obra escrita por
YAGO TADEU

*

HINO AO AMOR

Querendo você
Eu vendi minha vida
A preço de feira
E sem despedida.

*

SweetVillage coberta por terror, desde 1942, quando as chamas queimaram o corpo um a um daqueles seres. Lisbela Reis, filha dos falecidos Reis derrubara os castiçais e depois de terem seus corpos carbonizados todos ficaram presos para sempre. Para sempre, suas almas vagariam até que tivessem ousadia suficiente para enfrentar a luz do inferno. Os novos mortos também ficam presos ali, suas habilidades vão melhorando com o tempo mas nas primeiras semanas só vagam e nem falar conseguem. Sei disso tudo por um motivo (…) e sei também porque li os papéis que um dos malditos escreveu, aquelas folhas se perderam entre as árvores da mata e eu as encontrei. Lisbela gostava de mulher, não gostava de homem. Eles a obrigaram se casar e ela cruelmente se matou e levou todos juntos após esse surto de incendiar a igreja. Eles assombram desde então, e são uma ameaça á todos que se infiltram em SweetVillage. As crianças que moram próximos dessa vila, aproveitaram-se disso e criaram até páginas da internet usando o nome da lendária e temida Lisbela Reis, a colocando como uma patroa em busca de empregada e fornecendo no site um antigo número de telefone que funcionava na mercearia daquela vila. Aquelas crianças não sabem que brincam com uma lenda tão real e espíritos tão vivos quanto eles. A vida é um mero detalhe naquele lugar.

Manuscrito que Tedysson leu antes de ser atingido pela bala que o matou na própria SweetVillage.

Dérick olhou entre a mata. O tiro não veio de seu mini revólver, pois suas mãos trêmulas não conseguiriam esse feito. O tiro veio da mata. Não sabia-se quem havia assassinado Ted, mas ele caiu estirando-se na terra e em pouco tempo seu espírito se libertaria do corpo, para entrar na coleção de SweetVillage.

Ted!- gritou a mulher, esgoelou-se mas nada adiantaria. Mesmo assim, lamentava a morte do cretino.

Não adianta gritar. Grita-se pela vida, pela morte não há porque gritar. Nada mais á fazer.- Dérick ouviu isso soltando o mini revólver perto do tronco. Ajoelhou-se desolado. Colocava as duas mãos no rosto sem crer no que sua vida havia se transformado. Lamentava não ter mais tempo para se despedir do filho. Priscila permanecia parada. Desestabilizada já não pensava, já mal sabia o que fazia ali. Afinal o que esperar? Nada.

Debatia-se o homem louro e o sangue marcava o solo de SweetVillage.

A sapatilha deu três suaves passos na varanda. Tranquilamente escancarou a porta da casa. A patroa espreguiçou-se e era quase meia noite. Ajeitou os cabelos ondulados e suas expressões implicantes tomaram um novo ar.

Agora entremos mocinhos. – amarrou o xale marrom o enrolando como um cachecol.

O que vai fazer conosco?- Priscila voltou-se para a varanda.

Todos já estão sabendo, só vocês que não.- Lisbela balançou a cabeça negativamente – O lago de Reis está enfeitado para o nosso matrimônio Priscila. Quero que vista seu lindo vestido rosa claro.

Nós vamos nos casar?- Priscila buscou entrar no embalo. Dérick as observou ajoelhado.

Sim, Priscila. Nós vamos nos casar. O lago está um sonho.- andou até ela sorrindo e puxou sua mão – Venha ver, o vestido que eu vou casar. Um clássico preto matrimonial, com toques fúnebres. Você vai amar.- levou Priscila até a porta e parou virando a metade do rosto – Dérick, coloque a melhor roupa que tiver, você me levará até o altar. – os olhos de Dérick brilhavam aguados. Restava-lhe ser um padrinho.

As duas entraram. Dérick as acompanhou. Só restava-lhes encarar a realidade. Mas a realidade seria suportável?

Você está linda.- elogiou com as duas mãos sobre a boca. Girava Priscila como uma boneca ou como um manequim. O marido encostado na porta aguardava anestesiado. Dérick estava consumado – Vamos mocinha?

Vamos.- o vestido rosa água a deixava bela, mesmo com os cabelos maltratados.

Você vai na frente até o lago para me esperar no altar.- sempre havia algo entrelinhas em seu olhar – Eu sei que você não vai causar nada, não é mesmo Priscila?

Não. Claro que não, Lisbela.- afirmou decidida á entregar-se. Havia afeto no olhar de Lisbela.

Eu confio em você.- acariciou delicadamente com as costas da mão seu rosto. Priscila sorriu sem alternativa e virou as costas encaminhando-se para o corredor. Cumpriria a ordem. Dérick e Lisbela, agora á sós.

Vamos?- deu o braço para ele. Dérick entrelaçou seu braço ao dela. A jaqueta de couro antiga e a calça social não disfarçavam sua expressão anormal e morta. Em silêncio caminharam pelo corredor. A madrugada tinha um clima agradável e uma ventania refrescante. O anel de vidro na mão dele faíscava. Não estava normal. Não, não estava.

Você será um ótimo suplente do meu pai.- a senhora usava um vestido de rendas negro e um formoso chapéu da mesma cor. Colar de pérolas e anéis antiquados cobrindo as mãos. Meio sorriso no rosto agarrado ao braço dele. Aproximavam-se da entrada ao lago. Ela esfregou as mãos se preparando.

O tapete levava ao altar. Os moradores vestidos tão bem. Festa de gala. O tapete não era carmesin, não era de seda ou de um precioso tecido. O tapete daquele matrimônio era uma trilha com as flores de SweetVillage. As pétalas recentemente denominadas com o nome da noiva levavam até ela. Priscila tão graciosa, e bela brilhando no fim do altar. Tão luminosa quanto as pétalas que enfeitavam a festa.

Boa sorte pra mim, senhor Dérick Rafael.- na entrada do tapete ela o olhou nos olhos.

Boa sorte pra você, senhora Lisbela Reis.- confiante com a ira nas pupilas deu o primeiro passo amassando as rosas.

Dois grandes grupos formavam uma platéia dois dos lados do tapete. Elegantes com têrno, calça social e vestidos antigos cinzentos e exuberantes. Dérick notou a mãe, a irmã e Ted em pé ao lado deles. Todos de cabeça baixa e olhando para o chão. Os olhares sérios os acompanhavam na entrada. Ao fundo o lago exalava refrescância. O cheiro da relva no início da madrugada era o aroma típico de SweetVillage. A Marcha instrumental era tocada no ritmo do clássico Hino ao amor por dois violinistas ao lado da entrada.

Com os olhos firmes Priscila aguardava a chegada de Lisbela. Que seja o que Deus quiser. A ventania sacudia os cabelos de Priscila, enquanto o senhor magro á sua frente benzia-se de instante em instante como se fosse mesmo um padre. Lisbela soltou-se lentamente do braço de Dérick ao estar poucos passos de Priscila. O padre franzino apontou para o lado esquerdo, onde Dérick devia juntar-se aos outros. Girou o anel, encaixando-o bem no dedo e algumas pétalas grudaram na sola do seu sapato quando juntou-se aos outros. Encolhendo-se e temendo ser tocado visualizou com coragem os próximos passos do matrimônio.

As palavras do padre se desenrolavam. Stephen queria ser Lisbela. Sorrir para Sidney era indispensável. Maysa fazia de instante em instante uma expressão, com a tiara e o vestido de bolinhas. Sorria e chorava sonhando um dia casar novamente. Emily queria mais que a luz do inferno viessem os buscar. De morte e de sombras, todos transbordavam.

Lisbela Reis, você aceita Priscila Telles como sua esposa? Aceita amar e respeitá-la tanto na vida como na morte e se possível na eternidade? Até que a luz os separe? – as folhas da bíblia nas mãos dela viravam. A ventania a folheava.

Aceito. Aceito.- Lisbela olhou bem pra ela. A ventania parecia que a arrancaria do chão.

Priscila Telles, você aceita Lisbela Reis como sua esposa? Aceita amar e respeitá-la tanto na morte quanto na sua vida e se possível na eternidade? Até que a luz os separe?- o padre aguardou.

Lisbela sorriu para ela e a encarou. Sua tranquilidade teve fim. Calou-se olhando fixamente para ela.

Vamos Priscila, diga que aceita.- desmanchava-se o sorriso da senhora Reis.

As mãos de Dérick torcia-se de nervoso. O silêncio foi a resposta de Priscila.

Priscila? Diga que aceita.- Lisbela colocou as duas mãos cada uma em seu braço, apertando-os – Aceite! Aceite! Aceite!- ouviu-se as risadas e gracejos quando Priscila abria os lábios para falar.

Lisbela!!!- O maldito senhor de barbas e bigodes escandalizou o local. Lisbela voltou-se pra ele.

Valentino?- abismada disse. O velho de sobretudo-negro rasgado pisava firme na entrada do tapete.

Transformou-se em sombras negras e caiu sobre o tapete. Como um vulto dentro do solo murchou todas as flores, uma a uma tornou-se cinzas até surgir em frente á esposa.

Venha comigo desviada. – cuspiu faíscas puxando a mão dela. Arrastou-a pelo tapete. Priscila deu passos para trás. Lisbela foi arrancada do altar pelo marido Valentino.

Eles conversavam agora. Priscila esperava, não conseguia entender o que falavam.

O veículo subia a trilha quando entrou no caminho ao lago. Ítalo ouviu vozes.

Alguém está ai, espero que seja minha mãe.- Dionísio dirigia na escuridão da mata. Sabia que poderia morrer ali, mas sabia também que os pais de Ítalo poderiam já estar mortos. Era um risco indispensável.

Estou vendo algo.- Dionísio foi mais lento ao ver a multidão – O que está acontecendo?

Não sei.- Ítalo balançou a cabeça. Sua expressão tentava entender quando avistou a mãe.

Estavam se encaminhando ao lago. Caminharam sobre o lago sem tocá-lo. As águas eram um piso liso, a vida palpável. A morte não. Arrastavam os calçados até a estrada. Iriam enfrentar seus destinos. Os Villages encaminhavam-se á luz, seja o destino que ela os levasse. Desistiriam da inexpressiva morte em vida e encarariam a morte de verdade. Estavam exaustos da morte fútil. Ted se encaminhou sem olhar para trás, foi para onde o destino quisesse o levar. Érika e Maristela ainda olharam para trás, Dérick não pôde ver o adeus em seus olhares. A ira já secara todas as gotas de qualquer amor. Jonhásson os seguiu, com a cabeça baixa e sem forças como todo recém espírito.

Dérick observava Priscila no meio da multidão enquanto eles passavam cegos, sem mais olhar pra ela. Agora só queriam partir. Priscila não está perdida. Está procurando o maldito barqueiro? Ele se recusará á encarar seu destino como os outros? O anel de vidro que Lisbela jogara pela janela, faiscava e refletia os próximos acontecimentos vibrando em seu dedo.

O que está procurando Priscila?- Helenita a puxou tirando-a da mutidão – O que está procurando filha?- Helenita desejava sua salvação.

Olhou nos olhos dela, e agora entendia porque havia sonhado com aquele lugar muito antes de estar ali. Helenita sorriu como se fosse viva, enxergando nos olhos de Priscila o perdão. Não respondeu nada. Abraçou a mãe como o primeiro e último abraço que lembraria, agora choravam juntas.

Você precisa resistir Priscila. Agora o caminho está livre.- os cabelos negros de Helenita sacudiam.

Eu te perdôo mãe, te perdôo por tudo, por tudo. Eu te perdôo. – Helenita soltou-se da filha.

Era só isso que eu precisava para partir. – os olhos da filha a encantaram. Lamentou ter a largado, e a rejeitado como se fosse culpada do pai ter a deixado sozinha e renegado a própria filha. Era disso que Priscila precisava, de amor e não de desprezo.

Mãe…- estendeu a mão soltando aos poucos seus dedos. Helenita encolheu-se dentro do casaco áspero e partiu rumo aos outros na estrada. Sorriu para o neto que observava atento ao longe. Helenita olhou uma última vez para trás e uma lágrima cintilou presa nos olhos da filha. Ela partiu. O vento era uma música estonteante.

Mãe.- Ítalo chamou Priscila que sorriu agraciada ao revê-lo. Dionísio logo atrás observava os encarando como uma estátua mais próximo da entrada no lago.

Ah… Encontrei vocês.- o velho de rugas profundas empunhava uma espingarda.

Acalma-se caçador Hoffmann.- Dionísio gesticulou com a chave do carro em mãos – Somos só nós, acho que eles já se foram. – Hoffmann rosnou mirando a espingarda com as mãos bambeando.

Vocês vão ter que pagar, pelo erro que eu cometi.

O que você está dizendo?- Priscila indagou com as duas mãos sobre Ítalo – O que você fez? Do que você fala !?

Ele fechou o casaco velho olhando para os dois lados. O que estava feito, estava feito.

Eu matei… Tedysson!- os próprios lábios tremeram de terror ao revelar isso. Dérick escutou na beira do lago.

Porque?! Porque o matou?- exigiu saber. Priscila não entendia.

Ele veio me visitar ontem na loja. Disse que queria uma casa de campo e falou sobre os moradores de Sweetvillage, não gostava de campo mas desejava uma casa para fugir.

Fugir?- Dérick questionou aproximando-se por trás de Priscila. Indagou com os olhos frios sobre Hoffmann.

Pelo o que quis me dizer, era um traficante. Eu saí para caçar e quando voltei minha casa estava revirada. Eu o encontrei lendo meus manuscritos, Tedysson havia descoberto o meu grande segredo. Me chantageou e disse que eu deveria arrumar uma casa de campo logo, senão espalharia meu segredo nos quatro cantos de Zellwéger. Ele tinha como provar, eu confessei nos manuscritos .- chamas do passado reluziram nos seus olhos – Ele soube que eu fui o responsável. Fui o grande responsável pela morte de todos os moradores de SweetVillage. Eu amava Marli Rodêh, e a desviada da Lisbela Reis roubou minha primeira namorada. Roubou Marli e transformou em uma desviada como ela. Marli Rodêh se apaixonou pela maldita e encontrando-se ás escondidas com ela separou-se de mim. Lisbela foi obrigada á casar com Valentino.- eles ouviam aturdidos – Durante o casamento, Lisbela teve um ato de fúria E… derrubou os castiçais na igreja. Eu assistindo de fora, tranquei a igreja ao ver a grossa chave presa á fechadura e assim ninguém escapou. Atirei em Ted, pra que esse segredo e esse caso não seja reaberto. Todos vocês… Vão morrer. Todos!

Nós não vamos falar, só queremos voltar ás nossas vidas. Nada disso á nós importa.

Calem-se!- mirou a espingarda diretamente para Priscila que se afastou de Ítalo – Vocês não vão ressucitar esse segredo. Eu vou matar todos.- Dionísio tentou puxar o garoto e Priscila gritou:

Por favor, não!

Os lábios ressecados de Ítalo ameaçaram gritar, quando um vulto correu derrubando com um empurrão o caçador. Hoffmann teve sua espingarda arremessada para longe, voou batendo a cabeça e a nuca no chão. Deu um fraco grito e desmaiou.

Senhor Edgar correu e num instante abraçava Priscila com toda a força que podia. Acabava de salvá-la da morte.

Você está bem? Você está bem?- Dérick com ódio observou aquela cena. O anel reluzia no dedo.

Eu estou bem. Eu estou bem.- Priscila pareceu ter esquecido que seu marido e filho estavam ali. Os dois lábios se tocaram. Rápido toque,algo mais que um selinho. Dionísio puxou a mão de Ítalo que parecia desorientado. O afastar dos dois rostos revelou o cano apontando para os mesmos.

Diga que me ama…- Edgar e seus olhos amarelos estavam perdidamente apaixonados.

Pai… nnão faça isso!- Ítalo gritou quando Dionísio retrocedeu alguns passos novamente o protegendo.

Priscila se afastou de Edgar e quando voltou á realidade a arma já mirava sua cabeça.

Eu vou te matar Priscila.- á cinco metros dela a expressão de Dérick tremia com a espingarda do caçador em mãos – Eu vou te castigar traídora.- Priscila sentiu um arrepio e se encolheu.

Larga essa arma.- Edgar andou aproximando-se dele. Os passos em fúria.

Edgar ,não faça nada. Edgar,não! Edgar… Não!- Priscila berrou.

Os arbustos se mexeram. A garota loira surgiu. Era a irmã dele, era a irmã de Edgar. Agora estavam frente á frente novamente.

Alessandra?! Alessandra, não fuja! Eu preciso te abraçar irmã.- ela mantinha-se chocada. Os olhos com medo diante de toda aquela cena. Dérick mudou a direção da espingarda. Agora o barqueiro era a mira.

Isso!- Senhor Edgar sorriu empolgado – Mostre á minha irmã que meu espírito só vai sair desse lugar quando ela me abraçar novamente…- Alessandra quase corria dele – Vai… Mostre que já não pertenço á vida… Atire! Atire pra que ela veja! Atire!- bateu no próprio peito. Dérick fechou os olhos, sua mão escorregou no gatilho.

Não!!!- Alessandra gritou vomitando a dor de uma vida. Seu rosto magro e branco como o do irmão eriçou.

O cano tremeu como as mãos de Dérick, como a expressão de Ítalo,c omo o medo de Dionísio,como a alma de Alessandra, como coração de Priscila. Senhor Edgar sorriu e sua face se iluminou junto das duas lâmpadas que eram seus olhos. O tiro cortou o silêncio lentamente, como o malfeitor tortura a vítima. O contato com a bala certeiramente ao peito estremeceu o corpo de Edgar e chacoalhou a sua alma como um fantoche. Seu sorriso desmanchou-se lentamente, era o pálido sol se pondo no horizonte e a chegada da verdadeira noite.

Edgar ajoelhou-se eletrizado. Priscila correu até ele, desesperada não sabia o que pensar. Alessandra também correu. Em seguida ele caiu de costas na terra. A espingarda de Dérick caiu junto na terra e a aliança de vidro em seu dedo deslizou batendo ao solo, como sua mão deslizara antes no gatilho. Dérick fugiu no mesmo instante. O filho gritou seu nome, mas não sabe pra onde…sumiu na mata.

Edgar!- Priscila chorava com a cabeça dele no seu colo – O que está acontecendo? Eu não entendo…

Alessandra soluçava acariciando seu rosto, o sangue espalhara-se nas roupas das duas. Edgar cuspiu sangue e sorriu.

Edgar é meu irmão. Eu e minha família o procuravámos pela mata. Eles foram embora e eu fiquei, mesmo tendo choques e medo ao revê-lo. Precisava revê-lo.- o rosto de Alessandra era idêntico ao dele. As dores também. Os lábios tremiam, mas ela contaria tudo, pra que ele pudesse ouvir antes da autêntica partida.

Hélio Edgar nasce em 1977. Logo na adolescência,o transtorno bipolar era motivo de muito sofrimento e dor ao jovem que brigava diáriamente na escola de Zellwéger. Sim, sofria bullyng e sempre tentava revidar. O jovem de olhos amarelos, tinha ótima relação com a irmã mas aos poucos a relação se deturpava. Em 2001, Hélio Edgar foi internado no hospital psiquiátrico de Montenegro ao agredir a irmã num shopping Center, era ciumento e quando com raiva descontrolado. Em 2004 após muita luta, Edgar recupera-se e sai da clínica, realiza seu sonho e torna-se escritor de poemas. Diante do fracasso de seu livro,o transtorno começa á dominá-lo e ele volta a ser o Hélio Edgar de antes do tratamento. Em 2012, cego de ciúmes diante do namorado da irmã e seu amor confuso perante á ela, ele agride-a sem querer e a família o expulsa de casa. Hélio Edgar transtorna-se ainda mais e rouba um carro no centro de Zellwéger. Sai em disparada com o carro, atropela um garoto que corria desorientado na estrada e chora ao volante sem parar pra ajudá-lo. Edgar em seguida bate o carro na estrada e arrasta-se para pedir ajuda na vila mais próxima, ele desmaia na cratera do lago de Reis em SweetVillage e um novo transtorno toma conta dele. Hélio Edgar, chamado pelos Villages como Senhor Edgar, sofria com a síndrome de Cotard. O delírio que faz quem sofre dele pensar estar morto. Chega á sentir cheiro de seu corpo apodrecido e como um cadáver-ambulante acha que não deve comer. Difícilmente se convencerá de que está vivo. Um delírio que necessita de intensivo tratamento, tratamento que Edgar não teve. Foi mais fácil para o mortos decretar que ele era um deles, do que matá-lo. A morte não tinha graça nenhuma para eles,como a vida não brilhava para muitos vivos. Edgar morreu perto do lago, e por isso o nomearam o novo barqueiro.

Graças… A Deus. Agora sim a morte, agora sim.- engasgava-se de felicidade. A morte enfim viria – Perdoem-me…perdoem-me ao menos na morte.- conseguia ainda pedir. Duas banheiras de lágrimas molhavam seu corpo ensanguentando. Simplesmente não acreditava, Priscila chorava a morte do maior responsável pela morte de seu filho. As dores de viver tornavam-se insuportáveis para ela. Cicatrizes abriam-se e multiplicavam-se em sua alma.

Eu te amo.- ainda disse.

Não vou dizer que te amo…se não amo nem mesmo viver.- ela disse e ele sorriu ainda. Vivia ainda. Chorava ainda. Morria aos poucos, mas sofrer não. Sofrer nunca mais.

Adeus.- Alessandra despediu-se ao vê-lo fechar os olhos. O silêncio da morte fazia dos prantos uma sintonia. O espírito de Senhor Edgar libertou-se do corpo. Alessandra observou sua saída. Priscila deu um salto agarrando sua perna, quase pedia para ele que a levasse junto.

Acabou, o tormento acabou. Eu te amo. Eu te amo.- enxergava sua luz de partida depois do lago e das árvores da mata. Já era a hora.

Adeus.- Priscila soltou-se sutilmente de sua perna. Largou seu corpo e aceitou a despedida desagrada – Adeus Edgar. Adeus…

Volte á sua vida Priscila.- sorriu pela última vez – A vida precisa de você…

Priscila o deixou ir. Alessandra chorava desolada sob a escuridão da madrugada. Ítalo aproveitou para correr até a mãe. Dionísio parecia desestabilizado ao ver tudo aquilo acontecer diante dos seus olhos. Ítalo agarrou a mãe e ambos se abraçaram com força, descarregando suas tristezas. Ninguém percebia os movimentos de Hoffmann. Ninguém notava o levantar do caçador.

Ele abriu os portões do cemitério. Seguiu pelos jazigos. Poderia entrar em qualquer um deles. Sentia seu corpo morto e isso bastava para querer morrer de verdade. Ajoelhou-se numa sepultura colocando as duas mãos no rosto. Fim de lida. Fim da vida. Eis a partida agora. Levantou com pouca forças nas pernas e as lágrimas o inundavam. E as lágrimas não cessavam um segundo, pois nenhum segundo mais encontraria forças para sorrir. Acabou, agora reconheço. Não dá mais. Não dá, Não dá, Não há…Não há mais…

…Vida!!!- gritou como uma ópera aos céus. Girou como peão até avistar uma pá sobre a terra. Segurou-a ainda chorando. Cavou. Sonhou. Cavou. Amou. Cavou. Chorou. Cavou. Findou.

Olhou para a cova mal aberta sobre a terra. Se houvesse chuva não molharia tanto quanto seus olhos. As lágrimas o afogaria.

Dérick Rafael, deitou na cova e pôs as duas mãos sobre o peito. Fechou o zíper da jaqueta. Aconchegou-se sob o escuro de SweetVillage. Fechou os olhos e aconchegou-se no leito da morte.

Onde está meu pai? Onde está meu pai?- Ítalo não pensava em outra coisa agora.

Eu não sei Ítalo, eu não sei.- Alessandra abalada observava o choro de Priscila.

Preparem-se para morrerem também.- a espingarda apontada novamente. Hoffman a mirou para Dionísio em pé novamente.

Por favor, não faça isso! Não faça!- Dionísio implorou pela vida.

Todos vocês morrerão. Malditos sejam vocês, malditos sejam os encostos deste lugar, maldito seja o espírito de Lisbela Reis!- ele gritou quando a aliança caída na terra logo atrás deles começou a chamuscar.

O caçador mirou pra ela que se tornou chamas altas e vivas. Seus olhos em pânico agora. Todos encararam o anel e em poucos segundos seus olhos testemunharam. Os dedos saíram primeiro. O braço depois lentamente, e em seguida todos viram a aliança exalando faíscas e a camponesa surgindo. A aliança explodiu. Despedaçou-se em infinitos pedaços.

Você tem que pagar!- a voz dela soou grossa, grave e aterrorizante. Seus olhos saltavam de medo. Tremia. O terror de uma vida. A lenda estava bem á sua frente agora. O corpo dela era brasas, em chamas vivazes.

Afaste-se eu vou atirar!- ameaçou e as risadas dela eram um som agoniante.

Você vai atirar…- Lisbela correu em direção dele – E eu vou te matar…vivo maldito!

Priscila segurou a mão dele e não houve exaltações. Seus olhares vidrados. Alessandra e Dionísio petrificados. Lado a lado, mãe e filho assistiam a cena juntos.

Amedrontado apertou o gatilho, o seu terror transbordava e o automático foi disparar. O tiro alvejou o peito de Lisbela que pareceu agonizar virando o rosto para trás. Hoffmann estranhou boquiaberto. O tórax de Lisbela incendiou-se ainda mais e vibrou quando ouviu-se o disparo. O tiro foi devolvido com impacto, acertando a barriga de Hoffmann.

Eu vou fugir!- Alessandra olhou para a mata com intuito de correr.

Fique…- os cabelos loiros de Priscila jogados no rosto. Não dava pra fugir. Não, agora.

O que ela vai fazer conosco?- Dionísio molhou os trêmulos e secos lábios.

Eu não sei.- Priscila não sabia, mas esperar era ter chances de sobreviver.

Tornando-se chamas ela subiu e entrou na boca dele tomando seu corpo. Hoffmann arregalou os olhos e as rugas no rosto pareciam brasas vivas.

Feche os olhos Ítalo.- a mãe ordenou pondo a mão sobre seu rosto.

Agora sentia seu corpo em chamas, como ela sentira também. Agora sentia ainda em vida o castigo. Aos poucos morria pagando pelo maior erro que cometera. Agonizava. Era cruel, como foi cruel e perturbador o incêndio de 1942.

Lisbela saiu como fogo de seu corpo, que caiu carbonizado na terra. Formou-se os membros e a fisionomia ainda debaixo das chamas. Priscila empurrou Ítalo para Dionísio. Ela viria até ela.

Vá ao encontro da luz Lisbela… Todos foram. Fique em paz!- aproximou-se dela com medo.

Como sombras e chamas, Lisbela veio até ela a rodeando como uma presa.

Mãe!- o filho chamou e Dionísio pediu que se calasse. Tapou sua boca.

Face a face com a empregada. Priscila tremia olhando fixamente em seus olhos, quando seus dedos de brasas arrancaram os brincos de andorinhas dela. Priscila grunhiu com dor e as andorinhas douradas foram arremessadas para longe. Incendiaram-se tornando-se cinzas.

Você foi a sétima e a pior empregada das sete, você me fez amar você… Viva maldita!– Lisbela a empurrou e ela desabou de costas na terra. Ítalo gritou e Lisbela berrou como um estrondo lançando chamas. Dionísio saltou com o garoto rolando pela terra. Alessandra ameaçou fugir. Lisbela incendiou a mata ao redor e agora não havia mais escapatória.

Deixe-os em paz Lisbela!- Priscila acendeu o isqueiro que escondera no bolso e o mirou – A sua raiva é de mim, não é deles. O seu ódio agora só está direcionado á mim e á mais ninguém. – O fogo a mandaria para a luz. Chamas reais e mais vivas que as dela.

Lisbela encarou as faíscas do isqueiro, Priscila descobrira o ponto fraco dos espíritos de SweetVillage. Lisbela não temia o fogo. Por um lado, ele o salvara de um casamento infeliz com Valentino em vida. Mas Lisbela sabia que o contato com o fogo dos vivos poderia a mandar para o inferno.

Você não pode amedrontar, você não é nada. – chegou mais perto se alastrando – Você é como esse isqueiro, uma mini e insignificante ameaça de chamas tão inofensivas e iludidas.- Lisbela aproximou-se em zigue-zague. Priscila escorregou caindo para trás e o isqueiro voou longe. O coração de Ítalo gelou.

Deus não te perdoou Priscila, seu filho não te perdoou…

Mentira!- Priscila gritou no chão – Meu filho sempre esteve comigo e sempre estará.

Seu filho não quer mais seu amor, seu filho te odeia!- Lisbela se enfureceu. Riu soltando faíscas.

Mentira!- a enfrentou gritando com todas as forças – Você nunca foi amada em vida, mas eu fui! Eu fui!

Mãe… Levante-se! Corra!- Não adiantaria gritar ou chorar. Lisbela agora partiu pra cima dela.

Priscila fechou os olhos. Lisbela empunhou o braço de brasas e Priscila esperou o inevitável. Abriu os olhos novamente e a luz resplandeceu á sua frente. Lisbela se impactou ao ver o menino iluminado. Inacreditável. As chamas de Lisbela apagaram-se aos poucos quando ele a encarou. As brasas amortecidas e o espírito em fúria agora inerte espalhando fumaça.

Ma-Mateus?- Ítalo disse sendo segurado por Dionísio. Alessandra colocou as duas mãos no rosto, vira quando o menino surgiu de repente.

Mateus?- ele virou-se para ela. O mesmo sorriso e o mesmo olhar. O mesmo jeito de encantar. As lágrimas da profunda dor de toda uma vida caíram descendo até o queixo. Lágrimas pelos pecados,pelos imperdoáveis erros. Se tivesse sido diferente, se tivesse sido forte o suficiente para não cometer erros de tamanha destruição. Erros repugnantes. Não conseguia dizer nada. Apenas o olhava mais que maravilhada, emocionada á ponto de só querer observá-lo. Era a figura mais linda. Era a sua esperança. Ainda era.

Mateus balançou a cabeça positivamente e riu a extasiando. Ela sabia o que significava aquele sim. Sorriu de canto. Estava perdoada. Não sabia se por Deus, mas pelo filho estava.

A luz começou a evaporar e subiu aos céus como uma neblina iluminada. A lágrima tocou os lábios de Ítalo. Dionísio perplexo o segurava. Lisbela estava sobre o chão. O vestido negro fúnebre espalhava fumaça escura como a calmaria de um incêndio. Mateus partiu. O incêndio sobre a floresta, abaixou.

Os dois chegaram ao lago. Tinham agora o olhar de medo em seus olhos. Algo ainda não visto.

Mãe.- Andy olhou para ela estirada tristemente na terra – Mãe!- Anne segurou no braço do irmão.

Vocês… Onde vocês… Vão?- Lisbela se agachou á frente deles. O amor era o recheio do olhar.

Procurávamos você. Onde estão todos?- os olhares de aflição dos garotos.

Agora, vocês precisam partir.- arrumou os cabelos das crianças. Os ajeitou como sempre fazia – Vão…até a pista e eu logo vou atrás de vocês. Finalmente vocês poderão conhecer um mundo novo.

Você… Logo vai atrás brincar?- Anne perguntou feliz. Os vivos fugiam atrás.

Claro mocinha, eu logo vou.- acariciou os longos cabelos de Anne.

Tem certeza que podemos brincar na pista?- os olhos de Andy contentes sem acreditar.

Claro, agora vocês podem brincar onde bem quiserem. Voem crianças.

Obrigado mãe.- ambos saíram correndo pelo lago. Flutuaram sobre as águas enquanto os vivos entravam no carro. Lisbela chorava a partida dos filhos, agora estava sozinha.

Priscila se soltou da mão do filho por um minuto. Bateu a porta e os quatro já dentro do carro desesperavam-se para partir.

Lisbela! Vá para luz como os outros…liberte-se!- Dionísio tremia ao volante – Liberte-se!- Priscila gritou para que ouvisse.

Ela disse essas últimas palavras e o carro já entrava na trilha, temiam que as chamas os alcançassem.

Priscila! Priscila!- Lisbela arrancou as presilhas que mantinham seus ondulados cabelos presos. Jogou uma a uma as quatro presilhas no lago. Agora estava só. Completamente só, chorou pela dor do passado e de sua covardia, sem coragem de se encaminhar á estrada para luz. Sem coragem para enfim sair de SweetVilage e acabar de uma vez com aquela vida disfarçada de morte. Deitada sobre a terra, as lamentações.

Nada se leva da vida, nada se sabe da morte, o que se sabe é que pra despedir-se não necessita ter sorte.- seus olhos de bailarina fecharam-se como uma barreira em busca de controlar uma correnteza de sensações.

Priscila escutava os seus gritos e chorava junto com o cotovelo apoiado sobre a janela aberta. O vento entrava e sacudia suas mechas. Suas pálpebras balançavam quando olhava para cima e para baixo sentindo o cheiro das chamas. Não suportaria suportar mais. Ítalo levantou do banco quando ela tirou o cinto.

Mãe? Tudo bem?- indagou quando Alessandra acariciava seus cabelos em silêncio.

Tudo bem filho…tudo bem.- Priscila abriu a porta do carro de repente e Dionísio parou.

Priscila o que foi?- Dionísio quase parou o carro mas ela mandou continuar.

Priscila? Está tudo bem?- Alessandra notava suas expressões. Havia algo anormal.

O carro entrava na estrada próximo do fim da mesma á beira da cratera do lago de Reis.

Preciso sair.- Priscila abriu a porta e quase se jogou para fora completamente atordoada.

Priscila?- Dionísio estranhou saindo do carro. O que se passava com ela?

Mãe?- Ítalo abriu a porta e Alessandra foi atrás. Priscila caía no meio da estrada.

Mãe… Está passando mal? Mãe?- Ítalo foi até ela.

Priscila, entre no carro e vamos pro hospital. O que tá sentindo?- preocupado Dionísio segurou seu braço.

Cuide dele. Cuide dele, por favor cuide dele.- Priscila olhou bem nos seus olhos e foi até o filho.

Fique com Deus. Eu te amo, eu te amo.- deu três beijos na testa do filho.

Mãe…onde você vai?

Não se atente á isso, eu estarei com você onde quer que você esteja.- ele sentiu que ela partiria.

Não!!!- ela se soltou de suas mãos e Ítalo chorou sem entender.

Priscila? Onde você vai?- Dionísio a observou se despedir. Ela andava de costas.

Eu te amo Ítalo. Eu te amo.- foram suas últimas palavras ao ver as lágrimas do filho. Ele chorava porque sabia. Sabia que sua mãe não voltaria mais.

Não, a vida não precisa de mim Senhor Edgar. Pensou ao lembrar do que o barqueiro falara. A vida precisa de pessoas honestas e boas, certamente não necessita de mim. O garoto já observava sua partida na trilha de terra. Deu as costas para o filho e fez a única coisa que lhe restava: Chorar.

Porque ela vai embora? Porque ela vai voltar áquele lugar?

Alessandra colocou a mão sobre o ombro do garoto sem compreender. Dionísio segurou seu braço.

Não sei… Ítalo. Eu Não sei. Onde quer ela vá, ela vai te amar para sempre.- os olhos dele brilharam.

Mãe! Eu também te amo. – deu um grito alto o suficiente para que ela escutasse isso na trilha.

Priscila inclinou a cabeça no escuro da trilha. Ela ouviu isso. Felizmente ouviu.

Tudo vai dar certo. Sei que tudo dará certo.- Dionísio afirmou ao volante.

Ítalo encostou a cabeça no estofado do carro. Onde encontraria forças novamente? Onde? Onde? Aonde?

*

6 meses depois…

Havia acabado de sair da escola. Passara no centro de Zellwéger para fazer umas compras. Ao seu lado, o garoto caminhava pela calçada com um ar ainda receoso. Seis meses ainda era pouco para ele se recuperar. Foram seis difíceis meses. Foram batalhas árduas no cotidiano para o menino agora sem mãe e sem pai desejar voltar á escola. Fazia dois meses que havia retornado. A ausência da mãe que escolhera sua destino era muito dolorosa. A ausência do pai que morrera de estranha forma na cova era outra grande dor.

Delicioso. Que delícia de churros.- Dionísio abocanhou mais um pedaço e fechou os olhos encantado.

Está mesmo uma delícia.- Ítalo deu um considerável sorriso. Sentou no banco da praça.

Sorria tão pouco, mas Dionísio adorava vê-lo sorrir. Dionísio sabia que o garoto gostava de suas divertidas brincadeiras e que esse era o único modo de fazê-lo sorrir de verdade.

Fico feliz que esteja gostando, eu faço de tudo pra você gostar. Espero que esteja…

Eu estou gostando.- ele o cortou sorrindo. Tentava mostrar que sentia-se bem porque gostava de Dionísio.

A praça tranquila de Zellwéger os deixavam á vontade. Sempre passeavam ali. Dionísio engoliu mais um pedaço do churros e diria algo mais, quando o policial o interrompeu.

Boa tarde.- o policial branco de quase quarenta anos cumprimentou Dionísio. Velhos conhecidos.

Boa tarde.- Dionísio respondeu estendendo a mão. Ítalo já esperava as notícias.

Então… Eu e meus homens fomos até SweetVillage. Nada nos aconteceu.- deu um fraco sorriso.

Nada?- o garoto mastigava o último pedaço do churros. Poucos ruídos na serena praça.

Seu pai como disse…- olhou pra Dionísio com receio – Foi encontrado morto e afogado numa cova.

Sim, nós já sabemos disso.- Dionísio interveio – Não havia chuva… Sei lá. Como morreria então afogado numa cova?

Nós não sabemos. Parece que houveram erros na perícia, irão analisar novamente. Nós vimos também, sua mãe caminhando por lá…

Minha mãe?! Vocês viram minha mãe?!- a expressão do garoto saltou de emoção.

Sua mãe está vivendo sozinha naquela casa. Se recusou vir…se recusou voltar. Nós podemos interná-la se quiserem.

Senhor, depois conversamos sobre isso.- Dionísio interrompeu pelo garoto.

Não quero que a interne. Ela sabe o que foi melhor pra ela.- naquele triste momento o garoto pediu um sinal á Deus, pediu um sinal ao irmão. Um sinal sem explicação, não sabia o que queria. Talvez quisesse um sinal de paz e o pediu em pensamento.

Depois volto á falar com vocês, está tudo muito estranho.- o policial desconfiou – O policial Jonhásson foi encontrado morto dentro da viatura que caiu no lago Reis.

Morto?- Dionísio se surpreendeu e em seguida olhou para o chão – Meu Deus!

Meio dia e trinta saíram da praça. Dionísio voltaria ao seu bar ás uma e meia. Passaram no centro para revelar algumas fotos impressas á partir de um pen drive. Agora estavam em frente da loja de eletrodomésticos. O sol inicial da tarde era agradável.

Espere aqui Ítalo.- Dionísio o deixou em um pequeno muro rente á rua – Acabei de revelar as fotos, sabe que está incluída algumas fotos de…

Eu sei Dionísio. Eu não ligo de ver fotos do meu pai e da minha mãe.

Dionísio balançou a cabeça e entrou na loja de eletrodomésticos. Pegaria o liquidificador que sua mulher Ellen deixara no conserto. O garoto ficou ali á olhar para o céu enquanto os carros passavam. Decidiu abrir o pacote de fotos. Abriu o pacote com listras amarelas e pretas conferindo a primeira foto. Um passeio no zoológico. Ainda eram fotos dele com Dionísio. Lavando louças. Agora era uma foto dele com sua mãe. Lavando o carro. Agora era uma foto com seu pai. Lamentou a ausência disso tudo e olhou a última foto. Seu coração disparou e seus lábios torceram para chorar no mesmo instante.

Eu, minha mãe, meu pai e meu irmão!- ele olhou bem o sorriso do irmão com o braço encostado nele. A mãe atrás de Ítalo e Dérick com um grande sorriso aberto ao lado dela. Todos atrás da mesa com o bolo.

As lágrimas desceram e ele abraçou a foto olhando para os céus. Não sabia porque seu destino era esse, mas seu irmão o pediu para ser forte e ele seria. Agora tinha uma foto de seu irmão em seu décimo aniversário. Uma inédita foto de seu irmão aos seus dez anos.

SWEETVILLAGE

Os dias se passaram, as noites se foram e ela permaneceu ali, junta de seu destino, e seu destino era pagar pelos pecados. Ambas as mulheres, sabiam que o passado era incorrigível e encararam o presente aplicando em si mesmas seus merecidos castigos. Todos os dias Priscila Telles chorava, por uma morte em vida, pelo seu suicídio.

Estava viva de corpo, que pena que a alma não respondia o mesmo. Todos os dias, ela e Lisbela passeavam nos campos de solidão, da cadáver SweetVillage. Sozinhas em meio ao aroma da relva molhada e o cântico dos urubus, se houvesse uma viva melodia que eles soubessem cantar.

Agora mesmo Priscila recordava-se de Ítalo. Espero que um dia ele me perdoe.

Cruzou os braços olhando para o parque, o suéter rosa e a calça de moleton que vestia era em razão do rachante frio na insípida SweetVillage. Os olhos dela estavam tão frios e desacreditados quanto o clima do local. A expressão facial assídua ao gira-gira que movimentava-se sozinho, e a neblina era o fundo de sua visão. Sentiu o vapor quente da respiração dela em sua nuca. Virou-se para ela e o sorriso de Lisbela foi instantâneo.

Eu adoro quando você me olha com esses olhos.- fez uma envolvente expressão de fascínio – Adoro quando você sente medo, adoro quando você tem receios. Sua eterna insegurança no olhar e seu caráter conturbado me fazem ter a certeza…- agora começou a sussurrar – Que nosso amor será para sempre um jogo de vida e morte. Você não acha isso fascinante?

Acho.- respondeu apenas. Lisbela a levou com um sutil e minucioso puxão até as areias úmidas do parque.

A camponesa carregava uma cesta na outra mão. Meio da tarde após um dia na roça.

Sente-se mocinha.- apontou para o gira-gira largando a cesta ao lado do balanço.

Como se a ignorasse Priscila olhou para o céu cinza e as manchas na palma da mão estavam mais fortes.

Priscila!- Lisbela a cortou com um chamado autoritário – Sente-se.

Priscila virou-se lentamente e encarou Lisbela. Em seguida descruzou os braços e sentou no gira-gira sobre as barras de ferros que soltavam ferrugens, descoloridas e ruindo. Segurou com as mãos a gelada barra de ferro e abaixou levemente a cabeça, fazendo uma expressão com se o frio estivesse terrível. As unhas quebradas descolavam de seus dedos. Mechas louras caíam de sua cabeça deslizando entre as grades do brinquedo. Os cabelos defasados e uma fraqueza corporal enorme.

Depois… Vamos comer o pedaço de seu bolo, deve estar delicioso como sempre.- Lisbela tirou as sandálias e descalça ligou o pequeno rádio deixando em volume médio ao lado da cesta. The Supremes, soou como um belo clássico na hora do chá. Os tempos de bailarina de Lisbela, eram visíveis dentro de suas pupilas. Uma jovem bailarina ainda dançava dentro do negro de seus olhos.

Os dedos de Priscila umideceram com as lágrimas. Gotas de uma dor complexa, que ela mesmo não compreendia.

Não chore.- Lisbela segurou seu queixo que tremia e Priscila olhou em seus olhos – Não faça do seu destino as suas lágrimas, não faça da sua dor uma revolta. Eu aprendi isso, você vai aprender. Você tem que aprender. Não chore pois nosso amor não é mais um negócio. Nosso amor não precisa de certidão, nós somos o melhor casal do mundo. – sorriu com uma felicidade sombria na face – Nós somos melhor que qualquer outro, somos o casamento da vida e da morte e ninguém pode nos separar. Ninguém… – Lisbela disse isso e deu beijo carinhoso na testa da esposa. Priscila se eriçou abaixando a cabeça novamente.

Lisbela girou o brinquedo rindo e Priscila fechou os olhos. Girou e girou cada vez mais rápido, cada vez mais forte. Priscila sentia o vento cortante de olhos fechados como se estivesse dentro de um tornado. Já não ouvia mais a voz dela, apenas a melodia do fundo, melosa, romântica e clássica. Em cada volta uma lembrança, em cada giro um remorso, em cada remorso a certeza de aquele era o melhor destino que poderia ter. Priscila sabia que nunca seria a mesma se tivesse voltado á cidade, poderia ser um perigo para as pessoas ou um perigo para si mesma. Ela não sabia se havia aceitado a morte, se havia se entregado como uma fraca ou se teve o mérito de reconhecer o próprio castigo. Priscila não sabia, aliás Priscila não sabia mais nada. Quando abriu os olhos viu Lisbela gargalhando e se divertindo como uma criança no gira-gira. Agora as duas estavam no mesmo tornado. Priscila só sabia que a vida não era fácil e a morte também. Priscila sabia que a vida castigava os erros e a morte também. Priscila sabia que a vida era um negócio e a morte também. Por isso mesmo Priscila Telles não sabia mais de nada, pois já não sabia diferenciar quem era a vida e quem era a morte.

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