obra escrita por
YAGO TADEU

a

ALTERAÇÕES NO PULSO

A

Mesmo no que frio
O que já era muito triste
Se torne muito maior
Pois toda tristeza que existe
No frio bate pior.

— Você não pode morrer, você não pode me deixar. – a mulher loira abaixou-se no asfalto enquanto a madrugada corria – Você não pode me deixar. – ela repetiu acariciando o rosto do filho que tentava falar após ter sido atropelado. As gotas de sangue eram até poucas diante de tanta dor.

— Eu já chamei a ambulância, estão vindo. Aguenta filho, você pode suportar! Você é o garoto mais forte que eu conheço – Dérick se agachou na pista tocando a mão do filho com o peito e o estômago queimando. Ele lembrou-se do nascimento dele, lembrou-se de um dos mais emocionantes momentos de sua vida.

— O pulso dele Dérick, o pulso dele está… – as lágrimas de Priscila caíram sobre o rosto macio e pálido do garoto louro.

— Mateus? Mateus! Mateus!- o pai gritava abraçando o filho no asfalto cinza e triste.

— Faça alguma coisa, Deus… Você tem que fazer alguma coisa. – ela implorou quando os lábios foram cortados pelas lágrimas. A boca se fechou, os dedos foram perdendo a força, as pálpebras cederam e ele apagou como uma luz que vai perdendo força. Uma luz que trouxe muita alegria a seus pais, mais que isso, os sustentou até aquele momento e os deixaria á partir daquela perda em uma escuridão até então desconhecida e sem fuga.

Nada se leva da vida, nada se sabe da morte, o que se sabe é que pra despedir-se não necessita ter sorte.

Zellwéger, 9 de junho de 2015.

O homem alto de cabelos castanhos jogou a chave em cima da mesa, da mesma forma que sentia vontade de arremessar sem receios sua desgastada relação. Estava cansado, mais que isso, estava exausto. Estava acima do seu limite e percebia que a bela mulher loira á sua frente também estava. Arrancou a gravata sem cuidado algum jogando-a como as chaves em cima da mesa.

— Acho que chegou o fim. – afirmou Dérick enquanto a mulher sentava em uma cadeira demonstrando desgate físico e emocional.

— Há muito tempo o fim chegou Dérick. – a esposa secou as serenas lágrimas das brancas bochechas – Nós apenas não queremos assumir. – era mais uma de suas discussões insípidas, secas e frias.

— Nós podemos tentar novamente. – sugeriu mais calmo, ainda queria insistir. Seu olhar de teimoso não mudava por pior que estivesse a relação.

— Novamente Dérick?- indagou com o rosto inteiro – Mais uma vez?- estava exausta de tentativas. Eram tiros no escuro, que no futuro pesariam mais uma vez em suas escolhas.

— O que levou ao nosso fim… Foi o ciúmes, o nosso ciúmes. – mentiu pra si mesmo. Dérick fingia que era cego. Fingia que não enxergava os próprios defeitos.

— O seu ciúmes Dérick.- afirmou Priscila direta – Mas não só isso, você sabe… Nós sempre fomos de mundos diferentes.

— Não me venha novamente com essa história Priscila. — pediu o marido balançando as mãos. Essa ladainha dela sempre o irritou.

— Não estou falando somente do passado, falo de agora também. – reafirmou.

— Vai voltar a falar que você é a faxineira e eu sou o super advogado?- pôs a mão na própria garganta respirando como se engolisse algo.

— Essa é a realidade Dérick. – convencida disse. Priscila não queria fugir da verdade. A verdade sempre fora essa e precisava ser dita.

— Não Priscila, nós fomos felizes e você sabe disso.- disse a fazendo recordar. Andou até a geladeira – Nós tivemos dois filhos, o nosso falecido Mateus e o nosso Ítalo. – ele pegou o porta-retrato do balcão de grãos e cereais – Vê? Este somos nós… Uma família. Mãe, pai e filhos… Uma família. O que há de imperfeito nisso? – uma lágrima umideceu a teimosia no seu olhar – E estaríamos ainda mais felizes se ele estivesse aqui conosco e ele nos quer feliz. Ele nos quer juntos. – gesticulou com as mãos.

— Não somos felizes. – cuspiu isso o encarando, essa atitude de confrontá-lo diretamente o irritava – Você tenta me deixar emotiva tocando no nome de Mateus, isso me deixa arrasada porque pra mim ele é sagrado. O nome dele é sagrado nessa casa ou em qualquer lugar…

— Não Priscila!- indignou-se quando ela estendeu o braço tomando o porta-retrato de sua mão – Eu toco nisso pra você enxergar que apesar dos nossos conflitos, nós construímos algo juntos. Algo grande e muito especial.

Priscila abraçou o porta-retrato. O único porta-retrato de toda a casa que exibia uma foto de Mateus. O resto guardara numa caixa, que proibira á todos de abrir.

— Nós construímos muitas coisas juntos. – suas lágrimas escorreram até os lábios quando a confissão lhe fez lembrar do filho. A ausência dele era um eterno martírio.

Ítalo fechou a porta do quarto e decidiu não escutar mais a discussão dos pais. Agachou-se á beira da cama próximo dos carrinhos e soldados. Colocou o fone de ouvido em um volume bom o suficiente para não escutar mais uma discussão dos pais. Não importava se era suave ou agressiva a melodia. Não importava se as lágrimas sufocavam o que ele sentia. Seu irmão o pediu para ser forte quando houvesse tempestade e ele seria.

— Acabou. – disse Dérick deitando e se esticando no piso de madeira da cozinha.

— Acabou? – questionou Priscila quase impressionada – Então, você enxerga que acabou?

— Acabou a nossa relação. – encostou as costas na pia – Mas não o nosso amor.

— Você tem certeza?- questionou colocando o porta-retrato deitado sobre a mesa.

— Eu aceito sua proposta Priscila. – dispensou uma resposta a surpreendendo – Vamos fazer essa viagem.

— É uma vila afastada, em meio á uma floresta mas as imagens no site são lindas. A dona da casa precisa de uma empregada que a ajude e permite que leve duas pessoas. É uma boa prosposta de férias pra você.

— Para apenas quinze dias?- questionou o marido. Era muito estranha essa proposta de emprego.

— Na verdade até um mês. É como um teste, ela deixa a empregada cumprir esses dias e se tudo der certo ela continua, mas ela não sabe e não precisa saber que vamos praticamente á passeio.

— Mas você terá que ajudá-la. – estranhou ele.

— Ela tem dois filhos, mas não será um sacrifício. – ela desejava, implorava por ares novos – E se for um pequeno sacrifício será em função do lazer e de um descanso que nós três estamos precisando.

— Você não prefere mesmo uma pousada?Q ualquer pousada.

— Não. – respondeu com certeza – Preciso de um lugar natural,de vida natural e simples e acho que nós três estamos precisando disso.

Ao se levantar Dérick se aproximou da esposa e tocou sua mão de leve. Do jeito meigo que sempre fazia quando pedia apoio a esposa. Do mesmo modo que suplicava por amor, por esperança e por felicidade, que há muito tempo se esvaiu de sua vida.

— Nós arrumamos as malas, levamos o necessário e uma boa quantia de dinheiro, eu cancelo os compromissos que restam e aviso que estou saindo de férias.

— Você está disposto mesmo á fazer isso?- Priscila ainda não acreditava.

Dérick se encaminhava para a porta quando parou. Seus olhos castanhos encontram os negros da mulher, do motivo de sua vivencia. Ele queria soltar uma lágrima, sabia que soltaria. Mas reuniu todas suas forças para não o fazer.

— Estou. – confirmou os olhos cansados e tristes dele – É justo dar um tempo pra nós dois, um tempo pra nossa relação. – ele segurou a maçaneta temendo estar muito próximo da separação.

— E pro nosso amor. – completou ela e ele respondeu com uma singela afirmação.

A porta do quarto foi aberta. Ítalo tirou os fones de ouvido quando a mãe vinha em sua direção.

— Vocês vão se separar?- questionou com os olhos avermelhados. Era alguém cansado por tanto chorar uma vida infeliz.

A mãe sentou-se na cama e acariciou seus lisos cabelos negros.

— Você não estava chorando, estava?- indagou limpando o rosto do filho. Odiava vê-lo chorar.

— Não, não estava chorando.- tentou disfarçar sem sucesso –Vocês vão separar?

— Não, Ítalo. Nós vamos fazer uma viagem, nós três. – contou a mãe.

— Nós três juntos? – se impressionou abrindo um sorriso automático – É sério?

— Não está acreditando?- riu ela contente ao vê-lo sorrir – Nós vamos passar uma divertida férias numa doce vila, onde você fará novos amigos e conhecerá novos lugares.

Ítalo demonstrou alegria sem acreditar que ele, o pai e a mãe fariam uma viagem juntos mesmo que no início de seu período de férias. Já que há muito tempo não faziam isso.

Ela não sabia se apreciava mais o rosto pasmo do filho com um sorriso que se formava em câmera lenta, ou ver novamente a felicidade irradiando daquela criança.

— Vamos comprar seus doces, seus bombons de licor, as carmélias que você adora cheirar, os gibis pra você se distrair e quero que não se preocupe mais, tudo vai se resolver e deixe pra nós tomarmos conta disso. – pediu Priscila olhando nos olhos do filho – Não sofra.

Ítalo estava sentindo uma sensação tão boa e anestesiante, que não soube demonstrar alguma cara. Apenas lembrou de uma coisa.

—Você esqueceu do Amanhã. – ele não esqueceria de seu carente companheiro.

— Amanhã?

— É. Vamos levá-lo também?- perguntou ansiando pela afirmação.

— Ah… O cachorro pulguento. – recordou Priscila – Não Ítalo, não podemos levar o Amanhã.

— Ah, Por favor. – pediu o menino com as mãos juntas. A mãe sorriu para o filho e respirou fundo.

Dérick dispensou todos os casos que eram propostos. Informou á sua mãe Maristela que residia no sul e sua irmã Érika que morava em Montenegro, o real motivo da viagem. Priscila despediu-se discretamente das patroas de casas de família, apenas por telefone. Ítalo arrumou as malas lotando-as de roupas e bugigangas. Dérick deixou uma simples mensagem nas redes sociais informando á todos que entrava de férias inclusive á seus mais distantes familiares e amigos. Dérick pediu á um amigo que cuidasse de sua casa por uns dias. Priscila foi ao centro da fria cidade de Zellwéger e comprou roupas de verão esperando que fosse quente o clima do lugar que logo estaria. Dérick relutou, mas percebeu que aquela viagem poderia ser uma boa solução. Priscila ansiosa escolhia a roupa que vestiria quando viajassem, sorriu ao notar que ao contrário dela o filho não largava os cachecóis se olhando no espelho. Ele estava muito empolgado.

Priscila fechou o porta-malas após as malas serem organizadas nele. Dérick abriu o portão de ferro e se despediu do amigo que parecia feliz em tomar conta daquela espaçosa casa.

— Muito cuidado Dionísio. – pediu entregando-lhe as chaves da casa. O velho amigo o tranquilizou.

— Fique tranquilo. – respondeu o gordo com um sorriso sereno acompanhado de uma lata de cerveja barata – Ainda está em tempo de desisitir, não quer voltar á sua suave rotina?- relembrou os estresses de Dérick.

— Não por enquanto, quem sabe minha suave rotina não estava me sufocando. – Dérick fitou a casa pela última vez e entrou no carro – Traga a Ellen pra passar umas noites com você.

— Não, deixe eu curtir a casa sem chateações. – gesticulou e Priscila sorriu ao lado do marido – Boa viagem á vocês.

— Tchau Dionísio, cuide bem da minha casa. – brincou Priscila quando o carro partia. Dérick acenou para o amigo e Ítalo se despediu pela janela. Uma nova trilha traçava-se em sombras.

— Tchau Dionísio!- Ítalo deu adeus pela janela e a ventania sacudia seus cabelos lisos e negros.

— Tchau mini-homem!- Dionísio sempre ironizava o modo adulto de Ítalo ser.

O Astra negro virou alguns quarteirões de Zellwéger até chegar ao centro da cidade. A neblina mediana e as folhas secas no pára-brisa indicavam o outono do lugar. Casacos e cachecóis cobriam as crianças nos parques, os passageiros dos ônibus e os idosos nas praças.

— Tudo bem aí atrás? – perguntou o pai ao filho que acariciava o cachorro.

— Tudo pai. – respondeu Ítalo alimentando Amanhã com biscoitos pet. O poodle lambia sua mão.

Priscila decidiu ligar o rádio e quebrar o marasmo quando o carro entrou na estrada.

— Mais animação gente. – pediu aumentando o som que tocava um antigo rock – Não fomos despejados, estamos entrando de férias.- Ítalo sorriu no mesmo momento – Pelo menos vocês estão entrando de férias.

— Não quer que eu cante Priscila?- brincou Dérick ajudando a quebrar o tédio.

— Ah não Pai, por favor. – reclamou Ítalo quando Amanhã latiu – Nem o Amanhã quer que você cante.

— Por favor mesmo querido. – Priscila diferiu o adjetivo querido automáticamente depois de semanas.

Dérick tomou liberdade enquanto dirigia o carro na serena e fria estrada. Beijou Priscila, um selinho rápido que quebrou duas semanas de barreiras entre os dois. Os olhares ainda tentavam se desligar. O garoto sorriu para o cachorro contente com aquilo. O afastar dos rostos desmanchou lentamente o sorriso do garoto no banco de trás. Os lábios de Ítalo alarmaram:

— Pai não! – o garoto viu o carro se aproximar do vulto negro.

— Dérick! – gritou Priscila por impulso.

Dérick pisou no freio e o arranhar da estrada não impediu o carro de encostar no vulto e derrubá-lo. Priscila colocou as duas mãos na boca ao notar o homem caído no chão.

— Meu Deus… Você o matou?- indagou Priscila assustada. Dérick não a ouviu. Abriu a porta do Astra e correu imediatamente para o encontro do corpo. Começava a garoar um pouco, ele se agachou com os olhos nervosos e preocupados com a possibilidade do pior.

— Senhor, está bem?- perguntou tentando obter resposta. Priscila desceu do carro. Pediu para Ítalo não descer do veículo e ele a desobedeceu. Ela notou a barba inteiramente negra, suja e longa do homem estirado de bruços, já era um idoso. A estrada era um beco silencioso.

— Senhor, está tudo bem?- repetiu quando segurou o pulso do homem.

— Calma Amanhã. – Ítalo tentou controlar o cachorro em seus braços.

Os olhos de Dérick se eletrizaram. Sentiu a garoa pesar como tempestade.

— Ele está morto. – contou para o choque geral. A estrada tornou-se um beco aflito.

— Não… – assustou-se Priscila se agachando ao lado do marido –Está morto?! Ele está morto. O que vamos fazer agora?

— Não sei.- apavorou-se Dérick levantando-se e colocando as mãos na cabeça. Ítalo correu até a mãe e segurou sua mão com força ao passar pelo corpo. Os olhos de Dérick ficaram pequenos.

— Priscila, você enxerga a luz? – referiu-se ao veículo que se aproximava frontalmente ao seu carro.

— Tem um veículo vindo.- observou Priscila quando a garoa começava a se transformar em chuva. Os três aguardavam o veículo passar para pedir ajuda. Sem que pudessem perceber, o homem gordo e grande se ergueu por trás dos três. Seus olhos estavam bem abertos. Ele se agachou para pegar o chapéu que caíra ao seu lado e Ítalo se voltou para ele percebendo que levantara.

— Mãe!- gritou Ítalo escorregando na úmida pista e caindo sentado no chão. O homem o encarou e o cachorro que Ítalo segurava escapou de seus braços fugindo para a outra a faixa.

— Ítalo!- a mãe virou-se para o filho e avistou o homem. Dérick se impactou ao deparar-se com o homem de pé esquecendo-se do filho que ameaçava correr atrás do cachorro.

— Ítalo não!- Priscila o segurou quando a luz do automóvel se aproximava.

— Amanhã!- Ítalo chamou o cão. A caminhonete passava na outra via da pista. Ele ouviu os latidos desesperados e o gemer do cachorro. Depois da veloz passagem da caminhonete não o viu mais. A estrada molhada apenas marcou-se com gotas de sangue e mais nada.

— Amanhã! – desesperou-se agarrado á mãe. Seu recente companheiro sumira entre a neblina da estrada.

— Calma Ítalo. – adulou ela – Podemos o encontrar depois.

— Desculpe. – disse o velho alto e gordo ajustando o cinto com força – Não tive a intenção de machucar você ou seu cachorro. – ele olhou para Ítalo e Dérick permanecia atento e incrédulo – Estou bem.- declarou o homem quando Dérick insistiu:

— O senhor está bem mesmo? Não parecia estar. O senhor caminhava no meio da estrada?

— Vocês estão indo á SweetVillage?- perguntou ignorando as questões – Ou á algum outro lugar?

— Estamos sim, vamos á SweetVillage. – revelou Dérick.

O homem olhou para as nuvens de um modo estranho e voltou a encarar a família.

— Vocês já estão em SweetVillage. – revelou as pupilas estranhas – Precisam apenas chegar ás residências. Eu estava á caminho de lá, vocês podem me dar uma carona?

Dérick achou estranho e lançou um rápido olhar pra Priscila demorando para responder.

— Claro, pode ir conosco. – molhou os lábios se aproximando do veículo.

— O senhor está mesmo bem? – perguntou Priscila segurando forte a mão de Ítalo.

— Já disse que estou. – respondeu num só tom após fitar o corpo inteiro de Priscila. Sem mais palavras o velho gordo abriu a porta do Astra e sentou espontâneamente ao lado do motorista.

Priscila lançou um olhar para Dérick como quem pede pra que ele releve o acontecimento.

— Então,vamos embora.- a mãe passou a mão por trás do ombro do filho – Estamos perto de chegar Ítalo.

— É,vamos logo embora.- concordou Dérick entrando no carro ainda um pouco apreensivo.

— Meu nome é Stephen. – contou o velho olhando sempre para fora – Sou um morador de SweetVillage faz quarenta anos. – revelou ele. Dérick seguia tenso no volante após quase matar alguém.

— Eu, minha mulher e meu filho vamos passar alguns dias lá, minha mulher irá ajudá-la como empregada, sabe… É uma mulher de meia-idade e loira segundo a foto do site, não sei se…

— Conheço sim. – interrompeu o velho – Ela tem dois filhos.

— Sim, acho que é essa mesmo. – confirmou Dérick. O boneco palhaço balançava sobre o pára-brisas.

— Desculpe Ítalo, mas seu cachorro não deve estar vivo. – disse a mãe conversando baixo com o filho no banco de trás. O garoto pestanejou desconsolado:

— Eu quero embora… – sussurrou Ítalo – Eu não quero mais ir pra esse lugar.

— Ítalo, tenha paciência… Você vai gostar, tenho certeza.

— Eu quero o Amanhã . – continuou sussurrando.

— Eu não posso fazer nada filho. – falou Priscila por mais que quisesse fazer algo.

— A caminhonete dos caçadores vizinhos da nossa vila passou raspando em seu cão. – se intrometeu o velho com o braço apoiado na janela aberta — Pode estar se rastejando por aí, mas morrerá e caso volte á estrada será esmagado.

— Quando voltarmos á Zellwéger compramos um animal pra você Ítalo. – prometeu o pai ao volante.

Ítalo abaixou a cabeça e a mãe acariciou seus cabelos quando o velho começou a assoviar, e de modo tão irritante que ofuscava a suave música tocando no rádio do carro. O boneco tremia quando Dérick freou repentinamente ao avistar um grande lago á sua frente. O vapor nebuloso subia das águas.

— Mas o que é isso?- questionou Dérick ao velho. Fim da estrada?

— Um lago. – respondeu naturalmente – Todos nós com automóveis deixamos no estacionamento entre as árvores na estrada ao lado, pois a volta que damos de carro é muito mais longa e demorada que a passagem de barco.

— Passagem de barco?- questionou Dérick – É segura?

— Há um barqueiro para isso, é um grande e seguro barco. – o velho tinha preguiça de falar.

Dérick dirigiu para a estrada ao lado buscando o estacionamento descrito pelo velho. Observou os carros antigos lado a lado, carros muito antigos, notou Dérick preferindo não questionar mais o velho.

— Vamos descer. – Dérick os chamou retirando a chave e abrindo a porta. Ele já começava a se arrepender daquela viagem. Isso parece uma furada, que profundezas são essas? Gozou em pensamento.

O velho desceu com dificuldades do carro pelo seu elevado peso. Ítalo desceu com a mãe, já mais recuperado do sumiço de seu cachorro que completaria cinco meses com ele no próximo mês. Priscila segurou e apertou o colar abre e fecha com a foto do falecido filho, observou as árvores altas e a mata em volta. Dérick pegou apenas uma mala optando por buscar o resto depois, tomou a frente e eles caminharam por uma trilha de terra em meio ás altas árvores até retornar á beira do lago.

— Cuidado Dérick. – aconselhou Priscila notando a pressa com que o marido caminhava. Ele não está nada tranquilo.

Dérick apenas balançou a cabeça positivamente, não estava com uma expressão agradável. Tudo começava a incomodar. Tirou os óculos escuros do bolso da jaqueta luminosa de couro e os colocou. Os raios solares começavam á atingi-los.

— No mapa não havia nenhum lago, muito menos um lago desse tamanho. – falou Dérick tentando puxar assunto novamente.

— Seu mapa deve estar muito desatualizado. – o velho retrucou caminhando logo atrás dele.

Eles chegaram até o grande lago. Não havia margens. Como um morro alto ou uma cratera a água não tocava o fim da estrada.

— Passagem!- gritou bem alto o velho rompendo o silêncio de admiração dos turistas.

Haviam belas e formosas flores rosas no pé do morro e por todo o caminho do lago.

— Passagem!- sua voz ecoou mais uma vez quando o barqueiro se aproximou com um grande remo na mão. Suas brancas mãos, remaram com eficiência e o esculpido e formoso barco parou abaixo da altura onde findava a estrada. Era um exagerado barco para um lago, por maior que o lago fosse.

Porque um barco tão esculpido? Lembra-me filmes medievais. Pensou Priscila intrigada enquanto Ítalo questionava á tudo naquele momento agarrado á sua mão. Flores tão vivas no outono? Analisou Dérick Será que não há estações em SweetVillage?

Ítalo soltou a mão da mãe e sem que ela percebesse ia se encaminhando á floresta enquanto ela observava a conversa do velho e Dérick próximos do lago. Ítalo passou por trás da mãe e foi para o lado do velho avistando algo se mexer nas águas. Amanhã? Agachou-se para olhar o que era mas não conseguia enxergar o que se mexia dentro da água. O grito de desespero de Ítalo interrompeu o diálogo entre os homens ,o velho o segurou pela blusa e pelo cachecol preto o salvando de cair na água.

— Não está querendo ir embora tão cedo garoto?- questionou. Ítalo se soltou dos braços dele.

— Ítalo, fique com sua mãe. – ordenou Dérick interrompendo a discussão com o barqueiro.

— Ítalo, não solte mais a minha mão. – mandou a mãe o buscando pelo braço – Você quase caiu no lago.

— Cuide melhor do seu filho. – o velho repreendeu lançando um olhar incomodado.

— Desculpe. – respondeu séria enquanto ajeitava o cachecol do filho. Quem era aquele velho pra dizer como ela cuidaria do próprio filho?

O barqueiro juntou as tralhas de pesca no canto do barco buscando espaço.

— Cabe todos nós aí?- Priscila se esticou como se a profundidade do barco fosse tanta.

— SweetVillage inteira pode caber aqui dentro, basta querer. — respondeu o barqueiro de estranha voz.

Priscila tentou sorrir um pouco sem graça quando o velho se preparava pra embarcar.

— Então… Vão partir ou vão ficar?- indagou o barqueiro. O sol brilhava em seus olhos amarelos.

Ítalo olhou para a expressão natural da mãe e tentou imaginar o que pensava, desde o sumiço de seu cachorro ele só desejava ir embora. Dérick olhou para a esposa dominado pela sua intuição de querer voltar. Priscila deu um fraco sorriso deixando nas mãos do marido. Ele se desligou do olhar da esposa, voltou a fitar o barqueiro e os raios solares sobre a névoa do lago envidraçaram os três olhares indecisos.

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