“Está gravando?” Perguntei para a mulher loira de óculos à minha frente. Ela, gentilmente, se ajeitou na sua poltrona estofada e florida, tirou os óculos e pôs a mão sobre o gravador em cima da mesa.

– Julius, pode contar tudo, ok? – me disse ela.

Respirei fundo quando vi o seu dedo indicador de unha comprida e vermelha apertar o play.

O silêncio perpetuava naquela sala pequena e mas aconchegante. Olhei ao redor aquelas prateleiras cheias de livros, a maioria da área da psicologia e psiquiatria. Mas, em um canto da sala vi que  havia uma parte da prateleira destinada à obras sobrenaturais…era por isso que eu estava ali…

…minha proximidade com o mundo sobrenatural vem desde minha infância. Durante toda a minha vida me deparei com vários acontecimentos inexplicáveis que me dão medo só de lembrar. E uma delas me atormenta até os dias de hoje. Eu tenho certeza que foi por causa dela que meu pai foi parar em uma clínica psiquiátrica e faleceu há um ano atrás. Ninguém acreditou em mim até hoje, quem sabe a doutora Freidis acredite.

Eu tinha dez anos de idade e meus avós sempre moraram no campo. Quando eles faleceram deixaram a casa para meus pais. Eu adorava ir para lá. Amava correr naqueles campos verdes, brincar de se esconder com minha irmã e meus primos por aquelas matas, enfim. Sempre que podíamos, nos finais de semana, reuníamos alguns parentes e íamos passar o final de semana na casa.

O lugar durante o dia era maravilhoso, tínhamos um rio e uma pequena cachoeira no terreno. Tínhamos muitas árvores grandes ao redor da pequena casa de madeira que se encontrava bem no meio do terreno. Não era uma vegetação fechada mas haviam várias árvores dispersas ao redor. O casebre era minúsculo, com 2 quartos, uma sala, cozinha e banheiro.

Durante a noite o ambiente se tornava muito diferente e, como ficava longe de tudo, uns trinta minutos de carro até o vizinho mais próximo, não havia nada além da escuridão. Naquela noite em especial as coisas ficaram muito mais estranhas.

Logo depois de um dia todo brincando com meus primos na água fomos direto para a casa de madeira junto de meus pais e minha tia. Estávamos todos na sala jogando Banco Imobiliário quando o primeiro trovão se ouviu ao longe. Sem percebermos tudo havia ficado mais escuro do que normalmente.

Como vimos a proximidade de uma tempestade forte, fechamos tudo e aguardamos na sala. Era comum faltar luz na casa e não estranhamos quando as luzes se apagaram.

Eram 21:00 horas e tudo estava completamente escuro lá fora, as nuvens negras cobriram todo o céu e só conseguíamos ver as luzes dos raios entre as árvores que rodeavam a casa. As luzes das velas davam um ar fúnebre naquela noite assustadora. Todos estávamos calados ouvindo os estrondos que nos cercavam. Ninguém ali queria demonstrar medo dos trovões, mas o som cada vez mais alto deixava as coisas mais apavorantes.

Tudo ficou pior a medida que um barulho agudo começou a vir da floresta. Não demorou muito para percebermos que eram gritos. Sim, gritos de uma pessoa. Todos ficamos alertas e rapidamente corremos para a janela para ver de onde vinham os gritos. Ficava cada vez mais forte e mais próximo e, então, pudemos distinguir um grito de mulher. Com a certeza de que alguém estava em perigo meu pai abriu a porta rapidamente e saiu com uma pequena lanterna a pilha. Olhava admirado meu pai com uma coragem invejável andando por meio das árvores em um breu quase absoluto.

A chuva ainda não havia começado, apenas o vento raivoso e os raios compunham o cenário. Dependurados na pequena janela de madeira todos vigiávamos a luz da lanterna de meu pai andando entre as árvores. Ele gritava e perguntava se havia alguém ali, mas só havia gritos cada vez mais altos.

Subitamente a luz da lanterna se apagou, o grito da mulher cessou e por um segundo o vento e qualquer outro barulho da floresta, até mesmo os trovões, pararam. Prendemos a respiração e todos ficaram esperando atônitos para tentar ver ou ouvir o que poderia ter acontecido.

Para o espanto de todos um grito surgiu, mas não era feminino, era meu pai. Vimos a lanterna reaparecer e ele correr de volta em direção à casa. Abriu a porta desesperadamente e a fechou trancando-a na mesma hora. Todos estávamos preocupados para saber o que tinha acontecido, ver meu pai tão corajoso com aquele rosto pálido e uma expressão de medo me fez sentir um calafrio subindo minhas costas até minha nuca. O que ele encontrou lá fora?

Fizemos dezenas de perguntas mas ele não respondeu, apenas se apressou em verificar se todas as janelas estavam fechadas e as portas trancadas. Rispidamente ele disse para fecharmos todas as cortinas e ficarmos todos juntos na sala.

Eu, segurando o choro, fiquei abraçado em minha mãe juntamente com todos sentados no chão ao redor da mesinha da sala.

Repentinamente os gritos recomeçaram e dessa vez parecia estar mais próximo, meu pai agitado antava para um lado e para outro com o celular na mão tentando fazer uma ligação, inutilmente. Nada funcionava. Então rapidamente ele disse que teríamos que ir embora, disse para embarcarmos no carro, que sairíamos dali o mais rápido possível.

Só a ideia de sair daquela casa me paralisava de medo, aqueles gritos, o vento e o barulho dos galhos das árvores me apavoravam. Meu pai juntou todos nós e disse que quando abrisse a porta todos iríamos correr para o carro.

Com a lanterna na mão e todos na frente da porta, meu pai se preparava para abri-la quando de repente o grito. Mais forte do que nunca, mas dessa vez ele vinha do lado de fora da porta. Todos nós gritamos apavorados. Quase ao mesmo tempo a pequena janela de madeira se abriu empurrando a cortina e com o vento apagando as velas de cima da mesa.

O que aconteceu a seguir não sei explicar muito bem. Tudo estava escuro e pude ver duas ou três cenas graças aos clarões dos raios.

Vi meu pai colocando a mão na janela para fechá-la, vi minha mãe com um isqueiro na mão para acender as velas e vi algo que gostaria de não ter visto, uma silhueta do que parecia ser uma pessoa do outro lado da janela olhando para dentro. Não consigo distinguir se era realmente uma mulher, mas não tinha cabelos e não parecia ter olhos, apenas buracos, nem boca e nem nariz. Meu pai ligou a lanterna em sua mão e minha mãe conseguiu acender as velas.

Em meio a choros e soluços todos nós nos abraçamos, meu pai se juntou ao grupo e os gritos continuaram a nos perturbar.

Nunca fui muito religioso, mas naquela noite eu orei com todos da família suplicando por minha vida. Rezamos em vós alta a Ave Maria, repetimos algumas vezes e rezamos tão alto que aos poucos os gritos foram sumindo.

Ninguém dormiu aquela noite, ficamos inertes abraçados uns aos outros até o dia começar a clarear. Assim que meu pai abriu a porta e verificou as redondezas, corremos para o carro e fomos embora.

Meu pai nunca disse o que viu, acho que foi a mesma coisa que eu. Ninguém comentou esse acontecimento na minha casa por anos. Graças à isso minha família voltou a frequentar  a igreja. Desde esse encontro com o sobrenatural sei que existe algo lá fora. O que é, eu não sei, mas não olharia pela janela novamente para descobrir…

Freidis estava concentrada nas minhas palavras. Permanecemos em silêncio por alguns instantes e, só depois, ela apertou o botão do gravador interrompendo a gravação.

– É bom quando colocamos para fora tudo o que nos aflige, não é? – perguntou-me ela.

Lhe respondi que sim, que estava um pouco mais aliviado. Então olhei para a janela e o céu estava nublado. Nuvens carregadas prometiam chuva para qualquer momento. Um clarão cortou o céu e o estrondo do trovão fez as luzes se apagarem. Agarrei- me nos braços da poltrona e tudo ficou em silêncio. Chamei pela Freidis, uma, duas, três vezes, e não obtive resposta alguma.

Senti uma respiração quente atrás de mim. Estava paralisado agarrado àquela poltrona. Arrepiei-me com duas mãos posicionando-se nos meus ombros. Tentei gritar, mas minhas voz não saía de jeito nenhum. As mãos me apertaram e, de repente, tudo clareou. Freidis, inexplicavelmente, estava sentada no mesmo lugar à minha frente. Um sorriso em seu rosto denunciava que algo tinha acontecido. Ela então, apontou para a janela. Não sei o que estava havendo naquele momento, mas não era a Freidis que se encontrava ali. Ela levantou e foi até a janela. Abriu-a, subiu no parapeito e ainda me deu uma última olhada. Seu rosto estava transfigurado, era a mesma figura que eu havia visto na janela da casa do sítio. E foi aí que ela fez menção de se atirar. Corri desesperadamente e quando cheguei na janela pude ver seu corpo caindo e se espatifando na calçada lá embaixo…

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