Desdobramentos
O legista o encara assustado pelo que acabara de fazer, recompõe-se de pé, enquanto Marcos guarda sua pistola.
– Já percebi que com vocês, não há brincadeira. Se for preciso apagar o cidadão, vocês fazem na maior frieza!
Van Gogh ri.
– Não deixa de ser uma seleção natural em que os melhores adaptados sobrevivem!
O anfitrião sorri amedrontado e o questiona.
– Como sabia que ele vinha para cá? Como podia ter tanta certeza que ele iria me procurar?
Marcos pede um minuto, vai até o banheiro e fecha a porteira, desentupindo o ralo com os dedos. O outro o acompanha.
– Mas isso é muito simples! O delegado que os atendeu é dos meus, contou-me tudo assim que ele e minha filhinha ingrata saíram de lá, o erro desse borra-botas foi ter confiado na justiça assim logo de cara, sem pesquisar os antecedentes. O nome do delegado, Felipe no caso, foi indicado diretamente por Otto em uma conversa com o prefeito Michel da Costa e Silva.
O profissional do IML fica surpreso com o sistema de corrupção arquitetado pelos bastidores da justiça e política brasileira.
– Não sei por que está com esse cara, meu rapaz. Vivemos dessa maneira desde a fundação do governo geral na produção açucareira. Agora, se me permite…
Ele retira um machado da mochila e esquarteja a golpes o corpo de Ezequiel, em partes cabíveis em uma mala vazia que trouxera de casa. Passado o esforço, despede-se do dono do apartamento e precipita-se até um riacho da região, afundando a mala com gosto.
– Vai direto para o inferno, seu pseudo- bandidinho de morro!
***
Joaquina termina de jantar, quando Paçoca abre a porta com a batida no quarto e Cassandra aparece com o delegado, amigo da anciã. Ele se aproxima, tomando a mão de sua freira predileta, revelando ter sido criado no Colégio dos Sonhos
– Benção, minha mãe!
A velhaca sorri.
– Deus te abençoe.
– Cassandra me contou tudo, a danada da Malva então não morreu.
Joaquina é enfática.
– Como se não bastasse isso, ela confessou-me na cara que trocou meu bebê há vinte e cinco atrás na maternidade! Eu exijo delegado, que essa mulher seja presa imediatamente!
Paçoca trocou olhares rápidos com Cassandra. O delegado se enfureceu ao saber do desespero da Mãe.
***
Otto recebe em suas mãos a denúncia de Impeachment do presidente, antigo vice, Francisco Mises, elaborada por um jurista e a valida com um sorriso medonho.
***
NO OUTRO DIA…
LOGO PELA MANHÃ…
Marília escancara os olhos, acabara de ter mais um de seus pesadelos. Levanta-se estranhando o ambiente. Dormira fora de casa? Oh não! Um seqüestro! Aqueles dois haviam mandado, ela… Antes de conseguir fugir daquele apartamento, desembocou na cozinha, onde Jesus terminava de por o café na mesa.
– Bom dia! Acordou cedo! Dormiu bem? Comprei tortas alemãs, acho que vai gostar!
Ela então se recordou do resgate no dia anterior e o abraçou.
– Oh, meu filho, muito obrigado por ter me ajudado. Hoje mesmo vou entregar aqueles dois e pedir ajuda para encontrar a minha filha!
Jesus sorriu.
***
Gumercinda termina de comer de tomar seu café, na padaria do hotel, em que seu filho está hospedado, mas engana-se quem pensa que ela está apenas se alimentado, ela está de tocaia, observando cada entre e sai da mansão do outro da rua.
***
Lucas acorda e ao lavar o rosto, fica frente a frente a seu reflexo no espelho. É inevitável não se recordar daquela fatídica cena de infância, quando se encontrava por volta dos oito anos, sozinho na casa de Doce Recanto, de posse do batom e brincos de sua mãe naquela mesma situação: de frente para o espelho. Ousou contornar os lábios com ele, jogando a franja de lado, depois furou as orelhas com uma agulha de costura e permitiu por aquelas delicadas argolas turcas. Agora, cerca de um pouco mais de uma década e meia depois, estava na mesma situação. Sorriu e acariciou os seus peitos, por um momento desejou que eles fossem desenvolvidos, pôs a mão no ventre e sonhou em ser mãe.
***
Malva termina de tocar seu longa cauda e Astolfo bate palmas, encantado com a habilidade da mulher.
– Nisso tenho que reconhecer Joaquina o preservou muito bem! Parece novinho em folha!
Eles então ouvem a sirene da polícia e a vilã esgueira até a janela, descobrindo que foi denunciada.
– Maldita lagarta velha! Como eu podia imaginar que dessa vez ela iria levar sua promessa a sério! Por que eu fui confessar aquilo a ela, por que eu não controlei meu instinto louco para rebaixá-la!
Astolfo a manda parar de se culpar.
– Cala boca mulher! Vamos fugir daqui antes que nos peguem, nem parece que tem cabeça, diaba!
Ela concorda e eles conseguem escapar pela floresta que se inicia no fundo da propriedade, pulando o arame farpado e desaparecendo atrás das colinas.
***
Denise e Laila chegam ao apartamento de Jesus, onde Rogério encontra-se ansiosos por notícias. Afoita, a líder sindicalista pede um copo de água com açúcar, recuperando o fôlego depois daquela noite enérgica. Marília apareceu para ouvir. Jesus quebrou o silêncio.
– E então o que descobriram?
Denise dispara sem olhar para trás.
– Jesus, o seu pai é o verdadeiro assassino do professor George Carvalho e ele fez isso por que descobriu que você não era filho legítimo dele.
Rogério pegou-se de surpresa. Lágrimas escorreram pela face do oncologista.
– Como é?
***
Débora tenta obter mais informações do sanatório em que seu irmão foi internado pelo celular, em um apartamento no primeiro andar de um hotel, quando avista pela janela seus pais saindo do carro e entrando em um restaurante do outro lado da rua.
– Achei vocês, seus ratos imundos!
Ela disfarça usando um casaco enegrecido de couro, botas de cano alto e óculos escuros, escutando ao sentar em uma mesa próxima, atrás de uma pilastra: a parabenização do presidente da Câmara dos Deputados, Otto Santiago, pelo feito heróico que Elvira causara, ao vivo, naquela edição de telejornal.
A jovem sente vontade de vomitar. Seus pais faziam parte de uma máfia.
MAIS TARDE…
Joaquina descobre por um telefonema de Paçoca que Malva havia conseguido fugir e se frusta. Ela então pede ao rapaz para pedir ao delegado que abra o processo de investigação, com a autorização do Juiz Lobão a fim de ter meios de encontrar seu filho.
***
Lucas joga pedaço de seu pão aos pombos que lá se encontram e acha graça quando os vê bicando as migalhas. Precisava passar o tempo naquele lugar até que sua situação fosse resolvida e ele torcia para que fosse o quanto antes. Só não entendera por que até aquele momento nenhum de seus amigos viera visitá-lo. Sua expressão muda, no momento que um enfermeiro se aproxima anunciando que possui visitas. Ele corre feliz para o pátio central e seu semblante muda repentinamente ao perceber que as pessoas que o esperam são ninguém menos que Sam e Robson.
***
Jesus chega, em vagido, a uma delegacia na cidade vizinha, Denise tenta acalmá-lo perante a revelação bombástica que o entregou e logo uma delegada os recebe, Marília prepara para falar quando alguém bate na porta. São dois jovens com remorso de terem compactuado com aquela sujeira de Sam: Hector e Fátima. Marília sente-se insegura com a presença dos dois, mas Fátima revela sua verdadeira intenção com seu depoimento.
– Viemos aqui entregar Sam Van Gogh pelo assassinato de Luana!
A idosa esbugalha os olhos com a notícia, sente um amortecimento no braço e logo começa a ter um ataque fulminante na frente de todos.
***
Sam retira seus óculos de maneira cordial e pede para Robson segurá-los, aproximando lentamente do mocinho.
– E aí, texuga marxista? Gostou do lugar que você veio parar?
Lucas não perde tempo o esmurra sem dó, levando ao chão.
– Texuga é você! Seu monstro!
Robson o afasta jogando-o em um banco próximo, Lucas bate as costas com força e urra de dor. Sam tem auxílio para se levantar e não perde tempo, corre até o banco e estapeia o rival.
– Cretino! Eu não te dei permissão para me agredir! Selvagem!
Lucas tenta revidar, mas Robson o impede segurando seus pulsos. Sam aproxima-se sua face e o encara com desdém.
– Bichinha ultra-românica, comunista de araque, você não é pálio para ninguém, deformada! Saiba que a sua estadia aqui está me causando orgasmo múltiplo e se tudo der certo vai terminar seus dias medíocres aqui. Sabe que toda noite que o Robson me come, a gente comemora sua derrota! Ele sussurra no meu ouvido o quanto você foi um atraso na vida dele, o quanto essa sua desproporcionalidade mameluca só foi usada por compaixão, por dó que ele sentia de não deixá-lo sozinho. Não é mesmo, meu amor?
Robson confirmou.
– Não poderia ser melhor, Sam! Você é feio, Lucas! Nunca vai arrumar ninguém, simplesmente por que não nasceu para ganhar corações, nasceu para perder. Sua genética é podre, nem glúteos você tem, esses olhos castanhos tão rotineiros, você não tem brilho, não tem diferencial, é uma cópia malfeita do mais do mesmo. Confessa vai, na época do colegial você pagou para o Cristiano ficar contigo, não foi?
Lucas não acreditou na insensibilidade e perversidade que faziam parte da personalidade de Robson. Por que o humilhá-lo daquele jeito? Por que fazer sofrer uma pessoa que tanto o amou? Isso era cruel demais, ultrapassava os limites da realidade, era patológico, tóxico. Pensou em falar, mas o sinal tocou, anunciando fim da visita. Sam tripudiou antes de partir, beijando Robson na frente do mocinho.
– Prometa que depois disso vai chorar e chorar muito, por que meu sonho é que se mate um dia! Adeus, bonobo ambulante.
E saiu, riscando o salto alto no concreto. Lucas correu para seu quarto e não conseguiu evitar, por mais que tentasse, chorou desesperado.
Rogério que resolvera fazer uma visita ao avistar os dois saindo os enfrentou, mas Sam não lhe deu trela, zarpou com seu conversível Pink, quase o atropelando. O diretor do hospital em São Paulo tentou visitar o amigo, mas havia chegado atrasado, o horário de visitas terminara.
***
Tereza Spinoza terminava de velejar pelas águas de Doce Recanto, quando seu barco atracou na areia. Recolheu os remos e observou o farol de longe, ele parecia não estar como nos outros dias, havia um tom de melancolia no ar, aquilo a desencadeou uma série de lembranças de quinze anos atrás, no prenuncio naquela noite na semana que antecedera a passeata de milhares, responsável por tomar as bibliotecas e lutar contra o sistema tomando o Manifesto Comunista da Karl Marx como bíblia, como profecia. Arrependeu-se de ter deixado a emoção tomar conta e revelado quando Marcos fora buscar no ponto de prostituição, o que sua amiga Sofia, amante de George havia descoberto.
INÍCIO DO FLASHBACK
Marcos estacionou o carro, deixando-a abrir o decote sobre a janela do carro.
– Hoje você mais gostosa do que nunca. A que devo a honra de tê-la nessa fantasia de mulher-gato?
Ela não consegue esconder.
– Sofia, uma amiga me procurou e contou algo que você não vai gostar nada de saber. É sobre Fernanda!
A expressão do ministro da República logo mudou.
– O que você descobriu? Anda, fala logo, sua prostituta!
Tereza confessou.
– Sua mulher tem um caso com o tal professor marxista George Carvalho e ao que parece Jesus não é seu filho!
Ele nem resolveu opinar, acelerou o carro possesso com a traição e jurando vingança aos dois.
FIM DO FLASHBACK
Perturbada com sua atitude no passado, resolve enfim revelar à amiga o que fizera. Talvez ela não a perdoasse, mas não podia postergar levar aquilo adiante, estava corroendo-a por dentro.
MAIS TARDE…
A campainha da suíte alugada pelos Magro é ressoada, Elvira abre e recebe um tabefe da mão pesada da filha. Pedro se surpreende.
– Débora! Você por aqui? Abandonou o tratamento? Por que fez isso com sua mãe?
A menina arremessa o primeiro objeto que encontra em cima dele.
– Como você tem coragem de me perguntar? Seu desgraçado. Eu vi! Vocês dois conversando com aquele deputado corrupto que planeja um golpe fascista de estado, para usurpar a cadeira de presidência. Como vocês tiveram coragem de internar o filho de vocês, o meu irmão em um sanatório?! Vocês perderam o senso do juízo? Querem reproduzir a lógica do livro o Alienista de Machado de Assis? Impedindo que a lucidez e a coragem do meu irmão acabem com a organização cartelizada que fazem parte! Que raio de amor é esse que sempre disseram ter pela gente?! Vocês são uns impostores, marginais! Deveriam estar presos há muito tempo! Chego até desconfiar de a adoção ter sido intencional com pretexto de neutralizar nossa sede por justiça pela morte de nosso pai! Pelo desejo nosso ínfimo desejo de entregar nosso país, nossas terras a quem realmente merece: os proletários e camponeses.
Elvira gritou desesperada, agarrando-a pelos braços.
– Não duvide de nosso amor, nós nunca demos sequer margem para…
Débora perde a paciência e a joga no sofá.
– Basta nessa hipocrisia, basta! Vocês vão agora tirar meu irmão daquele local, agora!
***
A notícia da tramitação da abertura do impechament viraliza-se pela internet e dezenas de jornalistas aguardam ansiosos por um depoimento de algum deputado sobre a tensão no plenário da câmara. Otto se farta do farfalhar provocado, recebendo apoio de muitos integrantes de seu partido na criação da comissão especial, responsável por avaliar a proposta, até que Francisco aparece no meio da multidão, acompanhado de seus seguranças.
– Você não vai conseguir levar isso adiante, seu tirano barato! Eu segurei suas denúncias na deleção premiada da Lava Jato, pedi apoio ao STF, mas agora eu quero que você morra!
Otto o enfrenta.
– Isso é o que veremos! Eu vou endireitar esse país de uma vez por todas! Pois tenho a coragem necessária que você não tem!
***
Lucas levanta-se do pé da cama e encara seu reflexo no espelho. Pensa por um minuto e decide procurar à transexual. Lígia encontrava-se terminando de pintar um pano na terapia de artes, quando percebeu que um jovem a chamara para conversar. Olhou e consentiu.
– Veio me procurar por causa do meu depoimento de ontem, não foi?
Lucas acenou positivamente a cabeça, mas não conseguiu falar, um enfermeiro veio avisar que o Doutor havia assinado sua alta a pedido de seus pais e que eles estavam o aguardando. O mocinho corre para o pátio e Débora o abraça forte.
– Vou te proteger, maninho, pode ter certeza disso!
Lucas não consegue esconder o asco que está sentindo pelo que Elvira e Pedro foram capazes de fazer. Denise, Laila e Rogério aparecem para visitá-lo e se chocam ao ver a leucêmica fora do hospital. Rogério a repreende.
– Você enlouqueceu Débora? Como chegou aqui? Por que abandou o tratamento?
Elvira palpita.
– Eu falei para ela, Doutor Rogério!
Mas o homem a manda fechar a matraca. Denise se abaixa e pega nas mãos dos dois.
– A notícia que eu tenho para dar não é nada boa. Eu descobri o assassino do pai de vocês!
Débora fita o irmão que pede.
– Pois, por favor, Denise, nos conte logo!
A líder sindicalista anuncia.
– Foi o pai de Jesus: Marcos Van Gogh! E o motivo é que Jesus é meio-irmão de vocês. Ele é filho da Fernanda com o George!
Débora não agüentou a catástrofe e desmaiou no braço do irmão. Lucas olhou para Denise, suas veias ferviam de cólera, seu olhar sangrava de injustiça. Congela.
CONTINUA…