obra escrita por
YAGO TADEU
*
DÉRICK OU TED?
Eu prometo que vou te odiar…
Quando ás vezes me incendeio
Pois prazer que tenho em lhe beijar
É o mesmo motivo pelo qual o odeio.
*
Priscila caiu batendo o lado direito do rosto no chão. As bochechas doloridas inchavam. Dérick batia o pé no chão, descontrolado, enfurecido, chorando de ódio, chorando de fúria, chorando por ter sido enganado como uma criança. Tanto amou Priscila tanto foi um otário. Tanto amou o filho. Pobre Mateus. Um filho que não era seu. Priscila o traíra com o cunhado. Descobriu naquele lugar, que convivia como uma mulher de mil máscaras. Inescrupulosa, impiedosa e eu era o frio? E eu era o gélido vivo? Não, Priscila não, não mais. Nunca mais. Se houvesse vida ainda para nós, eu nunca mais olharia em seu rosto maquiado com lama. Algo que aprendi nesse lugar, é que a morte é um mero castigo. A morte seria uma diversão para você. Você merece um verdadeiro inferno em vida.
Dérick se agachou no chão do quarto colocando as duas mãos na cabeça. Agora sua fúria transformou-se numa explosão emocional, destroços de sentimentos pulsavam nas veias e despedaçavam em sua mente. Com o nariz sangrando ela se arrastou pelo chão do quarto,as lágrimas desciam como brasa até os lábios. Priscila tinha as costas fraturada, mas sabia que ainda podia se erguer. Ela tocou no pé de Dérick.
— Dérick, Dérick.- ele jogou o braço da esposa para longe e se levantou. Priscila não conseguia se erguer ainda. Dérick tirou da cintura o mini revólver que achara jogado na sala e encostou o cano na própria cabeça. Olhou para o teto e viu a imagem de seu filho refletida. O mundo parou.
— Dérick não faça isso!- Priscila se arrastou puxando a perna que latejava. Ele não poderia tirar sua própria vida – Não Dérick me ouça! Não Dérick! Pelo Ítalo, não!- Priscila engatinhou no piso até abraçar sua perna – Pelo seu filho, não faça isso.- Dérick fechou os olhos. As pálpebras tremiam. Iria apertar o gatilho, quando a porta da sala se abriu. Ouviu a batida da porta e abriu os olhos guardando o mini revólver na cintura. Priscila olhou para sua expressão pretensiosa. Dérick se soltou da sua mão. Ela tentava á todo custo segurá-lo.
— Dérick, o que você vai fazer? Dérick cuidado.- ainda conseguiu dizer, estirada no chão do quarto. A bochecha atingida inchada.
Ele não a ouviu, jamais a escutaria no estado em que se encontrava.
Ted deu dois passos chegando ao tapete. Olhou para o corredor ainda imundo de sangue e segurou mais firme a espingarda. Havia uma serenidade de fundo, mas Ted não estava nada sereno depois dos últimos acontecimentos. Na cozinha não havia ninguém, talvez estivesse vazia. Como fugiria daquele lugar? A chance de morrer era grande, ele percebera que a espingarda em mãos não valia nada contra os moradores daquele lugar. Tudo que antes descobri era mesmo verdade, estão todos mortos. Todos!
Ted deu o primeiro passo no corredor, o sangue grudava na sola do sapato. Passava pelo quarto de Lisbela quando algo voou em cima dele. A espingarda caiu longe, Ted mal reagiu e ele já estava em cima dele. O homem o dominava.
— Quer dizer que você traiu minha irmã debaixo dos olhos dela com Priscila?!- Dérick berrou e Ted arregalou os olhos percebendo seu descontrole.
— Eu não sei o que Priscila inventou.- tentou escapar – Mas sua mãe e sua irmã estão mortas Dérick.
O primeiro soco quase quebrou o nariz de Ted, imediatamente o sangue escorreu de seus lábios cortados.
— E agora você sabe do que estou falando?!- Dérick estava mais que enfurecido, estava fora de si – Você é o verdadeiro canalha, pra você e pra Priscila a morte é muito pouco.- Ted ouvia aquilo o encarando com indiferença enquanto Dérick já tinha as duas mãos coladas em seu pescoço.
— Você foi por uns trinta dias, um corno dos maiores.- Ted confessou ousando sorrir – Priscila me amou muito mais, nosso amor foi um amor de verdade. Por você foi uma paixão fria.- provocou.
— Tanto que ela acaba de denominar o seu grande amor de um grande erro com um grande canalha.- Dérick sorriu diante dos seus olhos irônicos – Canalha!- Dérick deu mais um soco no rosto dele – Falso parasita! Minha mãe te tirou da miséria.- Ted ousou rir mais uma vez. Riu alto.
— Sua mãe era uma víbora, o espírito dela vai merecer ficar preso em SweetVillage.- seus dentes imundos de sangue.
Como ele sabe? Como ele sabe que os espíritos que morrem aqui ficam presos aqui? Dérick distraiu-se por alguns segundos concentrado nos repugnantes olhos dele, quando Ted socou seu rosto. Ele virou a cabeça e deu tempo de Ted empurrá-lo contra a parede. Ted se arrastou de costas procurando a espingarda. Olhou para trás e levantou ao vê-la no tapete.
— Desgraçado.- Dérick voou em suas costas. Ted o puxou pelo braço arremessando-o até a cozinha. Dérick caiu e no mesmo instante tirou o mini revólver do bolso antes que o inimigo pegasse a espingarda – Filho da puta!- Dérick atirou e a bala rajou em seu pé. Ted gritou caindo de costas no chão sem êxito ao tentar pegar a espingarda.
— Canalha, crápula, e patife. – Dérick o arrastou puxando sua perna com o mini revólver preso á cintura. Agora Ted agonizava deitado no chão da cozinha – Sabe de uma coisa, você merecer morrer e ficar com esses malditos .- Dérick tirou o revólver da cintura e o mirou para testa de Ted – Você vai morrer!
— Você não tem coragem…- Ted desafiava com os lábios cortados.
— Eu vou te matar!- tremia Dérick.
— Vo-cê não tem co-ra-gem!- Ted abriu as pernas batendo-as nas pernas de Dérick que caiu para trás. O revólver voou pela janela da cozinha e Ted foi em busca da espingarda. Dérick levantou rápido e grudou em suas pernas o derrubando de boca no tapete. Sua gengiva sangrou e ele gemeu. Dérick o chutou com força, o sapato social voou saindo de seu pé.
— Agora eu não vou te perdoar, peço que Deus me perdoe um dia por isso. Você merece morrer por ter sido todos esses anos tão falso e cínico.- Dérick pegou a espingarda, mirou o cano para ele – Você vai morrer Ted! Você vai morrer.- os olhos de Ted pulsavam, mas no fundo não acreditava que ele fosse atirar.
…
Senhor Edgar caminhava após ter a casa devastada, incendiada e transformada em destroços. Seus poemas e textos em cinzas. Seu amor já não lhe procurava. Edgar estava perdido, em meio á tristeza de estar preso naquele lugar. Deu a volta em algumas árvores, dominado pela sensação de vazio extremo. Avistou quatro pessoas nas margens do lago de Reis. Escondeu-se atrás de uma árvore mais próxima do lago. Olhou um a um conversando na beira do lago e logo reconheceu cada um.
— São eles…- assustado disse para si mesmo. Era a sua família – O que minha família está fazendo aqui? Vieram passear nesse inferno?! Eles tem que ir embora.- Edgar reconheceu a mãe, o pai, um primo e sua irmã Alessandra, irmã que amava tanto – Minha irmã.- por sorte os outros entraram na mata e a moça branca de cabelos lisos e claros tirava as sandálias para molhar os pés no lago. Arriscaria se aproximar da irmã? Era uma chance única.
Sentiu as águas geladas arrepiarem dos pés até os braços. Molharia seu rosto, mas desistiu. A moça loira e branca sentiu as duas mãos tão geladas quanto a água tocarem seus braços. Virou e teve uma grande surpresa.
— Alessandra.- ele se emocionou ao revê-la – Não se assuste! Não se assuste! Por favor!- esticou a mão para tocá-la a assombrando.
A irmã ameaçou correr completamente assombrada. Seus batimentos cardíacos explodiam e ela fugiu para encontro de sua família na mata.
— Alessandra! Eu não vou te machucar, eu te amo!- ele não conseguiu impedir sua fuga – Eu te amo.- Senhor Edgar ajoelhou-se na terra arrasado, mas estava feliz por revê-la bem. Iria atrás dela, mas se já tivesse saído de lá seria melhor. Era um grande risco pra qualquer pessoa estar nesse lugar – Como eu te amo Alessandra. – a saudade bateu com força ao reencontrá-la depois de tanto tempo. No fundo o suave som do canto dos pássaros marcava o conturbado reencontro. Conturbado como foi a relação entre os irmãos.
— Um, dois, três. Três, dois, um. Tudo sobre dois. Três um três, sobre três e a raiz depois.- Ítalo cantava olhando para o teto de seu quarto. Brinquedos, pacotes de bolachas e salgadinhos, um amontoado de bagunças que Dionísio não conseguia dar conta. Ítalo levantou da cama e notou que Dionísio já dormia deitado num colchão ao lado de sua cama. Dionísio passava mais uma noite na casa do garoto, que tivera na noite passada um repentino ataque de medo em sua casa. Dionísio deixara a esposa sozinha por ele. Prometeu á Dérick isso. Ele abriu a porta da casa e foi até o jardim no quintal. Vestido com um pijama azul listrado de branco ele balançava as chaves em mãos. Eu vou dirigir até SweetVillage, eu vou buscar meu pai e minha mãe. Olhou para chave com o olhar iludido, e deu mais três passos á caminho do veículo. O vento soprava aumentando sua sensação de medo no auge do crepúsculo.
— Ítalo?- Dionísio abriu a porta da casa. Ítalo lamentou virando-se para Dionísio – O que está fazendo Ítalo?- Dionísio aproximou-se desconfiado. Encolheu-se vestindo a camiseta regata e o samba-canção.
— Eu vou dirigir até SweetVillage. Eu vou buscar meus pais.- Ítalo disse para o seu espanto. O garoto queria revê-los de qualquer modo.
— Ítalo? Você é o menino adulto, o menino cabeça… lembra?- Dionísio tocou em seu ombro como um pai de primeira viagem.
— Eu vou buscar eles, eu preciso deles.- Ítalo respirou fundo e abraçou Dionísio com tudo – Eu não posso ficar sem eles, eu já perdi meu irmão.- Dionísio sentiu seu medo. Sentiu a dor de sua perda. Limpou as lágrimas do garoto.
— Nós não vamos esperar muito tempo.- Dionísio se lembrou do sumiço do policial Jonhásson. Não havia notícias dele – Vamos nós dois voltar aquele lugar. Eu prometo, não importa se arriscarei minha vida, você quer voltar lá?
— Quero. Eu não suporto mais essa tortura.- os olhos de Ítalo ficaram mais aliviados. Seu rosto já era anêmico, a ansiedade lhe gerava palidez.
— Nós vamos pra lá então.- Dionísio esfregou o rosto ainda sonolento – Vamos jantar, depois voltaremos á SweetVillage e acionaremos a polícia no meio do caminho.- Dionísio estendeu a mão para o garoto – Seja o que Deus quiser, Ítalo.- o inseto de asas negras os rodeou.
— Seja o que Deus quiser.- Ítalo repetiu apertando a mão dele quando uma borboleta grande e negra pairou sobre eles, pousando sobre o carinhoso aperto de mão.
…
Balançava como criança. Anne assistia ela e Andy balançar no rangente balanço enferrujado. Lisbela e seus filhos se divertiam.
— Balance Anne. Me balance com força, eu vou superar a mamãe.- com força a garota de cabelos negros empurrou o irmão, emburrada por não permitirem que se balançassem mais. O balanço rangia e urubus sobrevoavam o parque debaixo do cobertor estrelado.
— Eu vou mais alto mocinho.- Lisbela pegou impulso e superou o filho. Estava muito contente.
— Agora deixa eu ir, deixa eu ir.- Anne insistiu. Lisbela parou o balanço e saiu cedendo á filha.
— Balancem uma última vez. Precisamos voltar para casa.- ela deu um sorriso satisfeito e os filhos a obedeceram. Brincaram o bastante.
Andy corria com Anne na volta á casa, quando Andy parou no caminho e Anne olhou para o irmão desconfiada. O celeiro sereno.
— Mãe, posso te fazer uma pergunta?- Andy disse com a curiosidade viva no olhar.
— Pode mocinho.- Lisbela permitiu enquanto caminhavam pela trilha.
— Porque não vamos embora desse lugar? Porque nunca saímos?- Lisbela calou-se com essa pergunta – Porque somos mortos?- ele indagou e Anne andou mais devagar ouvindo mais á frente deles.
— Não vamos embora desse lugar nunca, ignore os comentários que ouve pela vila Andy. Esses malditos não tem a noção do mal que fizeram, eles não sabem o que falam, eles nunca souberam… nós nunca vamos sair de SweetVillage. Simplesmente porque aqui é o melhor lugar do mundo.
Andy abaixou a cabeça de cabelos ralos e castanhos caminhando confuso com seu olhar intrigado sobre a relva. Ambas crianças não entendiam porque deveriam permanecer para sempre sem conhecer os lugares que haviam fora de SweetVillage.
…
O orifício negro do cano da espingarda parecia levar á outro mundo. Ted encarava a espingarda esperando á qualquer momento a explosão do tiro, o encontro com a morte. Dérick acariciou o gatilho, preparado para apertar, ele analisou bem, seria a melhor das vinganças. Você será mais um Village, patife.
— Dérick não!- Priscila o impediu no corredor quando os seus dedos apertariam. Ted aproveitou o descuido, chutou a espingarda ao levantar a perna, a mesma voou caindo ao lado de Priscila. Em pânico Dérick correu quando percebeu que Ted a pegaria já que agora estava muito mais próximo dela.
— Sai da frente!- Ted empurrou Priscila e pegou a espingarda. Sem pensar duas vezes atirou. A porta bateu e foi alvejada pelo tiro, um estrondo de um trovão. Mas Dérick já estava lá fora. Priscila correu na frente de Ted para ver Dérick. Ted foi até a varanda mirando a espingarda quando se deparou com o mini revolver apontado para ele.
— Largue a espingarda, senão eu vou te matar!- Dérick ameaçou perto do tronco.
— Não vou largar, você vai atirar de qualquer jeito.- Ted deu mais alguns passos até sair da varanda – Se você atirar eu atiro.
— Oh, mas o que temos aqui?- Priscila estremeceu na saída da varanda ao enxergar Lisbela vindo da trilha – Crianças vão pra casa agora.- disse caminhando mais veloz. Andy e Anne obedeceram no mesmo instante – Discussões em família? Quê isso? Abaixem essas armas mocinhos.
Dérick e Ted escutaram sua voz, mas não podiam descuidar-se um minuto um do outro.
Lisbela deu passos leves no meio das duas miras e sorriu para os dois que tremiam. Aproximou-se de Priscila que tentou recuar. Instalou-se um silêncio entre os dois canos.
— Não, não faça essa cara pra mim.- Lisbela colocou o braço sobre o ombro de Priscila na saída da varanda e apontou para os dois – Vamos assistir juntas, o que será que vai acontecer? Dérick ou Ted?- ela indagou como se fosse uma brincadeira e Priscila ao seu lado tremia – O traidor, mentiroso e miserável Tedysson ou o renomado advogado, com o matrimônio falido e arrogante desde nascença Dérick Rafael? É Dérick ou Ted?- os dois permaneciam atentos á qualquer movimento – Quem você quer que morra Priscila? Responda-me!- exigiu a resposta com os olhos arregalados, parecia que ia a engolir viva – Melhor… Quem você prefere que sobreviva? Dérick ou Ted?
— Dérick, com certeza eu quero que Dérick sobreviva.- respondeu finalmente.
— Maldita!- Ted xingou enquanto apontava com firmeza.
— Cala a boca! Cale-se miserável!- Dérick berrou com o mini revólver tremendo em mãos.
Lisbela deu uma grande risada empolgada apertando Priscila com o braço sobre os ombros dela. A ansiedade fazia Priscila agonizar, estava ao extremo da aflição.
— Esses seus meninos Priscila, dão mais trabalho que meus filhos. Bom… Eu só posso acompanhar a torcida de Priscila, torcemos por você Dérick Rafael.- ela fez cara de criança – Mas pra isso você precisar atirar, vamos Dérick atire naquele que enganou sua irmã, atire naquele que fizera de você um grande idiota, atire nesse parasita que aproveitou-se o tempo todo de sua mãe.- a expressão de Dérick enrigideceu no mesmo segundo – Atire Dérick! Vamos atire! Atire! Atire!
— Não! Não!- Priscila chorava sem ter o que fazer.
— Dérick atire! Atire! Atire! Atire! Atire! Atire! Atire! Atire!
— Não!!!- Priscila gritou com a alma quando ouviu o som do tiro. Mas em quem acertara? O rosto de Ted estava arregalado, havia choque em seus olhos. Atônito Dérick sentia terror, com o semblante eletrizado.
Priscila se desvencilhava de Lisbela e ameaçou se aproximar deles quando ela a puxou. Tapou a sua boca fortemente com a mão. Seus dedos cobriram os lábios e as bochechas. Calou seu grito.
— Você agora é só minha… Viva maldita.- Priscila maximizou os olhos sem poder gritar. Lisbela sorriu e seu rosto tornou-se sombras. Juntas se envidraçaram.