No capítulo anterior:
LUIZ – Estamos aqui para celebrar, antes de tudo, o amor. O casamento é isso, a celebração do amor entre duas pessoas que foram feitas uma para a outra. Hoje celebraremos o amor de Alexandre e Maria. E Deus abençoa o amor. Lerei alguns versos do Evangelho de São Marcos, que no capítulo 10, versos de 6 a 9, nos diz: “Mas no princípio da criação Deus os fez homem e mulher. Por esta razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne. Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe”. Se Deus está unindo esse casal, ninguém separará. Mas antes preciso fazer essa pergunta aos noivos. Começando com a moça, bem, com Maria. Maria, aceita Alexandre como seu legítimo esposo, promete-lhe ser fiel na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?
MARIA – (com um belo sorriso) Sim! Sim! Aceito!
LUIZ – Alexandre, aceita Maria como sua legítima esposa, promete-lhe ser fiel na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?
Pausa dramática.
ALEXANDRE – (olhando nos olhos de Maria) Não!
CENA 1. IGREJA. DIA
Maria fica perplexa.
MARIA – O quê?
O falatório na igreja começa. Todos estão em choque.
MARIA – Para de brincadeira. Não é hora para isso.
LUIZ – Mas o que é isso, Alexandre? Não permitirei esse comportamento na minha igreja.
ALEXANDRE – Não posso me casar com Maria, padre.
LUIZ – Alexandre… Alexandre, já tivemos essa conversa antes. Não pode deixar a senhorita Maria naquela situação.
ALEXANDRE – Acontece, padre Luiz, que Maria não é quem esse povo pensa. (falando mais alto) Escute, povo! Maria não é quem vocês pensam que ela é. Ela é uma vagabunda que me engana há muito tempo!
A perplexidade aumenta.
ALEXANDRE – Ela me ameaçou para podermos nos casar. Ela está grávida! E pior, desconfio que esse filho não é meu!
MARIA – Cala a boca! Cala a boca!
ALEXANDRE – Não acreditem em mim. Tem uma pessoa que conhece muito melhor a personalidade de Maria. Guilhermina!
Guilhermina se levanta, vai lentamente até o altar, olhando fixo para Maria.
GUILHERMINA – Todos sabem que eu era a melhor amiga de Maria, isso mesmo, era. Vocês repararam também que eu não fui convidada para ser madrinha do casamento. Estranho, não? O que será que aconteceu? Por que rompemos? Bem, eu descobri uma coisa sobre Maria. Uma coisa terrível! Essa vadia estava tendo um romance com o meu então noivo há anos! Isso mesmo! Maria e Ramiro são amantes!
O falatório aumenta. Maria não estava acreditando que isso estava acontecendo. Tudo estava ruindo naquele momento. Ramiro, que estava disfarçado, tenta sair de fininho, mas Patrício o detém.
PATRÍCIO – Nem pensar, malandro. Você vai continuar aqui e esclarecer toda a história. (grita) Atenção todos! Este aqui é Ramiro disfarçado. Ele poderá confirmar tudo. Ramiro e Maria são amantes.
MARIA – Mas isso é ridículo! Por que vocês estão fazendo isso comigo, justo no dia mais importante da minha vida? Eu… (chora falsamente) Eu nunca fui tão injustiçada em toda a minha vida.
GUILHERMINA – Eu que fui idiota todos esses anos, acreditando que você era minha amiga.
MARIA – Você está com inveja, Guilhermina. Sempre teve inveja de mim, da minha beleza, do quanto eu chamava a atenção dos rapazes. Você que sempre foi feia, nunca teve classe, tato social. Sempre foi uma caipirona!
Guilhermina dá um belo tapa na cara de Maria.
GUILHERMINA – Isso é por sempre fingir que era minha amiga, e o que vou fazer agora é para que todos vejam o seu caráter!
Guilhermina avança em Maria e rasga o seu vestido de noiva. Toda a igreja vê as faixas de pano apertando a sua barriga.
GUILHERMINA – Mas o que será que esses panos estão escondendo? Vamos ver, pessoas?
MARIA – Não!
Guilhermina mais uma vez rasga os panos, revelando a barriga de seis meses de gravidez de Maria.
GUILHERMINA – É isso mesmo! Maria está grávida! E não é de Alexandre. Maria está grávida de Ramiro!
PATRÍCIO – Confirme, Ramiro.
RAMIRO – Eu não vou confirmar nada.
Patrício soca Ramiro.
PATRÍCIO – Confirma! Confirma ou sairá daqui morto!
RAMIRO – E quem vai me matar, você?
Nesse momento Alexandre, Patrício e Rogério o encurralam.
ALEXANDRE – É melhor confirmar, seu bandido!
ROGÉRIO – Senão irá sentir toda a força dos membros da Liga Camponesa.
Ramiro estava sem saída. Não tinha outra opção a não ser entregar Maria.
RAMIRO – É verdade. Maria e eu somos amantes. Há muitos anos. Somos cúmplices também. Tínhamos o plano de roubar Alexandre e Odete.
LUIZ – Roubar Alexandre? Mas eles não têm dinheiro para serem roubados.
RAMIRO – Isso é o que o padre pensa. Odete e Alexandre tem um tesouro escondido na casa deles.
LUIZ – Como assim?
ALEXANDRE – Depois resolvemos esse assunto, padre.
RAMIRO – Ah, agora o herói ficou com medo, não é mesmo?
PATRÍCIO – Chega! Já sabemos o que precisávamos, o casamento está cancelado.
Daniela, que ficou calada durante todo esse momento, não escondeu a felicidade ao ver que o casamento de Alexandre e Maria não se concretizou. Mas Guilhermina tinha um último ato de sua vingança. Ela executou:
GUILHERMINA – Feliz, Maria? A caipirona aqui conseguiu acabar com a sua vida, com a sua felicidade. Mas tem um último ato que vou ter o prazer de fazer. Eu mesma vou escorraçá-la daqui.
Guilhermina agarra Maria, pega-a pelo braço e arrasta para fora da igreja. Não faz nenhuma questão de ser delicada. Na porta da igreja, Guilhermina joga Maria pela escadaria.
GUILHERMINA – Suma daqui! Não volte nunca mais, vagabunda!
Totalmente humilhada, Maria assume um olhar de ódio que jamais teve.
MARIA – Isso é o que você pensa. Você e todos que me aprontaram essa. Eu vou voltar. Repito. Eu vou voltaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaarr. E vão se arrepender de terem nascido!
CENA 2. CASTELO DIA
O falatório continuou no povoado de Veseli semanas depois do ocorrido no casamento. Três meses depois, uma conversa adiada, mas necessária, entre Daniela e Rogério precisava acontecer.
DANIELA – Precisamos definir de uma vez por todas o nosso destino, Rogério. Eu sou testemunha do quanto você mudou no tempo que passou em Veseli.
ROGÉRIO – Mas…
DANIELA – (delicada) Mas eu não o amo, Rogério. Infelizmente. E tentamos nos últimos meses. Depois daquele evento no riacho, quando nos beijamos, eu achei que podia dar certo. E seria perfeito! Eu me casaria e não perderia o reino para o Conselho dos Anciãos. Mas eu não posso fazer isso. Não posso fazer isso comigo, não posso fazer isso com você. Veja o meu pai. O amor dele e de Alice acabou, mas ele estava preso àquela megera. Que bom que ela sumiu das nossas vidas.
ROGÉRIO – Aliás, para onde ela foi?
DANIELA – Não sabemos. Mas o importante é resolvermos nossa situação.
ROGÉRIO – Eu sei, Daniela. O tempo que passei aqui mudou a minha vida. Vim para cá um molecote mimado e sinto que estou saindo um homem, um príncipe de verdade.
DANIELA – Você vai embora?
ROGÉRIO – Sim, Daniela. Retornarei à França o mais breve possível. Passei muito tempo aqui e minha mãe precisa da minha ajuda para levar o reino adiante.
Um tempo de silêncio. Daniela lança um olhar de ternura para Rogério.
ROGÉRIO – Você ama mesmo aquele camponês, não é?
DANIELA – Amo. Desde o início eu sabia que ele era o meu homem, o meu amor.
ROGÉRIO – Lamentável, perde um príncipe irresistível como eu para um mero camponês como Alexandre.
DANIELA – Rogério!
ROGÉRIO – (rindo) Estou brincando, Daniela. Sei que se amam. Bem vi que ficou feliz que o casamento dele com aquela moça não deu certo.
DANIELA – Não vou negar.
ROGÉRIO – Mas o que fará em relação ao reino?
DANIELA – Não sei. O que sei é que ficarei com Alexandre, e nada mais importa.
ROGÉRIO – Eu vou fazer uma boa ação para a mais bela donzela de Veseli antes de partir. Estava estudando a Constituição do reino e vi que tem uma brecha para que você não perca o reino.
DANIELA – E qual é?
CENA 3. CONSELHO DOS ANCIÃOS. DIA
Augusto, Daniela e Alexandre estavam em uma reunião no Conselho dos Anciãos. A questão da sucessão do reino seria decidida de uma vez por todas.
LEOPOLDO – Mas isso é um absurdo! Como pode aceitar isso, majestade? Sua filha se casando com um camponês?
AUGUSTO – Eu não me importo com isso, Leopoldo. O mais importante para mim é a felicidade da minha filha. E ela encontrou em Alexandre. Ele é um belo rapaz, com coragem, honra, lutou por Veseli na guerra e, o mais importante, ama a minha filha.
LEOPOLDO – Tudo bem. Sabe que isso será o fim da dinastia Crawsky, não é? Se Daniela se casar com Alexandre, perderá o direito ao trono, este indo para Alexandre. Está ciente disso, Alteza
DANIELA – Sim, Leopoldo. Faço o que for necessário para me casar com Alexandre. E Alexandre será um ótimo rei, não é, meu amor?
ALEXANDRE – Você me ajudará, não é?
DANIELA – Claro. Estarei sempre ao seu lado. Mas você, como homem, é o cabeça da família e será o cabeça do reino.
LEOPOLDO – Admirado da sua mudança, alteza. Nunca imaginei que assumiria a função natural de submissão ao marido. Claro que quando se casarem.
DANIELA – Tenho uma notícia e novidade, Leopoldo. Já nos casamos.
Daniela e Alexandre mostram a aliança de casamento.
LEOPOLDO – (chocado) O quê? Como assim?
FLASHBACK
DANIELA – (em off, contando a história) Agora mesmo! Fomos correndo à igreja. Padre Luiz ficou embasbacado.
LUIZ – Mas o que é isso? Uma princesa se casando às pressas assim? Isso nunca ocorreu na história de Veseli. Os casamentos reais são sempre majestosos, cheios de pompa.
DANIELA – Sabe que isso nunca combinou comigo, padre. E preciso casar nesse instante.
LUIZ – Seu pai autorizou isso, minha filha?
AUGUSTO – (entra) Autorizo e dou a minha bênção.
LUIZ – E por que quer se casar tão atropeladamente? Não me diga que…
DANIELA – (rindo) Não, padre. Não estou grávida. Além de não gostar de toda a pompa real, Rogério deu uma ajuda para iluminar a nossa mente a respeito daquele… assunto no Conselho dos Anciãos.
Padre Luiz entende.
LUIZ – Muito bem. Vamos à cerimônia.
FIM DO FLASHBACK
Daniela e Alexandre se beijam.
LEOPOLDO – Muito bem. Vamos então à passagem do reino. Está pronto, Alexandre?
ALEXANDRE – Sim.
LEOPOLDO – Procederemos então à cerimônia de passagem do reino, de Augusto Crawsky para Alexandre Dervishi. Vamos iniciar uma nova dinastia. Secretários!
Os secretários entram com o cetro e Augusto entrega a sua coroa. Nesse momento padre Luiz chega.
LUIZ – Creio que precisem das bênçãos de Deus para o novo rei que está sendo coroado.
ALEXANDRE – Claro! Não poderia começar um reinado sem as suas bênçãos.
LEOPOLDO – Todos prontos? Em nome do Conselho dos Anciãos, em respeito à Constituição de Veseli, declaro entronado ao reinado de Veseli Alexandre Dervishi.
LUIZ – E que Deus, em sua infinita bondade, abençoe esse reinado!
Alexandre se ajoelha, pega o cetro, e padre Luiz o entrona.
LUIZ – Está entronado, Alexandre. É o novo rei de Veseli.
LEOPOLDO – E qual a suas primeiras palavras, majestade?
ALEXANDRE – Eu abdico do trono, em favor de Daniela.
LEOPOLDO – O quê?
ALEXANDRE – Isso mesmo. Abdico do trono em favor de Daniela.
LEOPOLDO – (irritado) Não pode fazer isso!
ALEXANDRE – Posso, sim. O senhor, como membro do Conselho dos Anciãos, deveria conhecer mais a constituição do reino mais do que um camponês como eu. Veja o artigo 79, inciso VI.
LEOPOLDO – (lendo) “As condições para ser monarca de Veseli: ser nascido no reino ou unido em laços de matrimônio com membro da família real; ser maior de idade; ser o primogênito do monarca de Veseli”
ALEXANDRE – Daniela cumpre todos os requisitos para isso. Nunca houve impedimento para ela assumir o trono por ser mulher. Vocês do Conselho que sempre dificultaram a vida de Daniela. Suas visões retrógradas e atrasadas não concebiam serem liderados por uma mulher.
LEOPOLDO – Mas Daniela é menor de idade!
ALEXANDRE – Não é mais. Após o casamento a maioridade é atingida. Nenhum empecilho.
LEOPOLDO – Vocês armaram isso! Não vou admitir!
AUGUSTO – Não armamos nada. Apenas usamos a lei. Um novo reinado começa aqui, parabéns, Daniela.
LUIZ – Tem a minha bênção. Que Deus abençoe o seu reinado e o reino de Veseli.
Alexandre tira a coroa da própria cabeça e coloca na cabeça de Daniela.
UM MÊS DEPOIS
CENA 4. POVOADO DE VESELI. DIA
Há muito tempo não havia uma paz tão grande no reino de Veseli. Alexandre devolveu o baú com o tesouro de Odete. Esse dinheiro foi importantíssimo para a reconstrução do reino após a devastação que a guerra causara. A fome acabou, a população estava restabelecendo os planos e o que simbolizava isso tudo era o evento que estava acontecendo nesse momento: mais uma edição da Festa das Flores. Era a primeira de Daniela como rainha de Veseli. Ela estava nervosa, na carruagem a caminho do povoado, Alexandre a acalmava.
ALEXANDRE – Tenho certeza de que será ótima.
DANIELA – Meu pai não quis vir, eu estaria bem mais segura se ele tivesse aqui ao meu lado.
ALEXANDRE – Augusto quer que você seja reconhecida como rainha pelo povo. Por isso não quis vir.
A carruagem vinha chegando ao povoado, e o povo recepcionou a nova rainha da forma como ela merecia: ovacionando-a. Daniela retribuía o carinho dos súditos acenando para eles. Daniela e Alexandre vão para o palco armado para eles. Todos prestam atenção ao discurso da rainha.
DANIELA – Súditos de Veseli! Este é o momento mais importante do ano para nós. A Festa das Flores é a principal do nosso calendário! A primavera é um importante momento para Veseli, não só pela colheita das flores mas porque simboliza o renascimento da esperança, depois de tempos tão sombrios. Saímos de um golpe, de uma guerra e agora estamos nos reerguendo. Viva Veseli!
Todos gritam “Viva Veseli” e a festa começa. Música popular, comidas maravilhosas, lindas flores decorando… Veseli estava reerguida. Novos tempos começavam no reino, pela primeira vez liderado por uma mulher. Uma grande mulher, ao lado de um grande homem. Daniela e Alexandre levaram Veseli ao maior tempo de prosperidade que os súditos viam em anos.
Mas a mosquinha da velha Daniela estava picando ela. Alexandre percebe.
ALEXANDRE – Você não está se aguentando, não é, meu amor?
DANIELA – Do que está falando?
ALEXANDRE – Está morrendo de vontade de descer e ir aproveitar a festa com o povo.
DANIELA – Você realmente me conhece.
ALEXANDRE – Vai logo! Aproveita!
DANIELA – Será que não vai ser de mal tom a rainha estar lá?
ALEXANDRE – É claro que não! Vai dar uma imagem até melhor de você perante o povo. Representa-os muito bem.
Daniela vai correndo e se joga na festa, como nos velhos tempos. Essa é a nova rainha de Veseli. A que não tem medo de se jogar na festa das flores. A que tem uma personalidade forte para enfrentar e defender seu reino de qualquer adversidade. E, sobretudo, a imagem da felicidade. Daniela estava completa e feliz.
Assim chegamos ao fim da nossa história. Ou melhor, e assim foram felizes para sempre!