humano pode se tornar uma fada…
— Por favor, não diga! ― interrompeu Maya. ― Já o mandei embora, como Brígida falou.
— Qual preço? Eu quero ficar com Maya em definitivo! Me diga o que devo fazer?
Irene olhou no fundo dos olhos do homem e disse:
— Você precisa ser morto por Maya.
Gean caiu de joelhos ao receber a notícia. Todo seu relacionamento com ela passou por sua mente. E, em poucos instantes, a incredulidade tomou conta, fazendo com que fosse embora sem dizer nenhuma palavra para elas.
“Tenho um problema. Eu amo uma fada. Só posso estar em coma, sonhando com tudo isso.”
***
Maya caiu em desespero assim que Gean virou as costas, saindo da floresta. Brígida se aproximou dela e disse:
— Ele não a ama. Esqueça-o. Ame seu trabalho e suas responsabilidades. Como já havia lhe dito, humanos não prestam.
A jovem fada se afastou delas, indo para a sua árvore vital. Assim ficou durante dias, semanas e meses.
A fada Melissa tentou ajudar, mas nada tirava a tristeza do coração de Maya. Então, um dia, Irene, não suportando mais ver os estragos nas águas que o sentimento pelo humano havia causado à moça, foi ao seu encontro:
— Maya, você não pode mais renunciar suas responsabilidades por causa do sentimento pelo humano.
— Passei esse tempo todo pensando no que aconteceu. Eu o quero de
volta.
— Maya, tem mais de um ano que tudo aconteceu.
— Eu sei, mas meu coração o quer de volta.
Irene acariciou os olhos chorosos de Maya e falou:
— Me entristece muito o destino que escolheu para si, pois sei que ele sempre habitará em seu coração.
— Como seria maravilhoso se tudo fosse mais simples. Mas só vejo tristeza no meu destino devido a um amor impossível.
***
Havia passado um ano desde que Gean saíra da floresta de Almerinda com o peso do mundo em suas costas. Mesmo assim, a memória daquele dia permanecia fresca em sua mente.
Ele não tinha para quem contar sobre o romance com Maya; e principalmente sobre ela ser uma fada. Contou para seus pais e seu irmão parte da história, disse que era um amor impossível, mas nenhum dos seus o apoiou quanto a deixá-la. A única que soube de tudo foi a pequena Ana, que também não gostou do que ele havia feito.
Gean se esforçou para esquecê-la. Parou de viajar para cuidar de animais selvagens, se afastou de florestas e abriu uma pequena clínica em sua cidade natal. Chegou a tentar alguns encontros amorosos, mas toda vez que colocava a cabeça no travesseiro, era ela quem reaparecia em sua mente.
Num dia em que estava atendendo no seu consultório, uma notícia chamou sua atenção:
“Mortandade de peixes nas águas da Floresta de Almerinda. É a segunda vez que o fato ocorre sem que se descubra o motivo real do problema. Em breve, traremos mais notícias.”
Gean ficou preocupado com a notícia. Sabia quem era a protetora das águas e, por causa disso, tinha certeza de que havia algo errado na floresta.
“Eu devo fazer alguma coisa.”
Mas logo em seguida, ele lembrou:
“Mas como vou largar a minha família por ela?”
Seu telefone tocou, despertando-o de seus pensamentos.
— Irmãozão― disse Ana, fazendo-o sorrir.
— O que foi?
— Você vai embora para a floresta e virar uma fada?
Ele enrugou a sobrancelha, não entendendo a pergunta, mas a ligação foi interrompida pela voz da mãe dele.
— Meu filho, venha aqui em casa. Precisamos conversar.
Gean atendeu o pedido, sendo recepcionado por todos os seus. A mãe revelou que a irmã contou uma história descabida de um romance com uma fada, e ele percebeu que deveria explicar à família.
Enquanto contava a história dos encontros nas tempestades com Maya, todos ficaram em silêncio. Mas quando falou sobre a única solução para ficarem juntos, sua família argumentou:
— Me explique melhor ― falou sua mãe. ― Você deve ser assassinado pela fada que ama para ser transformado?
Ele confirmou com a cabeça.
— Mas como tem certeza de que se tornará uma fada? ― seu pai perguntou.
— A mais velha delas explicou isso. Preciso ir. Não aguentarei mais um tempo sem ela ―respondeu.
E as perguntas continuaram, até que houve o veredito surpreendente:
— Então vá, meu filho ― falou sua mãe, chorosa. ― Seu coração já havia decidido. Iremos te encontrar nas tempestades.
Ele abraçou os seus, se despedindo e indo em seguida para a floresta de Almerinda.
***
Maya tinha quase perdido as esperanças de reencontrar Gean. A tempestade estava durando mais de três dias e, a cada minuto que passava, a esperança se esvaía.
Até que escutou:
— Maya.
O sorriso brotou em seu rosto enquanto corria ao seu encontro, na frente do Grande Carvalho. Seus olhares tão cheios de expectativa, mas algo parecia os impedir de prosseguirem.
— Você veio ― falou ela, esperançosa.
— Eu vim para ficar, Maya.
Ela vacilou nos passos assim que suas palavras tocaram seus ouvidos.
— O que quer…
— Eu preciso que você faça.
Maya negou o pedido com veemência.
— Eu nunca machucaria você. A sua família… Seus irmãos… Seus pais.
— Maya, me escuta. Já está tudo resolvido… A moça o interrompeu.
— Eu não consigo matar você ― concluiu ela. ― Não me peça para fazer isso. Eu te amo!
— Também te amo, mas não quero me afastar nunca mais. Não é certo ficarmos sempre dependentes do clima. Quero passar mais de mil anos ao seu lado.
— Por favor ― suplicou ela.
Gean respirou fundo, dando alguns passos para trás. Pegou um enorme machado, o que deixou Maya nervosa.
— Você mesma me contou que uma fada deve matar qualquer um que ouse tentar ferir o Grande carvalho.
— Não faça isso, Gean! ― gritou nervosa ao tentar segurar seus braços, mas a tempestade teve fim e ela perdeu a forma humana.
— Por nós, me impeça de fazê-lo ― pediu ele, não mais a vendo: levantou o machado contra a árvore.
— NÃO! ― gritou ela.
Faltando centímetros para que atingisse a árvore, ela atendeu seu desejo e acertou o machado em seu corpo, num golpe mortal com magia.
Maya correu em sua direção aos prantos, culpando a si mesma, até que sentiu a presença de alguém próximo. Bruscamente, Maya encarou a pessoa, sendo surpreendida por Gean. Porém, ele estava diferente. Não era mais um humano. Seu amado havia se tornado uma fada de vestes brancas.
Ela tentou falar algo, mas antes que dissesse qualquer coisa, Gean a tomou em um beijo saudoso, finalizando sua transformação colorida em rosa e branco.
Naquele momento, uma nova árvore vital surgiu. Um majestoso Jequitibá branco despontava no leste da floresta, mostrando para os conhecedores que havia surgido mais um protetor na floresta. Este tomou para si a responsabilidade de unir as espécies através dos anos. Sua família foi a responsável por divulgar a história de amor deles.
Depois de anos de insistência, conseguiram transformar a floresta numa área de proteção ambiental e, sempre que a tempestade chegava, eles estavam com o casal e as outras fadas.
Muitos falavam que, se alguém fosse corajoso o suficiente e entrasse na floresta de Almerinda numa tormenta, podia se deparar com Asas na Tempestade.
Fim!