Capítulo escrito por: Charlotte Marx
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Rogério pareceu entender o que estava acontecendo, fez um sinal que Lucas concebeu na hora. Gumercinda gritava.
– O senhor precisa mandar para rua, esse aproveitador de mulheres indefesas! Paga pau de bicha para cima do meu menino, mas no fundo tem taras por coroas como eu.
Cristiano não acreditou no que estava ouvindo.
– Que isso, mãe? Da onde você tirou essas idéias malucas?
A mulher subiu na mesa e puxou a gola do diretor.
– Se o senhor não fizer nada, vou ter que procurar o conselho regional de medicina e entregar essa espelunca!
O homem entrou no jogo da mulher.
– Ah é, estuprou, é? Pode deixar, dona…
Ela completou.
– Gumercinda Neves Altto, a orangotango mais sensual do planeta.
Lucas segurou para não rir. Coitada! Cristiano percebeu a intenção do diretor médico e trocou olhares com o noivo.
Rogério continuou.
– Então Dona Gumercinda Neves, demitirei ele e ele perderá pontos na carteira.
Ela deu de ombros.
– É pouco, quero o diploma cassado.
Lucas balançou a cabeça, entediado para o noivo.
O diretor continuou.
– Certo, terá o diploma cassado! Agora, me responda, com toda sinceridade: foi hoje que isso aconteceu?
Ela confirmou ousadamente. Ele continuou.
– Certo! Então peço que me acompanhe!
Ela estacou.
– Ir para onde?
Ele disparou.
– Vamos coletar amostra de DNA da sua… ( e mostrou) Para levar-mos ao nosso centro de análise, será um argumento irrefutável nos tribunais!
Ele a puxou pela mão, ela se desvencilhou.
– Mas foi com camisinha. Esse pilantra é esperto!
Lucas olhou boquiaberto para a criatividade da sogra em destruí-lo. Cristiano observava tudo em silêncio.
– Não tem problema, dona Gumercinda, temos aparelhos altamente especializados para isso.
Ela sorriu meio sem graça.
– Pensando melhor, acho que nem sei bem direito o que aconteceu, não quero me expor por um lixo desses. Passar bem!
E saiu arrebitando o nariz para o alto. Lucas agradeceu Rogério por acreditar nele.
– Não precisa agradecer Brow! Você é um excelente profissional, jamais cometeria um atrevimento desses, confio em você, olha só um monte de pacientes que trouxe para cá só com essa dedicação carinhosa com os enfermos. É admirável!
Lucas sorriu. Cristiano torceu o bigode meio enciumado.
– Vamos para sua casa, amor?
Lucas confirmou.
– Claro. Até mais ver, Rogério.
Entrou no banco do visitante e puxou o cinto, enquanto Cristiano girava a chave.
– Não gostei nada do jeito que ele falou com você, parecia estar te cantando!
Lucas riu.
– Ai, amor, tá com ciúmes, é? Não ligue para Rogério, ele é daquele tipo de assexuado frio, sabe? Muitos enfermeiros já tentaram dar em cima dele, mas ele não gosta de se relacionar afetivamente com ninguém, é auto-suficiente. Interessante, não? Agora o que eu não gostei nada foi dessa aparição medonha da sua mãe, eu te falo que ela não me suporta, aí a prova, ela perdeu completamente o juízo, poderia ter sido demitido se fosse outro hospital.
Cristiano se desculpou.
– Realmente não foi legal. Peço perdão, amor. Deveria estar cuidado mais dela. Bom… Agora me dá um beijo bem gostoso e vamos namorar um pouquinho na esquina da sua casa, quietinho dentro do carro.
Lucas confirmou, sussurrando em seu ouvido.
– Deixo pensar? … Vamos!
E riu alto.
***
Minutos mais tarde, Elvira, na janela de seu quarto, no segundo andar, observa o casal trocando beijos no carro, enquanto termina de passar o hidratante no braço. Pedro a envolve por trás e acaricia sua camisola, ela se afasta, deixando ele percebe sua preocupação.
– O que foi, Vira? Parece não estar bem!
A mulher vai até o cofre e abre-o, digitando a senha. Ela entrega-lhe a pasta que Ruth encontrara.
– Veja com seus próprios olhos, Pedro. Nosso filho de novo metido com aquele Ezequiel.
O homem encontra o bilhete no meio do dinheiro e se desespera ao lê-lo.
– Você lembra-se dele, pequeno, quando freqüentava nossa casa? Roubou o brinquedo do nosso filho, aquele boneco interestelar. Nunca gostei da presença dele, ainda mais por que ele ficava incitando ódio em Lucas, apoiando a idéia maluca dele de querer se vingar da morte do pai biológico.
Pedro questiona.
– E por que todo esse dinheiro? O que acha que ele vai fazer com isso?
Elvira perde o olhar.
– Não sei, mas gostaria muito de saber. Não gosto nada quando nosso filho, que tem o costume de confidenciar tudo a mim, possui segredos comigo. Boa coisa, não é. Pode ter certeza disso.
Pedro novamente volta à pergunta.
– E você pretende fazer o quê com isso?
Elvira revela.
– Botá-lo contra parede e exigir que me conte toda a verdade!
Pedro mostrou que aquela opção não era eficaz.
– Não, amor. Está indo por um caminho errado. Perceba! Se você contar ao Lucas o que descobriu e se realmente é um segredo, ele vai tentar dar um jeito de encontrar-se com Ezequiel, ainda muito mais velado, para não dar bandeira. O melhor a ser feito é você botar essa pasta de volta onde Ruth achou e começar a sondá-lo em seus passos, assim consegue flagrar o que estão tramando.
Ela pensou por um momento e percebeu que ele tinha razão.
AMANHECE…
Lucas embarca logo cedo de avião junto com uma turma pré-selecionada pela direção do hospital para participar de uma freira comunitária em Manaus, auxiliando a população local a evitar a Zika e Febre Amarela, além de oferecer atendimento gratuito e exames de sangue para todos.
No colégio dos sonhos, porém, antes de sua chegada à capital, Robson que já tinha sido adotado por uma família leva seu namorado Sam Van Gogh para conhecer um pouco de sua infância, o outro, todavia, não gosta nada daquela situação, só a faz por ser completamente obcecado pelo flautista.
– Gertrudes! Quanto tempo!
Robson corre para abraçar a cozinheira e Sam retarda o passo, tinha horror ao odor dos negros. Fingiu simpatia quando a conheceu.
– Nossa, querida, Robson não me disse que era tão bonita pessoalmente. Sinceramente, surpreendeu-me.
Inocente, a alegre confeiteira devolveu os elogios.
– Bonito é você! Vejo que meu menino fez uma excelente escolha, você é uma gracinha. Esses olhos azuis e expressivos são o brilho do seu rosto. Sem falar em seus lábios pequenos, parece um boto de rosa.
Sam jogou sua franja, enrolando-a atrás da orelha. Olhou-a meio num tom de superioridade.
– Que isso! É apenas a genética de família. Britânica, sabe?
E pensou consigo mesmo.
– Que é muito melhor do que a sua, sua macaca de esgoto! Nariz de pimentão estragado!
Ela serviu-lhes bolinhos de chuva e café com leite. Sam evitou ao máximo comer aquilo, pois além de estragar sua dieta, o que era essencial para sua vaidade e sua profissão: ser modelo, poderia estar altamente infectada com fungos e bactérias resistentes. Será que conheciam as noções básicas de higiene? Usou a louça a contra gosto. Se algo acontecesse com ele, era Robson quem iria pagar a conta do hospital! Sorriu cortês quando Isaura, em sua visão, trocava olhares com ele, durante a conversa com seu namorado. Por que aquele tormento não terminava logo? Aquela defunta ambulante não parava de falar? Merecia um formigueiro para tapar aquela boca de bueiro de rua! Engolia aquele sapo, por causa do seu homem, nada mais do que isso.
Joaquina terminou a reunião com os professores e num primeiro momento, não o reconheceu. Gertrudes fez suspense, Sam deu um risinho meigo de tédio.
– Jura que não está me reconhecendo? – Robson proferiu alto, estendendo o braço.
Joaquina respondeu, olhando fixamente para seus olhos.
– Não dá para acreditar… Robson? É você meu filho?
Ele sorriu e correu para abraçar a anciã. Sam engoliu seco, respirou fundo, passou seu protetor labial e se preparou para mais uma encenação de mestre.
***
Lucas coloca os frascos de sangue dentro da centrífuga e a liga. Depois, se dirige para a bancada onde os resultados dos exames já estão prontos.
– Senhora Miriam Karochi!
A oriental se levanta com a bengala.
– Sou eu!
Ele a entrega os resultados.
– Acabei de olhar. Precisa dar uma maneirada no doce, mas principalmente na gordura extraída a partir dele. O colestral LDL, que a gente chama de ruim, por que ele grudar na parede das artérias por ser leve, está baixo, porém, os triglicerídeos estão limítrofes. Você passa com aquele cara ali, ele vai te dar e explicar uma dieta.
A mulher agradece.
Lucas entrega os resultados dos demais para Flávia, outra médica que voltava do almoço, e pede um taxí para o colégio dos sonhos.
***
Joaquina termina de conversa com eles a caminho do estacionamento.
– Foi uma manhã tão agradável! Tem certeza que não querem pousar aqui? Os quartos de hóspedes estão vazios! Adoraria passar mais um dia com vocês.
Sam esboça velado: uma expressão de nojo. Robson explica a mãe sua situação
– Faculdade volta segunda agora, temos que terminar umas tarefas ainda que deixamos por lá. Prometo que no próximo feriado, estaremos aqui!
A freira sorriu tristemente.
– Se não tem outro jeito!
Eles se abraçaram forte. Sam dá tapinhas de leve na costa da mulher.
– Fique bem! Prometo que o farei cumprir a promessa!
Joaquina acaricia o cabelo do vilão.
– É um rapaz tão carinhoso! Vejo que Robson está em boas mãos.
Ele concorda rindo.
– Lógico que está!
Despedem e Sam apressa o passo para o carro, não agüentava mais aquele lugar chinfrim. Quando Robson pisa no acelerador para partir, não percebe que Lucas acabava de sair do taxí e o atropela. Joaquina grita ao ver a cena. Sam retira seus óculos escuros e olha para cima num tom de impaciência.
– Está esperando o quê? A polícia chegar? Trata de zarpar, bebê!
Mas Robson não lhe dá ouvidos e sai para acudir o jovem, não o reconhecendo.
– Você está bem?
O cardiologista abre os olhos, meio zonzo.
– Acho que sim.
Sam bate a porta do carro, irritado.
– Vamos embora daqui! Eu não agüento mais!
Robson rebate.
– Dá para você pensar um pouquinho assim nos outros? Sam! (mede com os dedos)
Joaquina chega com seus enfermeiros, mas Lucas diz estar bem. Robson o ajuda a levantar e por um momento trocam olhares. De onde o conhecia? Aqueles traços não li eram estranhos! Pensava o protagonista. Robson, por sua vez, sentiu seu cheiro e aquilo desencadeou um tom de felicidade em sua alma.
– Esse perfume!
Os olhos do vilão engordaram com tamanha proximidade dos dois, esbaforiu. Joaquina puxou o mocinho para perto de si.
– Venha comigo! Vou cuidar de você! Quanto a vocês, agora podem ir, tudo ficará bem.
Assim que deu as costas. Sam agradeceu.
– Até que enfim uma pessoa ajuizada na história. Vamos, amor!
Mas o jovem estava perdido em suas lembranças, tentando se recordar de onde conhecia aquela fragrância, enquanto observava Lucas sendo levado para dentro da instituição. Seu namorado gritou.
– Robson Miguel de Almeida, entra agora nesse carro!
O flautista se assustou e correu para o volante, ao mesmo tempo em que Sam colocava suas luvas de couro legítimo.
Dentro da enfermaria, Lucas agradecia a equipe, mas confirmara que estava melhor.
– Você tem certeza, meu filho? Quer que eu chame algum médico para te receber?
Lucas riu.
– Não se preocupe, eu me formei nisso, mãe! Se tivesse fraturado, estaria sentindo. Foram só uns arranhões!
Gertrudes veio lhe trazer alguns pães de mel. Ele agradeceu.
– Meu doce favorito! Obrigado, Gê!
E a abraçou agradecido. A cozinheira revelou.
– Você nem sabe quem acabou de sair daqui!
Ele a olhou curioso.
– Quem?
Joaquina fez sinal para ela não falar e a cozinheira mentiu.
– Laila! Laila esteve aqui!
Lucas mordeu um pedaço, falando de boca cheia.
– Jura? Queria tanto ter visto ela, desde que fui adotado, não tive mais notícias deles! E você hein, mãe Joaquina! Prometeu-me por telefone, há três anos quando nos falamos pela última vez, que tinha o contato de Robson, iria me passar para eu e ele conversarmos e nunca mais tocou no assunto.
Joaquina ficou sem graça.
– Acabei perdendo contato. A família dele se mudou de casa. O que você queria que eu fizesse? Os dias foram se passando, quando dei conta já havia sumido a anotação.
Lucas deu de ombros.
– Sei! Sei muito bem! Quem era aquele homem que me atropelou?
Joaquina se desesperou, trocou olhares com Gertrudes.
– Por quê? Está pensando em dar queixa na polícia?
Lucas negou.
– Não! Não! De forma alguma, eu que estava errado em sair pela porta do lado da rua! Ele foi tão legal comigo, se preocupou. Sabe que por um momento eu até pensei que o conhecia! Aquele olhar profundo… já o vi em algum lugar! Ele, por outro lado, parecia passar pela mesma situação. Reconheceu meu perfume!
Joaquina tentou fazê-lo esquecer.
– Bobagem! Deve ser coisa da sua cabeça! Quantas vezes não passei por situações parecidas com essa, quando me dei conta não era nada. Nossa imaginação adora nos pregar peças, sabe. Dá a nítida impressão de que conhecemos alguém, lugares, situações, contudo, não passa de recortes que vemos espalhados em cada canto, os quais se aglutinam em um universo só, no caso uma pessoa.
Lucas concorda.
– É… Talvez você tenha razão!
Passado algum tempo, eles saíram para caminhar pelo jardim e ele ficou encantado com a estufa, próximo a hortas de orgânicos.
– É fenomenal! Vejam só essas flores! Dentes de leão! Posso fazer um pedido?
A beata confirmou. O jovem correu relembrando seus tempos de infância e tomou posse de um, fechando os olhos e desejando para um dia poder reencontrar seu príncipe. Assoprou e a inflorescência se desfez num passe de mágica.
Depois sentaram a um banco no jardim e ele a confessou.
– Segunda-feira estou voltando para minha terra natal!
Joaquina se preocupa.
– Tem certeza de quer fazer isso mesmo? Acho muito perigoso!
Lucas é decisivo.
– Está mais do que decidido! Quero me vingar do responsável ordinário que esquartejou meu pai! Chego até desconfiar que o assassino não seja profissional, foi mandado por alguém!
A freira questiona.
– Quem? Por exemplo?
Ele confidencia.
– Ainda não sei. Mas muita gente tinha interesse na morte dele, principalmente essa elite cachorra que está terminando seu plano diabólico de privatizar as universidades! Meu pai era contra tudo isso! Ele incitava os manifestantes! Eu me lembro da época: o Brasil finalmente começava a ter acesso a Marx! Karnal e Cortella ficavam no trend tropics no twitter! A mídia começava a ser boicotada, perdendo audiência. As bibliotecas batiam recordes diariamente de inscritos! Até a oposição de direita, idealista, a qual não defendia a bandidagem parecia perceber a ameaça letal em manter aquela tropa no poder! 2017 seria um ano tão incrível, se meu pai não tivesse morrido e os banqueiros não tivessem fuzilado mais de milhões de pessoas com sua guarda imunda que eles até hoje ousam chamar de nacional! Um por um que participaram da repreensão para acobertar essa ditadura parlamentar vai pagar caro, vão ter uma morte bem lenta e dolorosa, por que é isso que eles merecem Mãe Joaquina, partir dessa para o inferno sofrendo célula por célula.
Joaquina se assustou com a violência do menino.
– Que isso! Você já reparou na maneira que está falando? Está parecendo um bandido, um criminoso! Ei… Não deixa eles te transformarem numa pessoa amargurada, apagarem o menino doce e sensível que sempre foi.
Lucas esbraveja.
– Infelizmente, esse menino morreu! Morreu no dia que ficou órfão de pai! Eu esperei esse momento, maquinei durante anos, mãe! E o circo deles vai acabar! Vou arrancá-los do comando desse país nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida! Esse povo vai ter a dignidade restaurada, eu juro!
Seus olhos espumavam de sede de justiça, salivava de raiva, seu corpo tremia. Joaquina se emocionou com a determinação do rapaz.
DIAS MAIS TARDES…
Já estava de noite, quando Débora levantou com dificuldade da cama e caminhou para o banheiro. Despiu-se com dificuldade, jogando sua roupa em cima da tampa e ligou o chuveiro. Entrou. Deixou a água molhar o corpo.
***
Lucas já havia voltado para São Paulo. Em seu quarto, mexeu no fundo falso e retirou sua pasta com dinheiro, jogou-a na cama e ligou para Ezequiel.
– Tudo certo com nosso plano? Ótimo! Vou fazer as malas e te encontro em uma hora na Estação da Luz! Partiremos sem deixar suspeita, vou deixar um bilhete para meus pais sobre um novo projeto que surgiu no Sul, de feira comunitária, não haverá problemas!
E desliga. Inusitadamente, Elvira escutara tudo, embaixo da cama.
***
Débora vai pegar o sabonete do outro lado do banheiro e acaba escorregando. Sangue começa a jorrar pelo seu nariz e seus ouvidos. Ela tenta conter o sangramento e começa a passar mal, seus olhos lagrimejam a mesma substância e ela se desespera, começa a se afogar com água que cai em sua face, debate-se vorazmente, pedindo por socorro.
***
Lucas chega a uma plataforma e reencontra seu amigo, eles se abraçam.
– Quanto tempo, Ezeque! Que jaqueta de couro maneira! Ficou muito bem em você!
– Obrigado, Luquinhas! Arrumei uma identidade nova para ti, como me pediu! E ai Roberto Camargo, preparado para ser o novo vereador de Doce Recanto?
Antes de o imberbe responder. Elvira apareceu batendo palmas.
– Parabéns! Então é esse seu plano? Se infiltrar como vereador para investigar a morte de seu pai biológico? Estava nos escondendo direitinho! Mas a farsa termina aqui!
O protagonista se assusta. Ezequiel o olha desencantado.
CONTINUA…-” ”>-‘.’ ”>